quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16617: Os nossos seres, saberes e lazeres (180): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
É um intrujice, ou talvez uma doce ilusão, julgarmos que a boa preparação da viagem fecha as portas aquele imprevisto que nos deixa de boca à banda. Lê-se o texto do livro, olha-se as imagens, entra-se depois no local e então toma-se conta de que valeu a pena classificar este palácio de Diocleciano como património da humanidade, porque é um edifício que conserva a sua monumentalidade, ali se embrenham cruzamentos estilísticos que dão um produto notável e geram no visitante um sentimento de como a Europa é feita de retículas, de movimentos artísticos reelaborados e regionalmente adaptados. Basta pensar que em Split a arquitetura romana, os estilos românico e gótico, o renascimento e o barroco conversam entre si, há pequenas igrejas paleo-croatas, aqui se lutou para empregar o glagolítico e a língua nacional nos livros litúrgicos e foi a Split que o maior artista croata de sempre, Ivan Mestrovic, legou uma esplêndida galeria de obras escultóricas.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (5)

Beja Santos

Qualquer porção de terra europeia pode gabar-se de ser uma encruzilhada cultural e facilmente se abonam razões. Por cá, tivemos um pouco de tudo com o picante das invasões bárbaras e o rescaldo dos Descobrimentos. Os eslavos do Sul, pela sua posição, assistiram à divisão entre o Império Romano do Oriente e do Ocidente, em 395, a partilha celebrada em Aix la Chapelle é de Carlos Magno e o imperador de Bizâncio, em 812, a divisão das Igrejas em 1054, a chegada dos Turcos Otomanos que permaneceram 500 anos nos territórios correspondentes à Bósnia Herzegovina e ao Kosovo. E já aqui temos falado de Veneza, do reino sérvio, do Império Austro-húngaro. Podíamos ir mais atrás até às colónias gregas e depois o Império Romano. Em Pula, onde os romanos deixaram um anfiteatro soberbo, o império Austro-húngaro dispunha de um poderoso porto militar.
Isto para introduzir Split, a magnífica, o topo do topo a que se arroga o viajante nesta diagonal pelos países dos eslavos do Sul. Pena que neste caso as imagens não valham por mil palavras, mas o viajante entrou de boca aberta e dali saiu arrelampado com a grandiosidade da cidade-palácio. Tudo se deve ao imperador Diocleciano que construiu um grandioso palácio aqui, ele que era dálmata, entre 295 e 305 depois de Cristo, aqui deixou o seu mausoléu que mais tarde foi adaptado à catedral com o bispo João de Ravena.
Entra-se e circula-se por Split e nem sempre temos presente que já foi palácio a despeito de todas as transformações que aqui tem ocorrido.



Consta que Diocleciano escolheu este local por razões climáticas e pela beleza da paisagem. O palácio é um dos exemplares mais belos e melhores conservados da arquitetura da época romana tardia. Mais tarde, depois dos Ávaros e dos Eslavos terem destruído Salona, Split desenvolveu-se como centro urbano, submeteu-se aos soberanos croatas, depois a Veneza, ao Império Austro-húngaro, segue-se a Jugoslávia, hoje a Croácia.
Visitar Split é deambular pelo palácio Diocleciano, 215 metros de comprimentos, 175 metros de largura, 30 mil metros quadrados de história, três grandes portas, a Porta de Ouro a Norte, a de Prata a Leste e a de Ferro a Oeste. Uma cidade circundada de muralhas com uma espessura de pelo menos 2 metros e uma altura de 24. A ornamentação da fachada, perto do mar revela uma esplêndida galeria coberta de arcadas. E as caves, sujeitas a exploração arqueológica depois da II Guerra Mundial, são magnificentes pela dimensão e arcaria.



É agradável conversar com gente da terra, estão esclarecidos acerca da grandiosidade envolvente, explicam que a metade norte do palácio abrigava a guarda imperial, os servos e os escravos, alistavam as oficinas e toda a parte da logística e manutenção. A meio do palácio, ainda hoje o ponto nevrálgico por onde circulam os turistas, está o peristilo com as colunas de coluna róseo e de mármore branco, proveniente do Egipto, com capitéis coríntios; o mausoléu octogonal do imperador é hoje a catedral da cidade, dispõe de um campanário medieval imponente; e ali perto está o templo de Esculápio ou de Júpiter e o acesso aos apartamentos do imperador.




O peristilo guarda a sua imponência, uma esfinge egípcia original parece policiar a ordem no local mais visitado de Split, saindo dali o visitante é brindado com uma nova revelação, perto da Porta de Ouro construiu-se na Idade Média a pequenina igreja de S. Martinho, impossível não ficar comovido com esta relíquia da igreja do tempo da mais austera sobriedade.



A catedral encerra elementos preciosos de diferentes estilos: portas monumentais com relevos, um crucifixo gótico do século XIV, o gótico, o renascimento e o barroco cruzam-se frequentemente.




Dou plenas garantias ao leitor que pode visitar à confiança a esplendorosa Split, prepondera a massa de pedra e os tesouros deixados pelo imperador Diocleciano, pode-se almoçar ou jantar numa sala adossada a uma das muralhas do palácio, passear por ruas estreitas com estilos heteróclitos, veja-se esta senhora ao telemóvel, perto de uma porta de alumínio e cercada por reminiscências romanas, medievais e contemporâneas. Ainda não estou completamente em mim, a ter que joeirar o cômputo das imagens, tenho a ilusão que ainda não saí de Split. Doce ilusão, pois amanhã de manhã vou admirar a obra de um grande escultor, Ivan Mestrovic, antes de partir para o Parque Nacional dos Lagos de Plitvice.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16593: Os nossos seres, saberes e lazeres (179): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16616: Lembrete (18): É já amanhã, dia 20, 5ª feira, a sessão de lançamento do livro do nosso camarada Paulo Salgado, "Guiné: Crónicas de Guerra e de Amor", na Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa, às 18h00... Com a presença do autor (que vive em Vila Nova de Gaia) e apresentação a cargo do escritor Rogério Rodrigues.


Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > Ponte de Maqué > 1976 

Foto: © Paulo Salgado (2016). Todos os direitos reservados.


Guiné-Bissau > Maqué > 2006 > " O mais belo poilão que conheço da Guiné" (Paulo Salgado) [. na foto, o Paulo Salgado, sentado, e Moura Marques, de pé, ambos antigos militares da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72].

Foto (e legenda): © Paulo & Conceição Salgado (2006). Todos os direitos reseravdos






1. Mensagem do Paulo Salgado (ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72); membro da nossa Tabanca Grande, desde 18 de setembro de 2005 (*); manteve, no nosso blogue, uma colaboração regular, com pelo menos duas séries, em 2005/2006, quando esteve em Bissau à frente do Hospital Nacional Simão Mendes:  Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) e Bombolom II (ver aqui através do marcador Bombolom):

Data: 17 de outubro de 2016 às 23:15
Assunto: Lançamento do livro (**)

Caro Luís,

Segue um novo formato de divulgação do lançamento do livro - para recordar aos camaradas do blogue.(***)

Até quinta-feira.
Um abraço 

Paulo Xavier Fernandes Cordeiro Salgado
Administrador Hospitalar - ENSP/UNL
Pós-graduado em Administração Pública - UMinho
Pós-graduado em Direito dos Contratos - UCP
Mestre em Gestão-Especialização em Gestão e Administração de Unidades
de Saúde-UCP
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(...) Fiz a minha comissão no Olossato e Nhacra entre Abril de 1970 e Março de 1972.

Fiz uma segunda comissão em 1990/92, como cooperante na área da saúde. Matei fantasmas; chorei no Olossato; ri-me com as crianças que rodearam a minha viatura; revisitei o Suleiman que me reconheceu passados vinte anos!!! E depois vieram alguns homens grandes...e imensos...

Tenho ido várias vezes a Bissau desde 1996 - os amigos que tenho feito...! As desilusões que tenho sentido da parte dos guineenses. Mas também a esperança.

Irei fazer outra comissão de um ano, dentro de poucos dias...! Loucura? Utopia? Talvez.

Mas sejamos claros: indo de encontro aos objectivos que definiste: olhar a África e para África só faz sentido no plano de um vero e recíproco respeito. 


(...) Nós fizemos parte de uma História que não está contada. Há muitas histórias e estórias, encontros e desencontros; há quem queira olhar para trás e compreender; há quem deseja nem sequer pensar no que passou e no que se passou. Compreendamo-nos todos. Pois somos diferentes. (...)

(**) Vd. postes de:


Guiné 63/74 - P16615: O que é feito de ti, camarada ? (6): Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)... Um resistente, duplamente resistente... Faz hoje anos... Parabéns, amigo, e até sempre! (Juvenal Amado)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador, à civil... Um homem gentil que aqui aprendeu a amar aquela terra e aquela gente...




A caminho da Guiné, num dos navios da nossa marinha mercante, o "Angra do Heroísmo", que largou do Tejo em 18/12/1971, cheio que nem um ovo...

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador, uma especialidade pouco usual...



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador 




Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O Carlos Filipe, radiomontador, da CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado, com hepatite,  para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.


Fotos © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Mensagem, com data de 9 do corrente, do  Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas,  CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974"  (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)


Carlos,  mando aqui alguma coisa escrita para o poste do Carlos Filipe. Também envio fotos que tenho dele e junto a talhe de foice,  porque falo do Jamba,  uma foto em que o Catroga trata do filho dele.

Um abraço, Juvenal
Encontramo-nos a miúde na Amadora [,onde vive, sozinho, viúvo, com uma filha a viver no Cacém, e doente, doente de longa duração, mas resistente...]

Bebemos um café numa esplanada muito agradável perto da casa dele. Falamos de tudo mas em especial da Guiné, da sua situação interna, da sua classe politica, do seu injustiçado e sofrido povo.

Não consegue esconder desgosto por ver o partido de Amilcar Cabral não ser melhor que os demais, depois de tantas lutas, também ele se afunda na corrupção, no lodo dos interesses instalados e dos que se querem instalar.

Soubemos há tempos que o quartel de Galomaro foi transformado em armazém serração, que faz parte da praga que abate as suas florestas e que por isso não se pode filmar nem fotografar. As provas do crime, aguardam por embarque para Bissau em Bambadinca, ou no Xime. No Geba,  rio que cruzamos cheios de dúvidas e ansiedades das chegadas e alegrias das partidas, cumprirão mais uma etapa que levará a madeira das milhares de árvores abatidas para a China.

Para trás fica a destruição do meio ambiente, a sua fauna e flora. A Guiné que nós conhecemos, é só um resquício na nossa memória, é como vermos alguém morrer jovem e belo, vamos sempre lembrá-lo assim.

Acabamos por lembrar Galomaro mais o Regála, o Jamba [, foto à esquerda,] que era do PAIGC na clandestinidade, andava dentro do quartel por onde queria e lhe apetecia, a alegria das lavadeiras, Bafatá com os seus restaurantes e o seu comércio vibrante, a piscina, a praça, os vendedores de óculos de sol e relógios das melhores marcas “suíças” que só trabalhavam o tempo de sair da cidade....

