sábado, 28 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5370: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VIII): As “licenciaturas” dos tigres do Cumbijã.


1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 28 de Novembro de 2009:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO- VIII

AS “LICENCIATURAS” DOS TIGRES DO CUMBIJÃ

Tratado com “paninhos de renda” pela menina Adelaide, a minha mãe, que me deixou repentinamente, nos idos anos oitenta, antes mesmo de completar setenta anos de idade, vivi uma infância sem o mínimo sobressalto, pois para além dos miminhos que só as nossas mães sabem oferecer, tinha nela uma bela guarda-costas, pois impedia que as asneiras mais graves do Vasquito, quase diárias, chegassem ao conhecimento do pai Vasco, que no seu avantajado físico, metia um medo do caraças…

Um belo dia este vosso amigo ficou doente, penso que com uma gripe forte, mas já alertara a sua mãezinha, que postal com uma “falta de disciplina”, daquelas que a secretaria do liceu enviava ao encarregado de educação, escritas num vermelho ainda mais vivo que as camisolas do meu querido Glorioso, e que dizia respeito a uma expulsão de uma qualquer aula por uma qualquer coisa que eu havia feito, vinha a caminho e estava prestes a chegar. É desta que eu não escondo o postal seu malandro, ameaçava a minha mãe, mas os seus lindos olhos traíam de imediato as palavras e eu, repimpadamente, estava pronto para a próxima.

O meu pai saía para o trabalho pelas oito e meia, regressava por volta da uma para o almoço, o “sacana” do correio chegava pelas dez e meia, portanto tudo controlado. Nesse dia em que a gripe não me deixara levantar e em que deitado “estudava” uma qualquer disciplina, com uma revista do Condor ou do Cisco Kid entre as páginas do livro, aí pelas onze da manhã violentas pancadas, ainda hoje as ouço, de martelo na porta do meu quarto tiraram-me daquela modorra que a caminha nos proporciona.

Entre o assustado e o aterrorizado, senti logo que o pior acontecera.

O sr. Vasco havia esquecido qualquer coisa em casa onde regressara a buscar, julgo que documentos para uma escritura, e, galo dos galos, o carteiro havia-lhe entregue a correspondência e lá vinha a terceira “falta de disciplina” à mesma cadeira que me deixava o ano tapado.

Não consegui mexer-me e só passado um intervalo de segurança, quando as pancadas desferidas na porta pararam e o grito lançado pelo vozeirão do meu pai, de “bandido” se escoara havia mais de cinco minutos, me levantei e pé ante pé, abri a porta do meu quarto, espreitei e pasme-se, o meu pai havia pregado, sim pregado com pregos e martelo na porta do meu quarto, a “encomenda” que recebera do liceu.

Ao ler o texto sobre as escolas de Aldeia Formosa e Nhala do nosso camarada Amaro, recordei-me que lições bem aprendidas não se esquecem, até mais, fornecem-nos argumentos para solucionar problemas difíceis.

O Vasquito, já Cap. Gama na Guiné, comandava uma companhia de operacionais que após 3 ou 4 meses de calma relativa em Aldeia Formosa, foi viver em barracas de lona para o Cumbijã.

Entre os embrulhanços matinais na protecção à estrada e as festarolas que o P.A.I.G.C. nos proporcionava ao cair da tarde no nosso “aquartelamento”, com duas visitas ao arame, tínhamos de amassar blocos, cortar troncos de palmeira, abrir valas tudo isto à unha, ajudados durante algum tempo pela engenharia, quando a estrada chegou ao Cumbijã em direcção a Nhacobá e as máquinas descansavam ao lado das nossas tendas por detrás de montes de terra que elas próprias abriam para passar as noites…

Mas, nem só de trabalho físico viviam os Tigres. Havia trabalho intelectual a desenvolver e não me refiro à leitura da Bola ou à prática obrigatória do inglês que o meu querido camarada furriel Azambuja Martins nos proporcionava quando recebia a famosa revista PENTHOUSE que era “lida” avidamente por toda a companhia.

Refiro-me sim às aulas para quem não tinha a quarta classe. Tínhamos de arranjar tempo para dar o exame da quarta a todos os nossos companheiros, pois só com essa licenciatura, tinham direito a serem funcionários públicos (alguns camaradas vieram a ingressar na G.N.R.) e a tirar a carta de condução, que era o sonho de quase todos .As férias de muitos camaradas eram passadas em Bissau a estudar o código e a fazer o exame que lhes permitisse mostrar, até à exaustão a sua licença de condução, como se de qualquer diploma “internacional” se tratasse.

