1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem.
Caríssimo Camarada CMDT Luís Graça, e restantes elementos do G.O.E. (Grupo Operacional de
Editores).
Os meus melhores cumprimentos.
No dia do oitavo aniversário do nascimento do Blogue Luís Graça &
Camaradas da Guiné, tomei a iniciativa de vos enviar, por este meio, uma
pequena lembrança.
Trata-se de mais um mosaico para colocar no puzzle de uma das paredes da
nossa Tabanca Grande que, por ser grande, creio que não vai ser fácil concluir
a obra.
Parabéns para o aniversariante e, igualmente, para os seus progenitores.
Obrigado pelos bons momentos de confraternização passados no pretérito sábado
em Monte Real, durante o nosso VII Encontro Nacional.
ERA
UMA VEZ UMA ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA
O CASO DA PONTA COLI (XIME-BAMBADINCA) – II
I – O CASO DA PONTA COLI - XIME: - NOVA EMBOSCADA
Entre
a chegada a Bissau no dia 28.Dez.1971, a bordo do Paquete Niassa, e o regresso
a Lisboa em 03.Abr.1974, efectuado nos Transportes Aéreos Militares (TAM -
boeing 707), a CART 3494 escreveu algumas páginas da sua história colectiva com
acontecimentos indeléveis que continuam, ainda hoje, a influenciar os
itinerários, os comportamentos e as atitudes – isto é: a vida – de alguns
elementos do seu contingente, agora ex-combatentes, e que mais à frente
aprofundaremos.
Durante
vinte e sete meses e uma semana, ou seja, cento e dezoito semanas, que perfazem
oitocentos e vinte e oito dias, equivalente a dezanove mil e oitocentas e
setenta horas, totalizando um milhão, cento e noventa e dois mil e trezentos e
vinte minutos - é muito tempo; e muito jogo …, os principais episódios foram
classificados numa escala de graves e muito graves, em função dos efeitos
produzidos nas NT.
O
caso da Ponta Coli, que acabaria por contabilizar dois episódios muito graves
durante a permanência da Unidade no Xime, antes da rotação para Mansambo
ocorrida em Março de 1973, era o contexto que suscitava maior incógnita quanto
à efectiva possibilidade de aí acontecerem encontros/desencontros com os
guerrilheiros, sempre de consequências imprevisíveis, na justa medida em que
eles sabiam tudo sobre os nossos movimentos, horas de saída e chegada ao aquartelamento,
transporte, efectivos, armamento utilizado, local da segurança, postos de vigia,
entre outros detalhes.
Esse
conhecimento dava-lhes, desde logo, uma efectiva vantagem, podendo agir de
surpresa, controlando o tempo e o espaço, “como se fosse uma qualquer caçada ao
coelho bravo, à gazela ou ao javali”, colocando cada presa no centro da sua
mira. Mas, em função destes dois exemplos, veio a provar-se que não agiram, felizmente,
com muita disciplina táctica e técnica e que, numa relação custo/benefício, o
custo foi francamente superior.
Estou
convencido que os guerrilheiros estiveram emboscados na Ponta Coli, em outras
ocasiões em que não houve contacto directo, desconhecendo-se qual ou quais os
motivos que os levaram a não tomarem a iniciativa do ataque. Esta convicção/intuição
resulta do facto de terem sido identificados (e confirmados!) sinais da
presença humana, que não do nosso lado, e que implicaram a pernoita em espaços
muito próximos daqueles que habitualmente eram por nós ocupados.
Esta
convicção é reforçada com o facto concreto relatado no documento referente ao programa
de actividades para aquela zona retirado do bolso do camuflado do comandante
Mário Mendes, aniquilado no decorrer de uma acção à Ponta Varela, efectuada em
conjunto pela CART 3494 e pela CCAÇ 12, em Maio de 1972, que previa a
concretização de novas emboscadas na estrada Xime-Bambadinca, tema que abordarei
em outra oportunidade.
