sábado, 30 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22671: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VII: O meu percurso militar (I): Região Militar de Angola: EAMA, CICA, Companhia de Transportes nº 2560, QG-4ª Rep, Depósito de Adidos (1967/68)

as

Doc nº 3 > Escola de Aplicação  Militar de Angola (EAMA) > Quartel de Nova Lisboa > 3ª Companhia >21 de dezembro de 1967 > Licença para gozo de 11 dias de férias, a passar em Luanda,  passada ao  soldado cadete João Rodrigues Lobo.


Doc 2 > Ministério do Exército > Região Militar de Angola > Boletim de vencimentos > Folha mecanográfica com o vencimento do aspirante miliciano João Rodrigues Lobo, relativo ao mês de novembro de 1967. Montante: Esc 1590$00, o que corresponderia, em valores de hoje, em Portygal, 
a 561,11 € (segundo o conversor da Pordata)


Doc 1 > Escola de Aplicação  Militar de Angola (EAMA) > Quartel de Nova Lisboa > 1967 > Cartão de Controlo da Incorporação


Doc nº 4 > Região Militar de Angola >Quartel General > 3º Repartição > 1968 > Pedido de  protecão de coluna auto de reabastecimentos, a partir de Luanda, comndanda peloasp mil Rodrigues Lobo- Data: 12 de agosto de 1968. Assinatura: cor A. da Silva Banazol.


Doc nº 5 > Região Militar de Angola >Quartel General > 4º Repartição > Secção TPTS > 1968 > Relação do pessoal que segue no ML
V ( Movimento de Viaturas Logísticas), de Ambriete, de 13/8/1968.

Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]

Devido à extensão do texto mais os documentos anexos, vamos publicá-lo em duas partes.  


Data - sexta, 29/10, 10:11 (há 1 dia)



Assunto - Meu percurso militar

Bom dia,

Caro Luis e caros editores do blog.

Desde que me juntei á Tabanca Grande todos os dias o Blog é minha leitura obrigatória.

Recordar também é viver, e textos muito interessantes lá tenho encontrado.

É com interesse e alguma emoção que os diversos posts me têm recordado situações de que tive conhecimento mas não vivi directamente, nos anos de Guiné 1969 e 1970 (e uns dias de 1968 e 1971) e, onde tenho tido conhecimento de outras situações, algumas terriveis, das quais, embora contemporâneo delas, não tive conhecimento quando lá estive.

Dos relatos de camaradas que passaram tempos muito dificeis naqueles anos, ( aliás durante toda a guerra), só posso tirar uma conclusão: fui um felizardo, sortudo, afortunado, ou que lhe quisermos chamar, em ser mobilizado para a Guiné! e protegido pelos deuses ( talvez mais por camaradas de armas na mão).

Já em 1968, pela sorte de já de usar óculos, não fiquei nos Comandos.

Por ser experiência pessoal, se acharem que o que digo interessa alguma coisa, publiquem, se não tudo bem. Os comentários, desde que não sejam tendenciosos ou preconceituosos, serão bem vindos.

Em Angola, onde fui incorporado em 1967 (Doc nº 1), e onde prestei serviço militar antes de ter “inexplicávelmente?” sido mobilizado para a Guiné, e onde passei por zonas bem complicadas , em MVL desde Luanda a Ambriz e Ambrizete, teria corrido mais riscos, dos quais felizmente também escapei quando por lá andei, o que não se poderá dizer de outros camaradas que passaram pelas mesmas estradas, pois a maioria das colunas era emboscada e atacada nesses trajectos (Doc. nº 4).

