sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24658: In Memoriam (485): Fernando da Silva Costa (1951-2018), ex-fur mil trms da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa 1973/74)... Faleceu em 2018

 

Fonte; Página do Facebook do BCAÇ 4513, postagem de 4 de setembro de 2021


Guiáo do BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, 1973/74)


1. Por um mero acaso soubemos que Fernando Costa (ou Fernando da Silva da Costa), ex-fur mil trms da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa 1973/74) faleceu já em 2018m ainda antes da pandemia de Covid-19. A informação é da página do Facebook, do batalhão.

É triste sabê-lo só agora, cinco anos depois...Ele havia entrado para o nosso blogue em 25/10/2009 (*). Tem 18 referências. Morava em Lisboa.

Foi ele que nos deu a notícia do 1º encontro do pessoal do batalhão, nma Mealhada, em 8 de dezembro de 2009. Já não se viam desde setembro de 1974. E foi  um èxito o encontro, juntqando mais de uma centena de participanmtes, entre camaradas e familiares (**)

O Fernando deixou no blogue algumas memórias do seu batalhão e de Aldeia Formosa, incluindo a transferència das instalações do quartel para o PAIGc, que iremos refrescar dentro em breve.

Já há tínhamos prometido publicar este singelo In Memoriam (***). O Fernando náo ficará sepultado na vala comum do esquecimentpo. Passará a figuar na lista daqueles que "da lei da morte já se foram libertando"... C0om ee, são já 139 (15,8% do totaldos membros registados da Tabanca Grande).

 Era, de resto, um camarada muito estimado entre  os seus camarasa das da CCS/BCAÇ 4513/72. Saibamos honrar a sua memória.(Presumimos que ele tenha nascido por volta de 1951.)

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Notas do editor:



(**) Último post3e da série > 9 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24635: In Memoriam (484): Carlos Alberto Rodrigues Cruz (26/05/1941 - 07/09/2023), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió e Cachil, 1964/66)

Guiné 61/74 – P24657: Memórias de Gabú (José Saúde) (100): Os homens do volante. A minha singela homenagem aos condutores. (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem rebuscada nas suas memórias.


As minhas memórias de Gabu

 Os homens do volante

A minha singela homenagem aos condutores

 A linha do tempo

Camaradas,

É no recanto das memórias que revejo que a linha do tempo existente dentro de nós, acumula inesquecíveis recordações e que nos dizem, em surdina, que fomos outrora singelos observadores do mundo, quiçá enlouquecido, que girava à nossa volta. O entusiamo dos nossos plenos 20, 21, 22 e 23 anos, crescia a uma velocidade alucinante em corpos que deambulavam por horizontes literalmente inolvidáveis, todavia, existia em cada um o tremendo sobressalto que a guerra de além-mar se apresentava como real.

E é nessa mesmíssima linha do tempo que caminho rumo a encruzilhadas, mas onde os trilhos armadilhados da Guiné se acrescentam a outros instantes da vida em que a alegria se cruzou com a tristeza.

Neste contexto, ouso afirmar que somos, e sempre o seremos, eternos seres humanos que combatemos numa guerra que, numa sensibilidade simplesmente verídica, conhecemos as mais distintas especialidades do exército português num conflito armado que deixou marcas.

E se é verdade que cada combatente terá feito o seu melhor no ramo para o qual foi então especializado, não deixa de ser também verdadeiro que todos fomos aguerridos guerreiros num palco onde ainda hoje proliferam as mais variadas lembranças em mentes que, felizmente, ainda se preservam ativas. Porém, aos camaradas que já partiram que descansem em paz, sendo que as suas memórias ficarão exatamente salvaguardadas.  

Falei no meu último texto sobre o saudoso enfermeiro Dinis, da minha companhia, dedico, agora, a minha singela homenagem aos nossos condutores. Não importava a natureza do fardamento que envergavam, nem tão-pouco o trilho por onde a sua viatura rodava, rodavam num caminho no qual o momento seguinte era uma incerteza.

Todos tinham a noção de que uma mina anticarro poderia, eventualmente, despoletar ao longo do seu percurso. As picadas apresentavam-se como cruéis, sendo por isso um dado adquirido a importância daqueles que, à frente às viaturas, lá iam picando cuidadosamente o terreno, mas com o devido cuidado.  

Para eles, os condutores em particular, fica expresso o texto que a seguir subscrevo e que faz parte do meu livro, o nono dos 11 já editados, – “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/1974” , da Editora Colibri, Lisboa.

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A “perícia” dos condutores enviados para a guerra na Guiné

Os homens do volante 

A coluna segue o seu destino com os cuidados redobrados dos condutores  

Somos, na generalidade, conhecedores do empenho que os condutores impunham numa especialidade à qual se dedicavam desinteressadamente. Sabemos o quão importante foram os conhecimentos adquiridos ao longo de uma singular aprendizagem que lhes proporcionou um contacto real com o universo da condução. Fizeram tudo o que esteve ao seu alcance, isto na minha singela opinião, obviamente. Cumpriram com os seus deveres e não viraram a cara à luta, não obstante as tormentas que o rebentar de uma mina obstinasse o seu querer e naturalmente dos camaradas.

