1. O nosso Camarada Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514/72, Cantanhez - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem, no passado dia 18 de Fevereiro de 2010:
Camaradas,
Passo a apresentar-me à Tabanca Grande:
Em fins de Outubro, início de Novembro de 2009, tive conhecimento que tinha chegado o momento de iniciar a minha última batalha nesta vida terrena.
Para os meus Amigos e Camaradas, aqui vai uma retrospectiva da minha passagem por esta vida.
Quem sou eu?
Nasci a 30 de Abril de 1951, em casa, não sou homem de “aviário”.
Entre os anos de 1962 e 1970/71, estudei no Lar Académico de Filhos de Oficiais e Sargentos - L.A.F.O.S., em Oeiras e, desse tempo, recordo bons tempos e bons amigos.
Cerrei presunto, tinhamos um conjunto no Lar e cheguei a tocar com alguns dos que hoje são conhecidos. Cabelo comprido, olhos azuis … as miúdas ficavam loucas.
A Ana (minha actual esposa), que nessa altura vivia lá para as bandas de Moçambique, diz que ainda bem que era assim, porque nessa altura eu era um “Betinho de Oeiras” e ela nunca gostou, nem gosta de “Betinhos”. Além disso, era contra a guerra, só queria viver e deixar viver os outros.
Só que, ensinaram-me desde miúdo, que era preciso defender o País, como ensinaram muitos outros milhares de portugueses, e eu, tal como eles, fui incorporado na tropa, e, já que tinha de ir para o Ultramar, pesnei que fosse ao menos com a melhor preparação possível e escolhi os “Comandos”.
Já era casado e acabei esse curso em Dezembro, e, como “prémio”, nasceu-me a minha filha em Janeiro de 1973.
Fui integrado na CCS do BCAÇ 4514/72, formado no RI15 (Tomar), e, embarquei em Lisboa, para a Guiné (para a qual fui entretanto mobilizado), em 03 de Abril de 1973. Desembarquei em Bissau, no dia 09 de Abril de 1973.
Regressei a Lisboa em 08 de Setembro de 1975.
Recomecei novamente a minha vida civil, trabalhando na Mobil Oil Portuguesa, e, posteriormente, fui chefe de Departamento de Pessoal na Jamoral de Lisboa…
Ainda passei pela política, trabalhei por conta própria e, a determinada altura, as coisas começaram a não andar muito bem… começando a minha relação familiar a degradar-se dia a dia (nessa altura já tinha mais um filho).
Tendo ido visitar um dos meus antigos Comandantes - o Sr. Coronel Velasco -, fui por este alertado e informado sobre o Stress Pós-traumático de Guerra, dizendo-me que eu estava nitidamente a sofrer as consequências das minhas “férias” na Guiné.
Felizmente, este atento e grande Homem, encaminhou-me no início de um processo como D.F.A. (Deficiente das Forças Armadas), estávamos nós em 1996. O dito processo data de 25 de Fevereiro de 1997, baseado no Decreto Lei 43 de Janeiro/76.
Quando dei por mim, vivia numa casa de 4 assoalhadas, tendo como única companhia um… cão!
Em 1998, encontrei a Ana e depois de algumas “discussões” sobre educação, liberdade e libertinagem… a 9 de Abril desse mesmo ano começámos uma relação.
Quando dei por mim, vivia numa casa de 4 assoalhadas, tendo como única companhia um… cão!
Em 1998, encontrei a Ana e depois de algumas “discussões” sobre educação, liberdade e libertinagem… a 9 de Abril desse mesmo ano começámos uma relação.
Agora, os dois juntos continuámos a batalha contra a adversidade que me tocou. Eu, com novo ânimo, entrei numa nova etapa da minha vida. Reencontrei os meus velhos camaradas…
Finalmente, depois de uma complicado “combate”, em 2000, fui considerado D.F.A com 40% de desvalorização por stress pós-traumático de Guerra.
Podendo optar em ser, ou não, reintegrado nas F. A. (Forças Armadas), optei pelo sim, e, em Agosto de 2002, ingressei no Quadro Permanente da Arma de Infantaria.
Em Dezembro de 2002, conclui o curso de Promoção a Sargento Ajudante de Infantaria, e, em 2003, fui promovido a Sargento-Mor. Sou, ainda hoje, o Sargento-Mor mais antigo das F.A., no activo.
E agora que chegou a minha última batalha desta passagem terrestre, e findo o balanço total, dou-me por satisfeito com os meus defeitos e qualidades.
Não me considero melhor, nem pior que ninguém, mas sim que sou igual “a mim mesmo”.
Consegui, o que poucos Homens conseguem, realizar as coisas que penso serem as mais importantes:
- fazer as pazes com o passado;
- reencontrar antigos Camaradas e Amigos;
- conquistar novas amizades;
- ter uma vida familiar estável e recuperar as ligações familiares anteriores;
- ser um exemplo para os mais novos, que querem seguir a carreira militar, tendo mesmo sido convidado por alguns para lhes impor as Boinas das suas especilaidades.
E, finalmente, mas não menos importante:
- ter convencido a Ana a casar comigo (de papel passado como ela diz), para lhe deixar o futuro assegurado.
Quem por estes factos, ou fotos, me reconhecer, e quiser entrar em contacto comigo, ligue para: 916 716 812.
Legendas das fotos
Foto 1 – Na véspera da partida o meu avô deu-me conselhos e desejou-me sorte
Foto 2 – No Uíge a caminho da Guiné, com a foto da minha esposa e filha, escrevendo-lhes uma carta
Foto 3 – Manuseando uma bazuca para a foto
Foto 4 – Com em abutre morto
Foto 5 – Conversando e fumando com 2 camaradas
Foto 6 – Comida faltava muitas vezes, mas a cervejinha havia sempre
Foto 7 – À porta do meu bura… ko!
Foto 8 – Com um morteiro de 60 mm à porta do meu bura… ko!
Foto 9 – Reconhecimento de uma zona onde fomos atacados e capturamos armamento ao IN
Foto 10 – Numa zona onde fomos atacados
Foto 11 – Num convívio com o pessoal, onde estou com um dedo partido (ao municiar e disparar um morteiro de 60 mm sozinho)
Um Bem Haja para todos e um Abraço Amigo,
Humberto Duarte
Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514
E-mail de contacto: morduarte@hotmail.com
2. Amigo e Camarada RANGER Humberto Duarte, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, quero dizer-te que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.
Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados em postes no blogue, todos aqueles que constituíram a geração dos “guerreiros” do Império, temos alguma coisa a contar para memória futura e colectiva, deste período sangrento da História de Portugal, que foi a Guerra do Ultramar.
Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico, à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sofrimento, morte…
Como se não tivesse bastado, sofremos nos últimos 35 anos com o modo como os políticos portugueses nos tratam. Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, feitos no lodo, em meios completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, e ainda tínhamos as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.).
Nós até nem pedimos muito além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente.
Oferecendo-te então as nossas melhores boas-vindas, ficamos a aguardar que nos contes estórias, que ainda recordes dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc. e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos aqui.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
_____________
Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5823: Tabanca Grande (203): Domingos Fonseca, o arqueólogo e hoje comandante de Guileje