sábado, 25 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14520: Memórias de Gabú (José Saúde) (54): Amarras do medo



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua magnífica série.

As minhas memórias de Gabu
Amarras do medo

Manietados pelas amarras do medo, fomos antigos combatentes que, não obstante a nossa jovialidade, conhecemos os horripilantes terrores da guerra colonial. No horizonte de além-mar vislumbravam-se, a espaços, sinais de esperança. Uma esperança por todos ambicionada e literalmente com honra concretizada.

Porquê estas breves palavras de liberdade? Há 41 anos que as armas justamente se calaram nas antigas províncias ultramarinas. Eu, furriel miliciano de Operações Especiais/Ranger, tive o condão em pertencer a uma lista imensa de camaradas que prestávamos serviço militar obrigatório na Guiné.

Em Gabu cruzei a guerra com a paz. Vivi intensamente os momentos que se seguiram após a Revolução dos Cravos. Os primeiros contactos com os guerrilheiros do PAIGC e o subsequente duvidar da facilidade deparada. Estávamos em liberdade e o inimigo de ontem eram os homens que agora conviviam libertos das amarras do medo.

Lembro-me de as cavaqueiras, precisamente no bar de sargentos de Nova Lamego, entre antigos opositores no palanque da peleja. Recordo, infelizmente, as armas que outrora serviram, única e exclusivamente, para matar outros homens. Os confrontos diretos onde os horripilantes sons das armas se difundiam num horizonte manchado pela negridão de uma África sempre harmoniosa. Porra, porquê aquela malvada guerra? O regime novo assim o ordenava e nós lá partíamos desconhecendo o destino.

Escalpelizando esses enviesados trilhos guineenses, somos forçados a mergulhar em realidades que tendem cair no limbo do esquecimento, essencialmente por parte daqueles que fogem do tema como o diabo foge da cruz. Não fomos e não seremos reconhecidos por uma gentalha de malfeitores que desconhece o sofrimento dos soldados portugueses nas “trincheiras”. Ponto final.

Todavia, existe uma certeza que ainda nos prende o coração: miúdos de 20, 21, 22 e 23 anos foram heróis numa guerra para a qual foram atirados à força e mal preparados para lidar com a guerrilha.

Conheci essa indesmentível verdade. Coloco-me, justamente, no leque de “putos” que tinham como missão comandar outros “putos” apesar do momento hostil vivido. Não temiam a imprevisibilidade da densidade de um mato que escondia inesperados encontros sempre indesejados. Iam em frente. Desafiavam o medo. 

O 25 de Abril foi o momento solene para todos os camaradas que combatiam nas três frentes de guerra - Angola, Moçambique e Guiné - se libertassem das amarras do medo e gritassem bem alto “viva a liberdade”.

Os alaridos das armas deram então lugar às tréguas. Os inimigos definiam-se em abraços fraternos. Porém, existia em cada um de nós uma imensurável raiva do passado. Revíamos os camaradas mortos, os estropiados, os feridos com menos gravidade e desconhecíamos o futuro. Um futuro onde hoje damos contas de camaradas que jamais conseguiram reencontrar-se com a estabilidade emocional numa sociedade que os renega. Sofrem do stress pós traumático de guerra. 

Camaradas, é tempo de vivermos Abril, é verdade, mas no nosso baú de antigos combatentes existem mágoas que ainda mexem com o nosso ego. 


Revejo a portas-de-armas do nosso quartel em Nova Lamego. Nativos que procuravam quiçá ajuda. Nas suas caras, com idades transversais, notavam-se sinais de medo e de incertezas no futuro. Tentavam um presumível “assalto” ao quartel. Queriam arroz e outros bens alimentícios. A sua ingenuidade parecia atroz. As forças da ordem no futuro imediato chamavam-se PAIGC. Eles, membros de uma população com a qual habitualmente convivíamos, por lá ficaram sujeitos a um novo regime e nós partimos.

Sinais de Abril que cruzavam fronteiras e que libertavam as amarras do medo de um exército que ambicionava o seu regresso a casa. E foi assim o culminar da Revolução dos Cravos em Abril de 1974.

Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14519: (Ex)citações (272): Os bailaricos de Jolmete com instrumentos oferecidos pelo MNF (Manuel Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 11 de Abril de 2015:

Boa noite Carlos
Ao ver o poste sobre os instrumentos musicais oferecidos pelo MNF para Bambadinca(*), lembrei-me que nós CCAÇ 2366 também recebemos uma oferta semelhante em meados de 68 pouco tempo depois de chegarmos a Jolmete.

Como a população era pouca e a maioria vinha do mato e pernoitava tudo dentro do arame farpado procurávamos animar um pouco o ambiente e então os instrumentos eram fundamentais.

Fizemos um ou outro bailarico inclusive na recepção aos periquitos da CCAÇ 2585, outras vezes cantávamos e tocávamos, enfim o que era preciso era animar a malta.

Já não me lembro o que foi feito dos instrumentos, se vieram se ficaram lá.

Tenho pena destas fotos não serem vídeos com som. As baterias parecem iguais.

Carlos estás à vontade para fazeres o que muito bem entenderes com este material.

Um grande abraço
Manuel Carvalho










Fotos: © Manuel Carvalho
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 10 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14455: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (97): José Maria de Sousa [ Ferreira, minhoto de Braga, com escola de condução no Porto], ex-sold mec aut (BART 1904 e PINT, Bambadinca, 1968/70) descobre os seus companheiros do conjunto musical, da CCS/BCAÇ 2852, a quem o Movimento Nacional Feminino ofereceu, em 1969, os instrumentos

Último poste da série de 16 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14479: (Ex)citações (271): Também estive na Op Bola de Fogo, de 8 a 14 de abril de 1968, no apoio à construção do aquartelamento de (e depois nos reabastecimentos a) Gandembel (Mário Gaspar, ex-fur mil MA, CART 1659, Gadamael, jan 67 / out 68)

Guiné 63/74 - P14518: Memória dos lugares (290): Os derradeiros sobreviventes de Ponate (Armando Teixeira da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Teixeira da Silva (ex-Soldado Atirador da CCAÇ 1498/BCAÇ 1876, que esteve em Có, Jolmete, Bula, Binar e Ponate), com data de 7 de Abril de 2015:

Caro Carlos Vinhal:
Os meus melhores cumprimentos, extensivos a toda a Tertúlia.

