Vigésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
Seguindo o rumo de alguns textos anteriores, o Cifra, entendeu que os leitores, deviam ter conhecimento, desta história, que aconteceu, já o Cifra era emigrado, já não se chamava Cifra, mas única e simplesmente Tony, exercia a sua profissão, numa multinacional no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, e tem algo a ver com todos nós os antigos combatentes, portanto cá vai.
Eram jovens, que regressaram da guerra do Vietname. A sua maior parte, eram pessoas, com muito pouca instrução escolar, alguns, eram oriundos dos estados do centro norte, e alistavam-se querendo ir à aventura, pois pertenciam a famílias em que os pais e avós, nunca tiveram oportunidade de ver o mar. Outros eram emigrantes oriundos da América do sul, e
com poucas oportunidades de emprego, devido a viverem em zonas rurais, junto à fronteira sul dos Estados Unidos, e viam no alistamento uma oportunidade, com algum futuro. Alguns, nunca tiveram um emprego, antes do alistamento, pois viviam em subúrbios de grandes zonas metropolitanas, sobrevivendo de alguns biscates, e com alguma conexão a grupos criminosos, e viram na ida para a guerra, a maneira de cumprirem penas de prisão, a que estavam sujeitos, e ao regressarem serem cidadãos livres. Esses jovens, alguns eram pessoas revoltadas, pelo modo de vida que levaram antes do alistamento, e traumatizadas, pelo período que passaram no Vietname.
Quando regressavam de uma comissão, na guerra do Vietname, tinham praticamente duas hipóteses, ou iam cumprir outra comissão na guerra, sobreviviam e seguiam a carreira militar, ou desmoralizados pela experiência da guerra, abandonavam o serviço militar e iam trabalhar em estações de serviço, enchendo tanques de gasolina, ou qualquer outro trabalho menor, que não envolvesse muita responsabilidade. Quase sempre andavam sobre influência, não aceitavam que lhe falassem, mais do que três ou quatro palavras seguidas, era quase impossível dar-lhes treino e colocarem-nos a operarem uma máquina. Como o Tony, os compreendia!
A multinacional, como vendia algum do seu produto a agências do governo, não podia negar trabalho a esses jovens, sempre que eram necessários novos empregados, esses jovens eram os preferidos.
Três desses jovens, vieram trabalhar na multinacional. Ao fim de umas horas, a pessoa que estava responsável de os colocar no
trabalho de adaptação, dirigiu-se ao departamento de pessoal, dizendo que era impossível comunicar-se com eles, o melhor seria mandá-los já embora, antes que criassem mais problemas. O Tony, que também era representante do sindicato, pediu autorização para ver as fichas que eles tinham preenchido e depois de analisar as respectivas fichas, pediu uns dias de adaptação e que os ia levar para o departamento dos mecânicos, onde era preciso uma limpeza e pintura das paredes, a gerência concordou. A linguagem que eles falavam e os sentimentos que tinham eram parecidos aos do Tony, quando regressou a Portugal, vindo da guerra de África.
Em meia dúzia de palavras, explicou-lhes o trabalho. Deu- lhes liberdade e responsabilidade.
No primeiro dia, quase não fizeram nada, além de fumarem constantemente, tabaco que não se vendia em tabacarias públicas, e quase sempre sentados, esperavam pela hora do intervalo, para virem tomar café negro, sem açúcar. No segundo dia, um chegou bastante tarde, os outros dois chegaram a horas, mas só apareceram no trabalho quando o outro chegou. Não fizeram praticamente nada, a limpeza e a pintura, mal tinha começado. No terceiro dia vieram todos a horas, mas só apareceram no local de trabalho passado quase uma hora. Nesse terceiro dia, ao final da tarde estavam sentados ao sol, fumando, junto da linha de caminho de ferro que existia dentro da multinacional.
O Tony, começou a ser pressionado pela gerência da multinacional, que não queria maus exemplos. Deste modo, o Tony dirigiu-se ao grupo quando se encontravam ao sol, fumando, e perguntou:
- Podem ouvir-me por um minuto?
Não obtendo resposta, explicou, mais ou menos isto:
- Coloquei a minha palavra por vocês, estou a ser motivo de enxovalho em toda a companhia, e se querem continuar a encher tanques de gasolina, numa estação de serviço, e quase sempre sobre influência, pelo resto da vossa vida, pois são livres de o fazer, mas pensem só um pouco, que estão neste momento a ter uma oportunidade, quase única, de serem de novo admitidos pela sociedade que voz despreza, mas em que infelizmente vivemos e onde estamos todos inseridos.
Todas estas palavras foram ditas com algum carinho, e terminou dizendo:
- Também sou veterano de uma guerra, também tive o mesmo problema com a sociedade, que não me admitia e me discriminava, só que no meu País, não havia trabalho, nem oportunidades para todas as pessoas, especialmente os pobres, pois existia um sistema de protecção para as pessoas com mais recursos, e oxalá que vocês nunca passem por essa situação, por favor agarrem esta oportunidade.
Não esperou por qualquer resposta, não sabe se ouviram ou não, as suas palavras. Nos próximos quatro dias, aos poucos foram movimentando-se, algumas vezes zangados uns com os outros, mas foram limpando e pintando todo o departamento dos mecânicos. Andavam numa azáfama, a subir e descer escadas, alguns, com o cigarro na boca, todos pintados na cara e nos braços, mas sempre barafustando uns com os outros.
Terminaram o trabalho, não sendo preciso ninguém mais lhes dirigir a palavra.
Desses três jovens, um, o Dallas, ficou a trabalhar como mecânico, assistindo a classes na escola à noite, juntamente com o Tony. O outro, o Montana, quando houve uma vaga nos quadros superiores, aplicou e foi admitido, portanto foi para encarregado de um departamento. E o terceiro, o Colorado, trabalhava, como operador de um forno de fundição de alumínio, estudava de noite, aplicou e submeteu-se a um concurso, sendo admitido como operador de locomotivas numa companhia dos caminhos de ferro de Nova Jersey, pois o comboio passava pela multinacional, e ele passava quase todo o tempo apreciando o maquinista em manobras, com a colocação dos vagões no plataforma de desembarque.
O Tony, recorda com saudade, quando por eles passava e lhe diziam:
- Tony, vai um “cigarrito especial”?
Ao que o Tony, respondia:
- Não.
E eles, logo lhe chamavam:
- “Chicken!..., Quá, Quá, Quá”! - Imitando uma galinha.
Tony Borie,
Maio de 2013
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Toni Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11935: Manuscrito(s) (Luís Graça) (7): Praia do Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã... À memória dos meus avoengos Maçaricos... Ao Horácio Fernandes, capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69)...
(...) Desde 1974, os portugueses tentaram regressar ao mar duas vezes. Há 40 anos que fugimos do mar. Mas vem aí a reabertura do canal do Panamá e a extensão da plataforma continental. Mesmo sem estratégia, a economia do mar vale 10 mil milhões de euros (.,.,.)
O que (não) fizemos para voltar ao mar.
Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.
Finisterra, pórtico do tempo,
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.
Porto Dinheiro: o irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários,
Monstros e mostrengas,
Dinossauros, loucos menestréis,
Contadores de lendas,
Mouras encantadas,
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores...
E os bretões com os seus barcos a vapor,
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do Rimbaud.
É de lá,do mar profundo, que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!
Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.
Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas,
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.
Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.
Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.
Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!
Luís Graça
Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)
O que (não) fizemos para voltar ao mar.
Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.
marinheiros, mareantes, navegantes,
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos
Ao António Fernandes (Patas),
Ao António Fernandes (Patas),
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69).
Finisterra, pórtico do tempo,
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.
Porto Dinheiro: o irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários,
Monstros e mostrengas,
Dinossauros, loucos menestréis,
Contadores de lendas,
Mouras encantadas,
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores...
E os bretões com os seus barcos a vapor,
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do Rimbaud.
É de lá,do mar profundo, que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!
Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.
Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas,
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.
Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.
Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.
Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!
Luís Graça
Lourinhã, Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Vista da tasca da Ti Augusta
Lourinhã, Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Embarcações de pesca artesanal
Lourinhã, Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > A tasca da Ti Augusta, hoje explorada por um filho, sargento da marinha reformado.
Lourinhã, Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Tasca da Ti Augusta > A famosa sopa de navalheiras.
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:
Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)
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Guiné 63/74 - P11934: Filhos do vento (19): Sánu Mané que conheci em Empada, será a mãe de Fátima Cruz? (Arménio Estorninho)
1. Mensagem de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2013:
Caro Carlos Vinhal, Camaradas e Amigos,
Reportando-me ao Poste 11867 - Filhos do Vento (17), em que Luís Graça faz a reprodução de 19 histórias, vou intrometer-me mas de forma que não hajam equívocos sobre um tema muito pertinente.
Assim, no que concerne às histórias (5) Fátima Cruz e (12) José Carlos Martins e como os nados destes amigos “portugas” não cabem no espaço temporal da presença em Empada da CCAÇ 2381 - 1969/70, por isso ficará fora de quaisquer suspeitas.
Na história (5) Fátima Cruz, onde é feita referência à sua mãe Sánu Mané, de Empada, poderá ser aquela que conheci e da qual junto foto onde está acompanhada pela sua amiga Sálu, as quais eram das mais belas bajudas de Empada. À data, Sánu Mané foi a lavadeira do Soldado Corneteiro “O Charlot,” já falecido.
Foto 1 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Sánu Mané (à esquerda) e a sua amiga Sálu, em momento de juventude, simplicidade e alegria.
