1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Maio de 2010:
Luís e Carlos,
Fiquei aparvalhado quando fui ao blogue.
Enviara a minha lembrança, o arranque do livro que tenho entre mãos, não me passava pela cabeça encontrar a mensagem da Glória, ela estava mesmo esplendorosa naquela fotografia.
Muito obrigado aos dois e a todos aqueles que, de modo tão tocante, me saudaram, dando-me ânimo para prosseguir nesta nossa sala de conversa. Como é meu hábito pedinchar, recordo, sem malícia, que a melhor prenda que me podem dar passa pelas informações de livros de inventário obrigatório.
O blogue presta inúmeros serviços, já se sabe.
Um deles, toleima minha, será o de facilitar aos historiadores a bibliografia constante da nossa guerra. É essa a ajuda que peço a todos.
Vamos continuar.
Um abraço do
Mário
A posição dos comunistas sobre a guerra colonial:
Uma obra paradigmática de José Manuel Mendes
por Beja Santos
Num livro recente de memórias sobre Álvaro Cunhal, o antigo dirigente do PCP Carlos Brito explica claramente qual o comportamento dos comunistas face à guerra colonial, as deserções e a subversão nos quartéis (Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente, por Carlos Brito, Edições Nelson de Matos, 2010, a partir da página 32). Brito, como é do conhecimento de todos, foi resistente, conheceu a clandestinidade e as prisões e no dia 25 de Abril de 1974 era responsável pela organização do PCP em Lisboa; em 1975, foi eleito deputado e esteve em S. Bento até 1991, tendo desempenhado durante 15 anos as funções de presidente do grupo parlamentar do PCP. Viria, no dobrar do século, a entrar em dissidência com os órgãos de cúpula do PCP, que neste livro designa por conservadores.
Referindo-se concretamente à reunião do Comité Central de Julho de 1967, fala de importantes resoluções que tinham a ver com a filiação do PCP de portugueses residentes no estrangeiro, a obrigação de todo o militante não tomar a decisão de emigrar sem antes consultar o partido, e a intensificação do trabalho revolucionário nas Forças Armadas não havendo lugar a deserções por parte dos comunistas.
Assim, nessa reunião clandestina, definia-se como orientação geral: “Os militares comunistas devem trabalhar para estimularem e organizarem as deserções. Mas eles próprios não devem desertar senão quando tenham de acompanhar uma deserção colectiva ou corram iminente risco de serem presos em resultado da sua acção revolucionária”. E mais adiante: “Os militares comunistas devem continuar corajosamente o seu trabalho revolucionário das Forças Armadas, tanto em Portugal como nas colónias, esclarecendo os seus companheiros, organizando os militares mais decididos e combativos, estimulando e organizando deserções e outras formas de acção e protesto contra a guerra colonial, desde resistência passiva à sabotagem”.
Segundo Brito, a aprovação desta resolução foi tudo menos pacífica, havia o entendimento que a deserção era o melhor caminho para se mostrar o ideal comunista. Observa Brito que “Após o 25 de Abril esta resolução foi reconhecida como um importante contributo para a formação de uma consciência revolucionária dentro das forças armadas portuguesas. A partir dela, especialmente, e graças ao trabalho desenvolvido pelas organizações partidárias, um grande número de oficiais milicianos revolucionários (comunistas e outros) permaneceram nas fileiras e desenvolveram um intenso trabalho de esclarecimento junto dos oficiais do quadro permanente, orientando num sentido anti-fascista os sentimentos de revolta provocados por uma guerra injusta e sem saída”.
“Ombro, Arma!”, de José Manuel Mendes (Bertrand, 1978) fala da instrução em Mafra e da luta dos comunistas, já muito perto do 25 de Abril. Mendes passou alguns meses em Mafra até ser dado como inapto para todo o serviço. É um conhecido crítico literário e poeta, as narrativas de “Ombro, Arma!” tiveram o seu eco à data da publicação. Percebe-se porquê: um bom controlo da escrita, um uso bem doseado do jargão da caserna, uma atitude panfletária sacudida da luta dos comunistas na principal escola para a formação de oficiais milicianos. Vejamos: “Mandando nova bruta palada”, “ – Companhia! Firme! Sé... up!”. “Que o Viegas aceitasse o jugo (que não é jugo para ele) compreendia-se. Fascista convicto, fura-greves, delator, a tropa era a sua vaza, a possibilidade única, a curto prazo, de realizar os seus sonhos prepotentes. Comandar homens, sem a menor concessão, compensava-o da mediocridade de estudante”, são expressões que enfatizam o ambiente, que referenciam, em água-forte, o colaborador do regime, neste caso o Viegas.
Depois, temos o desenho seguro do local e dos requisitos da instrução. Como se pode ler: “Manhã gelada, de vento golpeando os poros. A malta faz movimentos com o corpo para aquecer. Esfregar as mãos é produzir um pequeno sol pessoal. Vem o aspirante, manda formar. É o terceiro dia de instrução. Mafra, o abjecto exílio. O cabo Jerónimo ajuda a perfilar pela direita. Estende o braço, alonga a mirada. Rogério, na ponte da segunda fila, lado esquerdo, forma, inconvicto, desatento. Ainda não conseguiu farda que lhe assentasse. Nem botas que não lhe ferissem os pés. Camisa clara, gravata vermelha, fato preto, é uma presença insólita naquela floresta de verde desmaiado.
– Descan-‘ar.”
Rogério anda ali como carta fora do baralho. Depois passou a ser mais um feijão verde. Aqui o instruendo escreve uma tirada panfletária: “Vestir a farda era, naquele momento, entrar no sujo mundo da guerra. Que éramos nós? A carne com que o colonialismo jogava os seus milhões de dólares. Era preciso resistir”. Rogério é asmático. Aparece como maltratado pelos médicos na tropa. Depois vai à consulta externa. Nos primeiros dias de Mafra não sente sintomas. E vai aderindo, contrafeito, à instrução: “Amanhã, a instrução nocturna. De acordo com o cabo Jerónimo, bem dura por sinal. Quilómetros a pé, sobre taludes e ravinas, pequenos caminhos, córregos barrentos, sem outra luz que é duma pilha, a bússola norteando os andarilhos. Os tipos criam, nestas alturas, uns prémios para as primeiras equipas a concluir o percurso, correctamente, com todos os controlos assinalados pelo gatafunho de um furriel. É o espírito de rivalidade que, não bastando para dividir, já tem provocado tensões”. Naquele Janeiro a parada de Mafra apareceu cheia de papéis com palavras clandestinas e, claro está “O Viegas, lívido de indignação, palestrava com dois comparsas. Ascoroso como um rato ao sair de um fosso”. As tiradas panfletárias sobem de tom, os discursos do oficialato são apresentados como histriónicos, a resistência dos instruendos torna-se mais densa. Rogério faz exames no hospital, encontra-se com outros camaradas, a resistência anda no ar. Por vezes, percebe-se que o panfleto é excessivo, rebuscado, que o autor se sobrepõe a todas as medidas do plausível para pôr a denúncia em movimento, como se houvesse uma monstruosidade generalizada, na instrução, na definição de inimigo, nas marchas finais. A cerimónia do juramento de bandeira aparece transformada como o grande momento da resistência. E depois Mafra chegou ao fim. O próprio edifício se transforma no grande teatro do sofrimento e da ignomínia da guerra colonial: “Mafra chegou ao fim, o escuro exílio. Mafra e o frio de Janeiro tiritando no corpo, a humidade viscosa nas paredes, os corredores soturnos onde moram presságios e maldições. Tudo ali é fugaz, mas a pedra secular, a alta abóbada dos tectos, o negrume dos claustros repassam os dias dum torpor longevo”. Acabara-se o pesadelo de Rogério que vai lutar noutros terrenos, ao lado de outros progressistas.
A narrativa de José Manuel Mendes, escusado é sublinhar, aparece hoje datada, um panfleto óbvio, um grito fora do tempo, uma catarse com pouco sentido, seja para quem combateu, seja para as novas gerações. Mas foi assim que os comunistas quiseram fazer passar a sua mensagem, a sua subversão.
Para que conste.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6526: Notas de leitura (116): Guiné-Bissau Três Vezes Vinte Cinco, de TCor Luís Ataíde Banazol (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 5 de junho de 2010
Guiné 63/74 - P6536: Em busca de... (136): O nome desta ave e identificação desta estrada (Armando Pires)
1. Mensagem de Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 31 de Maio de 2010:
Camarada Vinhal
Se fosse possível, muito agradecia que colocasses estas duas fotos no circuito na expectativa que alguém me possa dizer o nome da ave e que estrada é aquela asfaltada que parece terminar numa localidade com vários rios à sua volta.
Ambas as fotos são de 1969.
A razão do pedido de ajuda é que estou a organizar o meu arquivo em digital e gostaria que elas lá fizessem sentido.
Um muito obrigado a ti e a todos.
Armando Pires
2. Sobre o BCAÇ 2861 retirei do 7.º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Fichas das Unidades Tomo II - Guiné:
O Batalhão, além da CCS, tinha como unidades operacionais as CCAÇ 2464, 2465 e 2466.
A CCAÇ 2464 esteve em Biambe e Nhala.
A CCAÇ 2465 esteve em Có e Bissum
A CCAÇ 2466 esteve em Bula e Encheia
Seguem-se as fotos para identificação da ave e da estrada.
CV
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)
Camarada Vinhal
Se fosse possível, muito agradecia que colocasses estas duas fotos no circuito na expectativa que alguém me possa dizer o nome da ave e que estrada é aquela asfaltada que parece terminar numa localidade com vários rios à sua volta.
Ambas as fotos são de 1969.
A razão do pedido de ajuda é que estou a organizar o meu arquivo em digital e gostaria que elas lá fizessem sentido.
Um muito obrigado a ti e a todos.
Armando Pires
2. Sobre o BCAÇ 2861 retirei do 7.º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Fichas das Unidades Tomo II - Guiné:
O Batalhão, além da CCS, tinha como unidades operacionais as CCAÇ 2464, 2465 e 2466.
A CCAÇ 2464 esteve em Biambe e Nhala.
A CCAÇ 2465 esteve em Có e Bissum
A CCAÇ 2466 esteve em Bula e Encheia
Seguem-se as fotos para identificação da ave e da estrada.
CV
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)
Guiné 63/74 - P6535: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (18): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (5): Maria Ivone Reis (Rosa Serra)
Tancos, 2005 > Enfermeira Pára-quedista Ivone Reis
As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - V
Enfermeira Ivone Reis*
Têm-me perguntado várias vezes pela Enfermeira Ivone. Sei também que já há um certo número de pessoas que sabem que ela não tem estado bem de saúde, por isso aqui estou eu para falar um pouco da primeira enfermeira pára-quedista que eu conheci.
Nós, aqueles que a conheceram e que com ela conviveram períodos da sua vida por diversas razões, não a esquecem e no meu caso pessoal tenho bem presente quem foi a Ivone, como sempre a vi e o que eu aprendi com ela.
A Enfermeira Ivone pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Pára-quedistas portuguesas feito em 1961.
Foi ela que contactou as futuras candidatas, residentes na Cidade do Porto, que em 1967 tinham pedido por escrito à Força Aérea informações sobre cursos para Enfermeiras Pára-quedistas. Foi a Enfermeira Ivone a primeira a deslocar-se ao Porto para conhecer as 4 interessadas na candidatura ao curso, onde eu estava incluída.
Mais tarde, eu, já Enfermeira com boina verde na cabeça, estive em várias comissões com ela. Fazíamos uma grande diferença de idade; eu muito novinha, a Ivone uma senhora cheia de sabedoria e experiência. Logo percebi tratar-se de uma pessoa de princípios e moral muito vincados, nem sempre de fácil contacto, porque o seu grau de exigência era muito elevado, não só para quem estava à sua volta, mas para com ela mesmo.
Não se lamentava do seu cansaço nem de quem a magoasse com qualquer atitude menos simpática; mas também não se inibia de chamar a atenção sobre tudo o que eu ou outra enfermeira qualquer pudéssemos fazer e que ela considerasse pouco correcto, ou até mesmo deselegante.