Vejam lá, nas condições em que vivíamos, a vontade e o entusiasmo dos nossos alunos e também dos mestres-escola que comigo iam colaborando.

Enfim, o tempo foi passando e o exame da quarta classe marcado.

Inicialmente esteve para ser feito em Aldeia Formosa, mas eu não aceitei alegando não importa agora o quê!
O exame tem de ser obrigatoriamente no Cumbijã!

As horríveis condições em que vivíamos, as imensas flagelações com que os turras nos brindavam, o facto de não termos sequer população, aquele ponto que alguns sempre aumentam quando contam a história de uma emboscada, o facto de os camaradas que nos ajudavam na protecção à estrada regressarem a Mampatá ou a Aldeia no final do dia e os Tigres terem de permanecer todos os dias naquele buraco, davam ao Cumbijã um estatuto de local “não grato”. Era um ponto a favor dos examinandos…

Chegou, proveniente de Bissau e devidamente escoltado por elementos de uma Companhia de Aldeia Formosa, onde havia aterrado pela manhã, o senhor examinador, penso que um furriel, de patente.

Se na escrita se conseguiu distrair o examinador e ajudar os Tigres candidatos ao diploma, a prova oral estava a correr mal sobretudo a dois deles, ao Armando e ao Martins. Aquilo estava a dar para o torto e o examinador insistia, insistia, de uma forma perigosa. Foi então que a lição “barulhenta” do meu pai me veio à memória e abandonando a “sala de exames” prevenindo só os mais próximos do que ia acontecer, dei ordem para que os meus três obuses disparassem em simultâneo para baterem a zona…

Imaginem ouvidos virgens de Bissau ao ouvir aquele estardalhaço!

Porra, até os alunos se atiraram para debaixo das mesas…

É verdade camaradas, todos os Tigres do Cumbijã foram aprovados, só não me recordo do grau de distinção atribuído…

Se fosse hoje, outro galo cantaria e de lá para cá, dada a rapidez da evolução da técnica, dos métodos de estudo e da qualidade dos mestres examinadores, não seriam necessárias três obusadas; bastaria um simples e silencioso fax enviado a qualquer dia da semana, incluindo um domingo, do Cumbijã para Bissau e tudo estaria “nos conformes”, com a aprovação dos meninos do Cumbijã que, honra lhes seja feita, nunca ocultaram a face perante os muitos perigos que enfrentaram, ao contrário de outros…

Desculpas para o examinador, para os turras se alguma obusada lhes acertou e parabéns aos meus licenciados do Cumbijã, alguns dos quais ainda convivem nos almoços da nossa querida Companhia de Cavalaria 8351.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P5369: O meu álbum de fotos (1) (Alfredo Dinis)


1. Mensagem do Alfredo Dinis, que foi 1.º Cabo Enf da CCS do BART 6523, Nova Lamego, 1973/74, com data de 27 de Novembro de 2009:

Camaradas,

Enviei estas 4 fotografias ao Magalhães Ribeiro e, como a escrita não é um dos meus fortes, desafiei-o a fazer uma coisa que não se pede a ninguém, que é escrever algo sobre os amigos e a sua definição pessoal de amizade.Amizade que eu tanto prezo e estimo, entre aqueles que comigo privaram de perto nos meus tempos do serviço militar e, em especial, aqueles com quem me irmanei na minha comissão na Guiné.Na foto 3, estão 4 deles, o Baião, o Caetano, o Camilo e o Diniz.

2. Esperando não defraudar as expectativas do Diniz, meu bom Amigo pessoal, em relação ao que me ocorreu dizer, em poucas palavras, sobre o que eu penso sobre os diversos tipos de amigos:

Os Amigos… os bons!

Há Amigos e há …migos
Nem o à merecem!
Uns melhores, outros…
Nem por isso!
Alguns raríssimos…
Melhores que irmãos são!
Prontos a escutarem-nos,
Prontos a nos amparem,
Nos bons e maus momentos!
Com a palavra certa,
O gesto certo e preciso…
O abraço solidário,
Às vezes tão… necessário!
São os nossos cúmplices,
Os nossos confidentes,
Com quem contamos…
Desabafamos…
Segredos profundos!
São raros espécimes…
Como os diamantes,
Sagrados e eternos!
Deus permita que tais…
Preciosidades…
Sejam imortais!
MR

Foto 1: Eu em Nova Lamego.