Teixeira da Silva


OS DERRADEIROS SOBREVIVENTES DE PONATE

Quis o destino que um conjunto de 48 atónitos maçaricos - um pelotão reforçado - da CCAÇ 1498, acabadinha de desembarcar, comparecesse em Ponate a fim de render tropas do BCAV 790 que estavam em mudança para o Quartel de Pelundo.

Assim, após um dia inteiro de marcha, em que as surpresas sucediam a cada instante, surgiu, imperceptível, numa área desmatada, um lastimável aquartelamento nunca antes imaginado.

 Ponate - Vista geral do quartel

Passado o cavalo-de-frisa, depararam com a mais humilhante miséria:
- Um casebre construído em adobes de argamassa, coberto a chapa zincada, para alojamento de pessoal, sem distinção de postos ou classes;
- Duas barracas, em colmo, a servirem de cozinha e refeitório;
- Três atalaias - cinco a seis metros acima do solo - com sentinelas cercadas por bidões de gasolina;
- Quatro paliçadas em cibes carcomidos sitiavam toda a desgraça.

Aonde é que nos viemos meter? – Se estavam atónitos à chegada, estarrecidos ficaram quando o sol se escondeu!
A iluminação era a petróleo: candeeiros Petromax em redor do arame farpado e mechas de gaze - em gargalos de garrafas - na caserna, cozinha e refeitório. No resto, a escuridão era absoluta.

Equipamentos destinados a cuidados de higiene? Nenhuns! – Nada que pudesse garantir saúde, bem-estar físico e mental, de modo a evitar doenças. Em vez de latrinas abriam-se valas, fora do arame farpado, e em vez de duches existiam selhas feitas de barris de vinho, serrados ao meio.
O estado das coisas motivou um lamento: tratam-nos como bandoleiros. - A frase inspirou a criação de um topónimo para colocar, logo nesse dia, à entrada do principal cavalo-de-frisa: “HOTEL BANDIDO DE PONATE”.

Ponate - Junto ao topónimo

Mas o pior ainda era a falta de água. A privação deste precioso líquido sujeitava o pessoal a riscos diários, em deslocações a Bula, percorrendo 13 Km, em cada sentido, com uma cisterna de 1000 litros atrelada.

Ocupando uma área com cerca de 3000 m2 e sem população à vista, o Quartel situava-se nas proximidades da mata de Jol, não muito distante da assombrosa bolanha de Nhaga. – A missão do seu reduzido efectivo consistia em assegurar liberdade de acção entre Bula e o Cais de São Vicente, na margem Sul do rio Cacheu, mantendo-se ao corrente de todos os acontecimentos e em total ligação com o comando do sector.
A segurança das instalações era inquietante: Refúgios ou abrigos, praticamente nem existiam e as paliçadas dificilmente aguentariam um simples ataque. Daí elaborarem um plano de obras a executar em duas fases:
1 – Construção de 3 refúgios subterrâneos, bem como um conjunto de chuveiros e latrina, sem dispensar a reconstrução de todas as paliçadas.
2 - Edificação de uma “casinhota”, em blocos de cimento, para instalação de um gerador eléctrico. - Nada serviu esta edificação, porquanto, embora prometido, o gerador jamais ali apareceu.

Ponate - Abrindo um abrigo subterrâneo - Armando Teixeira da Silva ao meio com a pá

Estas obras realizavam-se sem prejuízo das actividades a desenvolver além do arame farpado, ou seja: escoltas diárias à cisterna da água, patrulhamentos diurnos e/ou nocturnos, inspecções às tabancas e consequentes controlos da população indígena, reconhecimento de trilhos e caminhos, e de quando em vez, montagem de emboscadas. E como se já não bastasse, ainda ajudavam Companhias de intervenção, em operações na confinante e arriscada mata do Jol. Isto é: em Ponate, a missão, além de perigosa, era árdua e difícil.
Até dentro do arame farpado a situação era delicada, sobretudo, pela indigência das instalações e das privações de toda a espécie – mesmo alimentares. Apesar de tudo lá iam sobrevivendo.

 Ponate - Se não fossem os petiscos...

 Ponate - Momento de lazer
Fotos: © Armando Teixeira da Silva
Editadas por Carlos Vinhal

Até que, inesperadamente, uma mensagem, recebida no ANGRC 9, melhora-lhes as expectativas. – Bula comunicava-lhes o fim da sua presença em Ponate. O primeiro a saltar, de contentamento, foi o radiotelegrafista. Outra coisa, porém, ainda estava para vir.
Continuando a tradução da mensagem concluíra-se que o próprio Quartel, simultaneamente, desapareceria do mapa. Jamais uma mensagem fora tão marcante. Acontecimento para comemorarem de modo muito especial - emborcando cerveja até o stock se esgotar.

Assim, abruptamente, extinguiu-se o Quartel de Ponate. Decisão que os maiorais tomaram quando perceberam, a meu ver tardiamente, a evidência dos perigos a que as tropas estavam sujeitas e as condições deploráveis (porventura infra-humanas) em que se encontravam. A mensagem surgiu-lhes ao cair da noite, todavia, a vontade de mudarem de ares era tanta que se dispensaram de dormir. Puseram mãos à obra e foi até ser dia.

Entretanto, já o sol raiava, vêem chegar camaradas especialistas em minas e armadilhas, transportando engenhos explosivos para armadilhar os pontos mais susceptíveis, na expectativa de o IN os virem a despoletar.
Por fim, com as viaturas a abarrotar a seu lado, percorreram, a pé, os 13 Km que os distanciava de Bula, em cujo Quartel já tinham missão determinada.
A história da guerra considerá-los-á os derradeiros sobreviventes de Ponate. - O calendário assinalava, então, 04/Dezembro/1966. - Entretanto a guerra duraria mais sete anos e meio.