Como ao tempo foi do conhecimento que esta Sánu Mané, em meados do ano de 1970, deslocou-se para Bissau e enquanto lá permanecia também constou que já era oponente deliberada à mutilação genital feminina, “fanado.”
Relativamente à história (12) José Carlos Martins, junto fotos com meninos “djubis” de Empada que tinham a sua idade, porventura ele lembrar-se-à dos mesmos, e sendo a foto (2) tirada no dia em que ofertei uma vestimenta nova ao meu protegido (nome?) que era “surdo mudo,” também para levar para a tabanca ofertava-lhe comida, gasóleo e algum dinheiro para comprar mandioca e amendoins para o meu esquilo.
~
Foto 2 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Em dia de grande contentamento por o djubi “surdo mudo” estrear a farda o qual fez questão em tirar a fotografia comigo e com os seus amigos.
Foto 3 - Bolanha da Ualada-Empada, Região de Quinara – 1969 - O ex-1º Cabo Enf.º Jorge Catarino e dois djubis que antes estiveram a ajudar as suas mães na apanha de arroz.
Foto 4 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Largo fronteiro à Porta de Armas do Quartel e da Escola Primária - Manifestação popular de ronco com batuque e dança.
Dado que o José Carlos Martins provavelmente é de Empada e está no Registo Civil de Bissau, poderá reconhecer os seus amigos e dar algumas referências sobre este miúdo “surdo mudo” que a encontrar-se entre os vivos terá cerca de 52 anos de idade.
Com cordiais saudações guinéuas
Arménio Estorninho
____________
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11883: Filhos do vento (18): Em Portugal, temos os "filhos da borda", era assim que eram conhecidos, na minha aldeia e na minha infância, os filhos de mães solteiras (José Teixeira)
Caro Carlos Vinhal, Camaradas e Amigos,
Reportando-me ao Poste 11867 - Filhos do Vento (17), em que Luís Graça faz a reprodução de 19 histórias, vou intrometer-me mas de forma que não hajam equívocos sobre um tema muito pertinente.
Assim, no que concerne às histórias (5) Fátima Cruz e (12) José Carlos Martins e como os nados destes amigos “portugas” não cabem no espaço temporal da presença em Empada da CCAÇ 2381 - 1969/70, por isso ficará fora de quaisquer suspeitas.
Na história (5) Fátima Cruz, onde é feita referência à sua mãe Sánu Mané, de Empada, poderá ser aquela que conheci e da qual junto foto onde está acompanhada pela sua amiga Sálu, as quais eram das mais belas bajudas de Empada. À data, Sánu Mané foi a lavadeira do Soldado Corneteiro “O Charlot,” já falecido.
Foto 1 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Sánu Mané (à esquerda) e a sua amiga Sálu, em momento de juventude, simplicidade e alegria.
Como ao tempo foi do conhecimento que esta Sánu Mané, em meados do ano de 1970, deslocou-se para Bissau e enquanto lá permanecia também constou que já era oponente deliberada à mutilação genital feminina, “fanado.”
Relativamente à história (12) José Carlos Martins, junto fotos com meninos “djubis” de Empada que tinham a sua idade, porventura ele lembrar-se-à dos mesmos, e sendo a foto (2) tirada no dia em que ofertei uma vestimenta nova ao meu protegido (nome?) que era “surdo mudo,” também para levar para a tabanca ofertava-lhe comida, gasóleo e algum dinheiro para comprar mandioca e amendoins para o meu esquilo.
~
Foto 2 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Em dia de grande contentamento por o djubi “surdo mudo” estrear a farda o qual fez questão em tirar a fotografia comigo e com os seus amigos.
Foto 3 - Bolanha da Ualada-Empada, Região de Quinara – 1969 - O ex-1º Cabo Enf.º Jorge Catarino e dois djubis que antes estiveram a ajudar as suas mães na apanha de arroz.
Foto 4 - Empada, Região de Quinara – 1969 - Largo fronteiro à Porta de Armas do Quartel e da Escola Primária - Manifestação popular de ronco com batuque e dança.
Dado que o José Carlos Martins provavelmente é de Empada e está no Registo Civil de Bissau, poderá reconhecer os seus amigos e dar algumas referências sobre este miúdo “surdo mudo” que a encontrar-se entre os vivos terá cerca de 52 anos de idade.
Com cordiais saudações guinéuas
Arménio Estorninho
____________
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11883: Filhos do vento (18): Em Portugal, temos os "filhos da borda", era assim que eram conhecidos, na minha aldeia e na minha infância, os filhos de mães solteiras (José Teixeira)
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11933: Notas de leitura (510): Djarama PAIGC, uma reportagem fotográfica de Koen Wessing (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2013:
Queridos amigos,
Vale a pena folhear a brochura com as fotografias de Koen Wessing, captadas nos tempos da luta armada.
Está ali um estilo vida que desapareceu no momento em que o PAIGC se instalou em Bissau. A participação e a solidariedade das populações com os seus militares é hoje uma saudade para aqueles combatentes. O CIDAC, naqueles anos que se seguiram ao 25 de Abril , promoveram a sensibilização dos portugueses para os movimentos de libertação. De um modo geral, o texto que acompanhava as imagens era preciso e plausível.
Noutros casos, como agora se diz, não havia necessidade. É uma pequena infâmia dizer-se nesta brochura que “Portugal descuidou sempre totalmente a assistência médica na Guiné-Bissau.
O PAIGC teve de montar os serviços médicos a partir da base. Para além da infâmia, o redator revela profunda ignorância. Os serviços de saúde portugueses, em plena guerra, recebiam e tratavam doentes que atravessavam as fronteiras do Senegal e da Guiné Conacri.
Quanto ao facto do PAIGC ter de montar os serviços médicos a partir da base, não sei que tipo de ajuda humanitária era esperada, se competia às Forças Armadas portuguesas apetrechar os hospitais do mato ou não…
Um abraço do
Mário
A vida do PAIGC na reportagem do grande fotógrafo Koen Wessing
Beja Santos
Para se saber mais sobre as notabilidades artísticas de Koen Wessing (1942-2011) basta ir ao Google e ver o impacto que algumas das suas reportagens causou à volta do mundo, e como a sua arte era apreciada.
Em Setembro de 1974, o CIDAC publicava em edição bilingue (neerlandês-português) uma brochura com cerca de 60 imagens que registaram momentos da vida de guerrilha, escolheram-se algumas das imagens em que o artista revelou a sua perícia e argúcia a mostrar a conjugação entre a vida incerta e uma convicção no futuro da Guiné independente.
No seu todo, está aqui um estilo de vida, que, paradoxalmente, foi esquecido pela independência: a camaradagem, a ligação entre o guerrilheiro e as populações onde operava, uma certa normalidade a despeito da vida precária e a evidência da destruição, a vida participativa, o funcionamento das escolas e dos hospitais, o trabalho cooperativo de alfaiates, carpinteiros e ferreiros, a bonomia dos encontros e as alegrias da vida familiar.
Imagens do passado, profundamente chocantes hoje, certo e seguro que aquelas mulheres e aqueles homens fotografados por Koen Wessing não deploram as suas convicções mas perguntam amargamente porque é que os seus sonhos foram todos deitados por terra.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11920: Notas de leitura (509): "Fuzileiros, Força de Elite", por Ilídio Neves, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Vale a pena folhear a brochura com as fotografias de Koen Wessing, captadas nos tempos da luta armada.
Está ali um estilo vida que desapareceu no momento em que o PAIGC se instalou em Bissau. A participação e a solidariedade das populações com os seus militares é hoje uma saudade para aqueles combatentes. O CIDAC, naqueles anos que se seguiram ao 25 de Abril , promoveram a sensibilização dos portugueses para os movimentos de libertação. De um modo geral, o texto que acompanhava as imagens era preciso e plausível.
Noutros casos, como agora se diz, não havia necessidade. É uma pequena infâmia dizer-se nesta brochura que “Portugal descuidou sempre totalmente a assistência médica na Guiné-Bissau.
O PAIGC teve de montar os serviços médicos a partir da base. Para além da infâmia, o redator revela profunda ignorância. Os serviços de saúde portugueses, em plena guerra, recebiam e tratavam doentes que atravessavam as fronteiras do Senegal e da Guiné Conacri.
Quanto ao facto do PAIGC ter de montar os serviços médicos a partir da base, não sei que tipo de ajuda humanitária era esperada, se competia às Forças Armadas portuguesas apetrechar os hospitais do mato ou não…
Um abraço do
Mário
A vida do PAIGC na reportagem do grande fotógrafo Koen Wessing
Beja Santos
Para se saber mais sobre as notabilidades artísticas de Koen Wessing (1942-2011) basta ir ao Google e ver o impacto que algumas das suas reportagens causou à volta do mundo, e como a sua arte era apreciada.
Em Setembro de 1974, o CIDAC publicava em edição bilingue (neerlandês-português) uma brochura com cerca de 60 imagens que registaram momentos da vida de guerrilha, escolheram-se algumas das imagens em que o artista revelou a sua perícia e argúcia a mostrar a conjugação entre a vida incerta e uma convicção no futuro da Guiné independente.
No seu todo, está aqui um estilo de vida, que, paradoxalmente, foi esquecido pela independência: a camaradagem, a ligação entre o guerrilheiro e as populações onde operava, uma certa normalidade a despeito da vida precária e a evidência da destruição, a vida participativa, o funcionamento das escolas e dos hospitais, o trabalho cooperativo de alfaiates, carpinteiros e ferreiros, a bonomia dos encontros e as alegrias da vida familiar.