Foto 2: Alfredo Dinis Nova Lamego.

Foto 3: O Baião, Caetano, Camilo e o Operador-Cripto Diniz, em Nova Lamego,

Foto 4: No navio Niassa – Eu e, à direita, o Damásio (Morto em Combate).


Um abraço para todos,
Alfredo Dinis
1º Cabo Enf CCS do BART 6523

Fotos: Alfredo Dinis (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5368: As Nossas Mães (5): Mãe, eu estou aqui (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 26 de Novembro de 2009:

Caros editores
Junto mais um trabalho para vocês.

Abraço fraterno para todos.
José Teixeira


MÃE, TEU FILHO ESTÁ AQUI

Ao ler no blogue o grito da mãe do 1.º Cabo Telo na chegada dos seus restos mortais à sua terra natal, fui ao baú do “meu diário“ buscar o que escrevi uns dias depois de chegar a Ingoré sobre a viagem para a Guiné, que me levaria até esta tabanca por uns meses.

A minha mãe no dia em que fez 88 anos.

Foto: © José Teixeira (2009). Direitos reservados.


…Manhã cedo os motores puseram-na de novo em marcha, Cacheu acima.

Os raios solares, afiados estiletes misto de prata e ouro, penetram na minha cabeça rapada, provocando um sobreaquecimento doloroso e entorpecente. Tento reagir positivamente deixando-me transportar para a minha terra natal, mas assalta-me a saudade. Nas silhuetas dos camaradas, também eles absortos, com ar assustado, a mirar as margens, vejo a minha mãe, lacrimejante, tentando esconder as lágrimas num sorriso de esperança. Ouço as suas últimas palavras:

- Vai com Deus. Que te acompanhe sempre e te proteja. A tua vida vai dar muitas voltas, mas tu vais voltar. É tua mãe que o diz. Acredita.

Ah, como eu queria ter, a sua certeza de mãe, que desta maneira me quis transmitir força e coragem, as forças que me faltavam e ainda me faltam agora ao encarar um futuro do qual não tenho a mais pequena ideia de como vai ser.

Tantas eram as dúvidas que me assaltavam naquele momento.

Recordei os seus pedidos especiais. Disse-me no último abraço como que em segredo, daqueles que não se podem dizer, mas se devem viver.

- Duas coisas, te peço. Apenas duas: Primeiro, mesmo que a vida te transporte para caminhos tortuosos, mesmo que sintas a Fé a fugir-te, mesmo que não sintas a presença de Deus em ti, nunca deixes de rezar, nunca deixes de pelo menos uma vez por dia parares um pouco para O deixares entrar.

Rezar nunca fez mal a ninguém, dissera-me ela muitas vezes.

- Pode ser uma âncora a que te poderás agarrar nos momentos difíceis.

- Segundo pedido. Tenta viver sem teres de matar. Vais para uma guerra numa terra desconhecida. De usos e costumes possivelmente estranhos. Não faço ideia do que será uma guerra, mas sei que na guerra se vive e se morre. Tenta voltar de modo a que a consciência não te perturbe no resto da tua vida. Vão ser dezoito longos meses de espera, mas a minha fé diz-me que voltarás são e salvo.

Os dois grandes pedidos que a minha mãe me fez, estão gravados a letra de ouro no meu coração e na minha mente. Por educação, quase desde o berço, em que o hábito de se rezar o Terço antes de deitar é uma cerimónia sagrada, seguida de um pedido de bênção aos avós e pais, a oração diária, por mais pequenina que fosse, era para mim um princípio, posto de lado quando aos dez anos abandonei a terra natal para ir trabalhar. Aliado à oração, está o conceito de que matar um ser humano é um pecado grave, conceito esse enriquecido em cada dia, nos caminhos que procurei trilhar e por último, pelo facto de por sorte minha, ter sido escolhido para enfermeiro militar.

- Que Deus te acompanhe, meu filho e sempre te proteja. Disse-me ela pondo fim à nossa conversa.