Assim,
durante os treze meses em que a CART 3494 esteve aquartelada no Xime, a quem
tinha sido atribuída a responsabilidade diária de garantir a segurança possível
em parte do troço que ligava este lugar a Bambadinca (sede do BART 3873), essa
tarefa/acção/missão, considerada “Rainha” no conjunto de todas as outras, foi
realizada por trezentas e oitenta vezes, aproximadamente, o que perfaz, feita a
divisão pelos três GComb, cerca de cento e vinte e cinco presenças para cada
um, naquele a que tomei a iniciativa de (re)baptizar como o «palco de jogos de
sobrevivência».
Como
referido anteriormente, apenas ocorreram dois contactos durante esse período,
com mortos e feridos confirmados de ambos os contendedores. O primeiro, no dia
22.Abr.1972, foi já narrado neste blogue (vidé
poste 9698, de 03.Abr.2012). O segundo, de que trata este texto, ocorreu no dia
01.Dez.1972, 6.ª feira, tendo por intervenientes os elementos do mesmo GComb,
ou seja, o 4.º pelotão.
Creio
que a escolha do dia 01.Dez.1972, para a concretização desta segunda emboscada
às NT, não teve qualquer relação histórica com o dia 01.Dez.1640, também
conhecido por «Restauração da Independência», designação atribuída à revolta
dos portugueses iniciada naquela data com a invasão do Palácio Real, sito no
Terreiro do Paço, em Lisboa, onde prenderam a Duquesa de Mântua, obrigando-a a
dar ordens às suas tropas para se renderem, matando Miguel de Vasconcelos e
Brito (1590-1640), Secretário de Estado da Duquesa, que era Vice-Rainha de
Portugal, em nome do Rei Filipe IV de Espanha (1605-1665), Filipe III de
Portugal.
Também
no dia 01.Dez., mas de 1922, ou seja cinquenta anos antes, era legalmente
constituída a direcção do primeiro Núcleo da Liga dos Combatentes, em Pinhel,
presidida por Manuel Augusto Ferreira Lima da Veiga, Coronel de Infantaria e
delegado, à época, da denominada Liga dos ex-combatentes da Grande Guerra. A
sua sede ficou instalada no edifício do Regimento de Infantaria n.º 14, de onde
partiu o Batalhão Expedicionário de Infantaria n.º 12 da Guarda, com destino à
Flandres, onde combateu, ao serviço dos aliados, durante os anos de 1917 e
1918, na 1.ª Grande Guerra.
Cronologicamente,
a seguir à primeira história vem a segunda, e depois a terceira, e assim
sucessivamente, e porque a acção, o sentido e as formas dessa acção nunca se repetem,
mesmo que os seus intérpretes sejam os mesmos, eis outra oportunidade para
tornar público o que ainda guardo na memória relativo ao segundo acontecimento
na Ponta Coli, cuja ordem de apresentação foi estruturada em três pontos: o antes,
o durante e o depois dos factos.
De
referir, ainda, que este texto não caracteriza tão só e apenas o período de
tempo em que decorreu esta emboscada, mas adiciona-lhe outras pequenas
histórias que lhe dão uma certa coerência, aliás como nos ensina a filosofia,
ou seja, o todo é mais que a soma das partes, como se pode constatar de
imediato.
II
– O ANTES DE 01 DE DEZEMBRO DE 1972
A
aprendizagem retirada da primeira experiência vivida na Ponta Coli, em 22.Abr.72,
que conduziu à alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a ser auto
transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante trajecto até
ao local da segurança a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de
progressão e distribuição espacial de todos os seus elementos, dava a sensação
de ter sido uma boa opção, pelo menos ficava a ideia de se reduzir
substancialmente a exposição ao risco.
A
segurança fazia-se diariamente, excepto quando a Companhia tinha de efectuar
outras missões que justificassem a presença de todos os seus efectivos, sendo
substituídos nessa função por elementos de Grupos de Milícias que estavam sob
jurisdição do Batalhão.
A
atenção e a concentração continuavam a ser as palavras de ordem, ou palavras-chave,
quando se saía do aquartelamento para cumprir esta missão, justificada ainda
com maior veemência depois do expresso na correspondência retirada ao
comandante Mário Mendes, conforme referido anteriormente. E o tempo foi
passando, felizmente sem ocorrências de maior na Ponta Coli.