Imagens do passado, profundamente chocantes hoje, certo e seguro que aquelas mulheres e aqueles homens fotografados por Koen Wessing não deploram as suas convicções mas perguntam amargamente porque é que os seus sonhos foram todos deitados por terra.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11920: Notas de leitura (509): "Fuzileiros, Força de Elite", por Ilídio Neves, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P11932: Convívios (524): 5.º Encontro dos Ex-Combatentes do Seixal, Lourinhã, participantes na Guerra Colonial: 18 de agosto de 2013 > Programa e convite
1. Notícia que nos chega, com data de ontem e pedido de publicação, por mão do meu querido conterrâneo, concidadão amigo de infância e camarada de armas Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil pára (BCP 21, Angola, 1970/72) [, foto atual à esquerda, tirada recentemente em 16/6/2013, na Atalaia, Lourinhã, por ocasião da inauguração do monumento local aos combatentes].
Como em anos anteriores, o Jaime é o co-organizdor deste convívio anual dos ex-combatentes do Seixal, Lourinhã, sua terra natal. Embora ele não seja (ainda) membro formal da nossa Tabanca Grande, tem já meia dúzia de referências no nosso blogue, devida à sua disccreta mas sempre eficiente, empenhada e competente dedicação à causa da memória dos combatentes da guerra colonial, tanto na sua terra, Lourinhã, como em Fafe, onde vive.
Foi ele o programador e membro da comissão organizadora da notável exposição que esteve aberta ao público de 8/8 a 5/9 de 2009, no clube do Seixal, Çourinhã, "evocativa da participação dos jovens do Seixal, Lourinhã, na guerra colonial", de que na altura demos notícia, no nosso blogue.
Fotos: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados
Nota do editor:
Último poste da série > 9 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11921: Convívios (523): Comemoração do 39.º aniversário do regresso da CCAÇ 4544/73, dia 8 de Setembro de 2013 (António Agreira)
5.º ENCONTRO DOS EX-COMBATENTES DO SEIXAL
PARTICIPANTES NA GUERRA COLONIAL
18 DE AGOSTO DE 2013
CONVITE À
POPULAÇÃO DO SEIXAL
PROGRAMA
10.00 HORAS
– SEIXAL: CONCENTRAÇÃO DOS
PARTICIPANTES JUNTO À IGREJA.
MISSA EM MEMÓRIA DOS NOSSOS CONTERRÂNEOS
QUE COMBATERAM NA GERRA DO ULTRAMAR: ARSÉNIO BONIFÁCIO, MORTO EM COMBATE EM
ANGOLA E DE TODOS OS EX-COMBATENTES QUE JÁ FALECERAM.
11.15 HORAS - LOURINHÃ:
ROMAGEM AO CEMITÉRIO
HOMENAGEM A CADA UM DOS EX-COMBATENTES
DO SEIXAL JÁ FALECIDOS. COLOCAÇÃO DE UM RAMO DE FLORES, SEGUIDO DE MINUTO DE
SILÊNCIO.
12.00 HORAS
– LOURINHÃ: MONUMENTO DOS COMBATENTES.
CERIMÓNIA DE HOMENAGEM A TODOS OS JOVENS
DO CONCELHO DA LOURINHÃ QUE TOMBARAM NA GUERRA AO SERVIÇO DE PORTUGAL.
13.30 HORAS
– ALMOÇO NO CLUBE DO SEIXAL
ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO ABERTO A TODOS OS
FAMILIARES E AMIGOS DOS EX- COMBATENTES. (15 comissões)
INSCRIÇÕES PARA O
ALMOÇO ATÉ AO DIA 15 DE AGOSTO
Tel. 966878619 / 917818481 /
919310088 /917226653
A COMISSÃO ORGANIZADORA
Arménio Pereira - Emídio Baltazar - Jaime
Bonifácio - José Maria
Lourinhã > Monumento aos combatentes > 18 de maio de 2013. O monumento é da autoria do arquitecto A. Silva e da escultora A. Couto.
No dia 25 de agosto de 2013 vai-se comemorar o 8º aniversário deste monumento (, evento de cujo programa em breve daremos detalhes). Fizeram parte da comissão organizadora origiunal, que deu corpo e alma à ideia em 2005 (, conforme demos notícia na I Série, em poste de 24/7/2005), entre outros ex-combatentes, os meus amigos e conterrâneos João Delgado, Jaime Bonifácio e José Picão de Oliveira (este último, ex-furriel miliciano na zona leste da Guiné, em Canquelifá, tendo regressado a casa já em Setembro de 1974).
_________
Nota do editor:
Último poste da série > 9 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11921: Convívios (523): Comemoração do 39.º aniversário do regresso da CCAÇ 4544/73, dia 8 de Setembro de 2013 (António Agreira)
domingo, 11 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11931: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (2): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical
1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o segundo episódio do seu Pós-Guiné:
O PÓS-GUINÉ 65/67
2 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL
Pois é... já lavei a cicatriz... guardei o cotão, (tem muito para contar e dará muito pano para mangas) mas vou continuar a falar de mim, da Guiné e até ao dia que me cortem o pio.
Continuarei a descrever uma vivida realidade... não falarei sobre as cicatrizes d'outros.
Manter-me-hei atento e venerador ao que escrevem... continuarei a ser o mais honesto possível... não criticarei abertamente seja quem for, mesmo que mais sábios e eruditos, do qu'a mim...
Aqui no blogue, pretende-se deixar algo para memória futura, eu tive a sorte de que publicassem aquelas minhas croniquetas d"OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", onde e de forma graciosa (pretensiosismo meu) contei o que vivi, sem sangue... sem botas com apenas pés lá dentro... sem corpos dos nossos cortados ao meio pelas balas ou minas inimigas.
Por aí não enveredarei, embora saiba fazê-lo pois que à 4ª classe tirada nas Aulas Regimentais, ajuntei depois mais alguma cultura, com quem era mesmo culto e falo do SENHOR Ferreira de Castro, escritor... dum Senhor Presidente do Brasil, exilado em Portugal e outros que direi um dia, e com quem tive o grato prazer de partilhar apertos de mão e conviver, enquanto "caixa" que fui no Banco onde desempenhei a função, com as mesmas, disciplina e hombridade, aprendidas no Exército.
Em boa verdade, a Guiné esteve sempre presente e continua, como ainda hoje 30/7/2013 ao ir no hospital para uma pequena cirurgia ao sobrolho, após ter caído na rua, sem que alguém me tocasse e apenas porque uma elevação de dois centímetros se opôs à minha passagem. O médico guineense com quem conversei e que vai abrir consultório em Bissau, apesar de tudo e sabendo que eu sou do Sporting, afinfou-me três pontos que permitirão ao meu clube, partir com esse avanço.
Anteriormente, e aquando dum grave problema de comichão na barriga, e deveras parecida com as borbulhagens da mata, e ainda, após dois meses de tratamentos com os melhores e mais dispendiosos, como se chamam?... como se chamam?... ah, já sei... dermatologistas pois então (estive alguns minutos a pensar... e quase a desistir).
Pois como ia a dizer, pedi que me dessem a mesinha da Guiné, que era apenas e só, o 1214 (qu'até dava para se beber na falta do Vat 69), mas foi escusado que ninguém conhecia tal tratamento. Em boa verdade a coisa resultava se besuntada ao mesmo tempo que se tomava, pelos gorgomilos abaixo, uma generosa dose de gin Gordon's misturado com água tónica e cinco pedras de gelo... tudo servido em copo de cristal, feito a partir de qualquer garrafa, que levava óleo quente até ao tamanho pretendido e depois colocada em água fria, partia por aí.
Lá, a segunda parte do tratamento antibiotecário, fiz mas não tendo resultado, falei com um veterinário, que o não era então, aquando fur. mil. no QG do CTIG, expus-lhe a situação, deu-me uma pomada que usava no tratamento de equimoses nos cães e cadelas obviamente, e passou, eia... sus.
E em 1970 ou 71, fiz amizade, que se manteve por muitos e bons anos, com um Senhor Capitão, acabado de chegar do comando duma CART, operacional. Como não poderia deixar de ser, lá vieram as memórias e alguns relatos, embora a sua relutância pelo narrar coisas que lhe eram dolorosas, mesmo sendo Homem experimentado e esta tinha sido a sua 3.ª comissão.
Criámos um dia semanal para almoçarmos (nesta época os Bancos fechavam para almoço, das 12 às 14 h) e algumas vezes com outros seus camaradas, Oficiais do Quadro e com quem eu aprofundava o mais saber.
Em 1974, quando se deu a revolução, que tantos ódios (esperava-se o contrário e eu próprio, feito tonto, esperei mais amor, mas este foi-se e nunca mais voltou), que tantos ódios, repito, trouxe a este já pobre País, recebia-me ali no QG ali em S. Sebastião da Pedreira. Na porta d'armas identificava-me telefonavam... mandavam-me entrar até que, duas ou três vezes depois:
- Ah... é o "Capitão" Veríssimo... pode entrar... vem para o cafezinho com o Nosso Major.
Bom só vos digo que perante esta tão rápida promoção, até andava ao passo cansativo do bater no solo com os dois pés ao mesmo tempo e se mais tivesse mais bateria. Até a barriga ia mais pra dentro, qu'a cerveja estava dando resultados.
Depois? Pois depois, tornei-me rezingão e não tendo inimigos para combater, criei-os eu mesmo. Só eu tinha razão... só eu sabia e aqui terei necessitado de ajuda.