Virou as costas e foi esconder-se no seu quarto, talvez para deixar as lágrimas correrem à vontade, enquanto eu saía porta fora, abraçado no meu irmão mais novo. Acompanhou-me ao comboio a namorada e lá segui a caminho de Abrantes. Dois dias depois parti rumo à Guiné. Tinha conseguido demover a família a não ir despedir-se de mim a Lisboa e não dizer à minha mãe a data da partida.

O coração de mãe adivinhou e eu não pude escapar a este cena que, passados tantos anos, revivo.

Que sábia é a minha mãe, analfabeta!
Felizmente, eu posso gritar, passados quarenta e um anos:

- Mãe, eu estou aqui!

Zé Teixeira
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5333: As nossas mulheres (10): Poema dedicado às mães de todos os que não voltaram (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5363: As nossas mulheres (11): Voltaste-nos as costas, nem uma lágrima choraste (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P5367: Controvérsias (57): Os Oficiais do Quadro Permanente Não Fugiram à Guerra (Carlos Silva, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71)


1. Comentário do nosso amigo e camarada Carlos Silva ao Poste P5303 - O Direito ao bom nome (*) O Carlos Silva foi Fur Mil Inf, e pertenceu ao CCaç 2548/BCaç 2879 (Jumbembem, 1969/71) É autor da melhor pãgina, na Net sobre o sector de Farim >  Guiné 63/74, por Carlos Silva.

Amigos:

1 - Como decorre da intervenção do Sr Coronel Vasco Lourenço (*), [apesar de termos uma relação pessoal desde há 40 anos, nunca o tratei por tu e não é agora no âmbito do blogue que o vou fazer], a mesma prende-se essencialmente com a questão do livro Elites Miitares e a Guerra de África, de Manuel Godinho Rebocho [ Roma Ed., Lisboa, 2009, Colecção Guerra Colonial, nº 8]  .

Bem como, presumo, com alguns comentários ao Post 5275 em relação à sua pessoa.

2 – Tal como diz o LG em comentário a este Poste: Outra das nossas regras básicas de convívio, nesta caserna virtual, é que nenhum de nós faz (ou deve fazer) juízos de valor (e muito menos de intenção) sobre o comportamento (operacional e pessoal) dos seus camaradas da Guiné. Este blogue não foi criado para fazer ajustes com ninguém, nem sequer com a História.

Assim, deveria ser, mas tal não aconteceu e atente-se nos ditos comentários, o que desvirtua os princípios básicos estabelecidos no Blogue, o que é de lamentar. Pois todo cidadão tem o direito de liberdade de expressão, mas tal direito não constitui um direito absoluto, ao ponto de lesar os direitos ao bom nome, à dignidade e honra de uma pessoa. Uma coisa foi os bocados menos bons que passámos naqueles anos idos anos de 60 e outra coisa é ofender os invocados direitos.

3 – E, quer se aceite ao não, sejam ou não abrilistas, porque também têm o direito de o não ser, o Sr Cor Vasco Lourenço, o qual não necessita de apresentações, foi um dos que lutou, como é público e notório, para que hoje se possa ter a garantia do direito de liberdade de expressão, consagrado constitucionalmente.

4 - Dito isto, quanto ao outro aspecto que presumo esteja relacionado, não só, mas essencialmente com a polémica estabelecida com a tese de doutoramento sobre a A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975, em que "o autor sustenta que os oficiais do quadro permanente fugiram da guerra, a qual se aguentou devido aos oficiais milicianos e aos sargentos do quadro permanente”.]... (Vd. os dois micro-vídeos da apresentação do livro, pelo seu autor, em Lisboa, dia 17 do corrente](**)

Sobre isto já me pronunciei em comentário ao  Poste 5275 (***)

5 – Contudo, apesar de não ter ainda lido o livro [do Manuel Rebocho], e uma vez que sou referenciado na intervenção do Sr Cor Vasco Lourenço (*), sempre direi no que se refere à afirmação acima, com todo o devido respeito pelo Autor, mesmo que a citada afirmação esteja fora do contexto dum estudo global do livro/tese/livro, como o Autor mencionou no dia da sua apresentação, estou em total desarcordo com ele, porquanto,

6 – Tive a honra de ser comandado por um ilustre Capitão do QP, originário da Academia Militar, 1º classificado do seu curso. Cor Luís Fernando da Fonseca Sobral, um jovem, tal como nós, talvez mais 2 anos, que tinha a seu cargo o Comando da Companhia e que em termos operacionais era dos primeiros a encabeçar, quer a Companhia, quer a nível de grupo de combate por ele criado, atacar o IN na sua toca, ir ao encontro do IN. Daí, a nossa CCaç 2548 ser a única Unidade em toda a História da guerra da Guiné, que não sofreu durante a sua comissão qualquer ataque ao Aquartelamento do Subsector de Jumbembem.