Fazia gosto e não se poupava a esforços para que todas nós fossemos um exemplo de profissionalismo impecável, cumpridoras de normas militares sem deslizes, posturas e atitudes que se destacassem, de forma a sermos admiradas como grupo.
No meu caso pessoal percepcionei logo na primeira comissão que fiz com ela a sua forma de estar e o seu rigor no desempenho da sua actividade como enfermeira em ambiente masculino e de guerra.
Várias vezes ela me chamou atenção por pequenas rebeldias insignificantes e atitudes que eu tomava, como entrar no helicóptero para ir fazer uma evacuação com o casaco de camuflado pendurado num ombro, de bolsa de enfermagem no outro e de t-shirt branca; era sabido que quando regressasse logo me dizia do perigo em usar a t-shirt em pleno mato pois tornava-me um alvo bem visível, além do aspecto pouco alinhado no uso do uniforme militar a bordo de uma aeronave.
Eu dizia-lhe para ela não se preocupar, porque eu era um alvo que não interessava a ninguém; e quanto ao desalinho do casaco pendurado no ombro, um dia respondi-lhe que só o fazia porque tinha calor, não pelo clima da Guiné, que até era “fresquinho”, mas se calhar por estar a entrar em “menopausa” e ela esboçou um sorriso e respondeu-me:
- A menina gosta muito de brincar.
Eu nunca levava a mal o que ela me dizia, apesar de eu ser mesmo uma periquita ao lado dela; sempre soube apreciar as suas qualidades profissionais sobretudo em termos de organização e de uma verticalidade e sentido de dever pouco comuns, mesmo nessa altura.
Mais tarde, em Angola, as enfermeiras colocadas em Luanda viviam num apartamento de um edifício da Força Aérea destinado a alojar militares e suas famílias. O ambiente era bem mais calmo que o da Guiné, o que nos permitia termos fins-de-semana, irmos à praia, convivermos mais tranquilamente com a comunidade civil ou com famílias de militares.
A Enfermeira Ivone sempre alinhou comigo nas horas de lazer, tal como respeitava se eu não a convidasse para ir comigo quando eu saía com um grupo de amigos ou familiares meus que lá se encontravam na época.
Em Angola eu estava colocada no BCP 21 e ela na Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea. Normalmente eu ia para o Batalhão com farda n.º 2 (saia, camisa e eventualmente blusão) e, claro, boina verde na cabeça. Um dia resolvi colocar num dedo um anel com uma pedra grande verde, que dava um bocado nas vistas; quando ela me viu sair com semelhante adereço, fardada, olhou para o dedo e com ar de espanto diz-me:
- A Rosa esqueceu-se que está fardada? - Eu respondi, não - e acrescentei:
- Não me diga que não é giro… condiz mesmo bem com o verde da boina - e ia mostrando o dedo e dizendo: - É lindo, até devia estar orgulhosa de uma Enfermeira Pára-quedista estar assim tão gira.
Ela respondeu-me:
- Nem por isso - e virou-me as costas. Acredito que se foi rir às escondidas.
Mais tarde comentámos uma série de peripécias deste género que se passaram connosco e fartámo-nos de rir, e com aquele jeito típico dela, depois destas lembranças e passados tantos anos, acabava por dizer:
- A menina era muito brincalhona, nunca consegui zangar-me consigo.
Estou a contar estes episódios porque sempre percebi que por trás daquele ar rigoroso dela estava uma mulher mais tolerante do que parecia, com uma capacidade de organização espantosa, uma noção de ética muito apurada, muito trabalhadora; e nunca a vi fazer uma crítica desagradável ou fofoqueira de ninguém e nem gostava que as pessoas que a rodeavam o fizessem.
Ao longo de todos estes anos mantive sempre contacto com ela, o que me permitiu tomar conhecimento de um espólio fantástico que ela foi recolhendo dos sítios por onde passou e organizando ao longo dos anos, tendo em vista a divulgação da história das Enfermeiras Pára-quedistas de quem ela tanto se orgulhava e que sempre se preocupou em não deixar cair no esquecimento. Foi sempre um bom exemplo para mim.
(Rosa Serra)
Tancos 2005 > I Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A Enfermeira Ivone corta o bolo comemorativo
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > Da esquerda para a direita: Giselda, Rosa Serra (de branco), Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), atrás (?), depois Júlia Lemos (camisola florida), Amália Reimão (de branco), Céu Matos Chaves (de amarelo) e Zulmira André. Em baixo, Aida Rodrigues.
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A partir da esquerda: (?), a Rosa Serra (de branco), a Zulmira André (meio tapada), a Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), Teresa Lamas, a Maria do Céu Matos Chaves (de amarelo), a Júlia Lemos (camisola florida) e a Amália Reimão (de branco). Em baixo estão a Giselda e uma camarada mais nova.
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 >III Encontro de Mulheres Boinas Verdes> Giselda, Rosa Serra e Zulmira André
Fotos e legendas enviadas por Miguel Pessoa
__________
Notas de CV:
(*) Este trabalho de autoria da nossa camarada Rosa Serra, sobre a Enf.ª Pára-quedista Ivone Reis, foi publicado no P5971 de 11 de Março de 2010. Achamos contudo que o devíamos incluir nesta série "As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares" para que ficasse devidamente integrado, conforme a ideia inicial de se falar destas valorosas e corajosas MULHERES.
Vd. poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5971: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (12): Ivone Reis, a primeira Enfermeira Pára-quedista que conheci (Rosa Serra)
Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6523: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (17): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (4): Lurdinhas (Rosa Serra)
Resta-nos agradecer à Enf.ª Pára-quedista Rosa Serra o seu empenho na recolha e envio das fotos, assim como os textos que caracterizou e nos deu a conhecer um pouco mais, estes nossos Anjos da Guarda.
Ficamos à espera de novas histórias de qualquer das nossas queridas amigas enfermeiras pára-quedistas, lembrando que temos a partir de agora dois elos de contacto, a veterana Giselda e agora a Rosa.
Guiné 63/74 - P6534: Colecção de diapositivos de Benjamim Durães (1): Bambadinca, ao tempo do BART 2917 (1970/72)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > As instalações de sargentos (à esquerda) e oficiais (à direita), e as duas meses (ao fundo)... Dia de chuva intensa...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o O Rio Geba ao fundo, e a saída para leste (no sentido de Bafatá)... Em primeiro plano, a morança do comerciante português Rendeiro, casado com uma mulher mandinga.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Fur Mil Op Esp, Pel Rec Info, junto a uma das acácias em flor...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Umaru Baldé, soldado arvorado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal. Morreu há uns anos... Não teria mais do que 16 anos quando fez a recruta (em Contuboel)... Um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo... Dizia-se que era filho de régulo...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a igreja e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/71)
O Benjamim Durães foi Furriel Miliciano de Reconhecimento e Informação da CCS. Era também de Op Esp. Em 18 de Agosto de 1970 baixou ao HM 241 em Bissau, devido a ferimentos graves ocorridos no decurso de uma coluna auto, na estrada Bambadinca-Xime.
Teve a gentileza de me oferecer uma selecção de fotos obtidas a partir da digitalização dos seus diapositivos. (Infelizmente, sem legendas). Tem sido o corpo e a alma da organização dos cinco primeiros convívios do pessoal da CSS / BART 2917 e subunidades adidas, o último dos quais em Coruche, em Março passado. (LG)
Foto: © Benjamim Durães (2010). Direitos reservados
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Guiné 63/74 – P6533: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (23): You made my day. Encontrei o Xico (Nelson Herbert)
1. Em mensagem do dia 6 de Maio de 2010, o nosso amigo e membro da nossa Tabanca Grande, Nelson Herbert*, jornalista guineense a trabalhar e a viver na América, apresentava o seguinte pedido que deu origem ao Poste 6345** de 8 de Maio:
Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.
Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos!
Bissau > Vista dos Serviços Metereológicos
Desconheço se terão estado numa outra "Frente" [de guerra], conheci-os pois em Bissau e ambos habitavam um quarto alugado numa residência mesmo em frente da Messe dos Sargentos.
De tal forma afectos aos vizinhos e à minha familia em particular, ainda me recordo de, nos anos 70 (72/73), a familia toda, na altura de férias em Lisboa, ter sido presenteada com uma visita dos irmãos gémeos (na altura já com a comissão militar concluída na Guiné), acompanhados pela respectiva mãe...que no fundo quis conhecer a família africana que tanto afecto tinha dedicado aos filhos na Guiné. Um gesto simpático de gente nobre!
Foi pois a última vez que os vi... tinha eu uns 10/11 anos! E, como devem calcular volvidos todos esses anos, nunca é demais reaver o requinte de amizades do género... Para que no mínimo se fique a saber ... que nem tudo o tempo levou !
Mas a propósito deste par de gémeos e relativamente ao que vou apelidar aqui de "critérios de chamada à tropa", uma dúvida andou por todos estes anos "apipocando-me" a mente. Tal qual a experiência do Private Ryan [, referência ao filme Saving Private Ryan, de Spielberg, 1998] como é que funcionavam as coisas, quando tal "dever" se via confrontado com casos de irmãos, (neste caso, por sinal gémeos), em idade de incorporação militar ? "Apanhavam" todos pela mesma bitola, como foi o caso ?
A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !
Meu vizinho nos anos 70, nos tempos livres sempre arranjava tempo para organizar e orientar o time da meninada do meu bairro. Terminada a comissão militar, ainda chegou a ser futebolista profissional em Portugal. Integrou, com Lemos (ex-futebolista do Futebol Clube do Porto, então em comissão militar na Guiné) a celebre selecção da Provincia da Guiné, na altura reforçada por militares da então "Metrópole" que se bateu, sem complexos com a então equipa principal do Futebol Clube de Porto, do peruano Teófilo Cubilas, Rudolfo e Rolando !
Estarão porventura estas três personalidades navegando pelo blogue ou porventura alguém que saiba do paradeiro dos mesmos ?
Mantenhas
Nelson Herbert
USA
2. No dia 29 de Maio de 2010, chegou até nós esta mensagem:
Estimado camarada,
No passado dia 8 estive, pela primeira vez, num almoço no Cartaxo, com camaradas da Guiné.
Lá encontrei o Hélder Sousa que me deu a conhecer o vosso blog. Ao chegar a casa, dei uma vista de olhos e qual não foi o meu espanto quando encontro um puto de 11 anos, hoje feito homem - Nelson Herbert nos Estados Unidos - à procura de dois gémeos - Xico e Mário - que eram amigos dos pais em 70-72... etc, etc...
Pois é, eu sou o Xico!!!!!!
Já fiz um comentário à notícia mas como não percebo nada de informática, receio que ele não tenha recebido nada.
Será possível facultar-me o endereço dele ou fazer-lhe chegar o meu para melhor contactarmos?! Aliás o da minha mulher.
Ficar-lhe-ei muito grato e aproveito para o cumprimentar por este trabalho, proporcionando a tantos camaradas reviver momentos agradáveis. Nem tudo foi mau naquela guerra, sobretudo as recordações de amizades julgadas perdidas ou esquecidas, vêm ao de cima com muita estima e carinho.
Com os meus cumprimentos
Francisco Soares
3. No dia 30, Luís Graça endereçou esta pequena (grande) mensagem a Nelson Herbert:
Nelson:
Aqui tens o Xico!...
Como vês, o mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande!
Mata as saudades todas!
4. Final feliz
No dia 31 de Maio Nelson Herbert dirigia-se assim ao nosso Editor Luís Graça:
Meu Caro Luís
É mesmo... o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande!
Por estranho que pareça, celebra-se hoje por estas minhas bandas o Memorial Day... que nada mais é do que o dia de homenagem aos veteranos de todas as guerras em que os americanos estiveram envolvidos. E como sabes não foram poucas.
Coincidência ou não, estive hoje todo o dia fora, rodeado pela familia, num passeio pela aprazível capital americana, Washington DC, a acompanhar a comemoração desta data histórica para os americanos.
É pois um dia em que os veteranos das distintas guerras "americanas" se reunem para homenagear os amigos e companheiros tombados em combate, em cerimónias imbuídas de um simbolismo indescritivel.
E como deve imaginar, rituais que nos remetem a instantâneos flashback... da memória, a guerra na Guiné da minha infância!