Ao que sabemos, jamais outro qualquer Quartel ali foi edificado. Naquele espaço de tempo - superior a 10 meses - houve minas que os feriram, emboscadas que os massacraram, bolanhas que os inundaram, picadas que muito os agastaram, trilhos e caminhos que os emaranharam, tempestades que os atemorizaram. – Todavia, também houve, em abono da verdade, momentos aprazíveis, de amizade e júbilo, que muito os distraíram e estimularam.

 Localização de Ponate. Vd. Carta de Bula 1/50.000

O último efectivo em Ponate:

Agostinho Costa Ferreira
Albino Baptista Barroso
Albino Sá Júnior
Alfredo Lopes Correia
Amadeu Pereira Couto
Amândio Sá Silva
António Ascensão Nascimento
António Beatriz Pedro
António Guilherme Silva
António Joaquim Inverneiro
António José Carneiro Santos
António José Martins Correia
António Mingote Mouco
António Montana Silva
Armando Barbosa Lemos
Armando Teixeira Silva
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Silva Martinho
Daniel Cabaço Sordo
Dias Cabo-verdiano (fur)
Francisco João Viegas Piedade (fur)
Fernando António V. Lisboa
Henrique António Nunes
Hilário Viana Cruz (fur)
Isidro Mesquita Almeida
João de Barros
João Luís Barros Coelho
João Maria José
João Teotóneo Marques Leal
Joaquim Santos Pinto Caldas
Joaquim Vidigueira Ferreira (fur)
Joaquim Luís Barata
José Jorge Sousa Melo (alf)
José Manuel Felício Manco
José Rodrigues Chaves
Lourenço Silva Machado
Manuel Alves
Manuel Alves Martins
Manuel Ferreira Pinto
Manuel Gomes Ferreira
Manuel José Lopes Gonçalves
Manuel Sampaio Leal
Manuel Serafim C. Ferreira
Manuel Silva Loureiro
Mário Pereira Cunha
Orlando Santos Espadaneira
Virgílio Justo Marques
Victor Manuel M. Chaveiro

Armando Teixeira da Silva
ex-Soldado Atirador
CCAÇ 1498/BCAÇ 1876
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14514: Memória dos lugares (288): Gentes do Geba, parte I (A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690, Geba, 1967; e da CCAÇ 3, Barro, 1968)

Guiné 63/74 - P14517: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (4): Primeiro dia no Xime

1. Em mensagem do dia 25 de Março de 2015 o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) enviou-nos a sua segunda recordação da CART 2520:

Caro amigo Luís Graça
Embora a distância do tempo tenha apagado algumas coisas da minha memória, lembro-me do meu primeiro dia de Xime.

Quando desembarcámos da LDG, estava uma "equipa de televisão" da Companhia 1746 a fazer uma reportagem sobre os importantes acontecimentos do dia. Os recepcionistas eram uns velhinhos de barbas brancas, feitas de algodão, fazendo lembrar o Pai Natal. Atirei a minha bagagem para um abrigo, creio que era o abrigo do pessoal de Transmissões, depois ainda tentei dar uns pontapés numa bola, num jogo de futebol que os "velhinhos" disputavam.
À noite enfiei-me no referido abrigo para tentar descansar um pouco e aliviar a ansiedade, a tensão e alguns receios da nossa chegada à Guiné. Havia três ou quatro dias que tínhamos desembarcado em Bissau e esta tensão também era motivada pelas informações de que dispúnhamos e que a nossa estadia no famoso Xime, não iria ser tarefa fácil.
E numa espécie de recepção ou aviso, o nosso querido inimigo, atacou as tabancas de Amedalai e Dembataco, que estavam em autodefesa e já depois do cair da noite.

A velhinha tropa saiu em socorro destas populações, mas levaram com eles também, um ou dois pelotões de "periquitos", o meu pelotão incluído e sem que eu me tenha apercebido desta movimentação.
Para bem da minha saúde mental, faltei. Só dei por isso quando passado algum tempo vim tomar um bocado de ar e vi a nossa tropa a regressar.

Foi o meu primeiro desenfianço, voltei para o meu refúgio, do qual só sairia pela manhã.

Xime - Atirado ao Geba pelo Fur Mil Enf Augusto Costa

Cais do Xime ao pôr-do-sol

Xime - Messe de Sargentos - Da esquerda para a direita, os furriéis Costa, Lopes, Nascimento, Soares, Santo Oliveira e sentado o Barradas. Está também um rapaz da tabanca, que ajudava a troco de alguma comida.

Xime - Obus 10,5

 Xime - Atrás dos bidões eram os aposentos dos oficiais. Ao centro a pequena Capela
Fotos: © José Nascimento

Com um grande abraço
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14422: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (3): Eu e o malogrado fur mil mec auto Joaquim Araújo Cunha, da CART 2715, em Amedalai, em junho de 1970, de bicicleta a pedal

Guiné 63/74 - P14516: Os nossos encontros e desencontros (1): Ameira, 14 de outubro de 2006: (i) um belo momento de fraternidade que me foi dado viver (Jorge Cabral); (ii) não conhecia ninguém mas senti-me como se todos me fossem familiares (J. Casimiro Carvalho); (iii) o reencontro de um geração valorosa (Rui Felício); (iv) fez-me bem à alma (Fernando Franco)



Montemor-O-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de Outubro de 2006 > Um momento de fraternidade, pensa (e sente) o Jorge Cabral, em primeiro plano, tendo à sua direita o nosso baladeiro de Bambadinca (1969/71), e hoje fadista amador, o Zé Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206. 

De pé, afinando as gargantas ou cantando ao desafio, outras duas grandes aves canoras: o Fernando Calado e o Manuel Lema Santos, o exército e a marinha de braço dado... O fotógrafo que estava de serviço apanhou o flagrante, era o David Guimarães, radiante, felicíssimo...

Foto: © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.