7 - Assim aconteceu com a CCaç 2549, Comandada pelo Sr Cor Vasco Lourenço, então ex-Capitão, que sempre acompanhara os seus homens, aliás, as nossas Unidades chegaram a operar em conjunto.

8 – Também não posso deixar de recordar e invocar aqui o excelente Comandante de Batalhão, hoje Maj Gen Agostinho Ferreira, então Ten-Coronel, que connosco alinhava para o “mato”, e como se costuma dizer: era um homem com os T… no sítio.

9 – Donde, este meu testemunho pessoal, porque com eles calcorreei as terras “o mato” do Sector de Farim, é a prova, provada,  que estes Oficiais do QP originários da Escola do Exército e da Academia, não fugiram à guerra tal, como afirma o Autor,  Manuel Rebocho


10 – Aliás, os factos e feitos do nosso glorioso BCaç 2879, podem ser analisados em parte neste Bolgue, quer no meu site: http://www.carlosilva-guine.com/

11 – Quando o nosso Camarada Manuel Rebocho, pisou terras da Guiné, já nós tínhamos deixado lá bem marcada a nossa posição, além de várias baixas provocadas ao IN, fizeram-se capturas relevantes de material, incluindo na participação do maior “Ronco” da História da Guerra Colonial e das Guerras da África Ocidental, que foram só 24 toneladas de material, em que também participaram os nossos camaradas pára-quedistas.

12 – Face ao exposto e ao que tenho escrito no Blogue, no meu Site e ao que tenho lido sobre a guerra na Guiné, que serviu de base para o estudo do nosso Camarada Manuel Rebocho, com todo o devido respeito, estou em total desacordo nesta sua análise.

OS NOSSOS OFICIAIS NÃO FUGIRAM À GUERRA

13 – Também já li o Documento do Sr Cor Morais da Silva que corrobora de forma brilhante o que atrás é afirmado, apesar de ter de confrontar ainda com a Tese relativamente a outros aspectos.

14 – Poderá haver e haverá com certeza outras questões subjacentes de ordem política, militar, social etc, que conduziram à diminuição de frequência de alunos na Academia Militar e consequentemente à diminuição do número de oficiais do QP, mas isso é outra questão que merece com certeza um estudo profundo.

E esta a minha a opinião que aqui deixo com um abraço amigo

Carlos Silva

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5303: O direito ao bom nome (1): Vasco Lourenço, ex-Cap Inf da CCAÇ 2549/BCAÇ 2879 (Cuntima e Farim, 1969/71)

(**) Vd. vídeos em You TUBE > Nhabijoes >

Elites Militares e a Guerra de África, de Manuel Godinho Rebocho (Parte II) (9' 57'')

Elites Militares e a Guerra de África, de Manuel Godinho Rebocho (Parte III) (3' 46'')

(***) Vd. poste de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P5366: Memória dos lugares (58): Fotos de Catió e Priame (Benito Neves)


1. O nosso Camarada Victor Condeço, solicitou ao Benito Neves, que foi Fur Mil Atirador da CCAV 1484 (1965/67) (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 08JUN66 a finais de JUL67), que nos permitisse publicar uma série de 28 fotografias do seu álbum de memórias, que detêm excelente qualidade e interesse pelos motivos expostos;

2. Dizia assim a mensagem do Victor Condeço: "Amigo Luís, Disse-te, em mensagem anterior, que tinha em meu poder fotos do nosso amigo e camarada tertúliano Benito Neves.

Tinha-te dito, também, que ele tinha fotos do João Bacar Djaló , e que, se assim o entendesses, eu podia conseguir a permissão com vista as utilizares na ilustração da publicação de "A Guerrilheira". Pois bem, o Benito Neves não só deu o seu consentimento para a inserção da foto do João, como autorizou que te enviasse outras que também poderás utilizar como entenderes.