E não é que chego a casa e sou surpreendido por essa agradável reaparição deste veterano da nossa outra guerra... a da Guiné... Um velho amigo da família, com quem entrarei em contacto de imediato...
You made my day!
Thanks!
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6468: Em bom português nos entendemos (8): Francofonia 'versus' lusofonia ? Não, o problema é outro: Haja mais Estado, mais Governo! (Nelson Herbert)
(**) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6518: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (23): Notícias do Eduardo Luís de Bernarda (José Marcelino Martins)
Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.
Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos!
Bissau > Vista dos Serviços Metereológicos
Desconheço se terão estado numa outra "Frente" [de guerra], conheci-os pois em Bissau e ambos habitavam um quarto alugado numa residência mesmo em frente da Messe dos Sargentos.
De tal forma afectos aos vizinhos e à minha familia em particular, ainda me recordo de, nos anos 70 (72/73), a familia toda, na altura de férias em Lisboa, ter sido presenteada com uma visita dos irmãos gémeos (na altura já com a comissão militar concluída na Guiné), acompanhados pela respectiva mãe...que no fundo quis conhecer a família africana que tanto afecto tinha dedicado aos filhos na Guiné. Um gesto simpático de gente nobre!
Foi pois a última vez que os vi... tinha eu uns 10/11 anos! E, como devem calcular volvidos todos esses anos, nunca é demais reaver o requinte de amizades do género... Para que no mínimo se fique a saber ... que nem tudo o tempo levou !
Mas a propósito deste par de gémeos e relativamente ao que vou apelidar aqui de "critérios de chamada à tropa", uma dúvida andou por todos estes anos "apipocando-me" a mente. Tal qual a experiência do Private Ryan [, referência ao filme Saving Private Ryan, de Spielberg, 1998] como é que funcionavam as coisas, quando tal "dever" se via confrontado com casos de irmãos, (neste caso, por sinal gémeos), em idade de incorporação militar ? "Apanhavam" todos pela mesma bitola, como foi o caso ?
A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !
Meu vizinho nos anos 70, nos tempos livres sempre arranjava tempo para organizar e orientar o time da meninada do meu bairro. Terminada a comissão militar, ainda chegou a ser futebolista profissional em Portugal. Integrou, com Lemos (ex-futebolista do Futebol Clube do Porto, então em comissão militar na Guiné) a celebre selecção da Provincia da Guiné, na altura reforçada por militares da então "Metrópole" que se bateu, sem complexos com a então equipa principal do Futebol Clube de Porto, do peruano Teófilo Cubilas, Rudolfo e Rolando !
Estarão porventura estas três personalidades navegando pelo blogue ou porventura alguém que saiba do paradeiro dos mesmos ?
Mantenhas
Nelson Herbert
USA
2. No dia 29 de Maio de 2010, chegou até nós esta mensagem:
Estimado camarada,
No passado dia 8 estive, pela primeira vez, num almoço no Cartaxo, com camaradas da Guiné.
Lá encontrei o Hélder Sousa que me deu a conhecer o vosso blog. Ao chegar a casa, dei uma vista de olhos e qual não foi o meu espanto quando encontro um puto de 11 anos, hoje feito homem - Nelson Herbert nos Estados Unidos - à procura de dois gémeos - Xico e Mário - que eram amigos dos pais em 70-72... etc, etc...
Pois é, eu sou o Xico!!!!!!
Já fiz um comentário à notícia mas como não percebo nada de informática, receio que ele não tenha recebido nada.
Será possível facultar-me o endereço dele ou fazer-lhe chegar o meu para melhor contactarmos?! Aliás o da minha mulher.
Ficar-lhe-ei muito grato e aproveito para o cumprimentar por este trabalho, proporcionando a tantos camaradas reviver momentos agradáveis. Nem tudo foi mau naquela guerra, sobretudo as recordações de amizades julgadas perdidas ou esquecidas, vêm ao de cima com muita estima e carinho.
Com os meus cumprimentos
Francisco Soares
3. No dia 30, Luís Graça endereçou esta pequena (grande) mensagem a Nelson Herbert:
Nelson:
Aqui tens o Xico!...
Como vês, o mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande!
Mata as saudades todas!
4. Final feliz
No dia 31 de Maio Nelson Herbert dirigia-se assim ao nosso Editor Luís Graça:
Meu Caro Luís
É mesmo... o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande!
Por estranho que pareça, celebra-se hoje por estas minhas bandas o Memorial Day... que nada mais é do que o dia de homenagem aos veteranos de todas as guerras em que os americanos estiveram envolvidos. E como sabes não foram poucas.
Coincidência ou não, estive hoje todo o dia fora, rodeado pela familia, num passeio pela aprazível capital americana, Washington DC, a acompanhar a comemoração desta data histórica para os americanos.
É pois um dia em que os veteranos das distintas guerras "americanas" se reunem para homenagear os amigos e companheiros tombados em combate, em cerimónias imbuídas de um simbolismo indescritivel.
E como deve imaginar, rituais que nos remetem a instantâneos flashback... da memória, a guerra na Guiné da minha infância!
E não é que chego a casa e sou surpreendido por essa agradável reaparição deste veterano da nossa outra guerra... a da Guiné... Um velho amigo da família, com quem entrarei em contacto de imediato...
You made my day!
Thanks!
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6468: Em bom português nos entendemos (8): Francofonia 'versus' lusofonia ? Não, o problema é outro: Haja mais Estado, mais Governo! (Nelson Herbert)
(**) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6518: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (23): Notícias do Eduardo Luís de Bernarda (José Marcelino Martins)
Guiné 63/74 - P6532: Estórias do Juvenal Amado (26): Laura, ou as estórias da nossa terra
1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 30 de Maio de 2010, com mais uma das suas estórias, sempre do agrado da tertúlia:
Meus caros Luis, Carlos, Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande
Fui trabalhar para a Crisal (fábrica de vidros de Alcobça) com onze anos, acabado de sair da escola primária e como eu foram muitos ao longo da minha juventude.
Só lá estive uma ou duas horas.
O forno da Crisal foi dos sítios que conheci, onde o trabalho era da maior violência. Centenas de trabalhadores trabalhavam ao mesmo tempo com canas de aço, donde pendiam a ponta bolas de vidro incandescente e os meninos de 11 anos, levavam depois as peças já moldadas para as arcas de tempera (Chamava-se levar a cima).
O calor era insuportável e a grande concentração de trabalhadores, tornava o local perigoso com acidentes quase diários. Mais tarde a empresa foi modernizada e a temível secção do forno, foi dividida em turnos, construída em local mais arejado e foi assim reduzido em grande parte o perigo aos seus trabalhadores.
Durante esses anos, foi vê-los partir para a guerra e vê-los regressar os que regressaram.
Mais tarde com 14 anos, voltei para ingressar na pintura e por lá permaneci até 1980.
A estória que trago hoje é pois, uma memória de várias memórias. Os nomes são fictícios mas as situações não deixam de ser verdadeiras na sua essência.
Esta introdução vem um pouco na linha do excelente poste do Mário Pinto, sobre a falta de preparação que nós tivemos para enfrentar o IN.
Isto só para dizer que os furriéis e alferes não foram preparados convenientemente, o que se dirá dos soldados que embarcavam quase sem dar tiros. Marchávamos relativamente bem, mas não se enfrenta o IN com marchas. Foi a vida ruim das suas juventudes, onde muitos que lá trabalhavam comiam broa e usavam como conduto um pouco de pão alvo, ou uma mão cheia de azeitonas escaldadas, que permitiu suportar as dificuldades por que passaram.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
LAURA OU ESTÓRIAS DA NOSSA TERRA
Laura dormia com o semblante calmo. A carta esquecida enfim após ser lida várias vezes repousa aberta. De manhã voltará a lê-la, talvez à procura do que está escrito nas entrelinhas, ou talvez da realidade que lá não foi escrita.
Jorge partiu mas o seu cheiro ainda está pela casa toda.
Férias tinham passado rapidamente, aliás antes do fim, já elas se tinham esgotado nos longos silêncios dele.
São quase oito horas da manhã, corre para apanhar ainda aberto o portão da fábrica.
- Bom dia senhor Manuel - cumprimenta ela o porteiro, que abana a cabeça como quem diz:
- Mais um pouco e ficavas na rua. Vai… vai rapariga, que eu mudo-te a chapa de entrada.
Se tem deixado fechar a porta, teria que esperar por um dos patrões, para que ele lhe desse autorização para pegar ao serviço. Que chatice já não bastava o dinheiro que perdia, como ainda ter que ficar à espera para pedir para ir trabalhar. Já não seria a primeira vez.
- Já chegaste? Fez-te mal o casamento ou é a falta.
São os normais comentários jocosos das colegas. Laura sorri mas não responde habituada, que está à brejeirice normal das colegas mais velhas da secção.
Onde estará o Jorge neste momento? - Pouco ou nada se tinha falado da guerra mas notava, que ele nem sempre estava com ela, ainda que presente fisicamente. Qualquer coisa trazia bem no fundo do seus pensamentos.
Os suores, os sonhos agitados, as longas horas de olhar fixo no tecto falavam por si.
O tempo passa devagar. Ah, se ele estivesse à minha espera ao portão da fábrica. Tinha-se habituado a que ele a esperasse todos os dias. Ia ser difícil suportar a sua ausência.
Se lhe acontece alguma coisa? - Como vou viver sem ele?
Logo afastava esses pensamentos rezando entre dentes uma oração, prometendo ir a Fátima a pé, se nada lhe acontecesse. Nem por sombras queria pensar que também a Maria tinha feito a mesma promessa e de nada lhe tinha valido, pois o namorado lá tinha ficado. Como dizia o padre, ao contrário dos bens terrenos, só Deus era para todos.
E o Tó, genro do latoeiro, e o Valdemar, que perderam uma perna, um na Guiné, o outro em Angola. Ao menos voltaram vivos e trabalhavam já na lapidação do vidro, uma vez que o trabalho nos fornos estava fora causa, mercê das suas deficiências.
Também o Zé de Cós, lá tinha ficado na Guiné logo no princípio da guerra. Era um artista a gravar à roda. Gravava desenhos minúsculos em baixo relevo no vidro, com rodas pequeníssimas feitas de vários materiais. Tiraram-lhe o engenho de gravar arte e beleza, deram-lhe um de matar.
De tempos a tempos, falava-se que tinha voltado um soldado dado como morto. No coração daquela mulher, que o tinha dado à luz, acendia-se uma esperança e na casa para sempre de luto, voltava a entrar uma réstia de Sol.
Mas não, ele já tinha voltado dentro do caixão, o local onde repousa, seria para sempre lugar santo e de romaria para aquela mãe.
O engenho que criava beleza, foi depois ocupado por jovem soldado regressado de Moçambique, que tinha para lá ido em 66 e regressava agora com o rosto e espírito marcados por Sagal Mueda, em pleno território Maconde.
Mas nada disto vai acontecer - Espantava ela os maus pensamentos.
Ele virá mesmo com cicatrizes no corpo e na alma, mas virá.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)
Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5955: Estórias do Juvenal Amado (25): O Sertã e os companheiros da tenda de campanha
Meus caros Luis, Carlos, Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande
Fui trabalhar para a Crisal (fábrica de vidros de Alcobça) com onze anos, acabado de sair da escola primária e como eu foram muitos ao longo da minha juventude.
Só lá estive uma ou duas horas.
O forno da Crisal foi dos sítios que conheci, onde o trabalho era da maior violência. Centenas de trabalhadores trabalhavam ao mesmo tempo com canas de aço, donde pendiam a ponta bolas de vidro incandescente e os meninos de 11 anos, levavam depois as peças já moldadas para as arcas de tempera (Chamava-se levar a cima).
O calor era insuportável e a grande concentração de trabalhadores, tornava o local perigoso com acidentes quase diários. Mais tarde a empresa foi modernizada e a temível secção do forno, foi dividida em turnos, construída em local mais arejado e foi assim reduzido em grande parte o perigo aos seus trabalhadores.
Durante esses anos, foi vê-los partir para a guerra e vê-los regressar os que regressaram.
Mais tarde com 14 anos, voltei para ingressar na pintura e por lá permaneci até 1980.