As loucuras dos almoços às 10 da manhã, com whisky e charutos para rematar, pois a coluna tinha que sair com o correio o mais tardar às 11,30. Bebíamos mais uma para a viagem no caminho já à saída de Bafatá à esquerda,  numa tasca que,  segundo diziam.  eram de um individuo de Alfeizerão, que jogava com um pau de dois bicos e nem um copo de água dava à malta. Mandava-nos ir beber ao poço e era se queríamos.

Carlos ri-se da minha forma de falar, relembrar,  e dos rodeios que faço para lá chegar. Há dias levei-lhe um emblema do nosso batalhão. Só para ver aquele olhar iluminar-se e aquele corpo magro que resiste ao sofrimento crescer um palmo, metaforicamente falando, valeu apena.

Telefonou-me no dia 4 deste mês e eu não dei por isso. Quando reparei telefonei-lhe logo mas já não me atendeu. Tenho-lhe telefonado todos os dias sem conseguir falar com ele. Não me admiro,  pois por vezes está semanas e meses sem falar comigo, até que um dia vejo que é ele,  atendo, fico a saber, pela sua voz sumida e fraca, que esteve internado, ou que a quimio o deitou abaixo de tal maneira que nem comer nem beber consegue.

Volto-me a encontrar com ele e lá voltamos à Guiné e ao blogue dele,  Bissau Resiste, onde ele se digladia com guineenses e não só, de tendências e religiões várias. Facto que lhe grajeia amigos e possivelmente mais inimigos.

Fico a pensar onde vai buscar semelhante força.

Não sei quando vou falar com ele novamente, não sei se lhe consigo dar os parabéns pelo seu aniversário pessoalmente, mas nem por isso quero deixar esquecido e vou beber um copo à sua resistência e força, que o faz vencer todos os dias mais um dia.

Parabéns, Carlos Filipe.  recebe um abraço deste teu camarada, que o 3872 juntou e a Guiné uniu.

Até sempre, amigo.

Juvenal


Um resistente: o Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74) ... Foto atual... Vive na Amadora, sozinho, viúvo, com uma filha a viver no Cacém, e doente, doente de longa duração, mas resistente, duplamente resistente, um lutador...Tem 22 referências no nosso blogue.... Mas no seu blogue, "Bissau Resiste", tem mais de 7 mil postes publicados, em 4 anos, desde meados de 2013...




Cabeçalho do blogue do Carlos Filipe, "Bissau Resiste", criado em agosto de 2013 e atualizado até ao início de outubro de 2016. Tem mais de 70 seguidores. O nº de postes anuais é notável:  2016 (926); 2015 (3215); 2014 (2391); 2013 (790).


 2. Comentário do editor:

Caro Juvenal, és um grande ser humano. O que fazes pelo teu (e nosso)  amigo e camarada, é digno de registo, é um exemplo para todos nós, É isso a camaradagem e a solidariedade humana. É também esse espírito da Tabanca Grande.

Sim, eu sabia que Carlos Filipe estava (ou esteve) doente, há uns anos atrás.  Mas não sabia era o resto da história nem lo prognóstico da doença...  Há estoicismo e dignidade na maneira como o Carlos tem enfrentado a adversidade e fintado a morte.

Se conseguires estar com ele,  hoje, no dia do seu aniversário natalício, dá-lhe um abraço, de todos nós,  do tamanho do poilão da Tabanca Grande e bebe um copo com ele, por ele, por ti  e por todos nós, que merecemos viver mais uns aninhos cá na terra, para compensar os que perdemos na guerra... Mesmo de muletas... por que como diz o provérbio popular "mais vale andar neste mundo de muletas  do que no outro em carretas"... (LG)
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Guiné 63/74 - P16614: Parabéns a você (1150): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74) e Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil AO Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série > 18 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16612: Parabéns a você (1149): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1979/71)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo)


Foto nº 1 > Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) > Canhão s/r,  vendo-se ao fundo uma das célebres colinas do Boé que rodeavam o aquartelamento.



Foto nº 2 > Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) > Abrigo

[Duas das 38 fotos de Madina do Boé com que o Manuel Coelho nos  brindou  em 2011 e que já publicámos no nosso blogue, sendo até agora o melhor registo fotográfico que conhecemos deste mítico aquartelamento. Justifica-se a republicação, um dia destes,  do conjunto, por temas. (LG)]

Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas]


 
Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes),
Portimão, Grupo Lusófona.


1. INTRODUÇÃO

Dando continuidade ao projecto de investigação que tem por título «d(o) outro lado do combate», seguimos com mais algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.

No poste anterior, iniciámos a entrevista ao médico militar Virgílio Camacho Duverger [1934-2003], a terceira no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador  Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação [Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em: 

Uma vez que se trata de uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no nosso blogue e a outras referências retiradas da Net.

Por outro lado, este segundo poste,  referente ao médico Virgílio Camacho Duverger,  irá ter, certamente, comentários de grande valor histórico por parte dos bravos camaradas, ex-combatentes, onde os factos relatados estão prestes a completar cinquenta anos. É muito tempo… mas acredito que os episódios marcantes para aqueles que os viveram em Madina do Boé (ou na região do Boé), e foram muitos e dramáticos, nem todos são conhecidos. Eis uma oportunidade…

2. O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [II]

Virgílio Camacho Duverger, cujo nome de guerra era "Vítor Córdoba Duque”, nasceu a 29 de novembro de 1934, em Guantánamo, chegando à Guiné-Conacri nos primeiros dias de junho de 1966, a seis meses de completar trinta e dois anos de vida e sete anos após ter ingressado no Exército Rebelde como técnico de saúde.