Em
finais de Setembro/72, depois de uma intensa actividade militar, pensei que era
chegado o momento de agendar o primeiro período de férias de trinta e cinco
dias, de acordo com as normas então em vigor, tendo decidido passá-las na
Metrópole, como se dizia à época, fazendo coincidir esse período com o meu
aniversário. E assim foi. Escolhemos o período de 24.Out. a 27.Nov.1972.
Chegado
ao aeroporto de Lisboa, fui recebido pelos nossos familiares directos (os pais),
seguindo depois para a sua (nossa) residência, em Moscavide. Os primeiros dias
foram de completa readaptação aos espaços, particularmente no que concerne ao
trânsito intenso da cidade, aos semáforos e às passadeiras, aos cheiros, aos
ruídos; em suma, a quase tudo.
O
ambiente de felicidade iluminava cada dia que ia passando, com os meus
familiares a não perderem a oportunidade de colocarem questões sobre a
realidade por mim vivida na Guiné, transmitindo-me os seus medos, expectativas
e ansiedades, mas também procurando saber mais como era a sua gente, o seu
ambiente, o seu clima, a sua organização social, os seus consumos, o que era perfeitamente
natural e normal naquele tempo. Os amigos, alguns mais velhos, que tinham já
vivido experiências semelhantes nos diferentes cenários ultramarinos, davam-me
conselhos, sugestões e outras dicas visando ajudar-nos a ultrapassar eventuais
dificuldades.
Mas,
do que mais se falou durante esse mês foram os episódios vividos até então, em
que a nossa existência física esteve francamente em causa, e que após efectuada
a sua avaliação, em consciência, considerei ter sido de elevado risco, muito
maior daquele por que passa um funâmbulo no circo, no exercício de equilíbrio no
arame, mesmo que não possua rede de segurança a meio caminho do solo, como
foram os casos da emboscada na Ponta Coli (22.Abr.1972) e o naufrágio no Rio
Geba (10.Ago.1972).
Por
outro lado, e uma vez que o ex-Alf. Mil. Maurício Viegas, também ele natural de
Lisboa e CMDT do Pelotão de Artilharia (obuses 10.5) do Xime, me sugeriu que
visitássemos os seus pais, residentes na Boa-Hora, em Lisboa, facultando-me a
sua morada. Daí ter agendado um encontro com eles, em nome do convite/pedido
formulado aquando da minha saída do Xime, levando-lhes as naturais saudades e
palavras de conforto e de ânimo para resistirem ao tempo que ainda faltava para
a conclusão da sua Comissão de Serviço.
Na
sequência do primeiro contacto presencial, aceitei a proposta de com eles
almoçar, ficando também combinada uma sessão de slides (meus) visando uma
aproximação à realidade por parte daqueles que, estando longe dos seus
familiares (militares), gostavam de ver as suas paisagens, as suas gentes, as
lavadeiras, as beijudas e outros ícones da cultura guineense, e que para mim
era o contexto para onde teríamos de voltar alguns dias depois.
Como
um dos tios do ex-Alf. Viegas era pasteleiro (mestre de renome em doçaria), e o
sobrinho comemorava o seu aniversário no dia 01.Dez. (já não me recordo quantos,
mas seriam certamente mais de vinte), logo nos pediu para sermos portadores de
um bolo especial para esse dia de anos, confeccionado com uma substância (XPTO) preparada para aguentar os dias
suficientes até à nossa chegada ao mato. No dia 26.Nov.1972, véspera da partida,
lá fomos buscar o bolo ao Bairro da Boa-Hora, fazendo votos para que ele
chegasse inteiro ao seu destino.
Embarquei
no dia aprazado, prometendo voltar, logo que fosse possível, para um segundo período
de férias.
Chegado
a Bissau no dia 27.Nov.1972, 2.ª feira, desci à terra, e tomei consciência de
que as férias tinham acabado, e que o principal assunto que teria em mãos, a
partir de então, era outro, mais sério e problemático do que nunca.