A estória que trago hoje é pois, uma memória de várias memórias. Os nomes são fictícios mas as situações não deixam de ser verdadeiras na sua essência.
Esta introdução vem um pouco na linha do excelente poste do Mário Pinto, sobre a falta de preparação que nós tivemos para enfrentar o IN.
Isto só para dizer que os furriéis e alferes não foram preparados convenientemente, o que se dirá dos soldados que embarcavam quase sem dar tiros. Marchávamos relativamente bem, mas não se enfrenta o IN com marchas. Foi a vida ruim das suas juventudes, onde muitos que lá trabalhavam comiam broa e usavam como conduto um pouco de pão alvo, ou uma mão cheia de azeitonas escaldadas, que permitiu suportar as dificuldades por que passaram.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
LAURA OU ESTÓRIAS DA NOSSA TERRA
Laura dormia com o semblante calmo. A carta esquecida enfim após ser lida várias vezes repousa aberta. De manhã voltará a lê-la, talvez à procura do que está escrito nas entrelinhas, ou talvez da realidade que lá não foi escrita.
Jorge partiu mas o seu cheiro ainda está pela casa toda.
Férias tinham passado rapidamente, aliás antes do fim, já elas se tinham esgotado nos longos silêncios dele.
São quase oito horas da manhã, corre para apanhar ainda aberto o portão da fábrica.
- Bom dia senhor Manuel - cumprimenta ela o porteiro, que abana a cabeça como quem diz:
- Mais um pouco e ficavas na rua. Vai… vai rapariga, que eu mudo-te a chapa de entrada.
Se tem deixado fechar a porta, teria que esperar por um dos patrões, para que ele lhe desse autorização para pegar ao serviço. Que chatice já não bastava o dinheiro que perdia, como ainda ter que ficar à espera para pedir para ir trabalhar. Já não seria a primeira vez.
- Já chegaste? Fez-te mal o casamento ou é a falta.
São os normais comentários jocosos das colegas. Laura sorri mas não responde habituada, que está à brejeirice normal das colegas mais velhas da secção.
Onde estará o Jorge neste momento? - Pouco ou nada se tinha falado da guerra mas notava, que ele nem sempre estava com ela, ainda que presente fisicamente. Qualquer coisa trazia bem no fundo do seus pensamentos.
Os suores, os sonhos agitados, as longas horas de olhar fixo no tecto falavam por si.
O tempo passa devagar. Ah, se ele estivesse à minha espera ao portão da fábrica. Tinha-se habituado a que ele a esperasse todos os dias. Ia ser difícil suportar a sua ausência.
Se lhe acontece alguma coisa? - Como vou viver sem ele?
Logo afastava esses pensamentos rezando entre dentes uma oração, prometendo ir a Fátima a pé, se nada lhe acontecesse. Nem por sombras queria pensar que também a Maria tinha feito a mesma promessa e de nada lhe tinha valido, pois o namorado lá tinha ficado. Como dizia o padre, ao contrário dos bens terrenos, só Deus era para todos.
E o Tó, genro do latoeiro, e o Valdemar, que perderam uma perna, um na Guiné, o outro em Angola. Ao menos voltaram vivos e trabalhavam já na lapidação do vidro, uma vez que o trabalho nos fornos estava fora causa, mercê das suas deficiências.
Também o Zé de Cós, lá tinha ficado na Guiné logo no princípio da guerra. Era um artista a gravar à roda. Gravava desenhos minúsculos em baixo relevo no vidro, com rodas pequeníssimas feitas de vários materiais. Tiraram-lhe o engenho de gravar arte e beleza, deram-lhe um de matar.
De tempos a tempos, falava-se que tinha voltado um soldado dado como morto. No coração daquela mulher, que o tinha dado à luz, acendia-se uma esperança e na casa para sempre de luto, voltava a entrar uma réstia de Sol.
Mas não, ele já tinha voltado dentro do caixão, o local onde repousa, seria para sempre lugar santo e de romaria para aquela mãe.
O engenho que criava beleza, foi depois ocupado por jovem soldado regressado de Moçambique, que tinha para lá ido em 66 e regressava agora com o rosto e espírito marcados por Sagal Mueda, em pleno território Maconde.
Mas nada disto vai acontecer - Espantava ela os maus pensamentos.
Ele virá mesmo com cicatrizes no corpo e na alma, mas virá.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)
Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5955: Estórias do Juvenal Amado (25): O Sertã e os companheiros da tenda de campanha
Guiné 63/74 - P6531: Tabanca Grande (224): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, Pelundo, Cadique, Jemberém, Ilha de Jete, 1972/74
1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2010, António Faneco*, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, apresenta-se à tertúlia, enviando as fotos da praxe e os elementos que referentes à sua comissão de serviço na Guiné.
Nome: António Faneco (Massamá)
Posto: 1.º Cabo Atirador Artilharia
Companhia/Batalhão: 1.ª Cart "Os Nómadas Pioneiros de Jemberém" do BART 6521/72
Local/Zona de acção:
Bolama (IAO) - 29.09.1972 a 26.10.1972;
Pelundo - 31.10.1972 a 07.01.1973;
Cadique - 21.01.1973 a 20.04.1973;
Jemberém - 20.04.1973 a 09.09.1973;
Pelundo - 11.09.1973 a 02.01.1974;
Ilha de Jete - 02.01.1974 a 30.03.1974;
Pelundo - 30.03.1974 a 26.08.1974
Tempo de comissão: 23.09.1972 a 27.08.1974
Local de residência: Montijo - Setúbal
Contactos: antoniofaneco@sapo.pt
MSN: fanecoantonio@hotmail.com
2. Comentário de CV:
Caro António Faneco
Algumas palavras só para te dar as boas-vindas e endereçar-te o abraço da tertúlia a que todos os periquitos têm ditreito.
Esperamos de ti o mesmo que de todos os tertulianos, algum do teu tempo para contribuires para este espólio de memórias de ex-combatentes da Guiné.
Não nos move nenhum saudosismo colonial, até porque sentimos no corpo os seus efeitos, nem queremos marcar qualquer posição de índole política. Portugal colonial faz parte do passado e à Guiné-Bissau só nos une o facto de termos passado lá dois anos da nossa juventude, enquanto militares, e a amizade que fizemos com aquela gente sofredora.
Caro camarada, tens a tertúlia à espera das tuas fotos e textos.
CV
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de 7 de Janeiro de 2010:
Guiné 63/74 - P5605: O Nosso Livro de Visitas (78): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72 (1972/74)
e
Guiné 63/74 - P5607: Memória dos lugares (66): Iemberém, sede do Parque Nacional do Cantanhez, outrora campo de batalha (Luís Graça / António Faneco)
Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6469: Tabanca Grande (223): Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969
Nome: António Faneco (Massamá)
Posto: 1.º Cabo Atirador Artilharia
Companhia/Batalhão: 1.ª Cart "Os Nómadas Pioneiros de Jemberém" do BART 6521/72
Local/Zona de acção:
Bolama (IAO) - 29.09.1972 a 26.10.1972;
Pelundo - 31.10.1972 a 07.01.1973;
Cadique - 21.01.1973 a 20.04.1973;
Jemberém - 20.04.1973 a 09.09.1973;
Pelundo - 11.09.1973 a 02.01.1974;
Ilha de Jete - 02.01.1974 a 30.03.1974;
Pelundo - 30.03.1974 a 26.08.1974
Tempo de comissão: 23.09.1972 a 27.08.1974
Local de residência: Montijo - Setúbal
Contactos: antoniofaneco@sapo.pt
MSN: fanecoantonio@hotmail.com
2. Comentário de CV:
Caro António Faneco
Algumas palavras só para te dar as boas-vindas e endereçar-te o abraço da tertúlia a que todos os periquitos têm ditreito.
Esperamos de ti o mesmo que de todos os tertulianos, algum do teu tempo para contribuires para este espólio de memórias de ex-combatentes da Guiné.
Não nos move nenhum saudosismo colonial, até porque sentimos no corpo os seus efeitos, nem queremos marcar qualquer posição de índole política. Portugal colonial faz parte do passado e à Guiné-Bissau só nos une o facto de termos passado lá dois anos da nossa juventude, enquanto militares, e a amizade que fizemos com aquela gente sofredora.
Caro camarada, tens a tertúlia à espera das tuas fotos e textos.
CV
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de 7 de Janeiro de 2010:
Guiné 63/74 - P5605: O Nosso Livro de Visitas (78): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72 (1972/74)
e
Guiné 63/74 - P5607: Memória dos lugares (66): Iemberém, sede do Parque Nacional do Cantanhez, outrora campo de batalha (Luís Graça / António Faneco)
Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6469: Tabanca Grande (223): Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969
Guiné 63/74 - P6530: O Nosso Livro de Visitas (89): O Alenquer, condutor, Pel Rec Fox 42 (Aldeia Formosa, Guileje, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, 1962/64)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > A Fox MG-36-24, que pertenceu aos Pipas, foi sendo sucessivamente rebaptizada: Bêbeda, Diabos do Texas... Segundo Nuno Rubim, "a matrícula da Fox é a mesma que consta numa fotografia tirada por elementos do PAIGC em Maio de 1973, quando ocuparam o quartel! Portanto a Bêbeda ( que vai ficar para a história, representada com essa mesma inscrição no diorama de Guileje ....) terá servido desde 1965 até 1973, integrada nos sucessivos Pel Rec Fox que por lá passaram"... A foto de cima foi gentilmente cedida pelo Teco (Alberto Pires), da CCAÇ 726. (*)
Foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.
1. Comentário, com data de 1 do corrente, ao Poste P5797:
Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "Guiné 63/74 - P5797: Grupo dos Amigos da Capela de...":
É de certo modo gratificante visitar este blogue, onde se podem recordar nomes de locais por demais conhecidos embora já se tenham passado quarenta e muitos anos.
Fala-se aqui em vários lados da localidade de Guileje, onde nós chegámos pela primeira vez em finais de 1963, vindos de Aldeia Formosa, e aí montámos o primeiro aquartelamento, seguindo-se depois Ganturé, Sangonhá, Cacoca, etc...
Pertencendo ao Pelotão de Reconhecimento Fox 42, por esses locais andámos apoiando as tropas que se iam instalando ao longo desse percurso a caminho de Gadamael onde se encontrava, isolada por terra, uma Companhia de Caçadores.
Talvez mais tarde eu volte e conte algo do que presenciei na Guiné entre 1962 e 1964.
Fui condutor de uma Autometralhadora daquele Pelotão, era conhecido por O Alenquer, por ser natural daquele concelho embora habite em Amadora desde 1965.
2. Comentário de L.G.:
Camarada Alenquer, obrigado por apareceres. Na volta, a gente cá de te espera. És mesmo velhinho... Há pouca malta desse tempo e ainda para mais dos Pel Rec Fox. E muito menos ainda do teu 42... Por dever de memória e sobretudo de camaradagem, aparece. Ficas desde já convidado a ingressar no nosso blogue... Um Alfa Bravo. Luís
___________
É de certo modo gratificante visitar este blogue, onde se podem recordar nomes de locais por demais conhecidos embora já se tenham passado quarenta e muitos anos.
Fala-se aqui em vários lados da localidade de Guileje, onde nós chegámos pela primeira vez em finais de 1963, vindos de Aldeia Formosa, e aí montámos o primeiro aquartelamento, seguindo-se depois Ganturé, Sangonhá, Cacoca, etc...
Pertencendo ao Pelotão de Reconhecimento Fox 42, por esses locais andámos apoiando as tropas que se iam instalando ao longo desse percurso a caminho de Gadamael onde se encontrava, isolada por terra, uma Companhia de Caçadores.
Talvez mais tarde eu volte e conte algo do que presenciei na Guiné entre 1962 e 1964.
Fui condutor de uma Autometralhadora daquele Pelotão, era conhecido por O Alenquer, por ser natural daquele concelho embora habite em Amadora desde 1965.