Foi um curto período mas após um curso de Análise Transacional proporcionado pelo meu patrão, lá dei a volta e consegui abandalhar-me mas com classe, acompanhando o País e o que aqui se passava.
(continua)
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão
O PÓS-GUINÉ 65/67
2 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL
Pois é... já lavei a cicatriz... guardei o cotão, (tem muito para contar e dará muito pano para mangas) mas vou continuar a falar de mim, da Guiné e até ao dia que me cortem o pio.
Continuarei a descrever uma vivida realidade... não falarei sobre as cicatrizes d'outros.
Manter-me-hei atento e venerador ao que escrevem... continuarei a ser o mais honesto possível... não criticarei abertamente seja quem for, mesmo que mais sábios e eruditos, do qu'a mim...
Aqui no blogue, pretende-se deixar algo para memória futura, eu tive a sorte de que publicassem aquelas minhas croniquetas d"OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", onde e de forma graciosa (pretensiosismo meu) contei o que vivi, sem sangue... sem botas com apenas pés lá dentro... sem corpos dos nossos cortados ao meio pelas balas ou minas inimigas.
Por aí não enveredarei, embora saiba fazê-lo pois que à 4ª classe tirada nas Aulas Regimentais, ajuntei depois mais alguma cultura, com quem era mesmo culto e falo do SENHOR Ferreira de Castro, escritor... dum Senhor Presidente do Brasil, exilado em Portugal e outros que direi um dia, e com quem tive o grato prazer de partilhar apertos de mão e conviver, enquanto "caixa" que fui no Banco onde desempenhei a função, com as mesmas, disciplina e hombridade, aprendidas no Exército.
Em boa verdade, a Guiné esteve sempre presente e continua, como ainda hoje 30/7/2013 ao ir no hospital para uma pequena cirurgia ao sobrolho, após ter caído na rua, sem que alguém me tocasse e apenas porque uma elevação de dois centímetros se opôs à minha passagem. O médico guineense com quem conversei e que vai abrir consultório em Bissau, apesar de tudo e sabendo que eu sou do Sporting, afinfou-me três pontos que permitirão ao meu clube, partir com esse avanço.
Anteriormente, e aquando dum grave problema de comichão na barriga, e deveras parecida com as borbulhagens da mata, e ainda, após dois meses de tratamentos com os melhores e mais dispendiosos, como se chamam?... como se chamam?... ah, já sei... dermatologistas pois então (estive alguns minutos a pensar... e quase a desistir).
Pois como ia a dizer, pedi que me dessem a mesinha da Guiné, que era apenas e só, o 1214 (qu'até dava para se beber na falta do Vat 69), mas foi escusado que ninguém conhecia tal tratamento. Em boa verdade a coisa resultava se besuntada ao mesmo tempo que se tomava, pelos gorgomilos abaixo, uma generosa dose de gin Gordon's misturado com água tónica e cinco pedras de gelo... tudo servido em copo de cristal, feito a partir de qualquer garrafa, que levava óleo quente até ao tamanho pretendido e depois colocada em água fria, partia por aí.
Lá, a segunda parte do tratamento antibiotecário, fiz mas não tendo resultado, falei com um veterinário, que o não era então, aquando fur. mil. no QG do CTIG, expus-lhe a situação, deu-me uma pomada que usava no tratamento de equimoses nos cães e cadelas obviamente, e passou, eia... sus.
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E em 1970 ou 71, fiz amizade, que se manteve por muitos e bons anos, com um Senhor Capitão, acabado de chegar do comando duma CART, operacional. Como não poderia deixar de ser, lá vieram as memórias e alguns relatos, embora a sua relutância pelo narrar coisas que lhe eram dolorosas, mesmo sendo Homem experimentado e esta tinha sido a sua 3.ª comissão.
Criámos um dia semanal para almoçarmos (nesta época os Bancos fechavam para almoço, das 12 às 14 h) e algumas vezes com outros seus camaradas, Oficiais do Quadro e com quem eu aprofundava o mais saber.
Em 1974, quando se deu a revolução, que tantos ódios (esperava-se o contrário e eu próprio, feito tonto, esperei mais amor, mas este foi-se e nunca mais voltou), que tantos ódios, repito, trouxe a este já pobre País, recebia-me ali no QG ali em S. Sebastião da Pedreira. Na porta d'armas identificava-me telefonavam... mandavam-me entrar até que, duas ou três vezes depois:
- Ah... é o "Capitão" Veríssimo... pode entrar... vem para o cafezinho com o Nosso Major.
Bom só vos digo que perante esta tão rápida promoção, até andava ao passo cansativo do bater no solo com os dois pés ao mesmo tempo e se mais tivesse mais bateria. Até a barriga ia mais pra dentro, qu'a cerveja estava dando resultados.
Depois? Pois depois, tornei-me rezingão e não tendo inimigos para combater, criei-os eu mesmo. Só eu tinha razão... só eu sabia e aqui terei necessitado de ajuda.
Foi um curto período mas após um curso de Análise Transacional proporcionado pelo meu patrão, lá dei a volta e consegui abandalhar-me mas com classe, acompanhando o País e o que aqui se passava.
(continua)
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão
Guiné 63/74 - P11930: Os nossos médicos (67): Maximino [José Vaz da] Cunha, natural de Chaves, ex-alf mil médico, BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto) e HM 241 (Bissau, 1968/70)
Há largos anos que, devido aos desencontros da vida, deixámos de nos ver e de conviver mas não de saber notícias um do outro,.. E o que pretendia de mim o Manel Zé, após estes anos todos? Tinha encontrado no nosso blogue uma referência a um colega de curso e amigo, o dr. Maximino Cunha, de seu nome completo, Maximino José Vaz da Cunha, natural de Chaves... E mais concretamente o Manuel Zé perguntou-me se eu tinha o telefone dele, presumindo que eu o conhecia, da Guiné... Como se vê, o Mundo é Pequeno e a nossaTabanca...é Grande!
A resposta que lhe dei, ao telefone, foi a seguinte: tinha ideia de se ter falado no nome desse médico, enquanto militar no TO da Guiné, mas não podia dar a certeza de que ele figurava no nosso blogue como membro da nossa Tabana Grande... Em todo o caso, prometi de imediato ajudá-lo a reencontrar o seu amigo e nosso camarada.
Ao fim da tarde, abri o computador e pus-me a fazer pesquisas no nosso blogue e na Net. Eis o que descobri:
20 de julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8580: Ordem de Serviço de 1970 do HM 241 de Bissau, uma relíquia com 41 anos (António Paiva)
(...) A Ordem de Serviço, de 02 de Abril de 70, diz assim: Dr. Maximino Cunha saiu do HM 241 ontem, dia 1, para o BCAÇ 2845, sua Unidade, para aguardar regresso à Metrópole, no T/T Niassa (...).
(...) A Ordem de Serviço, de 02 de Abril de 70, diz assim: Dr. Maximino Cunha saiu do HM 241 ontem, dia 1, para o BCAÇ 2845, sua Unidade, para aguardar regresso à Metrópole, no T/T Niassa (...).
Ficamos a saber que o nosso camarada, alferes miliciano médico, Maximino Cunha, trabalhou no HM 241, em Bissau, onde estava no final da sua comissão, em 1 de abril de 1970, e que pertencia ao BCAÇ 2845 [Teixeira Pinto, 1968/70)... Aliás, o Paiva e o Maximino Cun ha são da mesma altura, e seguramente que se conheceream, no HM 241.
O Albino Silva é seguramente a o camarada que está em melhores condições para nops dar o contacto do Dr. Maximino Cunha, a viver e a trabalhar em Chaves.
Dos médicos do seu batalhão, já ele aqui nos deu notícia, incluindo o Dr. Maximimo Cunha, que em 2011 ainda trabalhava no Hospital de Chaves:
(...) De novo a dar trabalho ao Carlos Vinhal, desta vez com mais umas fotos de médicos [vd. imagens supra] que foram meus camaradas em Teixeira Pinto. Deste dois que apresento nas fotos, apenas com o Prof. Dr. Maymone Martins mantenho contacto, e de longe a longe nos encontramos em Convívios da CCS. Com o Dr. Maximino [Cunha] nunca nos encontramos, mas sei que trabalha no Hospital em Chaves, pois recentemente estive em contacto com ele.
Dos doutores Bessa de Melo e Cruz Maurício, nunca mais se soube nada deles. É caso para lhes apelar a que compareçam no próximo Encontro marcado para o dia 5 de Maio de 2012 na Quinta dos Três Pinheiros na Mealhada, pois nos lembramos sempre de vós, e todos os queremos abraçar. (...).
Dos doutores Bessa de Melo e Cruz Maurício, nunca mais se soube nada deles. É caso para lhes apelar a que compareçam no próximo Encontro marcado para o dia 5 de Maio de 2012 na Quinta dos Três Pinheiros na Mealhada, pois nos lembramos sempre de vós, e todos os queremos abraçar. (...).