1. E sobre este momento, o nosso I Encontro Nacional, escreveu o "alfero Cabral": 

(...) "Também eu quero testemunhar o quanto me senti feliz, no nosso almoço na Ameira, o qual consubstanciou o mais belo momento de Fraternidade, que me foi dado viver. Sim, estamos todos unidos pela fortíssima corrente da Solidariedade. Aprendemos na Guerra a partilhar alegrias e tristezas e a compreender o Outro. Nunca estivemos sós porque contámos sempre com o ombro do Camarada Amigo. É disso que sentimos saudades!" (...)

O nosso "ranger" J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael",  escreveu o seguinte (**): 

(...) "Não conhecia ninguém mas senti-me como se todos me fossem familiares... Que sensação tão boa, indescritível, senti-me como peixe na água e as senhoras então... sempre interessadas e atentas... Fiquei muito comovido quando uma delas leu o meu texto que pus à disposição, na mesa, e a seguir as lágrimas lhe correram pela cara, como se a história fosse de um seu familiar muito próximo... Bonito !!!" (...) 

Por sua vez, o Rui Felício (ex-alf mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70, tal como o Paulo Raposo e o Victor David), referiu-se ao nosso econtro nestes termos (***): 

(...) uma jornada inesquecível, [que] só foi possível porque existe o blogue que tu criaste e que, com tanto trabalho e mérito, vais gerindo, coordenando e engrandecendo. (...) Sou dos que naquela época era contra a guerra, mas nunca confundi isso com o dever de a fazer o melhor e mais profissionalmente que me fosse possível, quanto mais não fosse para garantir aos soldados à minha responsabilidade o regresso a casa, sãos e salvos. (...).

Refira-se por fim mais um depoimento, a título ilustrativo, o do Fernando Franco (****)

(...) Andava mesmo a precisar deste encontro, em que muitos dos meus companheiros em meu redor sentissem o mesmo que eu. Mais uma vez obrigado, pois vim de peito cheio. (..:)


Foto: © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.


Foto nº 1

Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de Outubro de 2006 > O grupo de camaradas fotografados, por volta das 13 horas, antes do almoço no Restaurante Café do Monte, na Herdade da Ameira. Ainda não tinham chegado todos... De qualquer foi o ano em que ainda "cabiam todos" na fotografia...


Foto  nº 1A

(i) Da esquerda para a direita, na primeira fila, António Baia (de óculos escuros, 1.º cabo aux enf, pertenceu também ao BIG – Batalhão de Intendência da Guiné, tendo estado integrado num Pelotão de Intendência, o PINT 9288, Cufar, 1973/74), José Bastos, Pedro Lauret, Lema Santos, (dois imediatos da LFG Orion, embora em épocas diferentes), Sampedro (foi capitão em Fajonquito, veio com o Manuel Pereira), Manuel Pereira;

(iii) na segunda fila,  Carlos Vinhal (nosso coeditor), Fernando Franco, Fernando Chapouto, Magalhães Ribeiro, Zé Luís Vacas de Carvalho (na ponta).


 Foto nº 1B

Da esquerda para a  direita: (i) na primeira fila, Aires Ferreira (de óculos escuros), Vitor Junqueira (também de óculos escuros, mas de perfil), David Guimarães, José Casimiro Carvalho (de joelhos), Fernando Calado (ex-alf mil, CCS do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), Tino Neves, Jorge Cabral e, por fim, Luís Graça;

(ii) na segunda fila, Neves (um empresário que veio com outro empresário, de quem é amigo,  o Martins Julião, da CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72), Humberto Reis (de óculos escuros), Virgínio Briote (nosso coeditor, de perfil), e  Raul Albino...

Aqui estão só 23... Faltavam outros camaradas que foram pioneiros nestas lides, e que por uma razão ou outra não estão na foto: lembramo-nos de mais 12:
Paulo Santiago, Carlos Fortunato, Carlos Santos, de Coimbra  (que trouxe notícias do Rui Alexandrino Ferreira), António Pimentel, Paulo Raposo e Carlos Marques dos Santos (os dois organizadores do encontro), António Santos (que veio com a esposa Graciela Santos), Hernâni Figueiredo, José Martins, Rui Felício, Victor David, Sérgio Pereira...

Nesse primeiro encontro do nosso blogue, éramos um pouco mais de 50, contando com as nossas companheiras... No último encontro, o X, em Monte Real, no passado 18 de abril de 2015,  juntámos 4 vezes mais... No grupo de homens, os únicos totalistas dos 10 encontros são: o António Santos, o Carlos Vinhal, o David Guimarães, o Jorge Cabral, o Luís Graça e o Raul Albino.


Foto nº 2

Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de Outubro de 2006 > O grupo das nossas esposas... Aqui estão 13, mas eram mais...



Foto nº 2 A  > Com a devida salvaguarda por qualquer lapso de memória, o nossos editores reconhecem na primeira fila, a partir da esquerda: Lígia Guimarães, Dina Vinhal, Alice Carneiro, Celeste Baia...


Foto nº 2 B

Na primeira fila, a partir da esquerda: Graciela Santos, Irene Briote, Teresa Reis (, esposa, já falecida, em 2011, do Humberto Reis) e uma quarta senhora que não identificamos...[ Atrás delas, à esquerda, reconhece-se o Fernando Chapouto e o pira de Mansoa, o nosso ranger e coeditor Magalhães Ribeiro, ]...


Foto nº 2 C

Nesta ponta direita, só reconhecemos a  Margarida Franco e a Judite Neves... Totalistas dos 10 encontros são a Lígia Guimarães, a Dina Vinhal e a Graciela Santos

Fotos: © Luís Graça (2006) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem de LG e CV]
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Notas do editor:



Guiné 63/74 - P14515: (In)citações (75): Perspectivas sobre o 25 de Abril (José Manuel Matos Dinis)

1. Em mensagem do dia 14 de Abril de 2015, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos esta reflexão sobre o 25 de Abril, um tema sempre apaixonante e actual:


Perspectivas sobre o 25 de Abril

Primeiro ponto de vista:

«Mª. João Avilez - Mas não havia alternativa?