Seguem em anexo 28 fotos e um doc. em Word, com as respectivas legendas. O Benito envia-te um abraço, recebe outro de mim.

Victor Condeço."

3. Neste poste publicamos as primeiras 9 fotos, com vários aspectos dos nativos, nas suas deslocações e rotinas diárias.


Foto 6: Catió 1967- Meninos e bajudas na estrada de Ganjola.
























Foto 4: Catió 1967- Lavadeiras na tabanca e Foto 5: Catió 1967- Mulher carregando balaio.
























Foto 7: Catió 1967- Estrada de Ganjola e Foto 8: Catió 1967- Estrada de Ganjola, bajudas no regresso das compras.
























Foto 9: Catió 1967- Estrada de Ganjola, mulher no regresso das compras e Foto 13: Catió 1967- Homem Grande no trajecto de Catió para Priame.

























Foto 18: Catió 1967- Na estrada do Porto Interior para Catió e Foto 19: Catió 1967- Na estrada do Porto Interior para Catió.



Benito Neves
Fur Mil At CCAV 1484

Fotos e legendas: Benito Neves (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:


Guiné 63/74 – P5365: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (15): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas V

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos a 15ª fracção das suas memórias. Esta sua série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Rotinas perigosas V e
Preparar o regresso

O tempo foi passando, custosa e demasiado lentamente, o Furriel Paio deslocou-se a Geba em serviço e, quando regressou, deu-me uma grande notícia ao informar-me que, em breve, iríamos ser rendidos. Logo informamos os soldados, solicitando-lhes que não dessem sinais disso para o exterior, nomeadamente junto dos soldados nativos que, de imediato, espalhariam a notícia.

No dia seguinte reuni o pessoal necessário, para ir verificar as armadilhas e certificar-me se os croquis que desenhara, estavam em conformidade com o as montagens realizadas e deixar tudo em ordem ao pessoal que nos viria render.

Deixamos o aquartelamento por volta das 10h00, em direcção à bolanha e atravessamos esta (nesta altura ainda seca). Havia ali uma pequena subida, que percorremos facilmente, e entramos na mata embelezada por algumas árvores de grande porte e basto arvoredo rasteiro.

Chegamos ao ponto de referência da primeira armadilha. Mandei o pessoal distribuir-se, metade par cada lado da picada e seguirem um pouco mais atrás, em relação à minha posição e comecei a contagem das passadas, seguindo escrupulosamente o delineado no croqui.Quando estava a duas ou três passadas da armadilha tive nova surpresa, pois o fio de esticar fora cortado novamente.

Senti-me deveras curioso, em me certificar quem seria o “artista” que cortava tão habilmente os fios, mas como estávamos para ser substituídos não voltei a rearmar a granada, acabando com a ideia de emboscar aquela zona.Continuei a progressão, em frente, para verificar a outra armadilha.

Uma vez chegado junto da mesma, verifiquei que o fio estava intacto. Como a granada estava colocada num lugar de difícil acesso, por precaução resolvi fazê-la explodir. Assim, coloquei-me a uns trinta metros e disparei-lhe um tiro. Eu tinha a certeza que lhe acertara, mas o que é verdade é que ela não explodiu. Então um dos meus camaradas disse: “O meu Furriel não acertou nada… eu atiro.”

O soldado disparou e... absoluto silêncio. Pensei cá para comigo: “Aqui há gato!”Mandei montar a segurança no perímetro, para me aproximar, cautelosamente, porque a granada semi-escondida, com mato à volta, que permitia que, por sua vez, estivesse contra-armadilhada pelo IN.

Pois se eu já estava surpreendido com o que tinha visto na primeira armadilha, ainda o fiquei mais ao constatar que os tiros que déramos, desfizeram a estrutura da granada em pedaços de aço, que se encontravam ali espalhados em volta e, para meu maior espanto, não tinha a cavilha de segurança nem a espoleta.

Mais pensei, naqueles elementos desconhecidos e suspeitos, que apareciam de vez em quando a rondar e a espiar os movimentos da Tabanca, sacando preciosas informações aqui e ali, e, posteriormente, brincavam connosco como foi o caso destas armadilhas, nitidamente anuladas por quem fora bem informado da sua existência e localização exacta.