(iii) No nosso blogue fui ainda encontrar o seguinte poste do Jorge Teixeira (Portojo)
1 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10747: Blogues da nossa blogosfera (60): Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241, no Blogue Coisas da Vida (Jorge Teixeira - Portojo)
A próxima consulta foi ainda com o Doutor Maximino - que acabou por ser o meu médico até ao fim - para além dos RX, receitou-me comprimidos e uma injecção diária que era de ir aos arames. O líquido, mais ou menos da cor de jeropiga, quando entrava pareciam vidros. Ainda por cima o bruto do cabo enfermeiro, lá porque era pegador de touros, não fazia carinhos nenhuns. Fiquei com tanta raiva ao homem que só não veio da varanda abaixo porque não tinha cabedal para ele. Consegui ao fim de poucos dias que as injecções fossem substituídas por comprimidos. Passei a tomar 16 diários, aumentados às quintas-feiras com o quinino e as vitaminas. (…)
(...) A enfermaria estava localizada num ponto estratégico. Permitia-nos ver o heliporto e a chegada de evacuados. Certo dia lá chegou mais um heli e descarregou um barbudo. Dissemos para nós mais um fuza que se f..d... Mais tarde viemos a saber que era um cubano mercenário, o Capitão Peralta. O Hospital ficou cheio de comandos e o homem ficou num quarto com sentinelas à porta. Esta foto correu mundo e já foi identificada. (...)
(…)Voltando às minhas doenças, os pulmões estavam um pouco estragados por uma bronquite crónica e não só por causa do clima. O Dr. Maximino recomendou-me deixar de fumar, ou no pior dos casos fumar charuto. Não havia charutos mas as célebres Tiparillos, que passei a fumar. Depois novamente no mato não me estava a ver a andar com a cigarrilha na boca à Fidel, embora as comprasse no Bar de Catió e abusei delas uns bons tempos ainda.
(iv) Em comentário ao supracitado poste, P10747, o Manuel Carvalho escreveu:
Amigo Jorge: Em Catió tinhas dor de dentes mas não tinhas nenhuma doença. Foste para junto dos médicos, eram só doenças. O Dr. Maximino [Cunha] era do meu Batalhão, o [BCAÇ] 2845, e muita boa pessoa, mas eu, graças a Deus e que me lembre, nunca o vi. Temos muita conversa mas quando elas mordem lá vamos ter com eles. Estamos quase a chegar aos 67. Um abraço. Manuel Carvalho
Peço a todos os camaradas que tenham conhecido ou conheçam o Dr. Maximino Cunha, muito em particlar ao Albino Silva, que me contactem, através do endereço do email do blogue [ luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com ] para que me forneçam os contactos necessários. Sei que o nosso camarada Maximino Cunha continua a viver em Chaves. A todos muito obrigado pela eventual ajuda. Um grande abraço para o meu amigo Manel Zé.
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11849: Os nossos médicos (66): Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, incluindo um Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, oriundo de Moçambique, com militares quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de 'fósforo' (J. Pardete Ferreira)
O nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo) conta como, em Bissau, no HM 241, conheceu o Dr. Maximino Cunha... Aí vão alguns excertos:
(...) Como andava a sentir-me mal do estômago e aproveitando a estadia, pedi uma consulta médica. Não demorou muito tempo a ser atendido pelo Dr. Maximino Cunha (agradeço ao Albino Silva ter-me informado do nome do médico) que era do meu tempo, incorporado no Batalhão de Chaves. Não sei qual era, mas sei que era também o dos meus amigos Cancela e Mano Velho Carvalho. Só há pouco mais de quatro anos conheci estes bronqueiros.
(...) Como andava a sentir-me mal do estômago e aproveitando a estadia, pedi uma consulta médica. Não demorou muito tempo a ser atendido pelo Dr. Maximino Cunha (agradeço ao Albino Silva ter-me informado do nome do médico) que era do meu tempo, incorporado no Batalhão de Chaves. Não sei qual era, mas sei que era também o dos meus amigos Cancela e Mano Velho Carvalho. Só há pouco mais de quatro anos conheci estes bronqueiros.
Disse-me o médico para esquecer o estômago e irmos ver os pulmões. Mas isso só com internamento. Imaginem como fiquei.
(…) Finalmente consegui uma vaga na primeira enfermaria do lado esquerdo, com varanda e tudo.
A próxima consulta foi ainda com o Doutor Maximino - que acabou por ser o meu médico até ao fim - para além dos RX, receitou-me comprimidos e uma injecção diária que era de ir aos arames. O líquido, mais ou menos da cor de jeropiga, quando entrava pareciam vidros. Ainda por cima o bruto do cabo enfermeiro, lá porque era pegador de touros, não fazia carinhos nenhuns. Fiquei com tanta raiva ao homem que só não veio da varanda abaixo porque não tinha cabedal para ele. Consegui ao fim de poucos dias que as injecções fossem substituídas por comprimidos. Passei a tomar 16 diários, aumentados às quintas-feiras com o quinino e as vitaminas. (…)
(...) A enfermaria estava localizada num ponto estratégico. Permitia-nos ver o heliporto e a chegada de evacuados. Certo dia lá chegou mais um heli e descarregou um barbudo. Dissemos para nós mais um fuza que se f..d... Mais tarde viemos a saber que era um cubano mercenário, o Capitão Peralta. O Hospital ficou cheio de comandos e o homem ficou num quarto com sentinelas à porta. Esta foto correu mundo e já foi identificada. (...)
(…)Voltando às minhas doenças, os pulmões estavam um pouco estragados por uma bronquite crónica e não só por causa do clima. O Dr. Maximino recomendou-me deixar de fumar, ou no pior dos casos fumar charuto. Não havia charutos mas as célebres Tiparillos, que passei a fumar. Depois novamente no mato não me estava a ver a andar com a cigarrilha na boca à Fidel, embora as comprasse no Bar de Catió e abusei delas uns bons tempos ainda.
Estava por resolver o caso do meu estômago, que depois de tomar a horrível papa, foi-me diagnosticada uma gastrite aguda.
(…) Lembrava-me do meu pessoal de quem estava afastado há 3 meses. Como era o único sargento e responsável pelo pelotão (o Oliveira aos 16 meses foi fazer um curso de artilharia em troca comigo e só o voltei a ver próximo do dia do embarque em Abril) tinha a obrigação de tratar das burocracias. Sempre eram mais de 30 homens e tinha um mês para isso. Os meus palpites não bateram certo, mas isso são outras estórias. O médico, contrariado, notei, deu-me alta e muitos conselhos. Não me chamou burro mas subentendi. Enfim, médicos... Aguardei no hospital que houvesse transporte aéreo para Catió, o que aconteceu no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara e da Artilharia. A minha rapaziada recebeu-me com carinho e à espera de matar a sede, que a água da bolanha andava muito salgada. Mas vamos à vida que o próximo barco é o nosso. (...)
(…) Lembrava-me do meu pessoal de quem estava afastado há 3 meses. Como era o único sargento e responsável pelo pelotão (o Oliveira aos 16 meses foi fazer um curso de artilharia em troca comigo e só o voltei a ver próximo do dia do embarque em Abril) tinha a obrigação de tratar das burocracias. Sempre eram mais de 30 homens e tinha um mês para isso. Os meus palpites não bateram certo, mas isso são outras estórias. O médico, contrariado, notei, deu-me alta e muitos conselhos. Não me chamou burro mas subentendi. Enfim, médicos... Aguardei no hospital que houvesse transporte aéreo para Catió, o que aconteceu no dia 4 de Dezembro, dia de Santa Bárbara e da Artilharia. A minha rapaziada recebeu-me com carinho e à espera de matar a sede, que a água da bolanha andava muito salgada. Mas vamos à vida que o próximo barco é o nosso. (...)
(iv) Em comentário ao supracitado poste, P10747, o Manuel Carvalho escreveu:
Amigo Jorge: Em Catió tinhas dor de dentes mas não tinhas nenhuma doença. Foste para junto dos médicos, eram só doenças. O Dr. Maximino [Cunha] era do meu Batalhão, o [BCAÇ] 2845, e muita boa pessoa, mas eu, graças a Deus e que me lembre, nunca o vi. Temos muita conversa mas quando elas mordem lá vamos ter com eles. Estamos quase a chegar aos 67. Um abraço. Manuel Carvalho
(v) Finalmente, e pesquisando na Net, encontrei no JN - Jornal de Notícas, de 7/2/2010, uma referência ao Dr. Maximino Cunha, no artigo "Solidários em nome da saúde", com o subtítulo: "Os beneméritos da Medicina dos tempos modernos são cada vez menos, mas a crise e o desemprego podem fazer renascer o trabalho voluntário".
O trabalho é assinado por Margarida Lúzio, Glória Lopes, Teixeira Correia e Carlos Rui Abreu. Aqui vão alguns excertos (com a devida vénia...):
O trabalho é assinado por Margarida Lúzio, Glória Lopes, Teixeira Correia e Carlos Rui Abreu. Aqui vão alguns excertos (com a devida vénia...):
(...) A avó materna, galega e católica da cabeça aos pés, queria que fosse padre. Ele queria emigrar. Para os Estados Unidos. No fim, nem uma coisa, nem outra. O pai, bancário, começaria a ganhar melhor e Maximino Cunha haveria de rumar de Chaves para Coimbra e, depois, para Lisboa. E assim se faria médico. E comunista.
A opção política condicionou-lhe a progressão na carreira. "Antes do 25 de Abril, nunca pude aceder a nenhum lugar do Estado", recorda. Mas haveria também de marcar a forma de exercer a profissão. Já doutor, regressou a Chaves por castigo (político). "Julgo que não sabiam que me estavam a mandar para a minha terra natal".
Nessa altura, depois do serviço clínico no quartel, Maximino Cunha exercia Medicina privada. Muitas vezes sem cobrar. "Sabia perfeitamente que não tinham dinheiro para me pagar. Ah, quantas vezes!", lembra. E justifica: "Se não fosse sensível à pobreza não seria comunista". Hoje, garante que este tipo de casos são cada vez mais raros, mas teme que a crise os possa fazer renascer. "Provavelmente vão aparecer por causa do desemprego e da crise ".