Carlos Fabião - Não havia. Aquilo estava prestes a cair por um desastre militar. E nesse sentido, até foi bom ter ocorrido o 25 de Abril, estava tudo mesmo a cair... Repare nisto: um batalhão tem seiscentos e tal homens, e havia batalhões que só tinham 3 oficiais do QP, sendo o restante composto por milicianos. Ninguém percebia nada de nada, tecnicamente falando.E, além disso, ninguém estava, como sabe, disposto a morrer naquela guerra.»

Ora, constate-se a seguinte evolução nos 3 TO, sobre o número de capitães comandantes de companhias de combate, respectivamente do QP e milicianos:
1966: QP - 361; Milicianos - 103; 1970: QP - QP - 374; Milicianos - 248;
1973: QP - 177; Milicianos - 397; 1974: QP - 118; Milicianos - 431 (cfr. relatório do Sr. Coronel Morais da Silva, professor da A.M.).

Uma evolução desta ordem exigia medidas antecipadas, no sentido de garantir o melhor enquadramento dos comandantes das companhias de combate, e a aceleração de outras medidas com vista ao fim da guerra, quer pela iniciativa da negociação política, designadamente sob os auspícios da Carta das Nações, quer pelo reforço do equipamento das FA com vista à vitória militar urgente em substituição do conceito da guerra de longa duração; quer pela expulsão das FA daqueles capitães que se recusavam a sair para o mato (não havia controle sobre a actividade ou inactividade dos capitães, e recordo que tive dois capitães do QP que sempre se refugiaram do mato, com excepção do 1.º dia em que demos um passeio de aclimatização em torno de Piche), naturalmente em boas condições físicas, e, aparentemente, em Bissau havia alguns, a receber o mesmo do que aqueles que alinhavam.

Mas não, alguns capitães arranjavam motivos de baixa, e continuavam a receber tranquilamente os salários correspondentes, numa condição de privilégio relativamente ao que o direito do trabalho estabelecia para as passagens à situação de reforma ou aposentação de civis incapacitados para o exercício das suas profissões. A própria condição de DFA veio permitir que atestados apresentados depois da revolução relativamente a reformados das FA, normalmente de ordem psicológica, lhes permitisse a acumulação de subsídios remuneratórios, condição tão difícil de reconhecer a milicianos. Era só saber mexer-se. Em resumo, as FA estavam eivadas de vícios, que confrontavam os manhosos com os dedicados. Por outro lado, a lassidão dos governos e dos comandos militares perante tal quadro, é reveladora do nível de incompetência ou traição de uns e outros para a defesa do prestígio das instituições e da soberania nacional.


Segundo ponto de vista:

O de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso que desenvolveram vasta obra sobre a matéria:

«A tese de que as Forças Armadas Portuguesas controlavam a situação nos 3 teatros de operações, ou até da vitória militar em parcelas do teatro, ou da possibilidade de manter a soberania sobre todos os territórios ultramarinos esbarra em 2 obstáculos:

1) Não corresponde à verdade dos factos - isto é, contraria o que foi escrito, afirmado e testemunhado na época;
2) Torna absurda e incoerente a actuação de todos os actores políticos e militares, com responsabilidades na época, sejam os militares, sejam os políticos.

Isto é, se a afirmação fosse correcta, a actuação de todos os actores políticos e militares durante os anos de 1973 e 1974 teria sido absurda, desde o então presidente da República ao mais anónimo dos militares que conscientemente intervieram no 25 de Abril. do primeiro-ministro e dos membros do seu governo, à totalidade dos generais portugueses».

Parece óbvia esta frase, porém, quanto à primeira, sobre a inverdade da consideração dos factos, que socorrem a tese de que a guerra não estava perdida, tenho que fazer alguma ponderação suplementar. E começo por questionar se terá sido correcta a intervenção "consciente" dos militares no 25 de Abril, tendo em conta a oportunidade internacional, a garantia de sobrevivência de Portugal sem garantia da solidariedade internacional, e sem a protecção necessária à consolidação das novas nacionalidades, e à integração dos portugueses civis e dos africanos que integraram as nossas FA. e que nelas pretendessem prosseguir vidas e actividades?

A intervenção militar foi um malogro total, desde antes do golpe, quando começaram a manifestar-se tendências, rivalidades e ambições, quer em proveito próprio, quer em favor de forças políticas representantes de interesses estranhos, tanto a Portugal, como aos territórios ultramarinos. O MFA gerou várias "babel", e não se eximiu à incrementação de actos criminosos e tendenciosos. Longe, portanto, da ideia de não tomar partido, pois tomou em todas as circunstâncias da descolonização apressada, com traição do interesse das populações e do equilíbrio das novas sociedades. Os resultados ainda estão à vista e perpetuam a desgraça de milhões, que se abrigavam sob a nossa bandeira. E podia ter sido pior, lá, como cá. Hoje estão todos reformados no topo da carreira, e não raro apresentam-se como heróis.

Aqueles analistas ainda referem «as dificuldades logísticas desde o inicio da guerra», e acrescentam «uma ameaça séria da intervenção externa com meios convencionais - blindados e força aérea do Zaire - que fazia com que as forças portuguesas necessitassem de apoio considerável e extraordinário da África do Sul», o que revela duas ideias:
1.ª - a de que o Zaire consideraria o ataque em força a Angola, de todo inimaginável, dadas os interesses económicos, políticos e geo-estratégicos que, ainda hoje, condicionam as medidas politicas regionais;
2.º - que a oponibilidade portuguesa sucumbiria, mesmo que estivesse em vias uma acção de reapetrechamento das FA, e apesar do auxílio (interessado) da poderosa África do Sul. É de notar, porém, que os analistas recorreram a dados de 1970, muitos deles já sem significado, ou muito atenuados em 1974, quando se vivia em paz consistente em quase todo o território angolano, e os movimentos não tinham expressão, nem os apoios da URSS e dos EUA, como é sabido.

