Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
Guiné 61/74 - P22640: Notas de leitura (1389): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2018:
Queridos amigos,
Por uso e costume, circunscreve-se a história da luta armada a um conjunto de intervenções, faseadas no tempo que esta durou, trazendo à cena protagonistas guineenses e cabo-verdianos. No início da guerra, como se viu no chamado Congresso de Cassacá, houve que punir líderes que agiam sem freio, era uma prepotência que aterrorizava as próprias populações coniventes com o PAIGC. Foram severamente punidos, embora não se saiba quantos e como. O PAIGC adquire um formato rígido: todos os comissários militares dependem de uma cúspide pública onde pontificam Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. A questão cabo-verdiana não se põe, a sua presença é ténue, passará a ser um problema quando os cabo-verdianos chegarem em massa a Conacri, ir-se-ão distinguir como artilheiros e técnicos, viverão à margem dos guineenses, eram outros preceitos culturais. Com este livro, temos pela primeira vez uma linha sequencial do que foi o PAIGC na linha cabo-verdiana, como Cabral teve que gerir problemas de tomo como a unidade Guiné-Cabo Verde e o sonho de uma invasão que era totalmente inviável. Uma obra que deixa claro o papel incontornável dos cabo-verdianos na guerra da Guiné, se dúvidas subsistissem.
Um abraço do
Mário
Cabo Verde, os bastidores da independência (1)
Beja Santos
Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013.
A obra arranca no dia da independência de Cabo Verde, 5 de julho de 1975, tudo aconteceu no Estádio Municipal da Várzea, e vemos Abílio Duarte, líder do PAIGC, a ler a proclamação da independência, é um passeio íntimo, ouvem-se declarações de diferentes protagonistas. Segue-se um capítulo onde se procura interpretar as raízes da independência, destacam-se figuras nos chamados protonacionalistas e caímos na chamada fundação do PAIGC que, segundo a história oficial, teria nascido a 19 de setembro de 1956. A data é questionada por Abílio Duarte que declarou o autor que estranhou, estando em Bissau nessa data, não ter sido convocado para o encontro: “Pode ter havido reunião, mas não pode ser considerada a fundação do partido. A grande verdade é que Amílcar Cabral esteve em 1957 em Paris, onde se encontrou com Mário de Andrade e Marcelino dos Santos, e nunca falou da fundação do PAIGC com ninguém”. E ouve-se longamente o depoimento de Abílio Duarte que saiu de Cabo Verde em jovem e foi trabalhar para o BNU de Bissau. Fala-se da chegada de Amílcar Cabral a Bissau, em 1952, abre-se o proscénio da Casa dos Estudantes do Império, e é referida a atividade dos nacionalistas guineenses no período que precede a eclosão da luta armada.
Salta-se para Cabo Verde, é então governador o Major Silvino Silvério Marques, no período de 1958 a 1962 e entra em cena José Leitão da Graça, um dirigente nacionalista que se confrontará com Amílcar Cabral, Leitão da Graça nunca se conformará com a tese da unidade Guiné-Cabo Verde. E passamos ao Senegal, estamos em Dacar onde há inúmeros cabo-verdianos e guineenses, aqui emergem movimentos de libertação, igualmente como em Conacri. O autor dá-nos a conjuntura internacional, os ventos da História chegaram a África, os Estados Unidos, a esfera socialista e os países do Terceiro Mundo aparecem como os grandes aliados das independências africanas. Amílcar Cabral visita Londres, estivera em Tunes, na Conferência dos Povos Africanos, por enquanto ainda não se fala nas colónias portuguesas, é em Londres que Cabral faz a sua investida, conta com a ajuda de Basil Davidson, distribui documentação, dá conferências, concede entrevistas. Os movimentos nacionalistas procuram conjugar esforços. Amílcar Cabral contribui para fundar a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas, era a herdeira do Movimento Anti-Colonial, surge a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), agrupando o PAIGC, o MPLA e nacionalistas de Moçambique e Goa, isto em 18 de abril de 1961. E Abílio Duarte parte para a luta, será representante do PAIGC em vários países.