Percebi, nessa altura, que a universalidade da especialidade não era comum a todos e distribuíam-se consoante as necessidades ou a sorte que lhes coube na roda da aventura. Razão esta que me leva a viajar num tempo sem tempo e citar especificamente a honorabilidade de camaradas que conheceram, por dentro, os teores de uma guerra que nos fora deliberadamente bárbara. Padeceram com condições adversas e suportaram as agruras impostas por uma peleja que não dava folgas.

Visualizar a sua despretensiosa ação pela mais recôndita picada numa Guiné a ferro e fogo, sabendo de antemão que as minas anticarro eram comuns, os condutores foram camaradas que não viravam a cara à luta e lá partiam para mais uma coluna, ou para as frequentes visitas a tabancas quando o momento passava por mais uma jornada em que a chamada “psicó” ditava ordem.

É evidente que façamos uma justa destrinça entre as colunas de reabastecimentos e de transporte de pessoal, onde normalmente se utilizavam as Berliet, por vezes intercaladas com Unimog, mas sendo este último veículo usado nas idas às tabancas onde íamos distribuir os aplaudidos “mezinhos” para uma população de todo carente e que vivia isolada na mata a contas com as duas frentes de guerra.

Creio que será de bom senso não desvirtuarmos uma veracidade bem patente que se prende com o facto de uma certa inexperiência evidenciada por alguns dos condutores nos seus inícios das comissões. Aliás, pressuponho que a dita e amadurecida experiência era adquirida com o decorrer das comissões onde um melhor conhecimento do terreno ganhava estatuto.

Uma coluna que transportava pessoal civil e viaturas particulares na região de Gabu

Conheci situações em que o medo se apoderou do meu então jovem corpinho. Vamos aos comentários das ditas ocorrências: uma delas aconteceu numa das visitações a tabancas localizadas na zona de Gabu. Seguia no Unimog da frente, ao lado do condutor, quando numa picada estreita o “ás” do volante deixou a “máquina de assalto” entrar pelo capim fora, sendo que a malta se viu às aranhas para ultrapassar o incidente deparado. Houve umas pequenas mazelas e restou um tremendo susto. Depois fez-se o reconhecimento que a ocasião impunha e o Unimog lá prosseguiu rumo ao seu destino.

Este curto texto visa, essencialmente, abordar o tema que enaltece a bravura comum de camaradas de uma especialidade, condução, que conheceu, em paralelo, momentos de horror.  

Não sei e nem tão-pouco vou lançar achas para uma fogueira alvitrando o número de condutores que terão perdido a vida na Guiné por via de emboscadas ou de minas rebentadas pelos rodados dos veículos por eles conduzidos. 

Eu, a comandar uma coluna na estrada entre Nova Lamego e Bafatá. Ao meu lado esquerdo, em calções, o condutor da Berliet 

Com leigo de uma matéria que não domino, deixo, porém, o repto aos camaradas para que possamos ter uma ideia desse infortúnio, sabendo nós que o número exato das mortes na guerra guineense jamais será real.

Os algarismos conhecidos são, pelos vistos, virtuais.

Um abraço, camaradas 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

4 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24620: Memórias de Gabú (José Saúde) (99): Recordando o saudoso enfermeiro Dinis (José Saúde)

Guiné 61/74 - P24656: Agenda cultural (837): O nosso grã-tabanqueiro João Graça, violino (ex-Melech Mechaya) acompanha hoje, no "Passos Manuel", Porto, às 21h30, o músico anglo-indiano Will Samson (que vai tocar temas do seu último disco, "Harp Swells")


Cartaz do espectáculo muscial de Will Samson, hoje, às 21h30, no Porto, no"Pass os Manuel", clube noturno e de dança, sítio de referência da noiote do Porto  (Rua Passos Manuel, 137, 4000-382 Porto,  (ao Coliseu).

Ver aqui mapa. Duração: 70 m | Entrada: preço, 12,5 €. | Telefone: 22 205 8351


1. Breve apresentação do músico (que será acompanhado por João Graça, ex-Melech Mechaya, violino, membro da nossa Tabanca Grande);

Desde a edição do disco de estreia Balance em 2012 (com produção de Nils Frahm), que o músico e compositor anglo-indiano Will Samson (baseado em Portugal há mais de um ano) tem criado um catálogo recheado de texturas delicadas e imersivas que exploram os espaços entre a música ambiente, a eletrónica e até mesmo a folk.

Agora, Will Samson, prepara-se para editar um disco de uma toada mais ambiental e totalmente instrumental. A data de edição é o dia 8 de setembro. A editora,  a 12k (fundada pelo músico Taylor Deupree). E o nome do disco Harp Swells.


Com parentes nascidos entre o Chile e Bengali Oeste (que mais tarde se conheceram no Quénia) é certo que Will Samson tem mantido uma certa inquietação no que diz respeito ao seu lado artístico e pessoal. 

Nascido em Oxford, emigrou ainda criança com os pais para a Austrália onde viveu por 10 anos até regressar ao Reino Unido. Pouco mais de uma década após o seu regresso, Will Samson, inicia então o seu périplo por outras cidades como Berlim, Brighton, Lisboa, Bruxelas, Bristol e finalmente, Almada. 

É fácil compreendermos o porquê da sua música focar muitas vezes o sentimento de pertença e procura de identidade.