Acrescentam aqueles autores: «Se a situação em Angola não era a da paz, progresso e prosperidade apregoadas nas declarações públicas, a situação em Moçambique e na Guiné eram ainda bastante mais graves». Como vimos antes, Angola estava em 1974 a viver um óptimo ambiente de crescimento económico e social, só limitado pelo poder central, e adivinhava-se a sua autodeterminação pacífica. Não se pode colocar em pé de igualdade as situações vividas em Moçambique e na Guiné, como a frase pode sugerir, pelo contrário, eram muito diferentes. Não era de grande intensidade a guerra em Moçambique, embora reconheça que houve actos isolados de terrorismo - ataques cobardes a civis pacíficos e trabalhadores - que procuravam alargar o espaço de confusão desejado pela Frelimo. Era grande o território moçambicano e os independentistas não tinham pessoal para combater em tanto espaço. Desses acontecimentos vieram a insurgir-se as populações locais - na Beira e Vila Pery (Chimoio) - contra os militares que se passeavam pelas cidades em atitude que sugeria indiferença perante o fenómeno da guerra emancipalista. Também os militares se indignaram contra os civis, e o poder político foi incapaz de harmonizar a situação, do que resultou um campo de fácil expansão para as ideias revolucionárias de acabar a guerra tão depressa quanto possível. E essa pressa descurou todas as cautelas quanto à nascença de um novo país, e veio a revelar-se indigna e criminosa pelas consequências da entrega pura e simples ao inimigo, que assim garantia um curto período para a evacuação total da tropa.
Gerou-se um movimento independentista, quase em segredo, liderado por Jorge Jardim, mas ninguém se manifestou contra Portugal, com que parecia quererem manter laços de fraternidade, apenas procuravam encontrar soluções onde o Governo não diligenciava.

Na Guiné a situação era diferente, muito diferente. Em primeiro lugar, porque tratava-se de um pequeno território com poucos recursos, onde a instalação de civis portugueses nunca foi relevante. Havia, melhor, deveria ter havido uma preocupação de manter a Guiné, enquanto a situação nas restantes colónias, ou províncias, não se mostrasse consolidada, dado o factor psicológico de reconhecendo uma independência, ter que reconhecer as restantes. Cheirava a guerra por todo o território, houve combates de vulto, mas o que mais desanimava a tropa, seria a pobreza da manutenção na quadricula, a falta de quadros do exército no enquadramento e operacionalidade das unidades, as dúvidas sobre a estratégia a adoptar, e a insatisfação face ao poder político tacanho e inoperante, sem a mínima noção do que era o Ultramar. O Senhor Coronel Matos Gomes combateu na Guiné, e sabe que as NT nunca foram escorraçadas, e o apontado caso do abandono de Guilege ficou a dever-se à inoperância das repartições, que desprezavam as dificuldades por que se passava nos aquartelamentos mal concebidos. Naturalmente, pode haver um cúmulo de sacrifícios que transbordem os limites da paciência, mas não era o caso da generalidade dos oficiais do QP.

Sobre a Guiné, na sequência dos acontecimentos de Guilege, Guidage e Gadamael, Spínola declarou: "encontramo-nos indiscutivelmente na entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios".

Para se ter ideia sobre a manipulação de dados, as intrigas e ambições pessoais entre os mais graduados das NT, também eles responsáveis pelo que veio a acontecer com o golpe de Abril, extraio as seguintes linhas sobre um importante operacional e comandante do BCP 12 face a acções atribuídas que ele próprio planeou e comandou:
"Não estava nos hábitos do TCor Araújo e Sá pertencer a grupos ou ser presença assídua em Quartéis-Generais, Messes de Oficiais ou em reuniões sociais, e muito menos a contar ou a sobrevalorizar peripécias dos combates... É que na Guiné de então, a Glória estava pré-determinada e as honrarias contemplavam normalmente apenas um círculo restrito junto do General Comandante-Chefe. Depois, o marketing e os círculos de amigos fizeram o resto. E apareceram as lendas, que progressivamente têm vindo a tomar o lugar da História", e são citadas omissões em duas obras de referência: "Os anos da guerra colonial", vol. 14, pág. 18, por Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso; e "A Guerra de África - Guiné", da colecção Batalhas da História de Portugal, pág. 131, e "A Guerra da Guiné - 1961-1974", da colecção "Guerras e Campanhas Militares", pág 111, estas últimas pelo Coronel Fernando Policarpo, referidas em "A Última Missão", de José Moura Calheiros.

Fiz a minha comissão de serviço na zona leste da Guiné durante o biénio 1970/71 que, quase correspondeu a um período de turismo africano salpicado com uma dúzia de intervenções de guerra: minas, armadilhas e ataques a aquartelamentos, e muita actividade operacional todos os dias - colunas, patrulhas, emboscadas. Havia risco? Claro que sim. Mas nada me permitia dizer, como disse Vasco Lourenço em entrevista concedida a Ana de Sousa Dias, na passagem dos 30 anos sobre o 25 de Abril: «as forças armadas empenhadas na defesa da Guiné iriam, a muito curto prazo, ser esmagadas pelo PAIGC". É estranha tal afirmação na medida em que, tendo estado empenhado nesta luta durante dois anos, não tivera qualquer baixa entre os homens da companhia que comandava. Deste facto pode deduzir-se que o potencial de combate do inimigo não era tão eficaz nas suas acções quanto se fazia crer, referido em "25 de Abril de 1974 - A Revolução da Perfídia", do General Silva Cardoso, que adiante refere: «recordam-se as palavras do ministro Almeida Santos quando vaticinava uma mais que certa derrota militar a curto prazo na Guiné donde resultava e necessidade de se encontrar uma solução política para as guerras do Ultramar. Pelo contrario, o General Costa Gomes, nas suas funções de CEMGFA, ao passar pela Guiné em Janeiro de 1974, afirmou que a Guiné era defensável e tinha de ser defendida», e prossegue: «Mas Vasco Lourenço, segundo rezam opiniões recolhidas, não teria sido iluminado pelo episódio (citado na publicação em apreço) da morte do guia, mas sim quando numa emboscada sofrida pelas suas forças ele saltou da viatura e se abrigou debaixo dela enquanto os seus homens faziam frente ao fogo do inimigo. Foi nesta situação de puro medo físico que ele foi iluminado e só então compreendeu a injustiça da guerra».

Face a estas notícias pode constatar-se que os profissionais da guerra deviam ter vasta informação, e podiam ter pressionado o governo, através da hierarquia, para a aquisição dos meios necessários, face às novas perspectivas da luta, conforme Spínola, exigindo a salvaguarda de verbas para alguma modernização de equipamentos a adquirir, que conferissem outras garantias de eficácia. Em vez disso, muitos desses militares juntaram-se para provocarem a queda do governo, e para provocarem o regresso imediato às suas casas na Metrópole, à custa do abandono da luta, e da entrega aos inimigos, então tornados "irmãos", do destino dos territórios e das gentes que ali viviam. Ora, as FAP integravam muitos mais elementos africanos do que os efectivos das forças inimigas, a quem se reconheceu a absurda autoridade total e boçal, e se a solução adoptada pelos militares do MFA (acolitados pelo oportunismo de socialistas e comunistas) consubstanciou-se pela traição à imensa maioria que garantia a estabilidade e o progresso dos territórios, a solução adoptada foi necessariamente traiçoeira, tanto mais, que não quiseram considerar períodos de transição e integração social, quer dos guerrilheiros nas diferentes actividades, ou numa força única com as NT nas futuras forças armadas locais, por forma a eliminar estigmas e a estimular a construção das novas sociedades.

Desditosa Pátria!

Com o apodrecimento da História, os ventos liberais fustigaram, primeiro a monarquia, depois o próprio povo, quando atraído para a democracia viscosa e manietada pelos que chegam pobres à governação, sem cheta, só com o dom da palavra, ou a protecção do padrinho, e abalam indecentemente ricos e poderosos.

Minudência final: com o 25 de Abril Portugal passou a recorrer ao crédito externo, público e privado. Com a entrada de empréstimos de solidariedade provenientes da adesão à CE (ex-CEE) Portugal, que era auto-suficiente na pesca, na agricultura e na pecuária, passou a pagar os produtos de importação daquelas áreas, que a CE proibiu-nos de produzir. Isto dá uma imagem da negociata financeira e da dependência política resultante da adesão.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14395: (In)citações (74): Fotos que por acaso não são da minha motorizada nem de uma outra portuguesa (Henrique Cerqueira)

Guiné 63/74 - P14514: Memória dos lugares (289): Gentes do Geba, parte I (A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690, Geba, 1967; e da CCAÇ 3, Barro, 1968)


Foto nº 16


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Foto nº 14


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Foto nº 2


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Foto nº 18



Foto nº 22


Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 (1967)... A povoação de Geba fica na margem direita do Rio Geba Estreito entre Bambadina e Bafatá... Foi um ponto importante de apoio à colonização portuguesa até ao princípio do séc. XX... Perdeu importância para Bafatá. Há vários camaradas do blogue que por lá passaram, nessa terra perdida no tempo e no espaço,  nomeadamente o A. Marques Mendes e o Fernando Chapouto. Passei por lá, como cão pr vinha vindimada, quando me tocou, logo no início da comissão, em meados de agosto de 1969, e já com batismo de fogo, fazer um reforço à tabanca em autodefesa de Sare Gana, no desolado e desolador regulado de Joladu, a norte de Geba... (LG)


Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Fotos, sem legendas, do álbum de  A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968). É nosso grã-tabanquerio da primeira hora.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14513: Notas de leitura (706): Abdulai Silá, o grande prosador guineense (2): "Eterna Paixão" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
É considerado em vários países como o prosador mais influente da Guiné-Bissau.
Abdulai Silá tem obra publicadas em Cabo Verde, em França e no Brasil. Tem um currículo invejável, este engenheiro eletrotécnico que começou a escrever num inverno gelado em Dresden, onde estudava: dedica-se às tecnologias de informação e comunicação, é empresário, fundou a primeira editora privada guineense e participou na fundação da revista Tcholona e do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa.
Surpreende por manejo hábil com que transgride o português e nele imiscui o crioulo.
Para não deixar o leitor estarrecido, publica glossário para que se saiba que foronta é aflição e kafumban é grande mentira…

Um abraço do
Mário


Abdulai Silá, o grande prosador guineense (2)

Beja Santos

A segunda obra publicada por Abdulai Silá intitula-se “Eterna Paixão” (1994), foi de facto o seu primeiro livro, mas editou em primeiro lugar “A Última Tragédia” (1995). Mais adiante, publicou “Mistida” que conclui em trilogia o olhar do escritor sobre a realidade guineense. Em entrevista à brasileira Érica Cristina Bispo (www.omarrare.uerj.br/numero13/erica.html) Silá pronunciou-se assim sobre “Eterna Paixão”:
“Não posso esconder que quando iniciei a construção do enredo (já lá vão duas décadas), já era previsível o marasmo em que se encontra hoje o meu país. Já havia provas reais de que o “espírito da luta” já não existia mais, que os nossos concidadãos, que ontem abnegadamente participaram na concretização daquilo que para mim foi o maior feito deste povo no século passado – acabar com a colonização, aprofundando o processo de construção daquilo que Amílcar Cabral chamou de “Nação africana forjada na luta” –, estavam incompreensivelmente a enveredar por uma via em todos os sentidos oposta àquela que tinha sido anunciada. Estava acontecendo tanta coisa, tão nociva quanto ininteligível, assistia-se ao desmoronar de tantos sonhos “legítimos”, assistia-se a um desfasamento cada dia maior entre o discurso político e a prática diária, que entendi por bem ir buscar alguém de fora, (nesse caso Dan), carregado de uma boa dose daquilo que hoje se pode chamar de utopia, mas que no contexto da época era absolutamente exequível, para encarnar toda a desilusão e frustração que o cidadão comum sentia. Mas mais do que denunciar essa calamidade e ridicularizar os seus protagonistas, era necessário passar uma mensagem positiva, de fé e de esperança”.

