1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do
BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem rebuscada
nas suas memórias.
As minhas memórias de Gabu
Os homens do volante
A
minha singela homenagem aos condutores
A
linha do
tempo
Camaradas,
É
no recanto das memórias que revejo que a linha do tempo existente dentro de
nós, acumula inesquecíveis recordações e que nos dizem, em surdina, que fomos
outrora singelos observadores do mundo, quiçá enlouquecido, que girava à nossa
volta. O entusiamo dos nossos plenos 20, 21, 22 e 23 anos, crescia a uma
velocidade alucinante em corpos que deambulavam por horizontes literalmente
inolvidáveis, todavia, existia em cada um o tremendo sobressalto que a guerra
de além-mar se apresentava como real.
E é
nessa mesmíssima linha do tempo que caminho rumo a encruzilhadas, mas onde os
trilhos armadilhados da Guiné se acrescentam a outros instantes da vida em que
a alegria se cruzou com a tristeza.
Neste
contexto, ouso afirmar que somos, e sempre o seremos, eternos seres humanos que
combatemos numa guerra que, numa sensibilidade simplesmente verídica,
conhecemos as mais distintas especialidades do exército português num conflito
armado que deixou marcas.
E
se é verdade que cada combatente terá feito o seu melhor no ramo para o qual
foi então especializado, não deixa de ser também verdadeiro que todos fomos
aguerridos guerreiros num palco onde ainda hoje proliferam as mais variadas
lembranças em mentes que, felizmente, ainda se preservam ativas. Porém, aos
camaradas que já partiram que descansem em paz, sendo que as suas memórias
ficarão exatamente salvaguardadas.
Falei
no meu último texto sobre o saudoso enfermeiro Dinis, da minha companhia,
dedico, agora, a minha singela homenagem aos nossos condutores. Não importava a
natureza do fardamento que envergavam, nem tão-pouco o trilho por onde a sua
viatura rodava, rodavam num caminho no qual o momento seguinte era uma
incerteza.
Todos
tinham a noção de que uma mina anticarro poderia, eventualmente, despoletar ao
longo do seu percurso. As picadas apresentavam-se como cruéis, sendo por isso
um dado adquirido a importância daqueles que, à frente às viaturas, lá iam
picando cuidadosamente o terreno, mas com o devido cuidado.
Para
eles, os condutores em particular, fica expresso o texto que a seguir subscrevo
e que faz parte do meu livro, o nono dos 11 já editados, – “UM RANGER NA GUERRA
COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/1974” , da Editora Colibri, Lisboa.
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A
“perícia” dos condutores enviados para a guerra na Guiné
Os
homens do volante
A
coluna segue o seu destino com os cuidados redobrados dos condutores
Somos,
na generalidade, conhecedores do empenho que os condutores impunham numa
especialidade à qual se dedicavam desinteressadamente. Sabemos o quão
importante foram os conhecimentos adquiridos ao longo de uma singular
aprendizagem que lhes proporcionou um contacto real com o universo da condução.
Fizeram tudo o que esteve ao seu alcance, isto na minha singela opinião,
obviamente. Cumpriram com os seus deveres e não viraram a cara à luta, não
obstante as tormentas que o rebentar de uma mina obstinasse o seu querer e
naturalmente dos camaradas.
Percebi,
nessa altura, que a universalidade da especialidade não era comum a todos e
distribuíam-se consoante as necessidades ou a sorte que lhes coube na roda da
aventura. Razão esta que me leva a viajar num tempo sem tempo e citar
especificamente a honorabilidade de camaradas que conheceram, por dentro, os
teores de uma guerra que nos fora deliberadamente bárbara. Padeceram com
condições adversas e suportaram as agruras impostas por uma peleja que não dava
folgas.
Visualizar
a sua despretensiosa ação pela mais recôndita picada numa Guiné a ferro e fogo,
sabendo de antemão que as minas anticarro eram comuns, os condutores foram
camaradas que não viravam a cara à luta e lá partiam para mais uma coluna, ou
para as frequentes visitas a tabancas quando o momento passava por mais uma
jornada em que a chamada “psicó” ditava ordem.
É
evidente que façamos uma justa destrinça entre as colunas de reabastecimentos e
de transporte de pessoal, onde normalmente se utilizavam as Berliet,
por vezes intercaladas com Unimog, mas sendo este último veículo
usado nas idas às tabancas onde íamos distribuir os aplaudidos “mezinhos” para
uma população de todo carente e que vivia isolada na mata a contas com as duas
frentes de guerra.
Creio
que será de bom senso não desvirtuarmos uma veracidade bem patente que se
prende com o facto de uma certa inexperiência evidenciada por alguns dos
condutores nos seus inícios das comissões. Aliás, pressuponho que a dita e
amadurecida experiência era adquirida com o decorrer das comissões onde um
melhor conhecimento do terreno ganhava estatuto.
Uma
coluna que transportava pessoal civil e viaturas particulares na região de Gabu
Conheci
situações em que o medo se apoderou do meu então jovem corpinho. Vamos aos
comentários das ditas ocorrências: uma delas aconteceu numa das visitações a
tabancas localizadas na zona de Gabu. Seguia no Unimog da
frente, ao lado do condutor, quando numa picada estreita o “ás” do volante
deixou a “máquina de assalto” entrar pelo capim fora, sendo que a malta se viu
às aranhas para ultrapassar o incidente deparado. Houve umas pequenas mazelas e
restou um tremendo susto. Depois fez-se o reconhecimento que a ocasião impunha
e o Unimog lá prosseguiu rumo ao seu destino.
Este
curto texto visa, essencialmente, abordar o tema que enaltece a bravura comum
de camaradas de uma especialidade, condução, que conheceu, em paralelo,
momentos de horror.
Não
sei e nem tão-pouco vou lançar achas para uma fogueira alvitrando o número de
condutores que terão perdido a vida na Guiné por via de emboscadas ou de minas
rebentadas pelos rodados dos veículos por eles conduzidos.
Eu,
a comandar uma coluna na estrada entre Nova Lamego e Bafatá. Ao meu lado
esquerdo, em calções, o condutor da Berliet
Com
leigo de uma matéria que não domino, deixo, porém, o repto aos camaradas para
que possamos ter uma ideia desse infortúnio, sabendo nós que o número exato das
mortes na guerra guineense jamais será real.
Os algarismos conhecidos são, pelos vistos, virtuais.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523