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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de junho de  2023 > Guiné 61/74 - P24440: Agenda cultural (836): Palestra "50 anos Debaixo d´Àgua", por António Mário Leitão, e apresentação do seu livro "Aprendiz de Mágico" (2022), no CPAS - Centro Português de Actividades Subaquáticas, Rua Alto do Duque, 45, Lisboa, 6ª feira, 30/6/2023, às 21h30

Guiné 61/74 - P24655: Facebook...ando (35): A "morança" do pessoal do 19º Pel Art (obus 14), em Buba, onde se comia o melhor petisco da região, búzios de cebolada (António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45613/72, Bula, 1973/74)

 

Guiné > Região de Quínara > Buba > 1ª C/BCAQÇ 4513/72 (BubA, 1973/74)  e 19º Pel Art > A morança do pessoal da artilharia (obus 14)

 Fotos (e legenda): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Foto publicada, em 22 de agosto de 2023, às 17h15 no facebook da Tabanca Grande Luís Graça Legenda do António Alves da Cruz, nosso grã-tabanqueiro, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/73): 

"Buba, 1973:  a tabanca do pessoal de artilharia, onde se comia o melhor petisco da zona, búzios de cebolada".

E eu comento: 

"Bolas, e não há uma foto desse petisco ?!...Adoro salada de búzios do mar... O que eu não sabia é que o rio Grande de Buba (com uma das mais lindas paisagens da Guiné) também tinha búzios. Sei que tinha bom peixe, que era pescado no tempo do cap inf Filipe Ferreira Lopes, cmdt da CCAÇ 3398 / BCAÇ 3852, "Incendiários" (Buba, 1971/73)...E devia haver mais molúsculos, como ostras, e marisco,  como o camarão..."

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24607: Facebook...ando (34): José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74): primeiro aerograma que escreveu à namorada, em 27/6/1972: fui almoçar num bar perto do Cumeré, paguei 70$00 e fiquei cheio de fome...

Vd. poste de 15 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24654: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (7): Quartel e tabanca de Buba, e rio Grande de Buba

Guiné 61/74 - P24654: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (7): Quartel e tabanca de Buba, e rio Grande de Buba

Foto nº 15

Foto nº 17A

Foto nº 17

Foto nº 16

Foto nº 18

Foto nº 20

Foto nº 21


Foto nº 12


Foto nº 13

Foto nº 14

Foto nº 14A


Foto nº 23


Foto nº 21A


Foto nº 22

Foto nº 22A


Foto nº 15


Foto nº 24

Guiné > Região de Quínara > Buba > 1ª C/BCAQÇ 4513/72 (Bula, 1973/74) > As fotos vão dispostas, não pela numeração, mas pela afinidade temática.

Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45113/72, Buba, 1973/74), que tem 12 referências n0 nosso blogue. O descritor Buba tem 376 referências.


António Alves da Cruz, ex-fur mil, 
1ª C/BCAÇ 45113/72 (Buba, 1973/74)
  

Estamos a seguir, tanto quanto possível, a ordem cronológica da comissão de serviço na Guiné da 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Bula, 1973/74), e que o álbum fotográfico do nosso camarada António Alves da Cruz procura ilustrar:

(i) partida do BCaç 4513/72: embarque em 16mar73; desembarque em 22mar73;

(ii) IAO no CIM de Bolama, em abril de 1973: 

(iii) a 1ª Comp, após o treino operacional no subsector de Buba com a CCaç 3398, sob orientação do BCaç 3852, passou a reforçar a actividade daquela subunidade no esforço realizado de contrapenetração no referido subsector e depois integrada no seu batalhão, na função de intervenção que lhe foi atribuída, tendo-se instalado, a partir de 17mai73, em Mampatá;

(iv) em 15ag073, rendendo a CCaç 3398, assumiu a responsabilidade do subsector de Buba, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão;

(v) em 4set74, após a desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Anexo - Fotos de Buba: quartel, tabanca e rio grande de Buba (reproduzidas acima; numeração e legendas do autor):

Legendas:

f 12- Tabanca de Buba
f 13- Tabanca de Buba
f 14- Tabanca de Buba
f 15- Início do alcatroamento da estrada Buba - Aldeia Formosa
f 16- Rio de Buba
f 17- Valas e obus 14
f 18- Rio Buba maré vazia
f 19- Barcos de pesca
f 20- Maré vazia, o tarrafo
f 21- Lembrar os nossos camaradas do pelotão de morteiros 2138
f 22- O meu quarto
f 23- Saída da coluna para Nhala
f 24 - Viaturas destruídas
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24643: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (6): Instalaçóes do quartel de Buba

Guiné 61/74 - P24653: Notas de leitura (1616): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (2) (Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Publicada em finais de 2015, este trabalho de Álvaro Nóbrega facilita-nos, pela abrangência do estudo, a tomar o pulso à realidade política e social da Guiné-Bissau através da sua complexidade sociocultural, como emergiram as elites, como houve um processo etiológico durante a chamada luta de libertação que acabou por desaparecer dando lugar a formas por vezes amalgamadas de gente de diferentes partidos, até com formação superior, com valores tradicionais, vive-se a perene tensão entre os políticos e os militares, estes às vezes também se juntam para fazerem negócios que dão pelo nome de exportação de madeiras exóticas, tráfico de armas ou narcotráfico. Álvaro Nóbrega compulsa com rigor estes elementos do Estado, disseca a orgânica das elites e expõe os diferentes aspetos que têm vindo a contribuir para dificultar a construção de uma democracia na Guiné-Bissau. É um livro de referência, facilita o debate para entender e procurar superar as disfuncionalidades de um Estado a quem chamam de frágil ou falhado.

