Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 27 de dezembro de 2016 > Um ramo seco de carvalho com bugalhos ... Mas aqui não há a tradição, que é mais urbana, do pão-por-deus...
1. Lembrando uma tradição antiga da minha Estremadura (*):
Na tua infância
pedia-se o “pão-por-deus”,
Na tua infância
pedia-se o “pão-por-deus”,
de porta em porta,
no Dia de Todos os Santos,
véspera do Dia de Finados.
Pedia-se o “pão-por-deus”,
por amor de Deus,
“por alma de quem... (a senhora, ou o senhor...) lá tem”.
Lembras-te também de andar,
com a tua mana e outros miúdos da rua do Castelo,
a percorrer as ruas, becos e travessas da tua vila,
que era pequena
e tinha poucas ruas.
Batia-se à porta dos ricos,
que eram poucos e, em geral, avarentos;
e dos remediados,
que já eram mais.
À porta dos “pobres de pedir”,
não valia a pena bater.
Não tinham, coitados, em casa, as guloseimas
que os putos procuravam,
para encher o saco de pano:
pinhões, nozes, castanhas,
véspera do Dia de Finados.
Pedia-se o “pão-por-deus”,
por amor de Deus,
“por alma de quem... (a senhora, ou o senhor...) lá tem”.
Lembras-te também de andar,
com a tua mana e outros miúdos da rua do Castelo,
a percorrer as ruas, becos e travessas da tua vila,
que era pequena
e tinha poucas ruas.
Batia-se à porta dos ricos,
que eram poucos e, em geral, avarentos;
e dos remediados,
que já eram mais.
À porta dos “pobres de pedir”,
não valia a pena bater.
Não tinham, coitados, em casa, as guloseimas
que os putos procuravam,
para encher o saco de pano:
pinhões, nozes, castanhas,
figos, amêndoas, romãs,
broas, bolinhos de festa,rebuçados
(que nesse tempo ainda não havia chupa-chupas nem chocolates)…
E, claro, pão, acabado de cozer no forno,
que nesse tempo ainda não havia o pão de plástico.
E, a cereja no bolo, um tostãozinho,
mais uma vez por alma dos defuntos da casa.
No tempo em que poucos conheciam a cor do dinheiro...
Um tostãozinho como na época dos santos populares,
“um tostãozinho para o São João…
e para a nossa reinação”.
Algumas senhoras da elite local
gostavam de receber nesse dia
as chusmas de miúdos que lhes batiam à porta,
a pedir o "pão-por-deus".
Não vinham sujos, nem rotos, nem de pé descalço,
pelo contrário vinham todos "endomingados",
não lhes causando, por isso,
que nesse tempo ainda não havia o pão de plástico.
E, a cereja no bolo, um tostãozinho,
mais uma vez por alma dos defuntos da casa.
No tempo em que poucos conheciam a cor do dinheiro...
Um tostãozinho como na época dos santos populares,
“um tostãozinho para o São João…
e para a nossa reinação”.
Algumas senhoras da elite local
gostavam de receber nesse dia
as chusmas de miúdos que lhes batiam à porta,
a pedir o "pão-por-deus".
Não vinham sujos, nem rotos, nem de pé descalço,
pelo contrário vinham todos "endomingados",
não lhes causando, por isso,
às senhoras e aos senhores da vila,
a repugnância que os andrajosos
costumavam habitualmente provocar
a repugnância que os andrajosos
costumavam habitualmente provocar
aos bem nascidos, bem vestidos e bem aventurados…
Algumas senhoras não os convidavam a entrar,
eram as criadas que despachavam as crianças,
Se o dono ou dona abrisse a porta
Último poste da série > 29 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22670: Manuscrito(s) (Luís Graça) (205): E na hora da tua morte, ámen!... (Ninguém, por certo, te perguntará p'los teus sonhos... de menino)
Algumas senhoras não os convidavam a entrar,
eram as criadas que despachavam as crianças,
umas com bons modos, outras nem por isso.