O autor destaca o período do Governo de Alves Roçadas e explica porquê. Alves Roçadas foi governador de Cabo Verde entre 1949 e 1953. Deve-se-lhe um “Plano de ressurgimento de Cabo Verde”, que previa várias fases: colmatar as grandes crises alimentares e fase de reconstrução, ampliação e melhoramento do património cabo-verdiano. Os seus relatórios anuais eram diretos e desabridos: “As padarias, talhos, hotéis, fábricas, garagens, etc., são, regra geral, uma porcaria”. E noutro documento: “Neste Arquipélago, onde o nível de vida da grande maioria da população é baixo, chega-se por vezes a pagar soldadas miseráveis, como remuneração do trabalho humano, a que é preciso pôr, ou procurar pôr, o devido cobro”. Partiu desiludido, não lhe deram os meios suficientes em Lisboa.
Fala-se de Dulce Almada Duarte e das peripécias da sua vida itinerante ao lado de Abílio. A ascensão do nacionalismo é passada em revista, aqui se falará do alferes Pedro Pires, de Osvaldo Lopes da Silva, estudante na Crimeia, de Honório Chantre, que se preparou em Cuba, de Silvino da Luz, que andou pela Argélia, e de Onésimo Silveira e Olívio Pires. Olívio Pires parte para Paris em 1964, aqui se encontrará com Manecas Santos e outros, aqui se mobiliza emigrantes cabo-verdianos para o PAIGC, uns irão para a Argélia, outros para Havana, outros para Conacri. E fala-se igualmente do último encontro entre Leitão da Graça e Cabral, em 1962, em definitivo a unidade Guiné-Cabo Verde separou-os irremediavelmente.
Em 1961, surgem ofertas de armamento da RDA, promessa não concretizada. Serão os marroquinos que enviarão armamento, muita gente converge para Conacri. Nesse mesmo ano, o ministro Adriano Moreira retoma a tese da adjacência de Cabo Verde, não terá futuro. Começam a chegar a Conacri os quadros formados na China, a luta entra no nível da subversão, no segundo semestre de 1962, um pouco por todo o Sul. José Vicente Lopes disseca a agitação nacionalista em Cabo Verde, há prisões, a figura proeminente será Jorge Querido, a partir de 1968, ano em que Salazar deixa o mando e em que Spínola sucede a Schulz. Fala-se sinteticamente da evolução da guerra, de diferentes iniciativas conducentes a um cessa fogo. No Arquipélago, a situação continua controlada pelas autoridades portuguesas. E assim se chega ao assassinato de Cabral, de novo se retomam velhas teses quanto a hipóteses de quem mandou matar o líder do PAIGC, a tónica é sempre a mesma: o complô era conduzido exclusivamente por guineenses e aqueles que foram ameaçados de morte eram todos cabo-verdianos. Ventila-se um compromisso português com os sublevados, Valentino Cabral Mangana depôs a existência de um pacto entre eles e as autoridades de Bissau, barcos portugueses esperariam fora das águas territoriais guineenses os capturados, Cabral e Aristides Pereira, tese delirante, não há qualquer documento sobre envolvimento da Armada ou concentração de barcos no Sul da Guiné, naquela data. Um outro sublevado, Lansana Bangoura, revelara a existência de um plano de agressão em preparação contra a Guiné Conacri e contra a Tanzânia e Zâmbia, nestes dois casos por causa do apoio à Frelimo e ao MPLA, depoimento sem pés nem cabeça. Volta-se a falar do ambiente podre em Conacri sem explicitar em que se manifestava tal podridão. Depois de desfiar contas do rosário que vêm em muitos livros, o autor fala no culminar de rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos. Em setembro de 1972, segundo Osvaldo Lopes da Silva que tivera com Cabral uma conversa tensíssima, nasce a ideia de destruir um quartel fundamental, era preciso sair do impasse já que Spínola pusera em andamento a reocupação do Cantanhez, ressuscitara gravíssimos problemas na liberdade de ação do Sul, com a evacuação de escolas e hospitais. Fala-se igualmente num possível envolvimento de Sékou Touré, um pouco de mais do mesmo. Segue-se a tomada de Guilege e retoma-se a velha questão de como invadir Cabo Verde.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22620: Notas de leitura (1388): Um acontecimento científico de renome: A Missão Geoidrográfica da Guiné (1947-1957) (Mário Beja Santos)
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