2. Comentário de L.G.:
Camarada Alenquer, obrigado por apareceres. Na volta, a gente cá de te espera. És mesmo velhinho... Há pouca malta desse tempo e ainda para mais dos Pel Rec Fox. E muito menos ainda do teu 42... Por dever de memória e sobretudo de camaradagem, aparece. Ficas desde já convidado a ingressar no nosso blogue... Um Alfa Bravo. Luís
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes de
9 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2090: Pelotões de Reconhecimento Fox em Guileje (Nuno Rubim)
19 de Maio de 2007 >Guiné 63/74 - P1768: Guileje: A Fox, rebaptizada, dos Diabos do Texas (Nuno Rubim)
18 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1766: Guileje: A Bêbeda, uma Fox do Pel Rec 839 que ficará imortalizada no diorama (Nuno Rubim)
14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira
19 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXIV: Tão (ini)(a)migos que nós fomos! A propósito do álbum fotográfico pessoal de Amílcar Cabral (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P6529: Cusa di nos terra (16): A propósito do último livro do António Estácio, Nha Carlota... e as suas comidinhas (Luís Graça)
1. Vamos continuar a relembrar e a divulgar os sabores 'di nos terra' (*)... Todos ou quase todos os entrevistados do António Estácio (foto à esquerda), amigos, conhecidos, clientes ou visitas frequentes da casa de Nha Carlota (no Cumeré e depois em Nhacra), recordam a excelente cozinheira que ela foi e evocam alguns dos seus pratos famosos, um mix da cozinha portuguesa, cabo-verdiana e guineense:
“(…) Era habitual, no final dos bailes realizados nas instalações da UDIB, irem de carro de Bissau a Nhacra, até casa de Nha Carlota, para mata-bicho, onde não faltava a bem temperada linguiça, gazela assada, ovos estrelados, etc.” (p.30).
Ferreira Pinto, um antigo magistrado, frequentava com a esposa a casa de Nha Carlta, “exaltou os dotes culinários da anfitriã, pondo à cabeça a saborosa sopa de peixe, seguida das iscas com caril, com que se deliciavam sob a acolhedora sombra duma frondosa árvore” (p. 34).
O ex-Alf Mil Sérgio Sebastião Alves, da CCAÇ 564(**), e que comandou, de Novembro de 1963 a Maio de 1964, o pelotão destacado em Nhacra com a missão de defender um ponto estratégica, a ponte de Ensalmá que ligava a ilha de Bissau à plataforma continental), descreve Nha Carlota como “uma senhora extraordinária, que fazia uma maravilhosa sopa de peixe” (p. 39).
Alda Maria Simões Tomé, com 40 anos de Guiné, aonde chegou em 1936, conheceu bem, primeiro no Cumeré e depois em Nhacra, essa Mulher Grande, agora biografada pelo nosso amigo António Estácio (capa do livro, edição de autor, à direita):
“Era pessoa que recebia muito bem e estava sempre pronta para fazer uns petiscos deliciosos, como cachupa, linguiça picante, cuscus de arroz. Ai, era tudo tão bom” (p. 42).
O nosso camarada e amigo Nuno Rubim também a conheceu em 1964, quando jovem capitão e destaca “o saboroso pitche-patche de ostra” (p. 44) que uma vez comeu lá em casa dela.
José Alberto Câmara Manoel, ex-colega do Liceu de Bissau, mandou ao autor um depoimento escrito sobre o tempo em que, sendo ele miúdo, ia aos domingos a Nhacra, com os pais e os irmãos, almoçar no restaurante de Nha Carlota:
“Combinada com antecedência a ementa (cabritinho assado, chabéu ou cachupa), começávamos sempre por um balaio, o de ostras e/ou camarão, tudo divinal e cuidadosamente preparado” (p. 49).
Locutora da extinta Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, Maria Rosete Pereira da Silva, destaca, da lista de pratos, “o saboroso pitche-patche de ostra, o frango, quer de churrasco, quer à cafreal, assim como os saborosos camarões que ela preparava muito bem” (p. 50).
Outra admiradora da culinária de Nha Carlota, fala da “saborosa galinha à cafreal, com molho de manteiga, cebolada e piripiri”, bem como da “deliciosa caldeirada de cabrito” (p.54).
O caldo de peixe e o pitche-pacthe de ostras voltam a ser recordados mais dois entrevistados, na p. 55. Parecem ser unânimes as opiniões: Nha Carlota “tanto cozinhava uma deliciosa cachupa, um excelente chabéu ou qualquer prato de comida europeia” (p. 57)… E até o café parecia ser diferente:
(…) “Mandava-o vir, em grão, de Cabo Verde, depois trorrava-o e moía-o com particular mestria. Que maravilha de café” (p. 57).
A sobremesa era, em geral, fruta, da sua propriedade:
“Nós comíamos na varanda e os nossos pais almoçavam no alpendre, existente na traseira da residência. A sobremesa era à base de fruta apanhada nas redondezas e era ela mesma a que nos incentivava a ir buscá-la. Ai, era tão animado!” (p. 48).
Ao livrinho do António Estácio (116 pp), fomos ainda 'roubar' esta receita, A sopa de marisco à Nha Carlota (p. 57)... Para terminar em beleza esta nota de leitura, isto é, para terminar...a salivar:
Ingridientes: Camarão, Arroz, Farinheira ou chouriço, Azeite, Polpa de tomate, Cebola, Limão, Piripiri
Coze-se o camarão, o qual, em seguida, se descasca e são-lhe retiradas as cabeças. Guarda-se essa água e passam-se as cabeças e as cascas retiradas, no ‘passe-vite’. Mói-se bem e com a água a correr, para que a água remova a pasta proveniente das cabeças. Junta-se esta água à da cozedura do camarão e, em função do número das pessoas, acrescenta-se água normal.
Aparte faz-se um refogado com azeite, cebola bem picada e junta-se polpa de tomate. Quando a água da sopa começar a ferver, junta-se ao refogado o chouriço e deita-se arroz, em quantidade para que a sopa não fique aguada. Por fim junta-se piripiri (moído ou não) e o camarão descascado. É servido com limão e, se necessário, adiciona-se piri-piri.
_____________
Nota de L.G.:
(*) Último poste desta série > 23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)
(**) Na verdade trata-se da CART 564 e não CCAÇ como é referido
“(…) Era habitual, no final dos bailes realizados nas instalações da UDIB, irem de carro de Bissau a Nhacra, até casa de Nha Carlota, para mata-bicho, onde não faltava a bem temperada linguiça, gazela assada, ovos estrelados, etc.” (p.30).
Ferreira Pinto, um antigo magistrado, frequentava com a esposa a casa de Nha Carlta, “exaltou os dotes culinários da anfitriã, pondo à cabeça a saborosa sopa de peixe, seguida das iscas com caril, com que se deliciavam sob a acolhedora sombra duma frondosa árvore” (p. 34).
O ex-Alf Mil Sérgio Sebastião Alves, da CCAÇ 564(**), e que comandou, de Novembro de 1963 a Maio de 1964, o pelotão destacado em Nhacra com a missão de defender um ponto estratégica, a ponte de Ensalmá que ligava a ilha de Bissau à plataforma continental), descreve Nha Carlota como “uma senhora extraordinária, que fazia uma maravilhosa sopa de peixe” (p. 39).
Alda Maria Simões Tomé, com 40 anos de Guiné, aonde chegou em 1936, conheceu bem, primeiro no Cumeré e depois em Nhacra, essa Mulher Grande, agora biografada pelo nosso amigo António Estácio (capa do livro, edição de autor, à direita):
“Era pessoa que recebia muito bem e estava sempre pronta para fazer uns petiscos deliciosos, como cachupa, linguiça picante, cuscus de arroz. Ai, era tudo tão bom” (p. 42).
O nosso camarada e amigo Nuno Rubim também a conheceu em 1964, quando jovem capitão e destaca “o saboroso pitche-patche de ostra” (p. 44) que uma vez comeu lá em casa dela.
José Alberto Câmara Manoel, ex-colega do Liceu de Bissau, mandou ao autor um depoimento escrito sobre o tempo em que, sendo ele miúdo, ia aos domingos a Nhacra, com os pais e os irmãos, almoçar no restaurante de Nha Carlota:
“Combinada com antecedência a ementa (cabritinho assado, chabéu ou cachupa), começávamos sempre por um balaio, o de ostras e/ou camarão, tudo divinal e cuidadosamente preparado” (p. 49).
Locutora da extinta Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, Maria Rosete Pereira da Silva, destaca, da lista de pratos, “o saboroso pitche-patche de ostra, o frango, quer de churrasco, quer à cafreal, assim como os saborosos camarões que ela preparava muito bem” (p. 50).
Outra admiradora da culinária de Nha Carlota, fala da “saborosa galinha à cafreal, com molho de manteiga, cebolada e piripiri”, bem como da “deliciosa caldeirada de cabrito” (p.54).
O caldo de peixe e o pitche-pacthe de ostras voltam a ser recordados mais dois entrevistados, na p. 55. Parecem ser unânimes as opiniões: Nha Carlota “tanto cozinhava uma deliciosa cachupa, um excelente chabéu ou qualquer prato de comida europeia” (p. 57)… E até o café parecia ser diferente:
(…) “Mandava-o vir, em grão, de Cabo Verde, depois trorrava-o e moía-o com particular mestria. Que maravilha de café” (p. 57).
A sobremesa era, em geral, fruta, da sua propriedade:
“Nós comíamos na varanda e os nossos pais almoçavam no alpendre, existente na traseira da residência. A sobremesa era à base de fruta apanhada nas redondezas e era ela mesma a que nos incentivava a ir buscá-la. Ai, era tão animado!” (p. 48).
Ao livrinho do António Estácio (116 pp), fomos ainda 'roubar' esta receita, A sopa de marisco à Nha Carlota (p. 57)... Para terminar em beleza esta nota de leitura, isto é, para terminar...a salivar:
Ingridientes: Camarão, Arroz, Farinheira ou chouriço, Azeite, Polpa de tomate, Cebola, Limão, Piripiri
Coze-se o camarão, o qual, em seguida, se descasca e são-lhe retiradas as cabeças. Guarda-se essa água e passam-se as cabeças e as cascas retiradas, no ‘passe-vite’. Mói-se bem e com a água a correr, para que a água remova a pasta proveniente das cabeças. Junta-se esta água à da cozedura do camarão e, em função do número das pessoas, acrescenta-se água normal.
Aparte faz-se um refogado com azeite, cebola bem picada e junta-se polpa de tomate. Quando a água da sopa começar a ferver, junta-se ao refogado o chouriço e deita-se arroz, em quantidade para que a sopa não fique aguada. Por fim junta-se piripiri (moído ou não) e o camarão descascado. É servido com limão e, se necessário, adiciona-se piri-piri.
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Nota de L.G.:
(*) Último poste desta série > 23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)
(**) Na verdade trata-se da CART 564 e não CCAÇ como é referido
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Guiné 63/74 – P6528: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (37): Um básico super operacional (Mário G R Pinto)
1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 36ª mensagem, em 25 de Março de 2010:
Camaradas,
Hoje vou-vos dar conhecimento sobre quem foi Manuel Raposo Marques - Soldado Básico -, Nº Mecº 18757368, da CART 2519. Um Homem que apesar de ter sido classificado como “básico”, foi uma das nossas maiores e melhores referências em combate, tornando-se num exemplo de abnegação e de heroísmo, dignificando sobremodo o soldado Português.
Camaradas,
Hoje vou-vos dar conhecimento sobre quem foi Manuel Raposo Marques - Soldado Básico -, Nº Mecº 18757368, da CART 2519. Um Homem que apesar de ter sido classificado como “básico”, foi uma das nossas maiores e melhores referências em combate, tornando-se num exemplo de abnegação e de heroísmo, dignificando sobremodo o soldado Português.
UM BÁSICO SUPER OPERACIONAL
Para quem não sabe ou não se lembra já, básicos eram todos os soldados que não conseguiam qualificação ou aptidão, para serem enquadrados em qualquer outra das muitas especialidades existentes no Exército.
Eram assim, a modos que uma espécie de proscritos, de mão-de-obra não especializada, que a tropa não dispensava e empregava no cumprimento de todo o tipo de tarefas indiferenciadas (tarefeiros, faxinas, auxiliares de pequenos serviços, etc.), normalmente apenas dentro das áreas delimitadas dos aquartelamentos.
Eles, tal como todos os outros especializados, iam, igualmente, “malhar” com os “ossinhos”em África.