Procurei
resolver, com celeridade, a deslocação para a Companhia, no Xime, tendo
apanhado uma boleia de Bissau a bordo de uma embarcação civil «CP10», cujo
comandante era um militar da marinha – o Cabo Silva, e que habitualmente nos
visitava no Xime, quando aí tinha de fazer carregamentos de madeiras para a
capital, ou de outros materiais mais pesados vs volumosos.
Cheguei
ao aquartelamento na 4.ª feira, dia 29.Nov.1972, por volta das 17.00 horas.
Mas, como tinha feito a viagem ao sol, pois a embarcação navegava a céu aberto,
logo sem sombras, essa noite foi passada num estado febril em crescendo. Antes,
porém, tive a oportunidade de entregar ao ex-Alf. Maurício Viegas, o bolo de
aniversário que nos tinham pedido para lhe trazer. O dia seguinte, 5.ª feira, foi
passado na cama, aguardando que as drogas de marca «LM» – Laboratório Militar, distribuídas/receitadas
pelo camarada mezinho, ex-Fur. Mil. Enf.º Carvalhido da Ponte desempenhassem a
competente acção farmacológica no organismo.
O
dia seguinte, 6.ª feira, dia 01.DEZ.1972, voltou a ser um dia diferente, como
muitas emoções versus tensões, em função dos relatos que desenvolveremos no ponto
seguinte.
III
– O DIA 01.DEZ.1972 – a segunda emboscada na Ponta Coli
Se
o dia 22 de Abril de 1972, data da primeira batalha travada na Guiné (Xime)
pelos militares da CART 3494, através do seu 4.º GComb, continuava bem presente
na memória de todos, particularmente naqueles que a viveram em directo, esse
dia 01 de Dezembro do mesmo ano, fez aumentar não só os factos negativos
contabilizados até então, como ampliou os registos gravados na nossa memória de
longo prazo. Entre o primeiro e o segundo caso decorreram duzentos e vinte e
dois dias.
E
o que tenho em memória desse já longínquo 1.º de Dezembro de 1972, acontecimento
que está prestes a completar quatro dezenas de anos, inicia-se com o acto de
acordar, consequência do ruído dos motores das duas viaturas unimog alinhadas
na parada, como era habitual, destinadas a transportar o GComb que nesse dia
iria estar de serviço na Ponta Coli, ou seja, o 4.º pelotão, o mesmo da 1.ª
emboscada.
Este
GComb, entretanto refeito depois de ultrapassadas as enfermidades físicas sofridas
pelos seus efectivos mais atingidos anteriormente, viu reforçado os seus
quadros de comando com a chegada, em Maio, do ex-Fur. Mil. Mário M. Neves para
substituir o ex-Fur. Mil. Manuel Rocha Bento, falecido na emboscada anterior, e
dois meses e meio antes deste episódio (Set.) do oficial de que nunca dispôs,
sendo nomeado para comandar este grupo o ex-Alf. Mil. A. J. Serradas Pereira.
Passados
poucos minutos da saída dos militares do meu ex-GComb, levantei-me sentindo
algumas melhoras em relação aos dois dias anteriores, pois já não tinha febre,
e avancei para os sanitários do abrigo da messe de Sargentos, situados em
frente ao nosso Tzero, este partilhado com os camaradas ex-Furriéis Godinho,
Ferreira e Neves.
Concluída
a higiene pessoal, e quando passava à porta da Secretaria da Companhia, que
ficava exactamente em frente à nossa, do outro lado do caminho térreo (a que se
chamava rua), eis que ouvi e senti os primeiros rebentamentos vindos do lado da
Ponta Coli. Tratava-se, naturalmente, de uma nova emboscada montada pelos
guerrilheiros, já prometida há algum tempo atrás, mas sem data marcada.
Num
impulso produzido a partir dos sistemas internos homeostáticos, explicados na
biologia da consciência como sendo a memória especial de valor registada por
via de experiência anterior – imagens, sons e desempenhos –, complementada com
a mensagem do mundo exterior que acabara de ser descodificada, rapidamente me
preparei para ir em seu auxílio.
