segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22659: Notas de leitura (1390): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Há que reconhecer que esta investigação de José Vicente Lopes nos assegura uma maior transparência para a compreensão da evolução do PAIGC antes, durante e após a luta armada na Guiné. O que mais impressiona neste trabalho, rigoroso dentro das regras do que se chama a história oral, é permitir ouvir os quadros cabo-verdianos, vinte anos depois das independências e perceber claramente que havia enormes divisões, desconfianças e desacertos nas linhas do rumo a traçar para os dois países. E perpassa, ao longo de toda esta investigação, de forma liminar, que aqueles dois povos não podiam coincidir para um futuro comum, eram patentes os antagonismos e os constrangimentos ditados pela cultura, pela identidade e até pela religião. É pena que o documento de José Vicente Lopes quanto a Cabo Verde não tenha o contrapeso de outro documento de igual valor e seriedade na Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (2)

Beja Santos

T
rata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013.

Amílcar Cabral definira, em termos inquestionáveis, a unidade Guiné-Cabo Verde com uma grande consigna que levaria à independência os dois países. A tese, chamemos-lhe assim, não entusiasmou todos os simpatizantes do PAIGC, e muito menos os que dele estavam fora. Reconheço que o maior mérito deste livro é deixar claro o que separa a cultura guineense da cultura cabo-verdiana. Amílcar Cabral tudo fazia para encontrar afinidades históricas na complementaridade, camuflando problemas da longa duração de péssimo relacionamento entre os profissionais liberais, os funcionários da Administração colonial, os comerciantes de extração cabo-verdiana e as etnias guineenses. Logo em 1963 se pôs a questão da luta em simultâneo, pela independência da Guiné e Cabo-Verde. Não havia saída para lançar a guerrilha no Arquipélago, tão só a subversão, infiltrar elementos do PAIGC e sensibilizar as populações das ilhas, a luta armada foi sempre diferida, houve treino militar na RDA, na URSS e em Cuba, o desembarque adiado. Jorge Querido, então o responsável do PAIGC em Cabo Verde, ainda supôs ser possível lançar comandos e atacar aquartelamentos e fazer reféns, mas tudo isso foi dado como inviável, utópico. Alguém comenta: “Seriamos depois cercados e morreríamos de fome, ou então acontecia o contrário: o próprio povo chacinaria em dois tempos os dirigentes da luta armada em Cabo Verde, antes que ele próprio morresse de fome”. Amílcar Cabral viverá em permanente tensão todo o seu relacionamento com os cabo-verdianos, houve mesmo a sugestão de criar um posto avançado da luta em Nouakchot, na Mauritânia, mas os mauritanianos não apoiaram tal projeto. E por ironia da História, estes cabo-verdianos desviados da luta armada nas ilhas irão ter um papel determinante na ofensiva de 1973.

Nem mesmo com a morte do líder do PAIGC o problema da luta armada em Cabo Verde diminuiu de intensidade. Abílio Duarte resolve desenterrar o problema no II Congresso do PAIGC, realizado de 18 a 22 de julho de 1973, na região do Boé. Ele sugere a criação da Comissão Nacional de Cabo Verde, foi fortemente contestado, acusado de estar a quebrar a unidade. José Vicente Lopes vai dando a palavra a outros protagonistas como Osvaldo Lopes da Silva, que também tinha uma relação cortante com Cabral. Segundo ele, o líder do PAIGC entrega-lhe a missão de tomar um quartel, escolheu-se Guileje. É neste congresso que Abílio Duarte terá salvo Osvaldo Vieira de fuzilamento, corria o rumor de que este guerrilheiro mítico estava seriamente envolvido no complô do assassinato do líder. Osvaldo foi suspenso de todas as suas atividades e morreu alguns meses depois.

É neste contexto que vai ganhando notoriedade Pedro Pires, que se irá distinguir na dita Comissão Nacional de Cabo Verde. Aristides Pereira é confirmado como novo secretário-geral do PAIGC e Luís Cabral como seu adjunto, julgava-se ter pacificado o interior do partido, a rivalidade entre gente de dois países entrara num compasso de espera, impunham-se medidas enérgicas de luta, como virá a acontecer em Guileje, Gadamael e Guidaje e em 24 de setembro dá-se a independência unilateral, o autor descreve a diplomacia de Cabral, a procura da conquista dos emigrantes, a operação de preparar eleições junto das populações afetas ao PAIGC, a elaboração da Constituição, o apoio da ONU e de muitas dezenas de países para reconhecerem a Guiné-Bissau como um Estado independente parcialmente ocupado por uma potência colonial.

Com muito detalhe e pormenor, o autor descreve Cabo Verde nas vésperas do 25 de abril e não ilude o facto de que a agitação do PAIGC nas ilhas era muito reduzida, a PIDE sufocava com relativa facilidade os agitadores. E assim chegamos ao 25 de abril, logo o PAIGC começou a preparar o regresso às ilhas de quadros relevantes e mesmo oposicionistas de peso ao PAIGC, como Leitão da Graça, pensaram em regressar. Começam as negociações com as novas autoridades portuguesas, assim se vai chegar aos acordos de Argel, o PAIGC entrará em Bissau em outubro de 1974. As negociações decorrem numa atmosfera difícil quanto ao reconhecimento à independência de Cabo Verde, imiscuíam-se interesses geoestratégicos e geopolíticos, tais como as preocupações da NATO, o temor de bases soviéticas nas ilhas, dificuldades em voos da África do Sul no aeroporto do Sal, por exemplo.