Concluiu o curso de medicina em Havana em dezembro de 1960, incorporando-se como médico militar. No dia seguinte a obter o seu diploma foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para La Limpia del Escambray como médico militar.

Poucos meses depois é designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma localidade existente na Serra Maestra, aonde funcionava a escola de recrutas [cadetes] que Ernesto Che Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.

Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, para depois rumar ao Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Central Dr. Carlos J. Finlay como especialista.

Em janeiro de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é lhe colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão ao estrangeiro e que no seu caso seria a Guiné-Bissau, que aceita. Faz, então, parte do primeiro contingente de trinta elementos, entre médicos, artilheiros e motoristas-mecânicos, a chegar em missão de ajuda ao PAIGC.

Seguem-se mais alguns desenvolvimentos dessa missão,  revelados durante a entrevista dada pelo cirurgião cubano Virgílio Camacho Duverger ao jornalista e investigador  Hedelberto López Blanch, 10 meses antes de morrer.


Entrevista com 22 questões [Parte 2 > da 8.ª à 12.ª]

“Testemunhos antes da morte” [Cap. XII, pp. 154-165]



[A nota introdutória é da responsabilidade do jornalista Hedelberto López Blanch, justificando, pelo desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da morte». As perguntas vão numeradas, em romano, opção nossa. Optámos também pelo itálico na transcrição da respostas do entrevistado. Os parêntes retos são nossos].

A entrevista ao médico Virgílio Camacho Duverger [1934-2003] foi realizada pelo jornalista e historiador cubano Hedelberto Blanch numa tarde de janeiro de 2003, num pequeno gabinete do Hospital  Hermanos Ameijeiras, aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras. Viria a falecer dez meses depois,  vítima de enfarte do miocárdio.


(viii) Após a chegada  para onde o destinaram?

Em Conacri estivemos pouco tempo. Uma vez reunimo-nos com Amílcar Cabral [1924-1973]. Do grupo de nove médicos, o dr [Pedro] Labarrere e eu [Virgílio Duverger] éramos os únicos especialistas, alguns eram internos e outros com muito pouco tempo de graduados.

[Guiné > c. 1966//67 > s/l > Provavelmente base de Sambuia, em 1967... Da direita para a esquerda, os médicos Pedro Labarrere (falecido), Domingo Díaz Delgado e Teudy Ojeda... O primeiro da direita era o chefe do grupo cubano da Frente Norte, o tenente Alfonso Pérez Morales (Pina). Foto anexa ao livro de H.L. Blanch (2005). Reproduzida com a devida vénia.]


Na capital da Guiné-Conacri já estavam os que tinham viajado de avião [em março de 1966]. Eu fui para Boké, uma localidade situada perto da fronteira com a Guiné-Bissau, aonde havia um hospital de rectaguarda do PAIGC para a Frente Sul. Naquele tempo, na Guiné-Bissau existiam três frentes de guerra: Leste, Sul e Norte.

Para a Frente Norte, que teriam que passar pelo território do Senegal, vão três médicos: Pedro Labarrere, especialista em medicina interna; Domingo Diaz [Delgado], que tinha pouco tempo de graduado, com alguma experiência em cirurgia [o primeiro entrevistado deste projecto – P16224] e Teudi Ojeda [Suárez], com conhecimentos em ortopedia [Vd. foto acima].

Para a Frente Sul vão três cirurgiões: Rómulo Soler Vaillant, Luís Peraza [Cabrera] e o Bebo [Julio García Olivera], que era cirurgião em Santiago de Cuba.

Em Boké, ficou o Raúl Currás [Regalado], especialista em medicina interna, Jesús Pérez, que fazia ortopedia, e eu [Virgílio Duverger], que era especialista em cirurgia geral [, mais tarde irá especilizar-se em cirurgia cardiovascular]. 


Ali já se encontrava um médico [italo-]panamiano, de nome Hugo Spadafora [Franco] [1940-1985], que esteve connosco cerca de dois meses e depois não sei para onde foi.


[Segundo José Macedo (DFE21), Hugo Spadafora chegou a Conacri em 10 de fevereiro de 1966, seguindo para Boké, onde recentemente o PAIGC tinha aberto um hospital. (…) Spadafora saiu de Boké para as matas da Guiné-Bissau em julho de 1966, aí permanecendo durante nove meses. Regressou ao Panamá em maio de 1967 (comentário ao P9070)].


(ix) Passou todo o tempo em Boké?


Com cerca de três meses de estadia em Boké, o dr. Jesús Pérez teve uma icterícia violenta e regressou a Cuba. Ficámos ali só os dois: o Raúl Currás e eu [Virgílio Duverger].

Mais tarde [agosto de 1966?] mudaram-me para a Frente Leste, cujo objectivo principal, do ponto de vista militar, era o quartel de Madina do Boé [onde esteve instalada, entre maio de 1966 e abril de 1967, a CCAÇ 1416, comandada pelo Cap Mil Jorge Monteiro].

Fizemos um "hospitalito" [enfermaria de campanha] no interior da República da Guiné, perto da fronteira com a Guiné-Bissau, para apoiar os combatentes da Frente Leste, cujo chefe era o cmdt Domingos Ramos [nome de guerra “João Có”] do PAIGC .



(x) Em que consistia  esse hospital de campanha? 



Era muito rudimentar: umas palhotas de colmo com três ou quatro camitas. O médico tinha uma cubata independente, perto da enfermaria, com um rio [Corubal] a cem metros que era necessário para a higiene da instalação.