Era uma festa, o dia (ou a manhã) do "pão-por-deus",
fazendo lembrar aos ricos
que dar aos pobres era dar a Deus…
Mas não era propriamente uma manifestação de caridade,
muito menos uma forma de ostentação da caridade,
que essa ficava para as grandes ocasiões,
como os cortejos de oferendas
para construir ou ampliar o hospital,
ou as doações em vida por outras razões pias,
como a contrução de um capela,
em geral com direito a placa de bronze ou em pedra,
lembrando o acto e o nome do benfeitor.
Fazia parte da sociabilidade das gentes da vila
e das suas festividades cíclicas.
E a sua origem perdia-se na noite dos tempos,
remontando talvez aos rituais pagãos dos teus antepassados celtas,
que gostavam de ofertar pão e outros géneros
aos seus queridos mortos…
A tradição foi reforçada em Lisboa e região da Estremadura
com o terrível terramoto de 1 de novembro de 1755,
Era uma festa, o dia (ou a manhã) do "pão-por-deus",
fazendo lembrar aos ricos
que dar aos pobres era dar a Deus…
Mas não era propriamente uma manifestação de caridade,
muito menos uma forma de ostentação da caridade,
que essa ficava para as grandes ocasiões,
como os cortejos de oferendas
para construir ou ampliar o hospital,
ou as doações em vida por outras razões pias,
como a contrução de um capela,
em geral com direito a placa de bronze ou em pedra,
lembrando o acto e o nome do benfeitor.
Fazia parte da sociabilidade das gentes da vila
e das suas festividades cíclicas.
E a sua origem perdia-se na noite dos tempos,
remontando talvez aos rituais pagãos dos teus antepassados celtas,
que gostavam de ofertar pão e outros géneros
aos seus queridos mortos…
A tradição foi reforçada em Lisboa e região da Estremadura
com o terrível terramoto de 1 de novembro de 1755,
faz agora 266 anos
Milhares de habitantes em pânico e esfomeados
começaram a pedir, aos mais afortunados,
o pão-por-deus,
Milhares de habitantes em pânico e esfomeados
começaram a pedir, aos mais afortunados,
o pão-por-deus,
o pão por amor de Deus.
O hábito ficou e tornou-se um ritual,
retomado mais tarde pelas crianças,
e celebrado ainda hoje,
apesar da concorrência desleal do Halloween,
também ele de origem céltica,
mas já muito adulterado pelo marketing comercial,
O hábito ficou e tornou-se um ritual,
retomado mais tarde pelas crianças,
e celebrado ainda hoje,
apesar da concorrência desleal do Halloween,
também ele de origem céltica,
mas já muito adulterado pelo marketing comercial,
e pelos berçários, infantários e creches
onde as crianças são formatadas…
Provavelmente a Igreja enquadrou tudo isto muito bem,
como fez com outras festividades cíclicas de origem pagã,
fazendo coincidir o “pão-por-deus”
com o Dia, festivo, de Todos os Santos,
Provavelmente a Igreja enquadrou tudo isto muito bem,
como fez com outras festividades cíclicas de origem pagã,
fazendo coincidir o “pão-por-deus”
com o Dia, festivo, de Todos os Santos,
seguido do Dia de Finados
Há quem encontre alguma analogia entre o “pão-por-deus”
e o “trick or treat” (doçuras ou travessuras)
da noite de Halloween americano…
Dar e receber faz parte, afinal, do dom...
Em todas as sociedades há rituais destes,
mas os protagonistas principais,
no teu tempo (e ainda hoje…)
eram os miúdos até à idade escolar,
Há quem encontre alguma analogia entre o “pão-por-deus”
e o “trick or treat” (doçuras ou travessuras)
da noite de Halloween americano…
Dar e receber faz parte, afinal, do dom...
Em todas as sociedades há rituais destes,
mas os protagonistas principais,
no teu tempo (e ainda hoje…)
eram os miúdos até à idade escolar,
que nesse dia eram uns reizinhos.
Já depois dos dez anos tinhas vergonha
de andar a pedir de porta em porta
mesmo que fosse o “pão-por-deus”,
que um bom cristão não podia negar a ninguém.