Eles, tal como todos os outros especializados, iam, igualmente, “malhar” com os “ossinhos”em África.
Nessa altura o que estava em causa era a quantidade de homens a enviar para a guerra e não a desejada e necessária qualidade, porque, no fundo, éramos massa destinada a “carne para canhão”.
Básico era então o carimbo, com que eram marcados os incapazes e inábeis, e esta designação fez escola, tendo-se o termo generalizado a todos os sectores da sociedade portuguesa.
O “nabo” foi substituído pelo “básico”!
O Manuel Raposo Marques, conhecido na CART 2519 pelo Básico, tal como qualquer outro homem, tinha uma deficiência psíquica (vulgo “pancada”), daí ele ter reprovado, intencionalmente, na especialidade de cozinheiro.
Básico era então o carimbo, com que eram marcados os incapazes e inábeis, e esta designação fez escola, tendo-se o termo generalizado a todos os sectores da sociedade portuguesa.
O “nabo” foi substituído pelo “básico”!
O Manuel Raposo Marques, conhecido na CART 2519 pelo Básico, tal como qualquer outro homem, tinha uma deficiência psíquica (vulgo “pancada”), daí ele ter reprovado, intencionalmente, na especialidade de cozinheiro.
Foto da cozinha do quartel em Mampatá
Dizia ele que não tinha nascido para andar de avental, de tamancos e de gorro na cabeça, e o que ele queria ser mesmo era atirador.
“Que grande maluco!” – pensei eu.
Acabou por ser reclassificado em básico, após ter sido considerado pronto na instrução e apto para desempenhar qualquer função de segundo plano, compatibilizou-se as suas capacidades humanas com as necessidades da Companhia.
Assim, o Manuel Raposo Marques, chegado à CART 2519, pediu ao Alf Mil Claudino - comandante do 4º Grupo de Combate -, para o integrar na sua equipa. O alferes falou ao capitão e este consentiu, numa fase experimental, que assim fosse. Mais tarde, em função do seu excelente comportamento activo e combativo no grupo, decidiu elevar este básico, por mérito próprio, à categoria de atirador.
Nos primeiros tempos, os seus Camaradas olhavam-no com desconfiança, porque receavam que o 4º Grupo de Combate viesse a ser apelidado, na generalidade, de básico, mas tal não aconteceu e o Marques veio a revelar-se como um dos melhores soldados da Companhia, com predicados de combatente acima da média e tiques de herói, tendo incrivelmente para quem não o conhece, sido agraciado com o prémio "Governador da Guiné".
Pois é, o nosso básico, ao ser confrontado com a “roleta da morte”, foi suficientemente corajoso e audaz para, após ter abatido dois guerrilheiros IN, conseguindo salvar a vida do seu comandante de secção, que se encontrava em situação difícil e ferido numa perna, numa acção em que o seu grupo de combate interceptou um grupo do PAIGC.
O Básico passou a ser uma referência da CART 2519 e respeitado por todos os seus Camaradas e Superiores Hierárquicos.Dizia ele que não tinha nascido para andar de avental, de tamancos e de gorro na cabeça, e o que ele queria ser mesmo era atirador.
“Que grande maluco!” – pensei eu.
Acabou por ser reclassificado em básico, após ter sido considerado pronto na instrução e apto para desempenhar qualquer função de segundo plano, compatibilizou-se as suas capacidades humanas com as necessidades da Companhia.
Assim, o Manuel Raposo Marques, chegado à CART 2519, pediu ao Alf Mil Claudino - comandante do 4º Grupo de Combate -, para o integrar na sua equipa. O alferes falou ao capitão e este consentiu, numa fase experimental, que assim fosse. Mais tarde, em função do seu excelente comportamento activo e combativo no grupo, decidiu elevar este básico, por mérito próprio, à categoria de atirador.
Nos primeiros tempos, os seus Camaradas olhavam-no com desconfiança, porque receavam que o 4º Grupo de Combate viesse a ser apelidado, na generalidade, de básico, mas tal não aconteceu e o Marques veio a revelar-se como um dos melhores soldados da Companhia, com predicados de combatente acima da média e tiques de herói, tendo incrivelmente para quem não o conhece, sido agraciado com o prémio "Governador da Guiné".
Pois é, o nosso básico, ao ser confrontado com a “roleta da morte”, foi suficientemente corajoso e audaz para, após ter abatido dois guerrilheiros IN, conseguindo salvar a vida do seu comandante de secção, que se encontrava em situação difícil e ferido numa perna, numa acção em que o seu grupo de combate interceptou um grupo do PAIGC.
Nota: Estes dados foram retirados da História da Unidade e do livro “Há Sangue na Picada”, de Jacinto Manuel Barrelas - Cap da CART 2519.
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados. ____________
Nota de M.R.:
28 de Março de 2010 >
Guiné 63/74 – P6059: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (36): Reunião magna no Palácio do Governador (Mário G R Pinto)
28 de Março de 2010 >
Guiné 63/74 - P6527: José Corceiro na CCAÇ 5 (12): Canjadude visitada por dois ilustres Generais
1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 29 de Maio de 2010:
Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com estima que a vós me dirijo para apresentar este escrito, que publicarão se assim o entenderem.
Caso publiquem, podem atribuir o titulo que ajuizarem.
Um Abraço
José Corceiro
José Corceiro na CCAÇ 5 (12)
Isto que escrevi é para ser interpretado como sendo duas partes, em que a primeira são factos verídicos, que eu vivi no teatro operacional, da Guiné, e a segunda parte é a descrição do que aconteceu numa rabularia, (rábula?) durante uns momentos de lazer sem serem desrespeitosos (minha opinião).
Canjadude visitada por dois ilustres Generais
Nos 25 meses que estive na Guiné, tive a particularidade de estar algumas vezes próximo do nosso COMCHEFE, General António Ribeiro de Spínola, tendo uma vez dialogado com ele no Hospital Militar de Bissau. Outra vez, numa operação troquei com ele duas ou três palavras via rádio para o heli, e na mesma operação, depois em terra, prestei um esclarecimento que me foi pedido.
Estive próximo dele a ouvir os seus discursos, duas vezes em Bissau, uma vez em Nova Lamego, duas ou três vezes em Canjadude, CCAÇ 5.
Foto 1 > Topo do PRC- 10. Painel com os botões de comutação.
Foto 2 > Foto que tirei no Hospital Militar de Bissau, em Fevereiro de 1971, a um desenho feito por um militar chamado Victor, que estava lá internado. O desenho foi oferecido ao General António de Spínola, pelo Victor. Não sei do seu paradeiro.
No mato, durante uma operação para os lados do Rio Corubal, entre o Cheche e o Burmeleu, o Sr. General apareceu de surpresa no heli, antecedido de dois T6.
Recebi a comunicação no emissor/receptor AN-PRC10, do emissor/receptor do heli, e disse:
- Maior desta, comunicar com maior dessa, escuto (conheci a voz inconfundível).
Eu respondi:
- Vou passar maior.
Passei o micro ao Capitão e houve comunicação, montou-se segurança, coloquei tela laranja no solo para sinalizar local de aterragem do heli. Sua Excelência saiu do heli, esteve a falar com o Capitão cerca de cinco a dez minutos, dirigiu umas palavras de agradecimento, apreço e incentivo, aos homens que estavam próximo do heli, dizendo-lhes que como soldado, partilhava o mesmo sacrifício e que estava em espírito com todos.
Deve ter dito algo ao Capitão, sobre Transmissões, uma vez que não tinha sido muito fácil iniciar a comunicação com os meios aéreos. Eu ao ser interpelado, sobre esta questão, respondi que do nosso lado não tinha havido alteração nenhuma de sintonia, (canal) estava tudo nas frequências estipuladas, quer no AVP1, quer no AN-PRC10 (que eram os aparelhos, de frequência modelada, utilizados para entrar em contacto com meios aéreos). Dirigiu-se para o heli e desapareceu nos céus da Guiné.
Foto 3 > Aproximação do heli à pista de Canjadude, que trazia de surpresa o General António de Spínola.
Foto 4 > Heli a aterrar na pista de Canjadude, vendo-se um dos militares a correr para montar segurança na pista que ficava fora do arame farpado.
É lógico, que não tenho capacidade para aferir ou fazer algum juízo abonatório ou desfavorável, sobre as capacidades do nosso COMCHEFE na Guiné, ou sobre a personagem do General António de Spínola, foram meros contactos que tive com ele, direi flashes, embora já tenha ouvido os mais diversos comentários sobre a sua pessoa, assim como já li muita coisa que ele escreveu, entre as quais a primeira edição do livro - Portugal e o Futuro - que comprei logo que foi posto à venda, em Fevereiro de 1974, que esgotou imediatamente.
Foto 5 > O General Spínola na pista de Canjadude, acompanhado pelo Comandante da CCAÇ 5, na altura o Capitão Arnaldo Costeira.
Foto 6 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.
Foto 7 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.
“Mas eu e mais alguns Gatos Pretos tivemos, o raro privilégio, de termos ouvido discursos improvisados por um outro General na Guiné, o General Futuro. Discursos Inflamados e Grandíloquos, que apelavam: Ao amor Pátrio; ao dever e obrigação cívica de preservar a Pátria una e indivisa; ao sacrifício de cada um, desprezando a própria vida em benefício da defesa e a honra da unidade do solo sagrado. Elogiavam-se as grandiosidades dos feitos Portugueses, relevando o orgulho que todos nós devemos sentir, por termos tão carismáticos e solícitos heróis; enalteciam-se os nossos probos Governantes, que sacrificavam toda a sua proficiência, abnegando todos os seus direitos, em benefício da Nação, para provento do Povo.
Eram discursos de rara eloquência; de exaltação fervorosa, onde se glorificava a qualidade impar do destemido e brioso Soldado Português, no campo de batalha, e a quem se dedicavam todas estas dissertações e se agradecia a sua prestimosa heroicidade.
A coragem e bravura, destes temerários beligerantes, intimidavam até os Deuses Mitológicos do Olimpo, que se sentiram inseguros perante os avanços e façanhas destes aguerridos homens lutadores, com alma magnânime. Os Deuses da Guerra pressentiram tão perturbada e ameaçada a Paz nos seus domínios, que sentenciaram que era imperativo travar tamanhos avanços e audácias, levadas a cabo por devotos e fiéis guerreiros. Assim, viram-se obrigados a convocar, urgentemente, um Concílio de Guerra no Limbo, para ajustar tácticas de Guerra contra os destemidos e bravos mancebos, que pelejavam no cenário operacional.
Foto 8 > Sua Excelência o General Futuro, a entrar na sala dos actos solenes, em Canjadude, para dissertar para as tropas, sobre o tema a guerra nos seus domínios, e exaltar os feitos alcançados.
Foto 9 > Sua Excelência o General Futuro a preleccionar a sua oratória, em Canjadude, para as tropas reunidas.
O Conselho de Guerra dos Deuses deliberou, contra os obedientes e aprumados Soldados Portugueses, o seguinte: Desamarrar todos os Ventos; encapelar e alvoraçar os mares, para inundar as Bolanhas; enfurecer as tempestades; enraivecer os temporais; encolerizar o ribombar dos trovões; exasperar as línguas de fogo; inflamar de velhacaria os raios e os coriscos; destacar exércitos e mais exércitos de mosquitos raivosos e exacerbados, para reprimir e suster as progressões bélicas dos combatentes, de forma a serenar e inibir as apoteoses patrióticas dos triunfos já obtidos, pelo temido exército Português.”
Foram estes discursos, cuja explicação atrás situei, enquadrados em cenários de raros momentos lúdicos, que eu vivi no teatro operacional da Guiné. Eram ocasiões de descontracção e cumplicidade fraternal, com um comportamento amalgamado de chacota “fabulizada” contida, abarcando condutas de respeito merecido.
Para todos um abraço
José Corceiro
OB: - As fotos 3 a 7, são resultado de conversões de “frames” dum filme de 8mm celulóide, o primeiro formato popular, que foi convertido em VHS quando este apareceu, que por sua vez foi convertido em digital (DVD) e por último converti “frames”, em fotos, formato JPG, que apresento. Por isso a fraca qualidade depois de tanta conversão.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)
Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6412: José Corceiro na CCAÇ 5 (11): Boas recordações de militares da CCAÇ 5, Canjadude - O Tripae
Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com estima que a vós me dirijo para apresentar este escrito, que publicarão se assim o entenderem.