Depois vieram outros dois médicos cubanos de cirurgia, o dr.  [Santiago] Milton Echevarria [Ferrerá] (faleceu em Cuba em 2003) e o dr. Ibrahim [Fernández] Rodriguez, que actualmente é [tenente-coronel, ] professor consultor de cirurgia do Hospital Militar Central Dr. Carlos J. Finlay [com vários artigos publicados na Revista Cubana de Medicina Militar]. 



Milton Echevarria chega ao nosso hospital de forma indirecta, porque saiude Cuba para cumprir a sua missão em Moçambique, mas por não existir um  coordenador naquele país, não pôde ficar, seguindo para integrar esta nossa missão [na Guiné-Bissau].

[O dr. Ibrahim Fernández Rodriguez fez parte da equipa de sete especialistas cubanos que trataram o presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013) durante a sua estadia em Cuba. Por esse motivo foram condecorados pelo Governo Venezuelano com a «Ordem dos Libertadores e Libertadoras da Venezuela de 1.ª Classe e Espada», conforme consta no Decreto 9419, publicado no Diário Oficial n.º 40130, a segunda mais importante do país. A primeira é a “lança” e a terceira é a ”flecha”].


(xi) Participou em acções de guerra? 


A missão militar mais importante em que participei foi num reconhecimento ao quartel de Madina [do Boé]. Em novembro de 1966, na companhia dos exploradores, o dr. [Santiago] Milton Echevarria [Ferrerá] e eu [Virgílio Duverger] fizemos uma caminhada que durou perto de cinco horas até que chegámos ao local previsto. 

Regressámos, e em poucos dias preparou-se o ataque ao quartel, não para o conquistarmos, mas tão só para causar baixas e para dar conta que a guerrilha estava activa.


Guiné > Região de Boé > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento. Foto atribuída a Manuel Domingues, s/d, inserirda no poste P238 (**)



Antes do ataque, fizemos um posto avançado. Comigo ia um enfermeiro anestesista do Hospital Dr. Carlos J. Finlay [Havana] que se havia incorporado. Este enfermeiro estivera inicialmente em Boké [hospital de rectaguarda] na companhia do dr. Noronha, de um clínico de radiologia e de um clínico de laboratório.

Entrámos em território da Guiné-Bissau para estar mais perto do combate,  de modo a facilitar a assistência médica aos combatentes que ficassem feridos. Essa foi uma experiência repetida nas Frentes Norte e Sul do país, aonde as distâncias eram grandes e às vezes os feridos demoravam vários dias para chegar ao hospital.


A primeira morteirada lançada pelos portugueses [da guarnição de Madina do Boé, a CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local aonde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos [foto ao lado com Amílcar Cabral – P16246]. Os estilhaços atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta,  não lhe tendo dado tempo para o levar até ao hospital, situado na fronteira, e para o poder operar. O posto sanitário avançado era só para prestar os primeiros socorros. Durante a evacuação a caminho do hospital, Domingos Ramos faleceu [em 10 de novembro de 1966].

Embora médico, eu ia armado pois em algum momento poderia ter de combater. Do lugar aonde estávamos ouvia-se perfeitamente o ruído das viaturas dos portugueses, assim como dos disparos de artilharia: obuses [, granadas de canhão s/r, não havia obuses] e morteiros. O posto médico estava a cerca de três quilómetros do combate.


[Este episódio é descrito pelo “internacionalista” cubano Ulises Estrada Lescaille,  Ulises, só com um "s", nome de guerra de Dâmaso José Lescaille Tabares (1934-2014), chegado à Guiné-Bissau na sequência do contacto que estabelecera com Amílcar Cabral durante a Primeira Conferência Tricontinental, realizada em Havana em janeiro de 1966, nos seguintes termos:

“Eu encontrava-me ao lado de Domingos [Ramos], em que metade do seu corpo cobria o meu para proteger-me, coisa que não pude evitar, e abrimos fogo com um canhão B-10 colocado numa pequena elevação situada a cerca de seiscentos metros do quartel. Os portugueses [CCAÇ 1416] tinham montado postos de vigia na zona e responderam com disparos certeiros de morteiro, embora nós continuássemos a disparar com o canhão sem recuo, metralhadoras e espingardas.

Pouco tempo depois de iniciado o combate, senti que corria pelo lado direito das minhas costas um líquido quente e pensei que estava ferido por uma das morteiradas que caíam ao nosso redor. Era Domingos [Ramos], sangrava abundantemente. Peguei no seu corpo com a ajuda de outro companheiro e o conduzimos ao posto médico, situado a cem metros da zona do combate. O médico cubano [?, pois havia mais do que um] informou-me que havia falecido.

Não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos dos portugueses. Pegámos no seu corpo e num camião nos deslocámos pelos campos de arroz até à fronteira com Conacri. Chegámos a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço e entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides [Maria] Pereira [1923-2011], para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia este combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate”].

[tradução de JA, do castelhano: «Recordando Amílcar Cabral, líder anticolonialista da Guiné-Bissau», em: http;//45-rpm.net/sitio-antiguo/palante/cabral.htm].


(xii) Esteve até ao fim da missão no Leste da Guiné ?


Não. Como aí estava já há um ano, em junho de 1967, o dr. Rómulo Soler Vaillant, que estava na Frente Sul com Bebo [Julio García Olivera] e Luís Peraza [Cabrera], adoeceu e enviam.-no para Madina do Boé, aonde o trabalho era menos intenso, e a mim transferem-me dali com destino ao Sul [Frente].