Vestido
com estava naquele momento, em fato de treino azul militar, coloquei à cintura os
quatro carregadores de munições encaixados no cinturão, peguei na minha
companheira inseparável nestas ocasiões, a G3, e parti só, na direcção da Ponta
Coli, não fazendo a mínima ideia do que me poderia acontecer até lá.
Atravessei
as moranças da Tabanca, segui no sentido da bolanha do Xime (Taliuará) e quando
me encontrava mais ou menos a meio do carreiro que ligava, na largura, os dois
lados da bolanha, avistei um grupo de guerrilheiros movimentando-se para sul,
na fronteira da bolanha com a vegetação aí existente. Avistei os guerrilheiros
e eles também a mim, na medida em que um deles disparou uma rajada na nossa
direcção, mas sem consequências, pois não devia ser grande especialista no tiro
de precisão.
Ao
ouvir o silvo das balas (uma meia dúzia!?) que passaram por cima e ao meu lado,
coincidente com o mergulho que tive justamente de efectuar, por instinto de
sobrevivência, e sem saber o que viria a seguir, aí esperei um pouco, camuflado
tanto quanto me era possível, observando os movimentos do IN, e sem saber muito
bem o que fazer a partir de então: voltar para trás ou seguir em frente.
Quando
me apercebi que aquele grupo de guerrilheiros estava de regresso às suas
origens, decidi avançar, mas com a máxima atenção, pois a situação assim o
exigia. Porém, vindos da Ponta Coli, continuava a ouvir tiros e rebentamentos,
sinal de que a situação ainda não estava totalmente controlada.
Passados
alguns minutos, talvez dez/quinze, cheguei junto dos camaradas flagelados,
grupo que, gradualmente, tinha sido reforçado com a chegada de mais elementos
de outros GComb, deslocados em viaturas até ao local.
Aí
chegado, constatámos que neste caso, do ponto de vista da estratégica militar,
os guerrilheiros foram obrigados a alterar a sua, em função também das mudanças
por nós introduzidas a partir da avaliação feita à primeira emboscada.
Desta
vez os elementos IN, estimados em mais de sessenta unidades, que segundo informações
posteriores eram constituídos pelo grupo especial de Bazzokas, do CMDT Coluna
da Costa, e do bigrupo dos CMDT’s Mamadu Turé e Pana Djata, ficaram emboscados
a cinquenta metros da linha da nossa segurança, protegidos por bagabagas,
árvores e outros arbustos mais rasteiros.
Aguardaram
que as NT ocupassem os postos habituais, e quando nada fazia prever, pois esse
era o método utilizado na guerra de guerrilha, abriram as hostilidades, fazendo
accionar, à distância, duas minas de sopro colocadas junto a duas árvores de
maior porte, seguida das tradicionais rajadas de Kalashnikov e do lançamento de
granadas de RPG7, tendo os elementos do nosso GComb reagido em conformidade com
a provocação e de acordo com a experiência adquirida na anterior situação.
As
ocorrências mais graves foram provocadas pelo efeito das minas de sopro, tendo
atingido dois elementos das NT que, passado pouco tempo, foram evacuados para o
Hospital Militar, em Bissau.
Entretanto,
com a situação totalmente controlada, depois da debandada dos guerrilheiros,
que não conseguiram desta vez obter grandes resultados práticos felizmente,
iniciámos o reconhecimento na zona outrora ocupada por estes.
Durante
o desempenho dessa tarefa, operacionalizada em equipa com o ex-Fur. Mil. António
Carda, do 3.º GComb, foi com alguma surpresa que encontrámos dois corpos de
guerrilheiros, já cadáveres, ocupando ambos, um ao lado do outro, um espaço
entre arbustos de aproximadamente dois metros, junto dos quais se encontravam
as suas respectivas armas. Um tinha uma Kalashnikov, o outro possuía uma
pistola Tokarev. Noutro local foi também encontrado um lança granadas e duas
granadas desse equipamento.