O consultório, em casa, não está identificado. "A publicidade são os doentes que a fazem". Não tem computador. Olha para os doentes. A tabela de preços, no corredor, está em euros e escudos. 40 (8 contos) na primeira consulta e 30 na segunda e seguintes. João Semana puro, talvez não, mas com uma costela, certamente. (...)
2. Comentário de L.G.:
A opção política condicionou-lhe a progressão na carreira. "Antes do 25 de Abril, nunca pude aceder a nenhum lugar do Estado", recorda. Mas haveria também de marcar a forma de exercer a profissão. Já doutor, regressou a Chaves por castigo (político). "Julgo que não sabiam que me estavam a mandar para a minha terra natal".
Nessa altura, depois do serviço clínico no quartel, Maximino Cunha exercia Medicina privada. Muitas vezes sem cobrar. "Sabia perfeitamente que não tinham dinheiro para me pagar. Ah, quantas vezes!", lembra. E justifica: "Se não fosse sensível à pobreza não seria comunista". Hoje, garante que este tipo de casos são cada vez mais raros, mas teme que a crise os possa fazer renascer. "Provavelmente vão aparecer por causa do desemprego e da crise ".
O consultório, em casa, não está identificado. "A publicidade são os doentes que a fazem". Não tem computador. Olha para os doentes. A tabela de preços, no corredor, está em euros e escudos. 40 (8 contos) na primeira consulta e 30 na segunda e seguintes. João Semana puro, talvez não, mas com uma costela, certamente. (...)
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11849: Os nossos médicos (66): Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, incluindo um Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, oriundo de Moçambique, com militares quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de 'fósforo' (J. Pardete Ferreira)
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Guiné 63/74 - P11929: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (12): Fotos do Cap Op Esp Fernando Assunção Silva em confraternização com oficiais e sargentos sob o seu comando
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 31 de Julho de 2013:
Caríssimos Carlos/Luís,
Cordiais saudações.
Através desta nossa GRANDE TABANCA, recebi um e-mail (quarenta e um anos depois) de um velho amigo de Coimbra, que também foi premiado com umas férias nesse magnífico balneário às margens do Rio Sapo. Assim, fui raspar o fundo do baú, e recuperei essas fotos do saudoso Capitão de Operações Especiais Fernando Assunção Silva, confraternizando com Oficiais e Sargentos (CCAÇ 2796, Pel Rec Fox 2260 e 23° Pel Art) sob seu Comando, na messe.
Forte abraço
Vasco Pires
Outras fotos:
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Nota do editor:
Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11858: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (11): Terra firme e o pântano - Dois grandes líderes, Cap Op Esp Fernando Assunção Silva e ex-Cap Art.ª António Carlos Morais Silva
Caríssimos Carlos/Luís,
Cordiais saudações.
Através desta nossa GRANDE TABANCA, recebi um e-mail (quarenta e um anos depois) de um velho amigo de Coimbra, que também foi premiado com umas férias nesse magnífico balneário às margens do Rio Sapo. Assim, fui raspar o fundo do baú, e recuperei essas fotos do saudoso Capitão de Operações Especiais Fernando Assunção Silva, confraternizando com Oficiais e Sargentos (CCAÇ 2796, Pel Rec Fox 2260 e 23° Pel Art) sob seu Comando, na messe.
Forte abraço
Vasco Pires
Outras fotos:
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Nota do editor:
Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11858: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (11): Terra firme e o pântano - Dois grandes líderes, Cap Op Esp Fernando Assunção Silva e ex-Cap Art.ª António Carlos Morais Silva
Guiné 63/74 - P11928: Fotos à procura... de uma legenda (22): Os régulos felupes de Djufunco e os seus banquinhos onde mais ninguém se pode sentar (sob pena de morte!) (José Teixeira)
Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Djufunco > 9 de maio de 2013 > Foto nº 21 > Os régulos da tabanca, felupes, Alberto Sambú (o mais novo, que vai á frente, vestido de verde) e o Necolá Djata (o mais velho, vestido de vermelho, que vai atrás)... Para que ninguém ouse sentar-se no banco dos régulos (, sob pena de morte!) , estes têm o cuidado de o trazerem sempre consigo, como se pode ver nesta foto em que acompanham os tugas na visita à tabanca. O mais novo ainda se faz acompanhar de uma vassourinha para limpar a terra e areia dos pés. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho. (JT)
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Ediçãor: LG]
1. Comentário de L.G.: Alguém quer complementar a legenda do José Teixeira, aventurando-se numa tentativa de explicação, mais etnológica, deste "tabu" (é proibido sentar-se no banco do régulo, sob pena de morte) ? É um passatempo de verão, para estes dias de canícula... Os editores, mais ou menos em férias, agradecem... e desafiam os especialistas em usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné-Bissau...
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1. Comentário de L.G.: Alguém quer complementar a legenda do José Teixeira, aventurando-se numa tentativa de explicação, mais etnológica, deste "tabu" (é proibido sentar-se no banco do régulo, sob pena de morte) ? É um passatempo de verão, para estes dias de canícula... Os editores, mais ou menos em férias, agradecem... e desafiam os especialistas em usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné-Bissau...
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Nota do editor
sábado, 10 de agosto de 2013
Guiné 63/74 - P11927: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (2): A viagem para a Guiné
1. Segundo episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:
A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado
No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.
CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES
ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU
2 - A VIAGEM PARA A GUINÉ
As imagens repetidamente difundidas pela RTP dos embarques de militares com destino às colónias enraizaram a ideia da inevitabilidade de que um dia chegaria a nossa vez. E no dia 17/05/1970 no Cais de Alcântara encontramo-nos defronte do velho “Carvalho Araújo”, a bordo do qual seríamos transportados para a Guiné.
Na azáfama do embarque assalta-me a estranha sensação de rotura iminente com o meu passado. Percebi, como em nenhum outro momento da minha vida, que o meu futuro estava somente nas minhas mãos e na minha capacidade e instinto de sobrevivência.
Eras ainda nesse momento, camarada, devido ao nosso paralelo percurso militar e à forte amizade alicerçada na identificação em valores comuns, o único elemento de apoio com que contava perante o futuro próximo que se percebia difícil.
Assistimos na amurada do navio aos acenos com que, familiares e amigos, se despediam de alguns de nós. Como eu desejava encontrar naquela pequena multidão um aceno que me fosse dirigido embora, já soubesse que tal não seria possível. Não consegui evitar um enorme vazio e uma dor tão funda que só os que muito amam os que ficam, podem sentir. Mantivemo-nos praticamente todos na amurada até que deixamos de ter a terra à vista. Ampliamos a nossa capacidade de alcance visual, quase como quem se recusa aceitar o afastamento que se estava a consumar. Ainda com este estado de alma, fomos chamados para a primeira refeição a bordo.
Lembram-se camaradas como nos congratulamos com o “fígado de cebolada com batatas cozidas”? Estávamos perante um manjar dos deuses, depois de semanas a “ração de combate” e de refeições miseráveis que nos serviam em Viana do Castelo durante o IAO.
Depois da avalanche de emoções geradas pela partida, esta primeira refeição foi uma nota positiva para adoçar a adaptação às novas rotinas a bordo.
O nosso Mundo era agora o navio e, à medida que as horas foram passando tomamos consciência da forma desumana como estávamos a ser transportados, principalmente as praças. Ao que nos disseram depois, o velho “Carvalho Araújo” era usado no transporte de gado bovino entra as Ilhas Açorianas e entre estas e o Continente. Constatamos esta realidade quando visitamos os “aposentos” de alguns camaradas que viajavam nos porões, onde haviam sido construídos beliches em madeira a toda a altura dos mesmos e, se percebia ainda o odor a fezes dos bovinos.
Triste sorte a de muitos que, resignados, aceitavam passivamente esta realidade, como se aceitava a incerteza das contingências da guerra que nos esperava. Do entusiasmo pela primeira refeição, passei à tortura dos enjoos que tornaram intragável qualquer refeição que, noutras circunstâncias poderia ser deliciosa.
Por curiosidade e necessidade desloquei-me à descoberta da enfermaria do navio para encontrar remédio para os meus males. Apesar de medicado, foi pouco o alívio conseguido. A maioria das praças repartia-se diariamente pelo convés, dispersos em pequenos grupos, ocupados no passatempo predilecto para entreter o tempo “a lerpa”. Eram frequentes manifestações de euforia e de quando em vez alguns impropérios quando as coisas davam para o torto.
E neste rodar do tempo a distância para o nosso destino encurtava a cada hora. Sensivelmente a meio da viagem, quando o sol já se havia escondido, fomos surpreendidos por belas imagens em que eram visíveis com nitidez as iluminações daquilo que nos pareciam ser avenidas marginais. Passávamos junto às Ilhas Canárias e alguns vaticinavam que as imagens seriam de Las Palmas.
Por esta altura, fomos todos bruscamente alertados para uma situação de emergência. A aflição na procura dos coletes de salvamento e do local à proa e à ré que nos foram sendo indicados, indiciavam que era um treino de emergência ou seria, como alguns já afirmavam, um incêndio a bordo. Acreditem camaradas, nunca cheguei a saber qual a verdadeira razão para tanto aparato, mas não há dúvida que criou a bordo um clima muito tenso e preocupante.
No alvorecer de mais um dia a bordo fomos mais uma vez surpreendidos com “terra á vista”. Será a Guiné, interrogavam-se alguns?