Julgo que devo ter sido dos milicianos que em mais quartéis esteve colocado:

(i) Escola de Aplicação Militar de Angola – Nova Lisboa. Incorporação e recruta, - cadete, 1967 – 3 meses (Doc. nº 1)

(ii) CICA – Grupo de Artilharia e Campanha 1 – Luanda, Especilidade de Transportes Rodoviários - cadete. 1968 – 3 meses

(iii) CICA – Nova Lisboa , instrutor auto - Aspirante. 1968 -3 meses

(iv) Companhia de Transportes 2560 – Grafanil/Luanda – Aspirante. 1968 – 1 mês

(v) Quartel General 4ª Rep., Luanda - Aspirante 1968 – 4 meses

(vi) Depósito de Adidos , Luanda - Aspirante, 1968 – 1 mês

(vii) Não me lembro da Unidade – Cabo Verde, ilha do Sal - Alferes Mil.1968 – 2 semanas

(viii) Batalhão de Engenharia 447 , Pelotão de Transportes Especias., Guiné - Alferes Mil, 1968/1969/1970/1971

(ix) Batalhão de Intendência de Angola, Grafanil/Luanda, 1 mês (férias) ,disponibilidade -Alferes Mil, 1971.

Resumindo – Mais dia menos dia, mais semana menos semana, em cada unidade, pois a memória já falha, no Total 40 Meses : Um ano e quatro meses em Angola e dois anos e 24 dias na Guiné (3 Natais).

Anexo vários “papéis” que guardei como recordação:

1 – Incorporação na EAMA, 1967 (Doc 1)

2 – Boletim de vencimento como cadete - 1967 (Doc 2)

3 – Licença de férias EAMA, 1968 (Doc 3)

4-5-6 – Documentos de MVL – 1968 (...)

Até breve. João Rodrigues Lobo

8 comentários:

Valdemar Silva disse...

As velhas licenças «à bife» e os impressos que eram feitos para durar dez anos (196_).

Como curiosidade. Quem fosse incorporado na Guiné, Angola ou Moçambique tinha o mesmo vencimento mensal dos militares da metrópole ou passavam a ganhar o mesmo valor dos mobilizados para esses territórios? P.ex. Luanda não era considerado zona de guerra mas os metropolitanos mobilizados tinham o vencimento superior ao da metrópole, e os naturais/recrutados/incorporados em Luanda?. Nem me refiro à Guiné por ser toda zona de guerra.
A haver diferenças, até estou a pensar, quanto maior fossem as incorporações locais mais baratinha ficava a guerra.

Abraço
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Caro Valdemar,
Em relação a Angola, só posso referir o caso dos primeiros-cabos e dos soldados, porque os angolanos que pertenceram à minha companhia só tinham estes postos.

Os primeiros-cabos incorporados em Angola ganhavam tanto como os que tinham sido incorporados na Metrópole, incluindo os 100%. Já no caso dos soldados, havia diferenças. Enquanto na Metrópole só existia o posto de soldado (era-se soldado e mais nada, quer se fosse doutor ou analfabeto), em Angola havia dois: soldado de 1.ª e soldado de 2.ª. Os soldados de 1.ª tinham a 4.ª classe ou mais, enquanto os de 2.ª não, apesar de desempenharem exatamente as mesmas funções. Os soldados de 1.ª de Angola ganhavam tanto como os soldados da Metrópole. Os soldados de 2.ª ganhavam incomparavelmente menos; não sei ao certo, mas deviam ganhar qualquer coisa como 1/10 do que ganhavam os outros, o que era escandaloso.

Todos os soldados angolanos da minha companhia eram alfabetizados, quer fossem de 1.ª ou de 2.ª, o que não deixa de ser surpreendente. Aqueles que tinham sido analfabetos à data da incorporação no serviço militar frequentaram as aulas regimentais no RI 22, em Sá da Bandeira, durante a recruta e a especialidade. Fizeram-no com tanto êxito e tinham tanta vontade de aprender, que praticamente já sabiam ler, escrever e contar quando vieram para a minha companhia.

Quanto aos que já eram escolarizados antes da tropa, havia aqueles que tinham a 4.ª classe e eram oriundos das cidades; eram os soldados de 1.ª. Os já escolarizados oriundos das zonas rurais só tinham a 3.ª classe, porque as escolas do mato não ministravam a 4.ª classe. Eram as chamadas "escolas rurais", que em tudo eram semelhantes aos "postos escolares" que existiam nas aldeias mais remotas da Metrópole. Tal como nos "postos escolares" metropolitanos, o ensino nas "escolas rurais" não ia além da 3.ª classe, porque o professor, a maior parte das vezes, só tinha a 4.ª!