Um abraço do
Mário



Uma soberba investigação sobre uma Guiné-Bissau que viveu a guerra civil, dilacerante (2)

Mário Beja Santos

Álvaro Nóbrega, Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, é autor de uma obra de referência "A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau" (2003), e na sequência desse primoroso trabalho produziu Guiné-Bissau: "Um caso de democratização difícil (1998-2008)", Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015. Este ensaio, de leitura obrigatória, desvela o itinerário ziguezagueante das instituições democráticas e pluralistas na Guiné-Bissau; o investigador reflete a fundo sobre as condições do nascimento do Estado, após uma prolongada luta armada de libertação nacional, elenca sobre as fragilidades, os erros, a vertigem dos cargos, o nepotismo, a tentação tribal, a Nação firme, mas o Estado volátil; enfim, importa esclarecer se faz vencimento aludirmos a um Estado frágil ou falhado ou supor que haverá outros itinerários, que seguramente requerem imensa coragem, a trilhar para consolidar a democracia e o respeito pelas instituições.

Já se passou em revista o nascimento do Estado independente, subsequente a um período de luta, e revelaram-se equívocos e falhas em todo o processo da transição entre um Estado monopartidário para uma democracia pluralista. Agora Álvaro Nóbrega procura saber quem é a elite política da Guiné-Bissau, quem se pauta por princípios da modernidade e quem mantém valores tradicionais. E ajustadamente lembra-nos que o último estudo sério data do período colonial, intitulou-se Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa, e foi o seu autor José Manuel de Braga Dias, 1974. Recorda os autores que estudaram o processo histórico da formação das elites, como os princípios por que se regia Cabral foram rapidamente pervertidos e voltaram a ganhar peso a ligação ao chão, a ligação patrilinear ao clã, a utilização de linguagem ofensiva para quem tem família fora da Guiné, invetivando-se a origem sírio-libanesa, cabo-verdiana ou são-tomense.

Como escreve:
“O Movimento Reajustador de 1980 espoletou uma reação popular e hostil aos mestiços, levando a que muita gente da praça, crioula portanto, fosse à procura da sua genealogia de referências étnicas que porventura já estavam algo esquecidas e as recuperasse. Outras optaram contrariados pelo exílio, dando início a um movimento migratória crioulo ou não-crioulo para o exterior. A crioulidade é expansiva e integra indivíduos sem quaisquer ligações biológicas europeias, cabo-verdianas, levantinas e até goesas. Tornaram-se eles próprios gente da praça, sendo vistos como brancos (por se considerar terem adotado os seus costumes) quando visitam as aldeias dos seus pais e avós. A este grupo pertencem, também, alguns islamizados que, pela educação de matriz portuguesa, alcançaram cargos administrativos importantes ainda no período colonial”.

O peso crioulo vai até aos bairros periféricos e aqui a elite moderna interseta-se com as tradicionais. Mas há um momento determinante que mudou a abrangência e a forma das elites: a chegada de novos grupos por via eleitoral. O conflito político-militar iniciado em 7 de junho de 1998 trouxe exacerbamento étnico, começou a falar-se do aparelho de Estado dominado pelos Balantas, do seu conflito permanente com os Mandingas, ganharam influência as elites religiosas, com as mudanças constantes de governos cresceu o apetite pela distribuição de lugares governamentais, lutas internas dentro dos próprios núcleos da elite governante, os interesses grupais, a avidez pela ascensão ao mando e controlo da ajuda internacional ou de fazer parte de um qualquer projeto prometedor de exportações ou até ligação ao negócio de armas ou droga, foi ganhando projeção. O autor não deixa de chamar a atenção para a presença feminina em atividades que ajudam a complementar o rendimento familiar e não deixa de ser curioso analisar os quadros que ele apresenta de distribuição dos deputados por profissão e partido, tendo também em conta a ligação ao funcionalismo público, o nível de escolaridade, onde estudaram, a pertença étnica.

Outra matéria que Nóbrega equaciona é a legitimidade histórica tradicional, isto é, as práticas políticas modernas precisam de se legitimar, em muitos casos, no primado das tradições, e dá exemplos que têm a ver com a retoma do fanado.

O peso político dos militares ganha expressão com o conflito político-militar iniciado em 1998, até aí Nino Vieira tinha mão de ferro sobre a conduta militar, sabia pagar lealdades e distribuir mordomias, isto para sublinhar que não havia uma separação efetiva entre a política e as armas.

A figura da Junta Militar espevitou violências, ressentimentos, descontentamentos, ajustes de contas, rivalidades, servir-se da tropa para conduzir negócios mais do que duvidosos: o abate ilegal de madeiras exóticas, o tráfico de armas, o narcotráfico. Estas Forças Armadas representam um pesado encargo que impediu, impede e impedirá qualquer saúde orçamental. Atenda-se ao que o autor escreve num livro publicado em 2015:
“É um exército de 1869 oficiais (42%), 1218 sargentos (27%) e 1371 soldados. Esta é a razão pela qual o Chefe da Missão Europeia de Apoio à Reforma das Forças Armadas da Guiné-Bissau, entretanto suspensa, declarou que a pirâmide invertida deveria ser normalizada, reduzindo o número anormal de oficiais e suboficiais fazendo aumentar o número de soldados. O problema é de natureza patrimonial. Como os salários são melhores em postos mais altos, há muita pressão dos homens para serem promovidos. A fim de os manter satisfeitos, de assegurar a sua lealdade e incumprimento das obrigações de parentesco, os chefes militares, que não estão condicionados ao controlo civil, são facilmente tentados a dar promoções. Soma-se a este problema a situação não resolvida pelos combatentes da Liberdade da Pátria”.