O navio apontava a proa para entrar numa grande baía, rodeada de montes escarpados e agrestes, sem qualquer vegetação visível e, ponteada aqui e ali de velhas carcaças de embarcações de razoável porte e em que se aconchegava uma povoação de aspecto simples e acolhedor.
Chegamos à Ilha de S. Vicente e à cidade de Mindelo em Cabo Verde.
Desembarcamos para algumas horas de descontracção em terra firme e logo nos fizemos ao caminho até a Cidade. No pequeno estabelecimento em que entrou o nosso grupo começaram a saltar as cápsulas das garrafas de cerveja e foram saboreadas as poucas bananas da terra que estavam expostas no balcão. Ao entardecer a viagem prosseguiu.
Sentíamos a proximidade da costa continental africana e, se dúvidas houvesse, bastava sentir o quanto escaldava a certas horas o varandim de madeira da amurada do navio, da imensa quantidade de algas que flutuavam no mar com se de ilhas vegetais se tratasse e, dos peixes voadores que apareciam como por encanto.
Por estes sinais e pelo que nos dizia o instinto, o nosso destino aproximava-se rapidamente. Até que os nossos olhares começarem a distinguir palmeiras e casario razoavelmente alinhado.
Decorria o dia 25 de Maio de 1970 e tínhamos Bissau à vista.
A curiosidade e o medo do desconhecido dominavam as nossas emoções.
(Continua)
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 31 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11893: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (1): Mobilização
A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado
No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.
CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES
ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU
2 - A VIAGEM PARA A GUINÉ
As imagens repetidamente difundidas pela RTP dos embarques de militares com destino às colónias enraizaram a ideia da inevitabilidade de que um dia chegaria a nossa vez. E no dia 17/05/1970 no Cais de Alcântara encontramo-nos defronte do velho “Carvalho Araújo”, a bordo do qual seríamos transportados para a Guiné.
Na azáfama do embarque assalta-me a estranha sensação de rotura iminente com o meu passado. Percebi, como em nenhum outro momento da minha vida, que o meu futuro estava somente nas minhas mãos e na minha capacidade e instinto de sobrevivência.
Eras ainda nesse momento, camarada, devido ao nosso paralelo percurso militar e à forte amizade alicerçada na identificação em valores comuns, o único elemento de apoio com que contava perante o futuro próximo que se percebia difícil.
"Carvalho Araújo"
Foto de António Garcia de Matos
Assistimos na amurada do navio aos acenos com que, familiares e amigos, se despediam de alguns de nós. Como eu desejava encontrar naquela pequena multidão um aceno que me fosse dirigido embora, já soubesse que tal não seria possível. Não consegui evitar um enorme vazio e uma dor tão funda que só os que muito amam os que ficam, podem sentir. Mantivemo-nos praticamente todos na amurada até que deixamos de ter a terra à vista. Ampliamos a nossa capacidade de alcance visual, quase como quem se recusa aceitar o afastamento que se estava a consumar. Ainda com este estado de alma, fomos chamados para a primeira refeição a bordo.
Lembram-se camaradas como nos congratulamos com o “fígado de cebolada com batatas cozidas”? Estávamos perante um manjar dos deuses, depois de semanas a “ração de combate” e de refeições miseráveis que nos serviam em Viana do Castelo durante o IAO.
Depois da avalanche de emoções geradas pela partida, esta primeira refeição foi uma nota positiva para adoçar a adaptação às novas rotinas a bordo.
O nosso Mundo era agora o navio e, à medida que as horas foram passando tomamos consciência da forma desumana como estávamos a ser transportados, principalmente as praças. Ao que nos disseram depois, o velho “Carvalho Araújo” era usado no transporte de gado bovino entra as Ilhas Açorianas e entre estas e o Continente. Constatamos esta realidade quando visitamos os “aposentos” de alguns camaradas que viajavam nos porões, onde haviam sido construídos beliches em madeira a toda a altura dos mesmos e, se percebia ainda o odor a fezes dos bovinos.
Triste sorte a de muitos que, resignados, aceitavam passivamente esta realidade, como se aceitava a incerteza das contingências da guerra que nos esperava. Do entusiasmo pela primeira refeição, passei à tortura dos enjoos que tornaram intragável qualquer refeição que, noutras circunstâncias poderia ser deliciosa.
Por curiosidade e necessidade desloquei-me à descoberta da enfermaria do navio para encontrar remédio para os meus males. Apesar de medicado, foi pouco o alívio conseguido. A maioria das praças repartia-se diariamente pelo convés, dispersos em pequenos grupos, ocupados no passatempo predilecto para entreter o tempo “a lerpa”. Eram frequentes manifestações de euforia e de quando em vez alguns impropérios quando as coisas davam para o torto.
E neste rodar do tempo a distância para o nosso destino encurtava a cada hora. Sensivelmente a meio da viagem, quando o sol já se havia escondido, fomos surpreendidos por belas imagens em que eram visíveis com nitidez as iluminações daquilo que nos pareciam ser avenidas marginais. Passávamos junto às Ilhas Canárias e alguns vaticinavam que as imagens seriam de Las Palmas.
Por esta altura, fomos todos bruscamente alertados para uma situação de emergência. A aflição na procura dos coletes de salvamento e do local à proa e à ré que nos foram sendo indicados, indiciavam que era um treino de emergência ou seria, como alguns já afirmavam, um incêndio a bordo. Acreditem camaradas, nunca cheguei a saber qual a verdadeira razão para tanto aparato, mas não há dúvida que criou a bordo um clima muito tenso e preocupante.
No alvorecer de mais um dia a bordo fomos mais uma vez surpreendidos com “terra á vista”. Será a Guiné, interrogavam-se alguns?
O navio apontava a proa para entrar numa grande baía, rodeada de montes escarpados e agrestes, sem qualquer vegetação visível e, ponteada aqui e ali de velhas carcaças de embarcações de razoável porte e em que se aconchegava uma povoação de aspecto simples e acolhedor.
Chegamos à Ilha de S. Vicente e à cidade de Mindelo em Cabo Verde.
Desembarcamos para algumas horas de descontracção em terra firme e logo nos fizemos ao caminho até a Cidade. No pequeno estabelecimento em que entrou o nosso grupo começaram a saltar as cápsulas das garrafas de cerveja e foram saboreadas as poucas bananas da terra que estavam expostas no balcão. Ao entardecer a viagem prosseguiu.
Sentíamos a proximidade da costa continental africana e, se dúvidas houvesse, bastava sentir o quanto escaldava a certas horas o varandim de madeira da amurada do navio, da imensa quantidade de algas que flutuavam no mar com se de ilhas vegetais se tratasse e, dos peixes voadores que apareciam como por encanto.
Por estes sinais e pelo que nos dizia o instinto, o nosso destino aproximava-se rapidamente. Até que os nossos olhares começarem a distinguir palmeiras e casario razoavelmente alinhado.
Decorria o dia 25 de Maio de 1970 e tínhamos Bissau à vista.
A curiosidade e o medo do desconhecido dominavam as nossas emoções.
Guiné > Bissau > s/d > Vista aérea parcial e Ilhéu do Rei.
Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 142". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).(Continua)
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Nota do editor
Primeiro poste da série de 31 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11893: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (1): Mobilização
Guiné 63/74 - P11926: In Memoriam (157): Luís Filipe Borrega - † 10 Agosto 2013, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72)
CADA VEZ SOMOS MENOS
LUÍS FILIPE BORREGA
Ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 - Piche, 1970/72
N. 27 de Setembro de 1948 - † 10 de Agosto de 2013
Nota de M.R.:
Ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 - Piche, 1970/72
N. 27 de Setembro de 1948 - † 10 de Agosto de 2013
É uma frase que nos arrepia ”Cada vez somos menos”. Ainda estamos a recuperar da notícia do falecimento do Manuel da Silva Marcelino e acabamos de saber, pela página do facebook: Voz dos Combatentes, que o nosso Camarada Luís Filipe Borrega, faleceu hoje, dia 10 de Agosto, por volta das 10H30, vítima de problemas cardíacos.
Era um tabanquista de peso, colaborador e habitual comentador deste blogue, tendo enriquecido sobremodo este nosso virtual “aquartelamento” brindando-nos e legando-nos o seu valioso testemunho em vários postes, que podem ser vistos clicando no seguinte link:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Lu%C3%ADs%20Borrega.
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Lu%C3%ADs%20Borrega.
A propósito, pessoalmente, gostei muito de uma sua mensagem que muito diz do seu grau de camaradagem e amigável personalidade, publicada em 26 DE OUTUBRO DE 2009 > Guiné 63/74 - P5161: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (11): Operação Tripas na Cidade Invicta (Luís Borrega)
Em nome dos editores e demais Camaradas desta imensa tertúlia, resta-nos endereçar à enlutada família, esposa e filhos, as nossas mais profundas condolências e sentidos pêsames.
2. Comentário do editor:
Vamos endereçar uma mensagem aos Camaradas desta tertúlia dando conhecimento da infausta notícia, sensibilizando também os camaradas de Setúbal e Arredores que tenham oportunidade de estar presentes, compareçam nas cerimónias fúnebres deste nosso camarada: Luís Borrega.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
7 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11912: In Memoriam (156): Manuel da Silva Marcelino Martins - N. 28 Outubro 1950 - † 07 Agosto 2013, Ex-Fur Mil Enf.º do HM 241 (Bissau, 1973/74) (José Martins)
Guiné 63/74 - P11925: Da Suécia com saudade (38): O que é feito de vocês, velhos camaradas e amigos ? (José Belo)
1. Mensagem de José Belo, o lusolapão:
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Data: 9 de Agosto de 2013 às 15:44
Assunto: "A título de despedidas"....para MAIS Férias!