Nessa altura já aí se encontrava o comandante Victor Dreke [Moya] como chefe da Missão Militar Cubana, e também começámos a receber aprovisionamento logístico (viveres) de Cuba, que anteriormente não tínhamos. No hospital do Sul tínhamos um caçador nativo, que era combatente, e que assegurava a proteína dos feridos e do pessoal do hospital.

Quando substitui o dr. Rómulo [Soler Vaillant], sou nomeado chefe do Hospital Militar de Boké que, como disse, estava em território da Guiné-Conacri.
   
(Continua) (***)

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Notas do editor:

(*)  Último poste da série > 12 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (888): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 25 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P238: Antologia (22): Madina do Boé, por Jorge Monteiro (CCAÇ 1416, 1965/67) (Luís Graça)

(***) Último poste da série > 17 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16608: Notas de leitura (891): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16612: Parabéns a você (1149): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 2533 (Guiné, 1979/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16596: Parabéns a você (1148): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Reformado da Marinha Portuguesa (Guiné, 1961/63)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16611: Inquérito 'on line' (76): Dúvidas dos respondentes: (i) quando se esteve em dois ou mais quartéis diferentes (Carlos Alberto Fraga, Mansoa, 2.º semestre de 1973); e (ii) o caso específico das tropas africanas e suas famílias que as acompanhavam (José Martins, Canjadude, 1968/70)



Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 4612/72 > "Numa picada numa operação de patrulhamento. Eu estou em primeiro plano. À frente os guias. Creio que foi numa picada que ia de Mansabá em direcção ao Sara-Changalena, picada que não era utilizada há anos e que pretendiam reabrir para aceder directamente a uma localidade que não me lembro o nome, picada que atravessava o Sara-Changalena".

Foto (e legenda): © Carlos Alberto Fraga (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís
Graça & Camaradas da Guiné]


I. Mensagem de Carlos Alberto Fraga que foi alf mil na 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, em Mansoa, na segunda metade do ano de 1973 [foi adjunto, num curto período de 4 meses, até finais de 1973, do cap José Manuel Salgado Martins, indo depois ele próprio comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974].

Data: 17 de outubro de 2016 às 10:42
Assunto: inquérito

O inquérito sobre os familiares no mato parece-me que pode conduzir a erros, da maneira que está formulado.

Por exemplo, eu estive em Mansoa e quando lá estive não havia familiares de militares em Mansoa, embora me dissessem que em tempos esteve lá um casal (um alferes miliciano e mulher). Mansoa era uma zona bem protegida com várias companhias, etc, etc. Mas, em Bissorã, cerca de 30 kms a Norte,
um local menos defendido do que Mansoa, aí havia familiares de um oficial superior.

Portanto,  respondendo só sobre Mansoa, a resposta é não; respondendo mais genericamente,  a resposta é sim por causa de Bissorã. Qualquer das respostas não será exacta.

Cidades como Bissau, Nampula, Beira, Nacala, Vila Cabral etc.,  creio que não podem ser consideradas «mato». Aí havia montes de familiares de militares. Eram zonas seguras. Parece-me que o objectivo do inquérito - ou terei percebido mal -, se referia a zonas não totalmente seguras.
O «mato» por definição não é uma zona segura.

Abraço
Fraga


Guiné > Zona leste > Região do Gabu > Recepção do povo de Nova Lamego ao Ministro do Ultramar, 14 de Março de 1970 (**)

Foto (e legenda): © José Corceiro  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


III. O comentário do nosso colaborador permanente José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70] levanta a questão da especificidade das tropas africanas, como era o caso da CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos -, que estiveram sempre em Canjadude, região de Gabu (*):

No meu caso, por estar colocado numa unidade da Guarnição de Recrutamento Local, estas questões são um pouco atípicas.

As tropas africanas, na sua maioria, pelo menos na CCAÇ 5, eram casados e alguns com já bastante tempo de tropa. Em 1974, quando foi extinta, havia recrutados de 1961, tendo, nesse caso, feito o pleno da guerra.

As mulheres e os filhos, que viviam na parte civil agregada ao quartel, só não os acompanhavam nas operações no mato. Nas colunas à sede do batalhão, marcavam sempre presença.

No caso de europeus, apenas, e estou a tentar reportar desde 1961 a 1964, apenas houve uma
residente efetiva. A esposa de um capitão que foi destacado do comando da CCS do Batalhão de Nova Lamego, para a CCAÇ 5. Em tempo recorde foi construído, dentro do perímetro militar, um abrigo para alojar o casal. A senhora ficou em Nova Lamego apenas o tempo da construção do abrigo. Assim que ficou "habitável" o abrigo,  transferiu-se para Canjadude, frequentando o refeitório dos graduados, nas refeições, à excepção do pequeno almoço, que o serviço de "catering" lhes levava.

Um outro caso, posterior à minha presença: houve um Furriel QP que esteve doente, vindo a falecer, que não foi evacuado, mas foi "patrocinada" a presença da esposa no aquartelamento.

Portanto, a minha resposta  é Sim, estiveram no aquartelamento mulheres e filhos, de militares, quer africanos quer europeus.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Saída de Nova Lamego para Canquelifá com "armas, bagagens, mulheres e filhos dos nossos soldados"

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


III. Comentário do editor, respondendo às dúvidas levantadas sobre o inquérito a decorrer até 5.ª feira...

Recorde-se que o nosso questionário tem a seguinte configuração:

"NO MATO, NO(S) SÍTIO(S) ONDE EU ESTIVE, NA GUINÉ, HAVIA FAMILIARES NOSSOS"...