Todas as iniciativas para reduzir o número de efetivos não têm sucesso, cada vez que há um conflito reintegram-se militares desmobilizados juntamente com novas laivas de combatentes, a resistência dos militares à desmobilização tem a ver com uma vida civil que pouco lhes oferece, sentem que perdem estatuto social e rendimento. E igualmente o autor lembra que contrariamente à maioria dos funcionários públicos cujos salários são pagos com meses e meses de atraso, os salários militares são uma questão mais delicada.

Outro aspeto que se pode considerar relevante para as dificuldades da construção democrática na Guiné-Bissau tem a ver com o papel político das Forças Armadas, aí estão os golpes de Estado para o evidenciar. E o autor desdobra-se em exemplos: em 1999, Ansumane Mané vetou a candidatura de Saturnino da Costa para presidente do PAIGC, proibindo-o de participar no congresso; em 2004 o general Veríssimo Seabra vetou Aristides Gomes para Ministro da Defesa ou dos Negócios Estrangeiros; em 2007, Tagma Na Wai vetou a nomeação de Baciro Dabó para conselheiro presidencial, depois de ter pressionado para a sua exoneração de Ministro da Administração Interna.

São tudo menos pacíficas as relações entre políticos e militares. Atenda-se ao que escreve Nóbrega:
“O respeito pelo guerreiro, o sistema de recompensas e punições, as promoções e as depurações ajudaram a conter os descontentes, até ao dia 7 de junho de 1998. Os amadores, como diria Sori Djaló, passaram a profissionais e o poder político passou a estar refém de umas Forças Armadas que se autonomizaram. O sistema baseia-se na desconfiança e a nomeação de chefias militares próximas, bem como a incorporação de mancebos pertencentes à etnia governante, esta procura minimizar riscos, mas não os eliminam, daí a importância dos serviços de segurança, que vigiam militares e civis, e do sistema de defesa paralelo assente em forças paramilitares com capacidade de combate”. Tudo somado, temos um poder fraco que não controla o poder militar, dele é refém, o único poder temido é o externo. “Os militares estão conscientes de que há algures um limite que, se ultrapassado, pode acarretar a punição da comunidade internacional. É esse o único limite que temem”.

Vejamos agora o presidencialismo e a personalização do poder.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24641: Notas de leitura (1615): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (1) (Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24652: Parabéns a você (2205): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCS/QG/CTIG (Bissau, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24640: Parabéns a você (2204): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72)

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24651: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (8): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo I - Alterações na Composição da CCAV 2721



"A MINHA IDA À GUERRA"

8 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO I - ALTERAÇÕES NA COMPOSIÇÃO DA CCAV 2721

João Moreira


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24630: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (7): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo I - Alterações na Composição da CCAV 2721

Guiné 61/74 - P24650: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (1): Fiorde de Prins Christian Sund, Gronelândia, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)

 

Foto nº 1


Foto nº 2


Reino da Dinamarca > Gronelàndia >  Agosto de 2023


Fotos (e legendas): © Ant6ónio Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu: (i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 5/2/2007; (iii) tem 325 referências no blogue; (iv) é escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (v) no nosso blogue, é autor de diversas séries: 

  • Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo; 
  • Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (em coautoria com Constantino Ferreira);
  • Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983"; 
  • Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias; 
  • Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)


    Data - 11 set 2023, 10h58
    Assunto - Gronelândia Um

    Meu caro Luís,

    Consegues abrir, dá para publicar?
    Tenho mais sete ou oito textos sobre Gronelândia, Islândia e Berlin, tudo Agosto 2023.

    Abraço,

    António Graça de Abreu


Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (1)

por António Graça de Abreu


Eu sei que isto são mais coisas para o nosso camarada Zé Belo, alcandorado há uns bons cinquenta anos lá pelas faldas da Lapónia, com alces a rondar-lhe a casa, em Kiruna, na bravia e gelada Suécia, e uns saltos a Narwik, na primorosa Noruega.

Mas eu também nasci com passaporte de coelho, o que até deu direito, quase numa anterior reencarnação, a participar numa guerra quente na Guiné-Bissau. Agora, Agosto de 2023, aos 76 anos, viajei durante duas semanas pela Gronelândia e pela Islândia, terras frias, tal como a Lapónia, lá no topo do mundo (Fotos nº 1 e 2). Cruzei o círculo polar ártico, entretive-me a passear entre fiordes, icebergues e glaciares. Fiz bonitas fotografias, escrevi quase uma dúzia de esmerados textos. Se tiverem paciência, leiam, serão um contraponto fresco e pacífico aos calores bélicos que vivemos em África há cinquenta anos atrás. Aí vai:




Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6

Fiorde de Prins Christian Sund, Gronelândia


O nome do fiorde, Prins Christian (1786-1848) vem de um príncipe dinamarquês que, talvez num kayak real ou nos restos de uma nau meia viking, desbravou este mar, esta terra no início do século XIX. Tal como o senhor do reino da Dinamarca, mas agora num grande navio, viajamos de sul para as paragens mais frias do norte, avançamos por mal conhecidos caminhos, suspensos nos atalhos das rotas de antiquíssimos mares atlânticos.

De manhã cedo, entramos no fiorde do Prins Sund. Tudo ainda envolto em nevoeiro e brumas. No deslizar cuidadoso do navio, adivinham-se falésias altas e logo depois silhuetas de grandes montanhas de pedra subindo por ambas as margens do fiorde, esta espécie de braço de mar que avança por dentro da terra, recortando-a. O nevoeiro desaparece e o céu abre-se num azul desmaiado, claro. São mais de cem quilómetros de navegação pelo interior de um fiorde que corre e se desdobra entre cadeias montanhosas do extremo sul da Gronelândia e proporciona vistas de espantar, majestosas, neste globo inventado pelo infatigável Criador (Fotos nºs 3 a 6)

Desculpem-me a vaidade, mas recordo outros fiordes com glaciares mágicos que tive a sorte de conhecer, Geiranger, na Noruega, El Brujo, na Patagónia chilena e Milford Sound, na Nova Zelândia. Terras árticas, a norte, regiões quase antárticas, a sul. Fiordes, glaciares gigantescos na carícia do mar, abraçando a natureza, arrastando a serenidade dos séculos e o ribombar do trovão.

Aqui, Gronelândia, com o Prins Christian, a pedra da margem subindo aos 2.200 metros. Cascatas sibilantes caindo das alturas, mais à frente, pranchas, placas de gelo turquesa, icebergues descansando nas águas. A imensidão do céu, o passeio do olhar, a rocha, a água, a neve, os gelos.

Aparece uma aldeia perdida chamada Aappilattoq encaixada num recanto abrigado da margem, à sombra de uma gigantesca montanha. A aldeia tem igreja protestante, escola e centro de saúde, é habitada por 98 almas, esquimós da etnia inuite, que vivem da pesca e de algum raríssimo turismo (Foto nº 7).



Foto nº 7

Seis horas de navegação pelo leito do fiorde do Príncipe, Christian, liso como um lago e o navio regressa ao mar. Uma leve aragem fria por onde a alma flutua, o voltear do silêncio, a bênção serena.


© António Graça de Abreu (2023)

Guiné 61/74 - P24649: Manuscrito(s) (Luís Graça) (229): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte I: a lenda que eu ouvi contar ainda em 1976, em Candoz


Capa do livro de Eduardo Noronha - José 
 do Telhado: romance baseado sobre
factos históricos.
4ª ed. Porto: Editorial Domingos Barreiros, 1983, 399 pp.
 (1ª ed., Porto, 1923)



1. Ouvi a “lenda” do Zé do Telhado já tarde, cem anos depois da sua morte, quando pelo casamento comecei a vir ao Norte e a frequentar a Casa de Candoz.

A minha mulher é vizinha do lugar, Carrapatelo, onde ocorreu o assalto planeado e executado pelo Zé do Telhado e o seu bando, porventura o mais tristemente famoso (e o mais rendoso) do seu historial: o assalto, em 8/1/1852, à Casa do Carrapatelo, situada na atual freguesia de Penha Longa, concelho do Marco de Canaveses.

Candoz e Carrapatelo, embora pertencentes a freguesias diferentes, são dois lugares muito próximos, ficam a escassos quilómetros um do outro. De Candoz vê-se grande parte da albufeira da barragem do Carrapatelo, a Pala (que pertence ao concelho de  Baião), a ponte que liga as duas margens, bem como o Porto Antigo e a serra de Montemuro (já na margem esquerda, concelho de Cinfães), mas não a Casa do Carrapatelo, que fica na margem direita do rio Douro, um pouco mais a  sudoeste de Candoz, a jusante, nas faldas da serra de Montedeiras. Em suma, temos a serra a separar-nos. De Fandinhães, aldeia serrana de origem visigótica,  é a mãe da Alice. Fica entre o Carrapatelo  e Candoz.

Recordo-me do meu sogro, José Carneiro (1911-1996), me ter falado da figura lendária do Zé do Telhado e desse famigerado assalto (que acabou por ser a perdição do seu autor, anos mais tarde, em 1859, altura em que finalmente foi preso, ). A casa, um solar, que ainda hoje existe, remonta, o seu corpo mais antigo, ao início do séc. XVIII, é um belo exemplar da arquitetura barroca duriense. (Infelizmente muitas destas antigas casas fidalgas na região estão em decadência ou à venda ou foram transformadas em alojamento local: já não há serviçais, criados e rendeiros para as sustentarem como no tempo da outra senhora.)

 Pertencia então a Dona Ana Vitória de Abreu e Vasconcelos, viúva, de 39 anos, que acabara de perder, no início desse ano de 1852, o seu pai, o velho fidalgo José Joaquim de Abreu e Lemos, sargento-mor das milícias do julgado de Bem Viver (um antigo concelho, com sede em Feira Nova, a que pertencia Candoz e Fandinhães  e que deu lugar, entre outros, ao concelho do Marco de Canaveses, no início dos anos de 1850).