Mas,"de gustibus et coloribus non disputandum" [, Gostos e cores não se discutem].
Surgem entäo críticas "umbilicais", lidas por uns como humor mais ou menos seco, por outros como ataques quase pessoais.
Nas suas diversidades fazem falta para o convívio interessante que este tem sido, e num espaço de tempo notável para um blog tão específico.
Ao recordar nomes e intervencöes sente-se por vezes quase a necessidade de efectuar uma "Formatura-de-Chamada"....näo "Do Recolher", mas "De Alvorada". Um grande abraço aos Amigos.
Joseph Belo
PS - Novo E-mail dos States, é o que envio aos editores... E esta é a nova morada da Tabanca da Lapónia, depois de "bombardeada" por fanáticos islamistas....laplandkeywest.blogspot.com/
Assunto: "A título de despedidas"....para MAIS Férias!
Dúvidas.
Seräo os cortes umbilicais dolorosos para os recém-nascidos? As pequenas, grandes divergências quanto a tamanhos dos umbigos...talvez.
Tendo em conta os parâmetros estabelecidos pelos Editores do blog (mais ou menos cumpridos na generalidade), por vezes surpreendemo-nos com algumas das excepçöes.
Mas,"de gustibus et coloribus non disputandum" [, Gostos e cores não se discutem].
Surgem entäo críticas "umbilicais", lidas por uns como humor mais ou menos seco, por outros como ataques quase pessoais.
Para nós, que nos temos uns aos outros, por se verificar ter a sociedade actual uma ideia muito própria dos ex-combatentes coloniais, será de lamentar que detalhes "fisiológicos" levem a afastamentos e à diminuição das contribuições de alguns dos Camaradas que, desde já há largos anos, nos habituáramos a seguir neste blog.
Nas suas diversidades fazem falta para o convívio interessante que este tem sido, e num espaço de tempo notável para um blog tão específico.
Ao recordar nomes e intervencöes sente-se por vezes quase a necessidade de efectuar uma "Formatura-de-Chamada"....näo "Do Recolher", mas "De Alvorada". Um grande abraço aos Amigos.
Joseph Belo
PS - Novo E-mail dos States, é o que envio aos editores... E esta é a nova morada da Tabanca da Lapónia, depois de "bombardeada" por fanáticos islamistas....laplandkeywest.blogspot.com/
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Nota do editor:
Último poste da série > 11 de junho de 2013 >Guiné 63/74 - P11694: Da Suécia com saudade (37): Falando com jovens médicos militares, no círculo polar ártico, sobre a preparação dos nossos médicos no tempo da guerra colonial... (José Belo)
Último poste da série > 11 de junho de 2013 >Guiné 63/74 - P11694: Da Suécia com saudade (37): Falando com jovens médicos militares, no círculo polar ártico, sobre a preparação dos nossos médicos no tempo da guerra colonial... (José Belo)
Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Tony Borié)
Vigésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
Em novo, tinha andado com o pai e o irmão mais novo ao mar, uns dias dava boa pescaria, outros não dava, mas isso não era o importante, no fim do dia continuavam a beber na taverna do “Manhoso”, se houvesse dinheiro, pagavam e ofereciam um copo ao próprio “Manhoso”. Se não houvesse dinheiro, mandavam apontar no livro. No verão, quando um circo visitava a vila, ele ia ajudar a montar a tenda e ficava por ali, gostavam dele, pois além de ajudar era uma espécie de comunicador entre a população da vila e o pessoal do circo, ensinavam-lhe algumas habilidades e truques mágicos com que deliciava os companheiros.
Chamavam-lhe “O Marafado”, já falámos dele aqui, cantava uns fados, de tal maneira desafinados, que não se podiam ouvir, bebia vinho e fumava cigarros “Três Vintes”, era pequeno na estatura e moreno, talvez por andar sempre sem camisa. Era oriundo do Algarve, e em certa medida era comunicador e tinha alguma alegria, mas depois da cena que presenciou, com a morte de uns prisioneiros, que depois de mortos, ele e o Cifra, sempre ficaram com a ideia de que foram queimados e enterrados numa vala, nunca mais foi o mesmo. Cumpria as suas obrigações, nunca largava o seu rádio portátil, falava quando era necessário, evitava os contactos e conversas, vivia no seu mundo de silêncio, e alguns companheiros diziam-lhe:
- O Marafado, já está apanhado!
O Cifra sabia de que era derivado o seu silêncio, mas sempre respeitou e compreendeu a sua atitude. De algumas conversas que mantinha com o Cifra, dizia:
- Não sou pessoa de estar aqui preso, não sou pássaro de gaiola, preciso de ver o mar, fui pescador, isto está a matar-me aos poucos, o silêncio faz-me algum bem, pois fecho os olhos e penso na praia e no mar azul que deixei, quando vou para o mato, para mim, às vezes é bom, vejo a água dos rios e das bolanhas, e o verde das matas, estou aos poucos a odiar isto e também Portugal, assim que regressar, se regressar, vou fugir, vou emigrar.
Estas palavras eram ditas com convicção de quem sabe o que quer, eram directas, não admitiam argumentos e terminava quase sempre dizendo:
- Não falo, e quem me proibiu foi Portugal, ao matar aqueles desgraçados, a “sangue frio”, durante os interrogatórios!. Só tu e eu é que sabemos a verdade.
Muitas vezes questionou o Cifra, se conhecia algum contacto para fugir e “ir no mato”, mas o Cifra sempre lhe disse para tentar sobreviver, que iria regressar a Portugal.
Mais tarde o Cifra encontrou-o na diáspora, conviveu com ele e com a sua família, durante o tempo em que viveu na mesma cidade. Guardou a sua história, que é a história de mais um emigrante que abandonou o sol de Portugal, à beira mar plantado, para ir para o frio, à aventura, sozinho, na procura de um futuro que lhe desse algum bem-estar e o fizesse esquecer a guerra, o fizesse esquecer Mansoa, Olossato, Mansabá, Bissorã, a África, com chão de terra vermelha, que como tantos de nós, nunca esqueceu e que traz sempre dentro de si.
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Nota do editor
Último poste da série de 6 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11911: Bom ou mau tempo na bolanha (24): Fala mentira (Toni Borié)
Em novo, tinha andado com o pai e o irmão mais novo ao mar, uns dias dava boa pescaria, outros não dava, mas isso não era o importante, no fim do dia continuavam a beber na taverna do “Manhoso”, se houvesse dinheiro, pagavam e ofereciam um copo ao próprio “Manhoso”. Se não houvesse dinheiro, mandavam apontar no livro. No verão, quando um circo visitava a vila, ele ia ajudar a montar a tenda e ficava por ali, gostavam dele, pois além de ajudar era uma espécie de comunicador entre a população da vila e o pessoal do circo, ensinavam-lhe algumas habilidades e truques mágicos com que deliciava os companheiros.
Chamavam-lhe “O Marafado”, já falámos dele aqui, cantava uns fados, de tal maneira desafinados, que não se podiam ouvir, bebia vinho e fumava cigarros “Três Vintes”, era pequeno na estatura e moreno, talvez por andar sempre sem camisa. Era oriundo do Algarve, e em certa medida era comunicador e tinha alguma alegria, mas depois da cena que presenciou, com a morte de uns prisioneiros, que depois de mortos, ele e o Cifra, sempre ficaram com a ideia de que foram queimados e enterrados numa vala, nunca mais foi o mesmo. Cumpria as suas obrigações, nunca largava o seu rádio portátil, falava quando era necessário, evitava os contactos e conversas, vivia no seu mundo de silêncio, e alguns companheiros diziam-lhe:
- O Marafado, já está apanhado!
O Cifra sabia de que era derivado o seu silêncio, mas sempre respeitou e compreendeu a sua atitude. De algumas conversas que mantinha com o Cifra, dizia:
- Não sou pessoa de estar aqui preso, não sou pássaro de gaiola, preciso de ver o mar, fui pescador, isto está a matar-me aos poucos, o silêncio faz-me algum bem, pois fecho os olhos e penso na praia e no mar azul que deixei, quando vou para o mato, para mim, às vezes é bom, vejo a água dos rios e das bolanhas, e o verde das matas, estou aos poucos a odiar isto e também Portugal, assim que regressar, se regressar, vou fugir, vou emigrar.
Estas palavras eram ditas com convicção de quem sabe o que quer, eram directas, não admitiam argumentos e terminava quase sempre dizendo:
- Não falo, e quem me proibiu foi Portugal, ao matar aqueles desgraçados, a “sangue frio”, durante os interrogatórios!. Só tu e eu é que sabemos a verdade.
Muitas vezes questionou o Cifra, se conhecia algum contacto para fugir e “ir no mato”, mas o Cifra sempre lhe disse para tentar sobreviver, que iria regressar a Portugal.
Mais tarde o Cifra encontrou-o na diáspora, conviveu com ele e com a sua família, durante o tempo em que viveu na mesma cidade. Guardou a sua história, que é a história de mais um emigrante que abandonou o sol de Portugal, à beira mar plantado, para ir para o frio, à aventura, sozinho, na procura de um futuro que lhe desse algum bem-estar e o fizesse esquecer a guerra, o fizesse esquecer Mansoa, Olossato, Mansabá, Bissorã, a África, com chão de terra vermelha, que como tantos de nós, nunca esqueceu e que traz sempre dentro de si.
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Nota do editor
Último poste da série de 6 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11911: Bom ou mau tempo na bolanha (24): Fala mentira (Toni Borié)
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