Os quadros cabo-verdianos entrarão em luta renhida, na disputa pelo poder. Jorge Querido é arredado, guerreiam-se várias linhas, com peso para os marxistas-leninistas e trotskistas, o PAIGC terá a vida facilitada por uma linha do MFA que impedirá a circulação de outras forças políticas, incluindo a de Leitão da Graça. De novo José Vicente Lopes transfere a sua linha de leitura para a Guiné, voltamos ao protocolo de Argel, o PAIGC entra em alta com o reconhecimento internacional, volta-se a Cabo Verde e descreve-se minuciosamente a consagração do PAIGC, o modo como irão ser sufocadas as oposições, a formação de um Governo de transição, os saneamentos, o papel desempenhado por Aristides Pereira, Luís Cabral e Pedro Pires. Há eleições em 5 de junho de 1975, o partido único elege 56 deputados, há Assembleia Nacional Popular. Aristides Pereira é eleito Presidente da República, ele apela a que “todos os cabo-verdianos, independentemente da sua tendência, acabarão por aderir à causa da independência da sua terra”. Aristides Pereira e Pedro Pires não ignoram os condicionalismos internacionais, as colónias de emigrantes cabo-verdianos nos Estados Unidos e na Europa, expectantes quanto à natureza do Estado a implementar, os sucessivos anos de seca, a fortíssima oposição ao PAIGC. E nessa hora de independência, as figuras gradas da oposição são recambiadas para Portugal.

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22640: Notas de leitura (1389): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Havia muitos milhares de cabo-verdianos em Angola, (colonial) principalmente na cidade de Luanda, foram muitos desses cabo-verdianos os primeiros voluntários a formar a OPVDCA, defesa civil armada, quando em 1961 a UPA entrou em acção terrorista.

Os cabo-verdianos, apesar da admiração que nutriam pelo sucesso internacional do seu patrício Amílcar Cabral, nitidamente não estavam em consonância com as ideias dele.

Os caboverdeanos em Luanda eram tantos que se sentia a presença deles em todas as actividades profissionais e todos os ambientes sociais, sem perderem a sua maneira de viver usando entre eles o seu crioulo.

Nunca criaram em Luanda guetos tipo "Cova da Moura" e cá também se podia ter evitado, mas..., o busilis esteve no mas!

O grande sonho e ambição da grande maioria dos caboverdeanos era virem um dia a ter o estatuto dos canarinos, madeirenses ou açoreanos.

Havia algumas tendências diferentes entre os de uma ilha ou de outra dificilmente detectáveis a quem fosse de fora...falava-se, principalmente em relação entre a Praia e outros.



Valdemar Silva disse...

O Cova da Moura e outros bairros de lata aparecem por razões concretas de migrações internas e externas.
Por cá tivemo-los em redor de grandes obras ou de zonas fabris de Lisboa e arredores, desde o século XIX.
Os cabo-verdianos da Cova da Moura (Amadora) foram a mão de obra que o J. Pimenta "importou" para a construção da Reboleira. Ocuparam, e desenvolveram, o bairro de lata já existente fazendo uma pequena "ilha de S. Vicente".
A maioria dos cabo-verdianos da Cova da Moura são os actuais "trolhas" da construção civil, calceteiros de passeios, canalizadores, etc. e as suas mulheres são as matutinas dos transportes públicos para trabalhar em limpezas na cidade.
Os cabo-verdianos, provavelmente, não se importariam de ser mais umas Ilhas Adjacentes, e falou-se ter havido essa ideia por parte de Mário Soares, mas julgo que o problema surgiria com o tempo e haveria, naturalmente, um sentimento da criação do seu próprio país independente. E gente capaz não lhes faltava.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valdemar, naquele tempo em que o nosso ministro dos negócios estrangeiros é que assinava os acordos de Argel, e de Lusaka e todos os acordos que aparecessem, não ia perder a oportunidade de se desfazer de qualquer resquício de colonialismo.

Foram dadas todas as vantagens aos movimentos independentistas, e calar o povo bem caladinho, usando todas as demagogias.

Em caboverde ainda foi reutilizado o Tarrafal pelo PAIGC, para o efeito e ninguem tugiu nem mugiu.

Neste caso dos cabo-verdeanos, ninguém lhes deu a mínima oportunidade de abrirem o bico, foi despachar enquanto é tarde.

Quando se ouve essa conversa de em Caboverde haver hipoteses de ações e desembarques do PAIGC, é conversa como se diz, "conversa para boi dormir", e não era com medo à PIDE e ao exército português, os cabo-verdeanos e o PAIGC, sempre souberam das linhas com que se coziam.

Talvez o 25 de Abril tenha sido mesmo uma enorme e inesperada surpresa e não muito agradável para uma grande maioria "silenciosa" e bem "calada" para a maioria dos cabo-verdeana.