E retive a explicação que o meu sogro me deu, socorrendo-se da tradição popular: “Telhado era alcunha”, ele punha-se à escuta das conversas dos pobres, no “telhado de colmo” dos casebres… para nos dias seguintes vir-lhes acudir com algum socorro em géneros ou dinheiro… 

E assim se criou a lenda do “Robin dos Bosques português que roubava aos ricos para dar aos pobres”… numa época em que Portugal estava bem longe de ser "o país de brandos costumes". e que teve, de resto, em Camilo Castelo Branco um dos seus grandes exorcistas.

Devo acrescentar que o meu sogro, proprietário agrícola, ramadeiro (construtor de ramadas) e agente de alguns casas vitivinícolas da região (como o Borges & Irmão,  de Amarante, por exemplo) nunca leu na vida o Camilo Castelo Branco (nem muito menos viu nenhum filme sobre o célebre salteador) mas era um homem com algum capital de relações sociais, e um dos primeiros a ter rádio em casa, a par do telefone.

Há pouca evidência histórica (isto é, devidamente documentada) que permita sustentar a tese do “banditismo social”: é verdade que o Zé do Telhado roubava aos ricos, mas não há provas suficientes que permitam caracterizá-lo como um “repartidor público” (como alegadamente ele dizia frente às suas vítimas e aos seus cúmplices) (Castro, 1980, pp. 30-33).

Muito do mito do “Robin dos Bosques português” é uma construção social do romantismo ou ultrarromantismo, com destaque para o papel do novelista Camilo Castelo Branco (que o “eternizou” nas páginas do seu livro “Memórias do Cárcere” , Porto,  1862, 1a. ed.).

A imprensa da época, nomeadamente nortenha, e depois o cinema, já no século XX, fizeram o resto (há pelo menos dois filmes, baseados na vida, romanceada, do Zé do Telhado; um, de Rino Lupo, de 1929, ainda no tempo do cinema mudo; e outro, de 1945, realizado por Armando de Miranda, com exteriores filmados aqui perto de Candoz, na Serra de Montedeiras, e protagonizado pelo ator Virgílio Teixeira, no papel principal: disponível no You Tube, em versão integral, aqui, com a duração de cerca 86 minutos).

De qualquer modo, não podemos menosprezar a “vox populi”: a tradição popular, nomeadamente no Norte do país, acabou por frazer chegar até nós o registo (oral e depois passado a escrito) de muitas  das suas "façanhas", onde se misturam a realidade e a ficção, e que alimentaram não sí a imprensa como alguma literatura posterior ao Camilo (Noronha, 1983, 1ª ed., 1923; Castro, 1980, por  exemplo).

Comecemos por um resumo da “história de vida” daquele que é considerado o maior salteador do séc. XIX, à frente de uma lista onde estão outros homens que, atuando à margem da lei, chefiaram grupos de guerrilha e depois bandos de salteadores, e causaram alarme e terror no seu tempo. 

Talvez o Remexido (1796-1838), algarvio, guerrilheiro miguelista, lhe tenha levado a palma em ferocidade, seguramente em crimes de sangue (pelos quais foi julgado, condenado à morte e fuzilado em 1838). Ou João Brandão (1825-1880), outro “Torre e Espada”, como o Zé do Telhado, que espalhou o terror pelas Beiras, e foi igualmente deportado para Angola, região do Bié. 

Aliás,  nesta época a justiça portuguesa já não desterrava os proscritos sociais para o interior das Beiras como na idade Média mas para as colónias de África. Camilo Castelo Branco,  em 1860/61, conheceu muitos homens ( e algumas mulheres) que aguardavam nas "enxovias" da cadeia da Relação do Porto a sua partida para Lisboa para depois aí embarcarem  para o desterro em África: homocidas,  parricidas, infanticídio,  ladrões, moedeiros falsos, etc.

No sítio do Museu Judiciári0o do Tribunal da Relação do Porto pode ler-se sobre Zé do Telhado e o seu processo judicial (3 volumes) o seguinte:

(…) “José Teixeira da Silva nasceu a 22 de junho de 1818 no lugar de Telhado, Castelões – Penafiel. Aos 14 anos vai viver com um tio em Caíde de Rei, Lousada, vindo a casar aos 27 anos com a prima Ana Lentina de Campos, com quem teve 5 filhos.”

E sem entrar em grandes pormenores, acrescenta-se:

(…) “Seguiu carreira militar onde se evidenciou, chegando mesmo a obter a mais alta condecoração portuguesa: a “Ordem de Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito”. Contudo, o seu envolvimento no lado derrotado da revolta da “Maria da Fonte” (1846) levou a que fosse expulso do exército.

”Desempregado, acaba por se envolver com foras-da-lei, chefiando uma quadrilha responsável por vários assaltos na região de Baião, Celorico de Basto, Fafe, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Santa Cruz de Riba Tâmega...

“Preso na Cadeia da Relação do Porto em 1859, é julgado no Tribunal Judicial de Marco de Canavezes (julgamento iniciado a 25 de abril de 1859) e condenado a degredo na costa ocidental de África para toda a vida, pena esta que foi comutada pelo Tribunal da Relação do Porto para 15 anos de degredo.

“Partindo para o degredo em África, veio a instalar-se em Malange, onde viveu até à sua morte, aos 57 anos, como reconhecido negociante e estimado pela população local. Aí casou novamente, tendo 3 filhos desse casamento.