1. Sim, esposas (não guineenses)

2. Sim, esposas e filhos (não guineenses)

3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias)

4. Não, não havia

5. Não aplicável: não estive no mato

6. Não sei / não me lembro

A questão que o Carlos Fraga nos coloca amavelmente é pertinente, mas tem de ser resolvida com bom senso, objetividade e honestidade: o Carlos esteve em Mansoa, na região do Oio, na segunda metade de 1973,  e nessa altura não havia familiares de militares, metropolitanos, a viver no quartel (e vila) de Mansoa. (Não importa se, por exemplo, no tempo do César Dias, em 1969/71, a situação fosse outra, e ele tivesse convivido com familiares de militares nossos.)

Mas ele tem conhecimento de que em Bissorã. mais a nordeste, também na região do Óio, há um oficial superior que tem lá familiares... Mansoa e Bissorã ficam no "mato", disso ninguém tem dúvidas. A resposta do nosso camarada Carlos Fraga só pode ser, honestamente, a resposta 3 (Não, não havia)... E a do César Dias será 1. Sim, esposas (não guineenses).

Em caso de dois ou mais aquartelamentos por onde passou, no TO da Guiné, o respondente ao inquérito deve tomar como referência aquele onde esteve a maior parte da comissão: por exemplo, se se esteve 15 meses no Xime, e os restantes 6 meses em Quinhamel, deve-se tomar como referência o Xime e não Quinhamel, e sempre o período em que lá se esteve (por exemplo, 1969/71 ou 1972/74).

O formato do questionário só nos permite trabalhar com mais de uma pergunta. Além disso, a pergunta tem de ser curta... Admite, no entanto, mais do que uma resposta: neste caso, por exemplo, até 3 respostas:

1. Sim, esposas (não guineenses); 2. Sim, esposas e filhos (não guineenses); 3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias).

O Zé Martins tem razão no que diz respeito às tropas do recrutamento local (excluindo milícias...) como era o caso da CCAÇ 5 (a que ele pertenceu, em 1968/70) ou a CCAÇ 12 (a que eu pertenci, em 1969/71) ou a CART 11 (a que pertenceu o Valdemar Queiroz, 1969/70).

No caso de Canjadude, se calhar não havia uma clara distinção entre a tabanca e o aquartelamento. Pode-se considerar que os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 5 viviam com as famílias no perímetro militar... Já no caso da CCAÇ 12, não, os nossos soldados africanos viviam com as famílias nas tabancas (Bambadinca e Bambadincazinho), fora do "arame farpado", e sempre armados de G3... Não havia casernas para eles, no quartel de Bambadinca. No meu caso, a única resposta que eu deu foi 1. Sim, as esposas (não guineenses)... 

Também passei quase dois meses em Contuboel (junho/julho de 1969), mas não me lembro de lá "ter visto" sequer esposas de militares metropolitanos...

Os camaradas que estiveram em Bissau optarão, honestamente, pela hipótese de resposta: 5. Não aplicável: não estive no mato.

Os respondentes podem sempre, até ao encerramento do inquérito (ou ao "fechar da urna", corrigir a sua opinião /mudar de voto (*).
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Guiné 63/74 - P16610: Agenda cultural (507): No passado dia 13 de Outubro, integrada na série Tertúlias Fim do Império, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, no Porto, foi apresentado o livro "A Batalha de Cufar Nalu" da autoria do nosso camarada Manuel Luís Lomba, que foi Furriel Miliciano na Companhia de Cavalaria 703 (Guiné, 1964/66)

No passado dia 13 de Outubro, integrada na série Tertúlias Fim do Império, desta feita na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, no Porto, foi apresentado o livro "A Batalha de Cufar Nalu" da autoria do nosso camarada e tertuliano Manuel Luís Lomba, que foi Furriel Miliciano na Companhia de Cavalaria 703 (Guiné, 1964/66).

Bastante tempo antes do início da apresentação, já o espaço junto ao Bar estava bem composto com camaradas falando dos lugares e acontecimentos comuns, fossem eles na Guiné, Angola ou Moçambique.


Senhor Coronel José Manuel Belchior, Manuel Luís Lomba e Carlos Vinhal

 
Armando Faria e Carlos Vinhal do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


O Autor Manuel Luís Lomba; Carlos Vinhal (1.º Secretário da Mesa da AG do Núcleo de Matosinhos da LC) e o Dr. Fernando Reis Lima (Presidente da Mesa da AG do Núcleo do Porto da LC), ex-Tenente Miliciano Médico em Angola no difícil ano de 1961.


Chegada a hora, os presentes entraram na sala onde iria decorrer a apresentação da obra.

O senhor Coronel Belchior, na qualidade de moderador, deu início aos trabalhos, apresentando a Mesa, dando posteriormente a palavra ao autor.



A Mesa era composta pelo moderador, senhor Coronel Belchior, Presidente da Direcção do Núcleo do Porto da LC (de pé); senhor Dr. Fernando Eduardo Reis Lima, Presidente da Mesa da AG do mesmo Núcleo; representante do senhor Ten-General Sousa Pinto, ausente por motivos de força maior; e pelo Autor Manuel Luís Lomba.


A apresentação do livro, "A Batalha de Cufar Nalu", esteve exclusivamente a cargo do seu autor, que manteve a assistência atenta e interessada. As matas, da Guiné, de Cufar Nalu e o Cantanhês, mesmo para quem não as conheceu, são um misto de curiosidade e mistério, pela sua beleza e perigosidade, durante anos santuário do PAIGC.



Manuel Luís Lomba mantendo diálogo permanente com a Mesa e com os a assistência.