Carlos Lopes, sociólogo, escritor e alto funcionário das Nações Unidas, rasga elogios no prefácio:
“O romance de Silá é a primeira tentativa séria de publicar prosa na Guiné-Bissau. Só por este facto merece destaque e faz História no nosso provinciano debate intelectual. Mas sem mais valor por encarnar que esse difícil momento de incerteza que insisto em chamar de solstício das certezas”.
É uma história de amor a África, o país não está bem esclarecido, a corrupção é larvar e os programas internacionais de ajuda são talhados exclusivamente para que os poderes do dia simulem que fazem boa figura.
Silá, à semelhança do arranque que põe em “A Última Tragédia”, dispara fulminantemente à partida, é um parágrafo de perder o fôlego:  
“Subitamente, sem ter reduzido a velocidade, encetou uma série de movimentos com ambos os braços, torcendo o volante do carro sem piedade. Deixou a estrada principal e meteu-se na estrada secundária que nascia logo ali, sem se anunciar. Segurou firmemente o volante enquanto os pneus gemiam ruidosamente e amaldiçoou, mais uma vez naquele dia, os que haviam decidido alterar o trajeto daquela estrada, desviando-a do circuito a que estava habituado”. Ele é Daniel, ou Dan, é afro-americano, tem uma inequívoca paixão por África. Chega a casa, vai muito interrogativo, o seu casamento caminha para a rotura, prepara-se para conversar com a empregada, Mbubi, toca o telefone, é Ruth, a mulher de Dan, a comunicar que vem mais tarde. Ruth chega e humilha Mbubi. Segue-se uma discussão violenta entre o casal, tudo por causa de um contrato catastrófico, economicamente inútil para o país.

Silá dá-nos depois a vida universitária de Dan, o modo como ele impressionou diplomatas africanos em torno de projetos de desenvolvimento baseados na exploração de recursos hídricos, critica impiedosamente o projetos ditos de desenvolvimento desenhados para afagar o ego de ditadores. Dan sonha com o desenvolvimento do continente africano, como diz entusiasmado há um conjunto de políticos internacionais que o escutam:  
“O objetivo principal que se pretende atingir é desenvolver todo um processo suscetível de atribuir uma nova dinâmica ao sector agrícola, culminando numa autêntica revolução tecnológica e garantindo a todos a necessária autossuficiência e segurança alimentares. Os Estados teriam que se unir para juntar forças. Haveria em cada zona do continente, por exemplo na África Central, Austral, Ocidental, etc., uma estrutura executiva que se encarregaria de coordenar as ações. Então, para disponibilizar mais recursos, haveria um único exército, pequeno, que ficaria sob o comando da OUA”.
Este entusiasmo de Dan cativa os políticos, Dan conhece Ruth e partem para África.

Dan mergulha na desilusão, vê crimes, prepotências, nepotismos, o ditador do país está rodeado de mandantes que liquidam todo e qualquer suspeito que ponha em causa as suas decisões. E Silá parece que se está a olhar ao espelho e a pensar na sua pátria:  
“Como é que iria falar da barbaridade de toda aquela máquina repressiva, daqueles batalhões de especialistas da tortura? Como é que iria convencer Mark, aquele seu amigo tão sincero, que naquela África que ele tão apaixonadamente pregava e cujas virtudes tanto enaltecia, que naquela mesma África se investia mais na repressão que na educação? Com que argumentos iria demonstrar que a pertença fidelidade ao Pai da Nação mantinha amordaçada a capacidade criativa de toda uma geração e fomentava a prostituição intelectual?”.

Reencontra-se com Mbubi, é pela sua voz que ele se apercebe definitivamente que o povo vive num intenso sofrimento e numa miséria sem esperança. No ministério onde coopera, Dan apercebe-se que é malquisto, ele tem andado a pedir clemência para um ministro que foi preso sem culpa formada. Dan toma consciência de que não pode combater aquela corrupção. O seu casamento chega ao fim. Dan é preso, torturado, enxovalhado, e depois liberto. Dan lança-se no interior daquele país, transforma-se em professor, chegou entretanto o multipartidarismo. Dan é convidado a colaborar. Aceita voltar ao ministério onde cooperara. Mas a saudade pelo projeto de desenvolvimento em que tem estado envolvido é mais forte. Silá não trava os ímpetos metafóricos, simbólicos, falando da democracia, da esperança pelo renascimento africano, fala na dignidade, do renascimento do orgulho, Dan repetia vigorosamente para que todos à sua volta ouvissem: a minha paixão é eterna!

É o fervor no novo Homem, como observa Carlos Lopes. Eterna paixão pelo país e pelas gentes, a confiança na pureza do ser humano, nos que resistem aos males da sociedade, quais tentáculos de um povo enraivecido. Também ele, Carlos Lopes, não quer iludir o seu profundo desapontamento:
“Perguntamo-nos como foi possível isto e aquilo. Como é que o fulano tal que fez a escola comigo, andou comigo na militância, partilhou esta e aquela ideia e ação, pode agora ser símbolo da corrupção que Pepetela tão bem descreveu na sua Geração da Utopia".

“Eterna Paixão” é libelo utópico, Dan realiza-se quando vai para a tabanca de Woyowayan, algures. Vem agora a seguir “Mistida”, porventura o seu melhor romance, onde a sua crítica é mais violenta, estão ali os novos políticos arranjistas, aparecem silenciados ou esquecidos os heróis anónimos que deram a vida pela libertação da pátria. Preparem-se para um grande romance.

Recorde-se que Abdulai Silá não tem edições em Portugal, a trilogia Mistida foi publica pelo Centro Cultural Português Praia – Mindelo em 2002.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14492: Notas de leitura (705): Abdulai Silá, o grande prosador guineense (1): "A Última Tragédia" (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14512: Parabéns a você (894): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14496: Parabéns a você (893): António Branquinho, ex-Fur Mil Inf do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)