“Na aldeia de Xissa, município de Mucari, onde foi sepultado, foi erguido um mausoléu em sua homenagem que, até hoje, é objeto de interesse.” (…)



De "Lanceiro da Rainha" (1835)  a "Torre e Espada" (1846)

Camilo é o primeiro (ou um dos primeiros) a escrever-lhe uma curta biografia (ou melhor, "hagiografia"), de 3 dezenas de páginas, a partir das suas confidências na prisão  (Castelo-Branco, 1996a, pp. 83-117).

Camilo põe o seu companheiro de prisão (e depois guarda-costas) a nascer em 1816, o que faz mais sentido. Aos 14 anos, ou seja, em 1830, em plena guerra civil, vai para , a Sobreira, freguesia de São Pedro de Caíde de Rei, concelho da Lousada, para junto do seu tio, aprender o ofício de castrador. Ao fim de cinco anos, alista-se na tropa e faz o juramento de bandeira numa unidade de cavalaria, o regimento de Lanceiros 2, conhecidos como os “Lanceiros da Rainha”, na calçada da Ajuda, em Lisboa.

Esta decisão pode ter sido motivada por um desgosto amoroso: pretendia-se casar com a sua prima materna Ana Leontina, de Lousada, mas o pai recusa-lhe a mão da filha, alegadamente por o rapaz não ser um bom partido (impedimento esse, entretanto, levantado por altura da “convenção de Chaves”, diz o Camilo, op. cit, pág. 88).

Zé do Telhada casa-se, portanto, já depois da “revolta dos marechais” (julho de 1837), mas antes da “revolta da Maria da Fonte” (primavera de 1846), acontecimentos em que participa como militar.

 Tudo indica que se tenha casado  no 2º semestre de 1837, aos 21 anos ( e não aos 27) aureolado pela fama de bravo “lanceiro da Rainha”.

A Convenção de Chaves, celebrada a 20 de Setembro de 1837 e assinada a 7 de Outubro de 1837, selou oficialmente o fim da chamada Revolta dos Marechais, a revolta de 1837 que opôs cartistas (mais à direita, diríamos hoje) aos setembristas (ala esquerda do liberalismo de 1820). Os primeiros pretendiam restaurar a Carta Constitucional de 1826. Os segundos defendiam a Constituição de 1822.

Os cartistas não tiveram a sorte das armas pelo seu lado. Após vários episódios bélicos em Chaves, são definitivamente derrotados no combate de Ruivães, a 18 de setembro, obrigando muitos dos seus homens a refugiarem-se na Galiza. Os Lanceiros da Rainha eram cartistas. O lanceiro José Teixeira da Silva seguia na comitiva do duque de Saldanha, e mostrou a sua bravura nos combates de Chão da Feira e Ruivães (Castelo-Branco, pp. 87/88; Noronha, 1983., pp. 53 e ss.).

Na retirada, o barão de Setúbal, general Schwalbach, de origem alemã,   levou, como seu ordenança, o Zé do Telhado. E foi nessa altura que este obteve uma licença para ir à terra casar-se (licença passada pelo barão de Turpin, chefe da 3ª divisão militar,  no Porto). 

A Convenção de Chaves, no dia 20, põe fim à guerra civil: as tropas sublevadas rendem-se e ficam à disposição do governo setembrista. Há uma amnistia mas os chefes da revolta (marechal Saldanha, duque da Terceira, duque de Palmela, José da Silva Carvalho e Mouzinho de Albuquerque) são forçados a abandonar o país.

Não é, contudo, na “revolta dos marechais” que o Zé do Telhado ganha a sua "Torre e Espada", mas sim nove  anos depois, a 15 de novembro de 1846, por ter salvo a vida do general Sá da Bandeira (como veremos num próximo poste).

Recorde-se que  a Maria da Fonte, também conhecida por Revolta do Minho, foi uma sublevação popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista, presidido por António Bernardo da Costa Cabral, e que reuniu forças dos extremos do espectro politico-ideológico da epoca: setembristas e legitimistase ou migué listas, além do Zé Povinho, sem partido, mas arregimentado mas  sobretudo revoltado contra as leis da saúde,  a reforma fiscal e a nova lei do serviço militar dos Cabrais  (que tinham o respaldo da rainha dona Maria II).

Seguiu-se mais um cruel período de guerra civil, a Patuleia, de oito meses, a partir de outubro de 1846,  até que a Convenção de Gramido, em junho de 1847, põe termo a mais este  período negro do nossa história. 

Zé do Telhado, agora "sargento patuleia" (alinhou desta vez com os chefes militares setembristas),   ficou do lado dos vencidos. E é a sua desgraça. A família cai na pobreza. Perseguido pelos inimigos políticos e os credores, acaba por se tornar "o chefe de uma associação de malfeitores", conforme consta do seu libelo acusatório, a par de "diversos crimes cometidos com violência: tentativa de roubo; tentativa de roubo com principio de execução, com arrombamento; roubo com homicídio; roubo com espancamento e ferimentos, a par de (...) tentativa de evasão do reino sem passaporte e com violação dos Regulamentos Policiais." 

Muito do que se tem publicado sobre ele é "hagiográfico". Falta-nos uma  biografia séria do homem, do militar, do herói,   do guerrilheiro , do cidadão, do bandido e do desterrado.

(Continua)


Capa  do livro de José Manuel de Castro - José do Telhado-  Vida e aventura, a realidade. a tradição popular. Ed. autor, 1980, 193 pp., il.  (Tipografia Guerra, 
Viseu)