Manuel Luís Lomba viajou pelo tempo e pela Guiné, destacando o facto de a sua Companhia estar durante meses em Bissau ao dispor do Com-Chefe como força de intervenção, o que a levou a participar em diversas operações em toda a Guiné, especialmente no Óio e no Leste, como descreve no seu livro, acabando por ser colocada, em nomadização, nas piores condições, em Cufar Nalu e, mais tarde, em Buruntuma.

Terminada que foi a sua intervenção, o Autor foi felicitado pelo moderador pela forma como se expressou, recebendo o elogio de que se é bom a escrever não o é menos a falar.

Seguiu-se o diálogo com a assistência, sendo como seria natural e notório mais intenso com os antigos combatentes da Guiné.



 Um camarada da Guiné interpela o Autor

O Coronel David Martelo, autor de vários livros e editor do Blogue A-bigorna, intervindo a partir da assistência.

Seguiu-se a sessão de autógrafos, e ainda houve tempo para uma tertúlia informal do hall de entrada, nesta caso de saída, da Messe Militar do Porto.


O Autor, Manuel Luís Lomba durante a sessão de autógrafos

Fotos: © Dina e Carlos Vinhal
Texto e legendagem das fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16589: Agenda cultural (500): Lançamento do livro de poemas "Sussuros Meus", da autoria de Fernando Jesus Sousa, dia 14 de Outubro de 2016, pelas 15 horas, no Salão Nobre da ADFA, Av. Padre Cruz, Lisboa

Guiné 63/74 - P16609: Inquérito 'on line' (75): as primeiras 66 respostas, a três dias do fim do prazo (5ª feira, dia 20): só em 28 casos havia famílias de militares, não guineenseses, no mato... "Lembremos que o maior número de militares do quadro não estavam longe de belas cidades como Luanda, Benguela, Uíge, Malange, Lourenço Marques, Beira, Nova Lisboa e Bissau, por exemplo, onde não faltava nada (comentário de Antº Rosinha)


Guiné > Bissau > Anos 70 > Quartel General em Sta. Luzia > Piscina, a que tinham acesso os oficiais do QP e milicianos,  e seus familiares. Foto do álbum do nosso saudoso António [Henriques Campos] Teixeira,  o "Tony"  (1948-2013), ex-alf mil da CCAÇ 3459 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 6,  Bedanda,  1971/73) (*)


Guiné > Bissau > s/d [, meados dos anos 60] > Av Carvalho Viegas, um das ruas da baixa, onde o comércio tinha tudo... Bilhete postal, nº 129, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")


Guiné > Bissau > s/d   [, meados dos anos 60] > Aspecto parcial  da cidade, Câmara Municipal à direita, Palácio do Governador ao fundo à esquerda... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")


Guiné > Bissau > s/d  [. meados dos anos 60] > Um cidadezinha colonial, feita a régua e esquadro, desenhada pela República, desenvolvida com o Estado Novo (a partior dos anos 40)... Vista parcial da baixa com o estuário do Geja e o ilhéu do Rei, ao fundo... Bilhete postal, nº 117, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa").

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). (**)


I. INQUÉRITO 'ON LINE':

 "NO MATO 
NO(S) SÍTIO(S) ONDE EU ESTIVE, NA GUINÉ,
HAVIA FAMILIARES NOSSOS"...


As primeiras 66 respostas:


1. Sim, esposas (não guineenses)  > 

19 (28%)

2. Sim, esposas e filhos (não guineenses) >  
9 (13%)

3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias)  > 
9 (13%)

4. Não, não havia >  
35 (53%)

5. Não aplicável: não estive no mato  > 
2 (3%)

6. Não sei / não me lembro  > 
0 (0%)


Termina dia 20/10/2016, 5ª feira, às 6h52. O inquérito admite até duas respostas: por exemplo 1 e 3; 2 e 3. (***)


2. Comentário de Antº Rosinha (***):

[ Antº Rosinha, em Pombal, 2007:  é um dos nossos 'mais velhos', andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado, fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62, diz que foi 'colon' até 1974... 'Retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho']

Este pormenor das famílias dos militares irem [ou poderem ir] para o Ultramar,  pode ser um ponto de vista para explicar muita coisa sobre a durabilidade da Guerra.

A vida da maioria dos oficiais e sargentos (não milicianos) e muitos tenentes e capitães milicianos, casados,  com filhos quer no liceu ou na primária ou mesmo na Universidade, tornou-se numa rotina bem "oleada" que corria sobre esferas, em plena Guerra do Ultramar.

Lembremos que o maior número de militares do quadro não estavam longe de belas cidades como Luanda, Benguela, Uíge, Malange, Lourenço Marques, Beira, Nova Lisboa e Bissau,  por exemplo, onde não faltava nada.

E nessas cidades havia casas para arrendar e o pessoal do quadro tinha direito a "subsídio de renda de casa", quer na metrópole ou no Ultramar, e evidentemente, o subsídio de cada filho menor ou enquanto estudasse.

E lembremos que essa rotina bem "oleada" continua em quantidade e qualidade com comissões em "Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Guarda, Bragança..." (em ondas curtas compridas e comprometidas) por mais alguns anos de 1974, até aos anos 80, com concursos e promoções e preenchimento das imensas "vagas" do quadro.

É que a luta continuou indefinidamente, Porquê ?  A explicação deve ser a mesma pela qual não se explica cabalmente por que é que os capitães de Abril só apareceram em 1974 e não em 1968.

A guerra não acabou para todos em 1974, houve uma (boa) continuação para alguns.

Canquelifá, Buruntuma, Binta é uma coisa... outra coisa é outra coisa.

Tem que haver memória.
Antº Rosinha