No final, a contabilidade feita à segunda emboscada, e que seria a última,
sofrida pela CART 3494 na Ponta Coli, ambas vividas pelos elementos do 4.º
pelotão, foi de dois feridos graves das NT, dois mortos capturados ao IN, mais
uma espingarda automática Kalashnikov, uma pistola Tokarev e um lança granadas
RPG7.
A
partir desta nova experiência, cada segurança diária à Ponta Coli passou a ser
considerada como uma Operação Especial, só ao alcance de quem tivesse um
coração forte, capaz de resistir às emoções/tensões vividas naquele contexto.
IV
– CAUSAS/EFEITOS DESTA NOVA EMBOSCADA
Se
nada de anormal tivesse acontecido naquele dia 01.Dez.1972, a noite teria tido
um significado e um programa especiais, na medida em que o ex-Alf. Mil.
Maurício Viegas fazia anos, e até existia um bolo de aniversário confeccionado
de propósito, no distante Bairro da Boa-Hora, em Lisboa.
Mas,
porque não foi isso que aconteceu, lamentavelmente, este segundo episódio na
Ponta Coli, acabaria por marcar os tempos seguintes, influenciando os
comportamentos, o estado de espírito individual e colectivo, com reflexos no
humor e na disponibilidade para grandes farras. No entanto, não deixámos de
cantar os parabéns ao aniversariante, na messe de oficiais, e de comer uma
fatia do seu bolo, um pouco rijo, mas ainda próprio para consumo. Do que me
lembro desse momento, posso afiançar de que não sobrou nem uma migalha.
A
bebida consumida nessa noite, um pouco mais longa do que em noites anteriores,
pois foi decidido desligar o gerador produtor de energia, uma vez que se
equacionou a possibilidade de acontecerem represálias pela ocorrência da manhã,
resultou da fusão do líquido de várias garrafas existentes no bar, vulgo cocktail, servido em baixela (prateada)
de aço inox, mas que não me caiu nada bem. Andei uma semana a beber água
Perrier, passe a publicidade.
Assim,
eis algumas causas/efeitos deste acontecimento.
Uma
primeira causa/efeito de mais um episódio negativo registado no seio da CART
3494 foi a tomada de consciência colectiva de que não se podia facilitar, fosse
qual fosse a circunstância ou o contexto, tendo como exemplos as duas
emboscadas na estrada Xime-Bambadinca e o naufrágio no Rio Geba, todos eles
provocando baixas humanas, factos ocorridos, curiosamente, com intervalos de
cento e dez dias entre si.
Uma
segunda causa/efeito deste acontecimento terá contribuído para que um ano
depois desta segunda emboscada, certamente para vingar o aí ocorrido doze meses
antes, onde os guerrilheiros registaram um forte revés, estes tenham decidido
voltar a atacar o aquartelamento do Xime, agora tendo por residentes os
militares da CCAÇ 12, uma unidade africana.
Este
ataque do IN, o mais severo e violento de todos os efectuados até então,
iniciado pela calada da noite, eram 22:15 e que durou cerca de meia hora, e que
eu próprio testemunhei não só através da sua audição à distância, como observei
os clarões provocados pelas detonações das diferentes armas pesadas utilizadas,
uma vez que me encontrava instalado nos espaços circundantes da nova Ponte
sobre o Rio Udunduma, situada entre a população de Amedalai e Bambadinca, na
estrada do Xime, em missão de segurança permanente. Nesse local acabaria por
contabilizar uma estadia de cerca de cento e sessenta dias, ou seja, cinco
meses e meio.
Constou-se
que para esse ataque com armas pesadas foram mobilizados todos os recursos
existentes na zona por parte do PAIGC, nos quais se incluíam foguetões 122 mm.
Estes acabaram por provocar alguns estragos, sobretudo na zona das moranças dos
civis do Xime, tendo dois deles atingindo uma delas, que ficou totalmente
destruída, com os seus sete ocupantes mortos.
Uma
terceira causa/efeito (dupla) desta emboscada, particularmente para os dois
ex-militares feridos em combate, este seria um acontecimento que haveria de
produzir sequelas incuráveis ao longo de suas vidas, em todas as dimensões
humanas: físicas, psicológicas, sociais e económicas. Por via desse episódio,
estes ex-combatentes foram premiados ad eternum com o estatuto de «abandonados», o
que é francamente injusto, ingrato, pouco ético, nada moral, em suma, um crime
execrável.
No
primeiro caso, o ex-soldado Carlos Alberto Cunha, depois de ter sido assistido
no Hospital Militar de Bissau e de ter transitado para o Hospital Militar de
Lisboa, onde, decorrido algum tempo, obteve alta, passando à disponibilidade.
Porém, nunca mais pode exercer a sua actividade profissional, em função do seu
grau de incapacidade física. Por falta de acordo quanto à atribuição do
estatuto de invalidez, o seu processo transitou para julgamento no Tribunal
Judicial de Coimbra, desconhecendo (eu) qual o seu veredicto. Até há bem pouco
tempo a situação era de impasse.
No
segundo caso, o ex-soldado Mário Rodrigues Nascimento foi encontrado, no início
deste ano, a vaguear pelas ruas da Figueira da Foz. Interpelado por uma Assistente
Social, funcionária da Autarquia Local, sobre o seu passado, apenas se lembrava
de ter sido ferido em combate no Xime e de ter pertencido à CART 3494. Esta
técnica lembrou-se, com efeito, de contactar com a Delegação de Coimbra da Liga
dos Combatentes, pedindo ajuda. Esta Instituição de apoio aos ex-militares, por
sua vez, entrou em rede com vários elementos da Companhia referenciados no
nosso blogue, o que conduziu à abertura de um processo visando a sua integração
em Instituição de Solidariedade Social naquela localidade, de modo a alterar a
sua condição de vida - um “sem abrigo” -, situação absolutamente degradante
para qualquer ser humano, e em particular para este nosso camarada,
ex-combatente, que fora gravemente ferido em combate no cumprimento de um dever
nacional.
Curiosamente,
a sua residência conhecida, extraída dos registos dos Serviços Públicos, refere
que era na Rua do Viso, por sinal a mesma rua onde os meus avós tinham uma
casa, e onde eu, nos distantes tempos de criança, lá passava uma parte
significativa das férias grandes de verão, bastando atravessar a avenida do
Grande Hotel da Figueira (Av. 25 de Abril), para estar na praia.
Finalmente,
neste dia 01.Dez.1972, tomei conhecimento que o nosso segundo CMDT da
Companhia, o Cap. Art. António José Pereira da Costa (agora Coronel na Reserva)
tinha sido transferido para a CART 3567, estacionada em Mansabá, facto ocorrido
durante as nossas férias, sendo substituído, então, pelo Cap. Mil. Luciano de Carvalho
Costa, o terceiro e último CMDT da Companhia, cargo que ocupou até ao final da nossa
Comissão de Serviço.
Segundo
julgo saber, a ordem/nota da transferência foi-lhe comunicada no dia
10.Nov.1972, exactamente no dia em que, na Metrópole, em Moscavide, comemorava
o meu vigésimo segundo aniversário. O desenlace com a CART 3494 aconteceu no
dia seguinte – 11.Nov. (Dia de S. Martinho), um marco mais na história da sua
vida … militar.
Chegado
ao fim deste segundo episódio relacionado com os factos reais ocorridos na
estrada Xime/Bambadinca, vividos por alguns ex-combatentes da CART 3494, no
local designado por Ponta Coli, damos por encerrado este tema, esperando que o
modo e os conteúdos da sua narração, feitos na primeira pessoa, partindo de
experiências concretas, tenham permitido, por um lado, esclarecer dúvidas em
aberto e, por outro, aglutinar algumas das ideias que andavam dispersas.
Contudo,
estou convicto que outros relatos, seguindo a mesma metodologia, seriam não só
bem-vindos como ajudariam no aprofundamento da sua historiografia.
Está,
desde já, feito o convite a todos os membros da CART 3494, também conhecidos
por Fantasmas do Xime.
Um
grande abraço para todos, e até à próxima história.
Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494
Vd. poste anterior
desta série em:
3 DE ABRIL DE 2012 > Guiné 63/74 - P9698: O caso da
ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)