1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 17 de Outubro de 2016:
Queridos amigos,
O viandante sente a alma libertária, Londres está com bom tempo e alguns dos melhores museus do mundo podem acolhê-lo a custo zero. Escreveu na lista: Tate Britain, Tate Modern, Museu Alberto e Victória, Museu Britânico, National Gallery, National Portrait Gallery, Wallace Collection, Royal Academy of Arts... Impossível dar vazão a tantos empreendimentos.
Seja o que Deus quiser, começa o passeio de Old Street para Liverpool de Street Station, compra de um passe para o centro. Aqui, houve hesitações e depois decisões categóricas. Voltar à National Gallery e seguir os princípios de José Saramago: ver de manhã o que já se viu à tarde, assombrar-se com os
Girassóis de Van Gogh, cumprimentar Miguel Ângelo, e por aí fora. Foi um dia e peras, até deu para comer Fish and Chips e à noite salsichas Cumberland, puré de batata e legumes com uma boa cerveja.
Amanhã vou para o mundo das guerras, daquelas que trucidaram milhões, em trincheiras, desembarques e batalhas.
Um abraço do
Mário
Central London, em viagem low-cost (2)
Beja Santos
A National Gallery é sinónimo de pintura, ninguém que goste de arte pode fugir a este poderoso espaço onde nos aguardam obras, entre outros, de Botticelli, Leonardo, Rafael, Bruegel, Michelangelo, Rembrandt, Velázquez, Cézanne, Goya, Turner e Van Gogh. A entrada é sumptuosa e tem história, o que estamos a ver era a entrada de um palácio concebido por Jorge IV, que delapidou uma fortuna em construções e obras de arte. O Parlamento secou-lhe a teta, ficou esta entrada, e depois surgiu o projeto da Galeria Nacional, uma das mais ricas do mundo.
O chão da entrada é uma obra de arte. Estão aqui os famosos mosaicos de Boris Anrep (1885-1969) que nasceu na Rússia mas deixou o seu trabalho em Inglaterra. Nos anos 1920 começou a trabalhar na Tate Gallery e depois veio para a National Gallery onde durante décadas foi compondo uma série de trabalhos que desafiam a imaginação: encontramos musas e outros temas clássicos, em que Virginia Wolf é Clio, Greta Garbo aparece como a musa da tragédia. O viajante está pronto a regressar só para aqui passar calmamente uns bons pares de horas a deleitar-se com este génio do mosaico. Não se esqueçam de ver atentamente Churchill a enfrentar o monstro, já sabem quem.
Depois da pintura segue-se o retrato em diferentes formas no museu ao lado, a National Portrait Gallery, há aqui retratos de tudo e de todos do Reino Unido: os Tudor, os Stuart, o século XVIII em peso, os vitorianos, muita profusão do século XX. Andava o viandante a deliciar-se com escultura e pintura dos contemporâneos quando encontrou o busto de um escritor a todos os títulos famoso, John Buchan (1875-1940), é o autor de uma prodigiosa história de espionagem
"Os 39 Degraus" que Hitchcock passou a cinema em 1935. Acontece que o viajante levava consigo uma destas edições para aprendizes de inglês, ele fala um inglês de sobrevivência e nestas viagens tem a manifesta ilusão de que está mais protegido quando lê romances condensados e num inglês facilitado. O importante foi a coincidência. Olha John Buchan, obrigado pela boa companhia que me dás!
Em frente à National Portrait Gallery temos St Martin-in-the-Fields, é um lugar de culto e um santuário da música, entra-se gratuitamente para visitar o templo e pode dar-se a circunstância da assistir a um ensaio-geral, e foi isso que aconteceu, o viandante descansava as pernas, contemplava a cúpula da igreja, ouvia Hendel, Pergolesi e Vivaldi. Em low-cost mais é impossível.
Esta é a fachada do famoso Coliseu, noite de estreia de ópera. Benevolentes, os empregados deixaram entrar o viandante enquanto saíam de carros luxuosos a clientela da estreia. Entrada sumptuosa, temos aqui um dos indicadores da Londres feérica.
Estamos agora no segundo dia, o viandante vai para a outra margem do Tamisa, para Barbican, é aqui que se situa o Imperial War Museum, casa impressionante. Anos atrás, o viandante apanhou uma exposição sobre a I Guerra Mundial, ficou paralisado a ler cartas de militares aos seus familiares, cartas que foram as últimas comunicações de quem em breve morreria nas trincheiras ou fora delas. Aqui encontrou substância para um trecho que faz parte de um dos seus trabalhos A mulher grande. Vamos adiante. Sai-se do metro e como é habitual anda-se uns quilómetros até chegar ao destino. Eis se não quando se dá de frente com um dos mais míticos teatros do mundo, o Old Vic. Para quem gosta de teatro, estamos em Roma, em Meca ou no Ganges, nesta casa representaram figuras lendárias e neste momento Glenda Jackson faz de Rei Lear. Vamos adiante.
Ameaça chuva pelo que à cautela se fotografa a opulenta fachada com canhões de meter medo. O viandante sabe o que lhe espera: aviões, bombas voadoras, carros de combate, cenas estarrecedoras de guerra. Neste momento em que acaba de fotografar a fachada a que se seguirá um café servido num quiosque por uma brasileira de Campinas, ele ainda não sabe que lá dentro o espera uma fotografia que lhe lembrará, como ferrete em brasa, os seus tempos de combatente.
Lá chegaremos.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 18 de fevereiro de 2017
Guiné 61/74 - P17058: Os nossos seres, saberes e lazeres (199): Central London, em viagem low-cost (1) (Mário Beja Santos)