Caso publiquem, podem atribuir o titulo que ajuizarem.
Um Abraço
José Corceiro
José Corceiro na CCAÇ 5 (12)
Isto que escrevi é para ser interpretado como sendo duas partes, em que a primeira são factos verídicos, que eu vivi no teatro operacional, da Guiné, e a segunda parte é a descrição do que aconteceu numa rabularia, (rábula?) durante uns momentos de lazer sem serem desrespeitosos (minha opinião).
Canjadude visitada por dois ilustres Generais
Nos 25 meses que estive na Guiné, tive a particularidade de estar algumas vezes próximo do nosso COMCHEFE, General António Ribeiro de Spínola, tendo uma vez dialogado com ele no Hospital Militar de Bissau. Outra vez, numa operação troquei com ele duas ou três palavras via rádio para o heli, e na mesma operação, depois em terra, prestei um esclarecimento que me foi pedido.
Estive próximo dele a ouvir os seus discursos, duas vezes em Bissau, uma vez em Nova Lamego, duas ou três vezes em Canjadude, CCAÇ 5.
Foto 1 > Topo do PRC- 10. Painel com os botões de comutação.
Foto 2 > Foto que tirei no Hospital Militar de Bissau, em Fevereiro de 1971, a um desenho feito por um militar chamado Victor, que estava lá internado. O desenho foi oferecido ao General António de Spínola, pelo Victor. Não sei do seu paradeiro.
No mato, durante uma operação para os lados do Rio Corubal, entre o Cheche e o Burmeleu, o Sr. General apareceu de surpresa no heli, antecedido de dois T6.
Recebi a comunicação no emissor/receptor AN-PRC10, do emissor/receptor do heli, e disse:
- Maior desta, comunicar com maior dessa, escuto (conheci a voz inconfundível).
Eu respondi:
- Vou passar maior.
Passei o micro ao Capitão e houve comunicação, montou-se segurança, coloquei tela laranja no solo para sinalizar local de aterragem do heli. Sua Excelência saiu do heli, esteve a falar com o Capitão cerca de cinco a dez minutos, dirigiu umas palavras de agradecimento, apreço e incentivo, aos homens que estavam próximo do heli, dizendo-lhes que como soldado, partilhava o mesmo sacrifício e que estava em espírito com todos.
Deve ter dito algo ao Capitão, sobre Transmissões, uma vez que não tinha sido muito fácil iniciar a comunicação com os meios aéreos. Eu ao ser interpelado, sobre esta questão, respondi que do nosso lado não tinha havido alteração nenhuma de sintonia, (canal) estava tudo nas frequências estipuladas, quer no AVP1, quer no AN-PRC10 (que eram os aparelhos, de frequência modelada, utilizados para entrar em contacto com meios aéreos). Dirigiu-se para o heli e desapareceu nos céus da Guiné.
Foto 3 > Aproximação do heli à pista de Canjadude, que trazia de surpresa o General António de Spínola.
Foto 4 > Heli a aterrar na pista de Canjadude, vendo-se um dos militares a correr para montar segurança na pista que ficava fora do arame farpado.
É lógico, que não tenho capacidade para aferir ou fazer algum juízo abonatório ou desfavorável, sobre as capacidades do nosso COMCHEFE na Guiné, ou sobre a personagem do General António de Spínola, foram meros contactos que tive com ele, direi flashes, embora já tenha ouvido os mais diversos comentários sobre a sua pessoa, assim como já li muita coisa que ele escreveu, entre as quais a primeira edição do livro - Portugal e o Futuro - que comprei logo que foi posto à venda, em Fevereiro de 1974, que esgotou imediatamente.
Foto 5 > O General Spínola na pista de Canjadude, acompanhado pelo Comandante da CCAÇ 5, na altura o Capitão Arnaldo Costeira.
Foto 6 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.
Foto 7 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.
“Mas eu e mais alguns Gatos Pretos tivemos, o raro privilégio, de termos ouvido discursos improvisados por um outro General na Guiné, o General Futuro. Discursos Inflamados e Grandíloquos, que apelavam: Ao amor Pátrio; ao dever e obrigação cívica de preservar a Pátria una e indivisa; ao sacrifício de cada um, desprezando a própria vida em benefício da defesa e a honra da unidade do solo sagrado. Elogiavam-se as grandiosidades dos feitos Portugueses, relevando o orgulho que todos nós devemos sentir, por termos tão carismáticos e solícitos heróis; enalteciam-se os nossos probos Governantes, que sacrificavam toda a sua proficiência, abnegando todos os seus direitos, em benefício da Nação, para provento do Povo.
Eram discursos de rara eloquência; de exaltação fervorosa, onde se glorificava a qualidade impar do destemido e brioso Soldado Português, no campo de batalha, e a quem se dedicavam todas estas dissertações e se agradecia a sua prestimosa heroicidade.
A coragem e bravura, destes temerários beligerantes, intimidavam até os Deuses Mitológicos do Olimpo, que se sentiram inseguros perante os avanços e façanhas destes aguerridos homens lutadores, com alma magnânime. Os Deuses da Guerra pressentiram tão perturbada e ameaçada a Paz nos seus domínios, que sentenciaram que era imperativo travar tamanhos avanços e audácias, levadas a cabo por devotos e fiéis guerreiros. Assim, viram-se obrigados a convocar, urgentemente, um Concílio de Guerra no Limbo, para ajustar tácticas de Guerra contra os destemidos e bravos mancebos, que pelejavam no cenário operacional.
Foto 8 > Sua Excelência o General Futuro, a entrar na sala dos actos solenes, em Canjadude, para dissertar para as tropas, sobre o tema a guerra nos seus domínios, e exaltar os feitos alcançados.
Foto 9 > Sua Excelência o General Futuro a preleccionar a sua oratória, em Canjadude, para as tropas reunidas.
O Conselho de Guerra dos Deuses deliberou, contra os obedientes e aprumados Soldados Portugueses, o seguinte: Desamarrar todos os Ventos; encapelar e alvoraçar os mares, para inundar as Bolanhas; enfurecer as tempestades; enraivecer os temporais; encolerizar o ribombar dos trovões; exasperar as línguas de fogo; inflamar de velhacaria os raios e os coriscos; destacar exércitos e mais exércitos de mosquitos raivosos e exacerbados, para reprimir e suster as progressões bélicas dos combatentes, de forma a serenar e inibir as apoteoses patrióticas dos triunfos já obtidos, pelo temido exército Português.”
Foram estes discursos, cuja explicação atrás situei, enquadrados em cenários de raros momentos lúdicos, que eu vivi no teatro operacional da Guiné. Eram ocasiões de descontracção e cumplicidade fraternal, com um comportamento amalgamado de chacota “fabulizada” contida, abarcando condutas de respeito merecido.
Para todos um abraço
José Corceiro
OB: - As fotos 3 a 7, são resultado de conversões de “frames” dum filme de 8mm celulóide, o primeiro formato popular, que foi convertido em VHS quando este apareceu, que por sua vez foi convertido em digital (DVD) e por último converti “frames”, em fotos, formato JPG, que apresento. Por isso a fraca qualidade depois de tanta conversão.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)
Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6412: José Corceiro na CCAÇ 5 (11): Boas recordações de militares da CCAÇ 5, Canjadude - O Tripae
Guiné 63/74 - P6526: Notas de leitura (116): Guiné-Bissau Três Vezes Vinte Cinco, de TCor Luís Ataíde Banazol (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2010:
Queridos amigos,
Não deixa de surpreender a prosa do tenente-coronel Banazol, tudo escrito a quente, logo nos alvores da independência.
Não posso perder oportunidade de relembrar aos confrades que preciso da ajuda de todos para se fazer o inventário da literatura da guerra da Guiné o mais exaustivo que nos for possível, a todos agradeço que me indiquem livros que ainda não foram aqui mencionados. É a única maneira de entregarmos o rol bibliográfico aos historiadores. Recordo que há inúmeras publicações de edições de autor sobre a vida de batalhões e companhia. É impossível encontrar tais obras, a não ser por indicação de carolas, conhecedores de tais títulos. Vou dar-vos o exemplo a seguir com a história de um batalhão que esteve na Guiné entre 1965 e 1967. Descobri-a por acaso, é provável que não conste das bibliotecas.
É também por isso que preciso da vossa ajuda.
Um abraço do
Mário
Retratos de pessoas na Guiné-Bissau, pouco depois do 25/04/1974
por Beja Santos
O tenente-coronel Luís Ataíde Banazol ganhou notoriedade nas lides literárias logo a seguir ao 25 de Abril graças às suas intervenções e comentários sobre a origem do MFA, da Guiné-Bissau, do PREC. Tem todo o sentido, dado este propósito de se proceder a um inventário, tão exaustivo quanto possível, da literatura referente à guerra colonial da Guiné e período subsequente, que aqui se faça um registo a uma obra original.
Em que consta a originalidade do livro “Guiné-Bissau, três vezes vinte cinco”? (Prelo Editora, Agosto de 1974). O autor vira em repórter e vai entrevistar três figuras distintas, inquietas com a independência que se avizinha: um cantineiro/comerciante, um tenente dos comandos e um oficial do quadro permanente. O assombro, à distância destas décadas, é o que eles dizem num período compreensivelmente confuso e cheio de pontos de interrogação, e o que vai acontecer. São três homens para quem o tempo parou ou está num compasso de espera: o comerciante vacila quanto aos comportamentos a adoptar; o tenente dos comandos, ingénuo, acredita que a fraternidade entre guineenses está iminente e para durar; o oficial do quadro permanente não aceita quebras de disciplina, não embarca na euforia dos revolucionários dispostos às quebras de compromissos, muito menos a não medir as consequências de aceitar regressar deixando tudo no caos.
O Santana é um comerciante nascido em Unhais da Serra, tem uma serração e uma fábrica de aguardente, a pele curtida por 25 anos de Guiné. Anda zonzo com essa história da libertação pela independência, o que ia ser dos pobres dos empregados, não se sente entusiasmado em abandonar centenas de tambores de aguardente, se aquilo se complicar nomeiam um procurador e regressa nas calmas, não está disposto a sofrer enxovalhos, já basta o que viu com o administrador, agora a tropa não se mete em coisas de civis, há até mesmo soldados, descarados que lhe dizem na cara que se lhe acabou a teta, ele está fulo, ele é que foi roubado, deu à Guiné os melhores anos de vida, a mulher à cautela já se meteu no avião, o melhor é conversar com esta gente que veio do PAIGC, não quero que lhe aconteça como aos comerciantes de Piche que lhe queimaram a casa e perseguiram os cipaios. O autor escreve: “Readaptar Santana, dar-lhe vigor humano, investi-lo na dignidade de irmão que serve irmão, que o ampara, lhe facilita a compreensão de um mundo onde todos têm de estar lado a lado, e que o comércio é apenas um meio de aquisição de bens de cultura, é o mesmo que tentar elevar um morcego às alturas de uma águia.” Santana não está preparado para os novos tempos, esta independência ultrapassa-o, não se vai ficar na cosmética, é uma mentalidade que vai ser ultrapassada, só que ele ainda não sabe.
Vamos agora ao tenente José Luís, que veio de cabo, pratica a honradez, a lealdade e o heroísmo. Não lhe passa pela cabeça que o PAIGC irá ajustar contas, agora só se fala em paz, pão e união. Se os do PAIGC se bateram, sacrificaram e morreram, os comandos também. A questão grave, que agora anda disfarçada, é que guineenses e cabo-verdianos não se entendem. Será que se pode confiar nas promessas destes vencedores, na sua mensagem de concórdia? À cautela, o tenente já pensa em deixar a farda, comprar uma quinta e criar vacas e até cabras, pensa mesmo em voltar ao liceu e instruir-se. Ele desconfia dos cabo-verdianos. Agora aparecem antigos colegas que lhes vêm pedir para ele ir até aos comícios, pedir moderação às massas. Ele vai e não gosta. Entrou de licença, já veste à paisana, as desordens avolumam-se. Mal sabe o tenente José Luís o que o futuro lhe reserva.