O comandante do meu batalhão pode ter sido o sujeito mais abominável do mundo, mas não descansou enquanto os soldados de 2.ª não fizeram o exame da 4.ª classe e passassem a ser soldados de 1.ª. Ele foi a Luanda tantas vezes quantas as necessárias para conseguir falar pessoalmente com o secretário provincial da Educação do Governo-Geral de Angola (o "ministro" da Educação da Província de Angola), a fim de chamar a atenção deste para a necessidade de submeter todos os soldados de 2.ª ao exame da 4.ª classe com a máxima urgência possível. Ao fim de três ou quatro meses, deixou de haver soldados de 2.ª em todo o batalhão.

Para terminar, quero chamar a atenção para a vontade dos militares angolanos em aprender, independentemente de passarem a ganhar mais ou não. Enquanto os militares metropolitanos só liam A Bola e quase só preocupavam em saber os resultados dos jogos de futebol, os militares angolanos tinham uma insaciável vontade de saber coisas novas, em múltiplos campos do conhecimento. Várias vezes eu pensei: «Se os africanos em geral forem como estes, então a civilização do futuro será africana». Ou então não haverá mais civilização, porque os "civilizados" darão cabo dela.

Valdemar Silva disse...

Caro Fernando Ribeiro fiquei esclarecido.
Realmente os naturais também eram mobilizados para a guerra, mas a minha dúvida seria quanto aos que estavam fixos nos Quarteis da cidade p.ex. de Luanda. Por cá os 100% era aumentado quando eram mobilizados, diferente de estarem fixos no Quartel da RAP3 na Figueira da Foz.
Essa dos soldados de 1ª. e 2ª. devido a serem analfabetos, julgo que por cá havia os soldados básicos nessas condições, não tenho a certeza. Na minha CART11 de soldados fulas havia os soldados arvorados que andavam na escola "de Cabos" dada por mim e não sei, não me lembro, se por mais alguém. Julgo que depois estes arvorados passaram a Cabos.

É natural os analfabetos quando aprender a ler gostar de ler tudo o que tenha letras. É como ver uma bela paisagem que nunca viu e olhar com admiração para a mais pequena desinteressante imagem.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa,"Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021), há um extenso e interessante capítulo, o IV (pp. 259-330), sobre "As despesas da guerra", incluindo os encargos com pessoal e logística, que só li na diagonal.

Um estudo do Ministério do Exército, ealizado em 1965, com base nos encargos suportados desde o início da guerra em Angola, estimava o custo de cada militar em 115 escudos (45,2 euros / dia, em valores de hoje), assim desagregado:

(i) vencimento e subsídio de campanha: 35$00 (30,4%);

(ii) alimentação: 23$00 (20,0%);

(iii) fardamento: 5$00 (4,3%);

(iv) transporte (via marítima): 10$00 (8,7%);

(v) outros encargos: 42$00 (36,6%) (inclui a despesa com armamento e munições, equipamento, combustível, água, luz, alojamento e manutenção)...

As percentagens são calculadas por nós...

Uma primeira conclusão é que se tratou de uma guerra onde os encargos diretos com os combatentes (vencimento, alimentação e fardamento) representava cerca de 55%...O essencial da guerra foi feita pelo homem com a sua arma, a "canhota"...

Há informação sobre o vencimento mensal base (mais subsídio de campanha ou vencimento complementar) relativamente aos anos de 1963/64, ao ano de1971 (Guiné), ao final de 1972 (em que passou a ser pago, aos servidores do Estado, incluindo militares, o 13º mês ou "subsídio de Natal) e ainda ao final de 1973.


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre o pré dos soldados do recrutamento local e das milícias, a informação é parcial...O autor, Pedro Marquês de Sousa, com base nos dados de 1964, um soldado do exército (metropolitano), na Guiné, ganhava 600$00 (vencimento mensal base: 30$00; vencimento complementar: 570$00).

Por sua vez, um milícia recebia 450$00 mensais (valor este que eu desconhecia). Ou seja, cada milícia recebia 15$00 diários (8 de alimentação e 7 de vencimento). A valores de hoje, eram 185 euros en 1964...Mas apenas 138 euros em 1969.