A sorte deles é que eu estava para ser rendido e pensei: “Quem vier atrás de mim que trate desses gajos.”Regressei ao aquartelamento furioso e, durante o almoço, comentei o sucedido com o Paio, ao que ele me respondeu: “Amanhã vamos embora, deixa as coisas bem esclarecidas e dá todas as instruções à pessoa que ficar responsável pelas armadilhas.”

No fim do almoço deixei tudo em ordem e, em seguida, fui dar uma volta pela Tabanca, pedi a minha roupa à lavadeira que me disse ainda não a ter pronta, só dali a duas horas. Eu quero tudo prontinho hoje! – disse-lhe.Assim foi, passadas as duas horas lá estava eu e a roupa estava pronta. Paguei-lhe e regressei ao aquartelamento.

Há noite, depois de jantar o pessoal foi oficialmente informado, que, no dia seguinte (18ABR1967), de manhã cedo íamos ser rendidos. O Furriel Paio ordenou que todos metessem os seus haveres dentro das suas mochilas, porque íamos para Geba proceder ao espólio de todo o material de guerra em nosso poder.

Íamos regressar a Metrópole! Que grande euforia, gozada intensamente em pouquíssimo tempo, porque havia que arrecadarmos tudo nas nossas mochilas e zelar pela segurança durante essa angustiosa e infindável noite.

Pela manhã cedo, toca a pôr tudo em ordem, para entregar os “tarecos” ao pessoal que nos vinha render. Foi muito rápido, pois havia pouco para entregar, além de alguns géneros alimentícios, as armas de autodefesa, a enfermaria, as transmissões e a caserna com as respectivas camas.

Deixamos pelas costas, sem qualquer tipo de saudades Cantacunda, por volta das 09h30, tomamos o caminho de Geba, com paragem em Camamudo. Aqui chegados, fui-me despedir do pessoal da Tabanca e do Chefe de Posto, pois foi aqui onde passei a maior parte do tempo.

Tudo isto em grande velocidade, após o que continuamos até Geba, onde fizemos a entrega das G3, facas de mato, granadas de mão ofensivas e os colchões, que também nos estavam distribuídos e que eram de espuma, com coberturas que já estavam todas rotas devido às transpirações pessoais.

Depois dos espólios feitos já as viaturas estavam à nossa espera. Fomos informados que íamos para Fá Mandinga, esperar pelo barco.

Seguimos então viagem até pararmos em Bafatá, onde chegamos por volta da 13h00 e poucos minutos. Descemos das viaturas, rumo ao refeitório para almoçar e ainda bem, pois o estômago estava completamente vazio.

Acabado o almoço fui reunir o pessoal e dirigi-lo às casernas, onde íamos ficar instalados. As casernas mais não eram que uns barracões, na parte mais baixa de Fá, pois no alto da colina estava uma companhia ou um batalhão. Nós, os furriéis, ficamos logo à entrada do quartel, acerca de duzentos metros das casernas dos soldados. Ficamos espantados, pois nem uma arma nos foi distribuída, assim como aos soldados. Ali ficamos até ao dia 02MAI1967.

Passamos os dias a jogar à bola e, de vez em quando, dávamos uns passeios até Bafatá, onde comíamos uns petiscos e eu aproveitava para visitar os meus conterrâneos.

No dia dois de Maio, a seguir ao almoço mandaram-nos formar e subir para as viaturas. Carregamos os nossos “tarecos” na viatura destinada ao nosso pelotão e seguimos para Bambadinca, onde nos esperava o barco.

Uma Bor transportou-nos rio Geba abaixo, até Bissau, onde nos esperava o tão ansiado navio, “Uíge”.

Na Bor - Rio Geba -, na direcção a Bissau, onde nos esperava o Uíge, para regressarmos finalmente à Metrópole.

Chegamos ao Uíge por volta das 16h00, subi as suas escadinhas estreitas, com uma caixa de madeira, onde levava várias recordações da Guiné e uma caixa de cartão grande. Fui instalar-me na camarata que me foi destinada e desci do navio.

Apanhei um barquito, para o cais, porque o Uíge devido ao seu grande calado, não podia encostar ao cais e fui comprar uma caixa exterior, para o meu rádio da marca Hitachi, comprado na casa Gouveia em Bafatá, em OUT1965, já que a que tinha, de origem, estava toda partida.

Voltei rapidamente ao Uíge, pois havia ordens do Capitão, para que todo o pessoal formasse antes do jantar, a fim de nos dirigir algumas palavras, o que foi feito.

Jantamos, fomos até ao bar beber umas cervejas e empatar uns momentos de conversa, até se acharem horas para irmos dormir.

Na manhã seguinte quando acordei, sentia-me indisposto, meio enjoado, devido com certeza ao constante baloiçar do barco, sujeito à normal ondulação do mar. Parecia-me que o enjoativo baloiçar, se devia sobretudo à pouca largura do Uíge, olhei pela vigia e reparei que já estávamos bastante afastados da costa terrestre.

No Uíge, a descansar depois de uma refeição. Reconheço os furriéis milicianos (da esquerda para a direita): um elemento de outra companhia, Eu, Cardoso, Vaqueiro, Leonel, António Luís e o Silva.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:


Guiné 63/74 - P5364: Notas de leitura (40): De Conakri ao M.D.L.P., de Apoim Calvão (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2009:

Luís e Carlos,

O Alpoim Calvão prestaria um bom serviço à Guiné e ao estudo crítico da guerra colonial se procedesse a uma profunda revisão das operações em que se envolveu.

“De Conacri ao MDLP” é um livro necessariamente datado, tem lá ajustes de contas e requisitórios hoje sem qualquer interesse. As operações onde interveio, até ao ataque a Conacri, estou em crer, foram momentos extraordinários que deviam ser conhecidos com mais minúcia.

Alguém devia estimular o comandante a escrever (mas não a ditar...) as suas memórias com base na documentação fidedigna.

Um abraço do
Mário


De Conacri ao M.D.L.P.

Por Beja Santos

Em 1976, o livro de Alpoim Calvão foi um pequeno acontecimento. O acompanhante de Spínola, o valoroso homem da Armada que cometera façanhas na Guiné, resolvera escrever as suas memórias, contar os seus golpes de mão, descrever os planos da operação “Mar Verde”, dar a sua opinião sobre a morte de Amílcar Cabral, desvelar o que fizera dentro de uma organização tratada como sinistra pelo regime democrático, o M.D.L.P.

O livro fora ditado para um gravador, os documentos parecem caídos do céu e apresentados de forma desgarrada, daí a sensação de que simultaneamente estamos a ter acesso a documentos importantes mas apresentados da forma mais caótica possível e num texto povoado de gralhas e disparates de articulação, tudo produto da falta de revisão (De Conakry ao M.D.L.P., dossier secreto, Intervenção, 1976.

Alpoim Calvão aparece no início do seu relato medalhado com a sua Torre e Espada, o seu Valor Militar de Ouro, as suas Cruzes de Guerra. Fala de Lourenço Marques e das impressões inesquecíveis de Moçambique, rememora os seus ídolos, o seu regresso a Lisboa na altura em que a visão do colonialismo se transfigurara mundialmente.

Em 1963, tirou o curso de fuzileiro especial e foi lançado na Guiné. Esteve na operação “Tridente”, que ele considera a mais longa e uma das mais duras em que participou. Aí recebeu a sua primeira Cruz de Guerra. Assistiu à criação dos destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos. Datam dessa sua primeira comissão uma operação no rio Camexibó e a operação “Hitler”. Regressou e continuou ligado aos fuzileiros.

Em 1969 regressa à Guiné onde irá cobrir-se de glória e lançar polémica que ainda não se extinguiu: mais golpes de mão (caso das operações “Nebulosa” e “Gata Brava” e a controversa operação “Mar Verde”) que travaram temporariamente a presença naval do PAIGC no Sul. Afirma sem hesitação que manteve a partir de Londres contactos com o topo da hierarquia do PAIGC.

Depois vem o 25 de Abril, a descolonização e a criação do M.D.L.P., factos que já nada tem a ver com a Guiné. Nos anexos junta um documento sobre maus tratos infligidos a Marcelino da Mata, com a sua própria declaração das sevícias que sofreu em Caxias, onde permaneceu 150 dias.

O livro passa a pertencer ao blogue. Tendo tido necessidade de procurar mais alguns elementos acerca dos Manjacos, povo estudado pelo primeiro marido da minha heroína, no romance Mulher Grande, encontrei uma imagem de um régulo, tirada ainda nos anos 50, que não resisti a oferecer-vos.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5355: Notas de leitura (39): Indústria Militar Portuguesa no Tempo da Guerra 1961-1974, de João Moreira Tavares (Beja Santos)