Temos agora o coronel Viegas, experiente e conhecedor da trama social e até de muitas coisas mais que são arrastadas por qualquer processo de independência e descolonização. São tempos em que não podemos abdicar do bom senso nem da dignidade militar. Daí os conflitos com o capitão António Augusto Oliveira, que em poucas horas passou de defensor da pátria a invasor de outra pátria. O coronel Viegas pede moderação ao jovem capitão, não se pode voltar as costas a tudo isto e deixar o vazio, o PAIGC tem tudo a ganhar por um período de adaptação, um país não fica à deriva, não se fecha um abastecimento, um sistema de saúde, a máquina económica e, por milagre, é tudo substituído no dia seguinte. Gente séria não se deixa mergulhar no caos, é preciso manter a segurança, não se deixam os seres humanos à deriva. Discutem interminavelmente. Talvez os dois tenham razão: o oficial mais jovem anda embebedado com a liberdade, o mais velho quer evitar o drama do vazio. Um quer caminhar na esperança, entusiasmado, o outro quer fugir às areias movediças da debandada. E assim acaba o livro. Importa não esquecer que a obra foi publicada em Agosto de 1974. O resto, é só fazer as contas, pensar exactamente no que aconteceu.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6494: Notas de leitura (115): A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Não deixa de surpreender a prosa do tenente-coronel Banazol, tudo escrito a quente, logo nos alvores da independência.
Não posso perder oportunidade de relembrar aos confrades que preciso da ajuda de todos para se fazer o inventário da literatura da guerra da Guiné o mais exaustivo que nos for possível, a todos agradeço que me indiquem livros que ainda não foram aqui mencionados. É a única maneira de entregarmos o rol bibliográfico aos historiadores. Recordo que há inúmeras publicações de edições de autor sobre a vida de batalhões e companhia. É impossível encontrar tais obras, a não ser por indicação de carolas, conhecedores de tais títulos. Vou dar-vos o exemplo a seguir com a história de um batalhão que esteve na Guiné entre 1965 e 1967. Descobri-a por acaso, é provável que não conste das bibliotecas.
É também por isso que preciso da vossa ajuda.
Um abraço do
Mário
Retratos de pessoas na Guiné-Bissau, pouco depois do 25/04/1974
por Beja Santos
O tenente-coronel Luís Ataíde Banazol ganhou notoriedade nas lides literárias logo a seguir ao 25 de Abril graças às suas intervenções e comentários sobre a origem do MFA, da Guiné-Bissau, do PREC. Tem todo o sentido, dado este propósito de se proceder a um inventário, tão exaustivo quanto possível, da literatura referente à guerra colonial da Guiné e período subsequente, que aqui se faça um registo a uma obra original.
Em que consta a originalidade do livro “Guiné-Bissau, três vezes vinte cinco”? (Prelo Editora, Agosto de 1974). O autor vira em repórter e vai entrevistar três figuras distintas, inquietas com a independência que se avizinha: um cantineiro/comerciante, um tenente dos comandos e um oficial do quadro permanente. O assombro, à distância destas décadas, é o que eles dizem num período compreensivelmente confuso e cheio de pontos de interrogação, e o que vai acontecer. São três homens para quem o tempo parou ou está num compasso de espera: o comerciante vacila quanto aos comportamentos a adoptar; o tenente dos comandos, ingénuo, acredita que a fraternidade entre guineenses está iminente e para durar; o oficial do quadro permanente não aceita quebras de disciplina, não embarca na euforia dos revolucionários dispostos às quebras de compromissos, muito menos a não medir as consequências de aceitar regressar deixando tudo no caos.
O Santana é um comerciante nascido em Unhais da Serra, tem uma serração e uma fábrica de aguardente, a pele curtida por 25 anos de Guiné. Anda zonzo com essa história da libertação pela independência, o que ia ser dos pobres dos empregados, não se sente entusiasmado em abandonar centenas de tambores de aguardente, se aquilo se complicar nomeiam um procurador e regressa nas calmas, não está disposto a sofrer enxovalhos, já basta o que viu com o administrador, agora a tropa não se mete em coisas de civis, há até mesmo soldados, descarados que lhe dizem na cara que se lhe acabou a teta, ele está fulo, ele é que foi roubado, deu à Guiné os melhores anos de vida, a mulher à cautela já se meteu no avião, o melhor é conversar com esta gente que veio do PAIGC, não quero que lhe aconteça como aos comerciantes de Piche que lhe queimaram a casa e perseguiram os cipaios. O autor escreve: “Readaptar Santana, dar-lhe vigor humano, investi-lo na dignidade de irmão que serve irmão, que o ampara, lhe facilita a compreensão de um mundo onde todos têm de estar lado a lado, e que o comércio é apenas um meio de aquisição de bens de cultura, é o mesmo que tentar elevar um morcego às alturas de uma águia.” Santana não está preparado para os novos tempos, esta independência ultrapassa-o, não se vai ficar na cosmética, é uma mentalidade que vai ser ultrapassada, só que ele ainda não sabe.
Vamos agora ao tenente José Luís, que veio de cabo, pratica a honradez, a lealdade e o heroísmo. Não lhe passa pela cabeça que o PAIGC irá ajustar contas, agora só se fala em paz, pão e união. Se os do PAIGC se bateram, sacrificaram e morreram, os comandos também. A questão grave, que agora anda disfarçada, é que guineenses e cabo-verdianos não se entendem. Será que se pode confiar nas promessas destes vencedores, na sua mensagem de concórdia? À cautela, o tenente já pensa em deixar a farda, comprar uma quinta e criar vacas e até cabras, pensa mesmo em voltar ao liceu e instruir-se. Ele desconfia dos cabo-verdianos. Agora aparecem antigos colegas que lhes vêm pedir para ele ir até aos comícios, pedir moderação às massas. Ele vai e não gosta. Entrou de licença, já veste à paisana, as desordens avolumam-se. Mal sabe o tenente José Luís o que o futuro lhe reserva.
Temos agora o coronel Viegas, experiente e conhecedor da trama social e até de muitas coisas mais que são arrastadas por qualquer processo de independência e descolonização. São tempos em que não podemos abdicar do bom senso nem da dignidade militar. Daí os conflitos com o capitão António Augusto Oliveira, que em poucas horas passou de defensor da pátria a invasor de outra pátria. O coronel Viegas pede moderação ao jovem capitão, não se pode voltar as costas a tudo isto e deixar o vazio, o PAIGC tem tudo a ganhar por um período de adaptação, um país não fica à deriva, não se fecha um abastecimento, um sistema de saúde, a máquina económica e, por milagre, é tudo substituído no dia seguinte. Gente séria não se deixa mergulhar no caos, é preciso manter a segurança, não se deixam os seres humanos à deriva. Discutem interminavelmente. Talvez os dois tenham razão: o oficial mais jovem anda embebedado com a liberdade, o mais velho quer evitar o drama do vazio. Um quer caminhar na esperança, entusiasmado, o outro quer fugir às areias movediças da debandada. E assim acaba o livro. Importa não esquecer que a obra foi publicada em Agosto de 1974. O resto, é só fazer as contas, pensar exactamente no que aconteceu.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6494: Notas de leitura (115): A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6525: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (32): Diário da ida à Guiné - 14/03/2010 - Dia onze
1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2010:
Caro Carlos:
Junto segue o relato do 11.º dia da minha viagem à Guiné.
Podes crer que, cada vez que escrevo um relato, me emociono, pensando sempre que as condições que lá usufruí provavelmente nunca mais se repetirão.
Faltam os relatos de três dias mas com coisas importantes ainda a referir.
Um abraço.
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATA - 32
Diário da Ida à Guiné – Dia Onze (14- 03-2010)
Nesse dia levantei-me às seis da Manhã, ainda noite, para ir à caça. Queria ver se surpreendia algum animal de médio porte no único charco das redondezas. Podia ser que ainda lá apanhasse algum retardatário a beber água.
Para não acordar os guardas que dormiam no “gembrém”, o meu pequeno almoço foi pão com queijo e água. Demorei trinta minutos a percorrer os cerca de três km até à lagoa que já conhecia bem. Embosquei-me nuns arbustos junto ao charco até que, já depois do Sol ter nascido, me convenci que mais nenhum bicho ia aparecer. Mas não perdi o meu tempo. Mais uma vez pude observar, a pequena distância, a passarada multicolorida que fazia da lagoa o seu local de sustento e de convivência animal. Foi delicioso observar o pica peixe, que empoleirado num galho, saía regularmente disparado para a água, trazendo sempre no bico um pequeno peixe.
Tendo ido mais além ainda vi um passarão castanho. Dei-lhe três tiros em árvores diferentes. Caíram folhas do ramo onde estava. Nada mais. No regresso fui ver a armadilha que tinha montado no dia anterior, e nada. Comecei a achar que o irã da floresta não queria que fizesse mal à bicharada.
Quando cheguei ao empreendimento encontrei o funcionário José a cozer coconote (chabéu) para o almoço em que tínhamos um convidado. Cá, o azeite quando acabado de fazer é de tal modo bom que até se utiliza para pôr no pão. Com o chabéu passa-se o mesmo. Há uma grande diferença entre um chabéu confeccionado com óleo de palma enfrascado ou com o óleo de palma obtido no momento de confeccionar o prato de chabéu.
Uma empregada a pilar o coconote (chabéu).
O coconote depois de cozido foi pilado e novamente fervido para separar o óleo da água, dos caroços e da polpa. Com esse óleo faz-se o chabéu propriamente dito à base de um refogado com cebola, tomate e um pouco de outros produtos locais, como quiabo, jakatu (parecido com o tomate verde mas só no aspecto), etc.
Ao centro pode ver-se o jakatu, parecido com o tomate verde.
O Chico já tinha ido a Bula comprar um cabrito, mas como não o conseguiu, trouxe quatro galinhas (15 euros). O chabéu iria ser de galinha. Também eu pensei que depois, à tarde, iria a Bula comprar duas calas (crioulo) ou sejam dois lenços grandes para as bajudas mais lindas do mundo: a de Bafata de há quarenta anos e a do Porto, a minha neta.
Cabe aqui lembrar (ver relato anterior) que eu tinha um convidado para o almoço, um empresário que, como referi no relato do 1º dia, me poderia dar possibilidades de trabalho (intelectual) o que talvez me proporcionasse umas idas à Guiné-Bissau. Entretanto o meu convidado telefonou a perguntar se podia levar também um amigo. Iriam portanto ser dois convidados.
Enquanto eles não vinham, andei às voltas com os mapas à procura da tabanca de Tabató, indicada pelo Luís Graça, como local de residência do grande músico Djabaté.
Entretanto verificámos que não tínhamos limões para o molho das ostras que tínhamos comprado para aperitivar. Fomos à pressa a Bula e lá, encontrámos os nossos convidados. Ficámos a saber, com surpresa, que o segundo convidado era um “governamental”, muito simpático, magro(!) e que durante o almoço e na longa conversa que se seguiu, demonstrou ser grande conhecedor da história de Portugal e da nossa literatura. A propósito de qualquer episódio da nossa história não se coibia de declamar, de cor, meia dúzia de estrofes dos Lusíadas. Como tenho vindo a referir ao longo destes relatos, além de muitos guineenses, incluindo antigos guerrilheiros, também este dirigente manifestou a ideia de que com Portugal estariam bem melhor do que na realidade estão. É triste que assim seja… Diga-se de passagem que filmei toda a conversa, que durante várias horas.
Um delicioso prato de chabéu.
Ao anoitecer ainda fomos, por indicação do Presidente da Ajuda Amiga Carlos Fortunato, à zona de Binar, falar com o chefe da tabanca de Encherte, nosso ex-soldado Branquinho, para saber todos os pormenores da possível construção duma escola. Já regressámos de noite. Jantou-se uma sopa de rabo de boi e pão com presunto (ao almoço tinha-se comido demais).
Como o aluguer do jeep não deu em nada, resolvemos ir no dia seguinte, eu e o Chico na carrinha, novamente à minha Bafata. Fomos portanto deitar-nos cedo.
Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6473: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (31): Diário da ida à Guiné - 12 e 13/03/2010 - Dias nove e dez
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