Já depois dos dez anos tinhas vergonha
de andar a pedir de porta em porta
mesmo que fosse o “pão-por-deus”,
que um bom cristão não podia negar a ninguém.
Ia-se expressamente a certas casas
cujos donos ou donas viviam um pouco melhor do que a maioria.
E não eram muitas...
Quem não tinha filhos,
sentia-se melhor ( ou mais recetivo)
face ao peditório (ou pedinchice) dos putos.
cujos donos ou donas viviam um pouco melhor do que a maioria.
E não eram muitas...
Quem não tinha filhos,
sentia-se melhor ( ou mais recetivo)
face ao peditório (ou pedinchice) dos putos.
Lembras-te da Dona Rosa, senhora professora das Beiras,
de boas famílias, e da sua irmã Elvira,
de boas famílias, e da sua irmã Elvira,
uma viúva, a outra solteira,
que viviam na Escola Conde Ferreira (, na ala feminina),
frente à Casa de Deus, a igreja do Convento.
Lembras-te da senhora da Dona Raquel,
senhora rica, bondosa, também viúva,
que vivia num dos grandes solares da vila,
ocupando um quarteirão.
que viviam na Escola Conde Ferreira (, na ala feminina),
frente à Casa de Deus, a igreja do Convento.
Lembras-te da senhora da Dona Raquel,
senhora rica, bondosa, também viúva,
que vivia num dos grandes solares da vila,
ocupando um quarteirão.
Ah!, o misto de gozo e de terror que te dava puxares o grosso manípulo, em bronze, da sineta,
e esperares uma eternidade de segundos até que se abrisse o pesado portão...
e enfrantares a frieldade tumular da antiga cavalariça,
o chão empedrada com seixos do mar,
e, por fim, ganhares coragem para galgar a enorme escadaria
que te levava ao primeiro piso da mansão...
Enfim, lembras-te de outras senhoras,
que faziam ou mandavam fazer bolinhos especiais,
que faziam ou mandavam fazer bolinhos especiais,
para esta ocasião,
com um delicioso sabor a canela e pinhões,
as "broas do pão-por-deus"
com um delicioso sabor a canela e pinhões,
as "broas do pão-por-deus"
ou "broas dos santos"...
E que recebiam em troca um sorriso rasgado das crianças
que nesse tempo não eram mimadas,
por isso era o seu dia especial.
Chegavas a casa, em cima da hora do almoço,
extenuado, mas ainda alvoraçado,
com a sacola de pano cheio do "pão-por-deus".
Nesse dia podias alambazar-te, que não era pecado,
com guloseimas,
que a tua mãe, espartana, não comprava nem te deixava comer.
Ela governava a casa com mão de ferro,
embora nunca te faltasse o essencial,
a começar pelo amor.
Mas nesse tempo as crianças não tinham nada,
nem brinquedos nem guloseimas.
Ou melhor: tinham a rua toda para brincar...
Era por isso que o dia do "pão-por-deus"
era tão ansiado...
Hoje está esquecido,
correndo-se mesmo o risco de se perder
esta bela tradição popular portuguesa.
Tudo tem o seu tempo...
Mas é triste: já não vês bandos de crianças,
muito menos na rua,
e, muito menos ainda, a brincar todas juntas,
fora dos muros securitários das escolinhas e das creches...
Já não te lembravas, é verdade,
os versinhos que as crianças do teu tempo,
com o seu espantoso sentido de justiça,
cantavam, de porta em porta.
Se o dono ou dona abrisse a porta
e desse o "pão-por-deus", cantava-se;
Esta casa cheira a broa,
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho,
Aqui mora um santinho.
Em caso contrário, praguejava-se:
Esta casa cheira a broa,
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho,
Aqui mora um santinho.
Em caso contrário, praguejava-se:
Esta casa cheira a alho,
Aqui mora um espantalho,
Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto.
Aqui mora um espantalho,
Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto.
Luís Graça, Lourinhã, 1 de novembro de 2021.
___________
Nota do editor:
Último poste da série > 29 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22670: Manuscrito(s) (Luís Graça) (205): E na hora da tua morte, ámen!... (Ninguém, por certo, te perguntará p'los teus sonhos... de menino)