No meu tempo, os soldados de 2ª classe (só tinhamos um 1º cabo com o exame da 3ª ou 4ª classe) da CCAÇ 2590/CCAÇ 12) ganhavam os mesmíssimos 600 escudos, mais 24$50 por dia para a alimentação (uma vez que eram desarranchados). No total ganhavam cerca de 1350$ / mês, o que dava para comprar 225 quilos de arroz na loja do Rendeiro (1 saco de 100 quilos custava 600 pesos). Com famílias numerosas, não era muito, mas sempre era melhor do que andar a lavrar mancarra... Com o fim da guerra, foi o colapso da economia familiar...e pssou a rapar-se fome, apesar da ajuda sueca e outras...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, não tenho ideia nenhuma de haver, no meu tempo,em Bambadinca (BCAÇ 2852, 1968/70, e BART 2917, 1970/72), "escola de cabos"... Nennhum dos nossos soldados arvorados chegou a 1º cabo, no meu tempo. A CCAÇ 12 foi usada como "carne para canhão", foi "esmifrada" pelo comando dos batalhões do setor L1...

Dei explicações ao 1º sargento para frequentar a Escola Central de Sargentos, em Águeda, mas nunca fui requisitado para dar aulas aos nossos pobres soldados fulas... Sei que alguns mais tardes chegaram a 1ºs cabos, graças sobretudo ao seu esforço e sacrifício pessoais... Cado do Umaru Baldé, por exempplo, que no fim já era capaz de escrever uma carta em português acrioulado...

Fernando Ribeiro disse...

Prezado Valdemar,
Os soldados básicos eram geralmente analfabetos e até atrasados mentais. Eles costumavam ser os soldados que tinham reprovado nas provas finais da especialidade, qualquer que ela fosse, ficando sem especialidade. Em geral, eram indivíduos completamente incapazes, que só serviam para varrer a parada, limpar as casas de banho, lavar as panelas e tachos na cozinha e outras tarefas semelhantes.

Contudo, havia exceções, uma das quais foi o impedido do comandante do meu batalhão. Este impedido também era básico, mas de parvo não tinha absolutamente nada. Eu não me lembro do nome dele; só sei que tinha a alcunha de "Paraquedista". «"Paraquedista", porquê?», perguntarás. Porque ele tinha sido mesmo paraquedista na Força Aérea! Um dia, em Tancos, ele e mais dois ou três resolveram dar um passeio de helicóptero à socapa, julgando, talvez, que seria fácil pilotar um aparelho daqueles. A aventura correu-lhes mal, o helicóptero caiu e eles foram parar ao hospital. A seguir foram punidos e expulsos da FAP. Foram parar ao Exército, que era o destino de todos os que a Força Aérea rejeitava. Ora não existia no Exército alguma especialidade chamada "paraquedista". Logo, o nosso homem ficou sem especialidade, como soldado básico. Na verdade, ele era um militar perfeitamente operacional, que poderia ter sido feito soldado atirador ou soldado comando, mas não foi isso o que lhe aconteceu. O comandante do meu batalhão nomeou-o seu impedido, para ele lhe fazer a cama todos os dias, engraxar as botas, lavar a roupa, etc.

Valdemar Silva disse...

Luís, desconhecia esses valores dos vencimentos dos soldados fulas desarranchados, manga de patacão. Também seria assim com outros soldados de recrutamento local, no "fim" pudera não quererem vir para a metrópole e vem o 'paguem-nos até Dezembro e ficamos cá'.
Agora, não sei explicar bem se as aulas (instrução primária) que eu dava eram verdadeiramente a "escola de cabos", lembro-me deles fazer exame e haver uma chatice por eu escolher um dos "putos" e os mais velhos comentarem 'rapaz não pode ser cabo e mandar nos mais velhos'.
Por acaso, também, fui eu que dei umas lições de matemática/álgebra ao nosso 1º. Sargento que também veio a meio da comissão para Águeda.
Fernando Ribeiro é como dizes, alguns básicos, coitados, tinham 'uma pancada', mas como eramos um país poupadinho aproveitávamos tudo. O básico da nossa CART11 era o homem da cantina.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz