quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4846: O nosso encontro com o PAIGC em Mampatá (Carlos Farinha)

1.  Mensagem de Carlos Farinha (*), ex-Alf Mil da CART 6250/72, Mampatá e Aldeia Formosa, 1972/74, com data de 2 de Agosto de 2009:

Caro Luís e restante equipa editorial

Quando da minha adesão à Tabanca Grande, enviei algumas fotos relativas ao encontro pacífico da minha companhia CART 6250 com os militares do PAIGC. O Luís no comentário que fez, achou que seria interessante relatar a minha experiência desse encontro.

Então aí vai, mas as lembranças não estão muito nítidas. Fica ao vosso critério a publicação do texto. Se acharem que não tem qualidade, cortem.

Já me ia esquecendo, quando enviamos um texto qual é a melhor forma de nos identificarmos? Só o nome chega? Bom, desta vez, vou indicar, também, o número do primeiro poste que é P4745.

Um abraço
C.Farinha


Junho de 1974 - Encontro com os militares do PAIGC

Segue um relato simples de como decorreu o primeiro contacto pacífico com militares do PAIGC que nos visitaram. As lembranças não estão muito nítidas mas, procurarei dar uma imagem do acontecido da forma como o vivi.

Não sei quais foram as razões para o PAIGC nos escolher para efectuar a visita, só o PAIGC poderá responder a essa questão, de qualquer forma penso que não será alheio a essa situação o facto de não haver quartel, propriamente dito, e a tropa viver misturada com a população. Como curiosidade, gostaria de acrescentar que o quartel/povoação de Mampatá foi visitado algumas vezes por jornalistas estrangeiros, devidamente assessorados pelo Comando do Batalhão de Aldeia Formosa, em que se procurava mostrar e valorizar a relação pacífica com a população em que, fisicamente, não havia barreiras ou qualquer tipo de segregação.

O golpe militar de 25 de Abril foi por todos nós sentido com mais ou menos intensidade dependendo da consciência política de cada um, contudo, para nós que já tínhamos 22 meses de comissão, esse facto ainda veio retardar mais a nossa substituição que, de facto, já não aconteceu tendo a Companhia sido concentrada nos arredores de Bissau, acho que o local se chamava Pujunguto, com menos condições que aquelas que tínhamos no mato, mas porque queríamos ir para casa aceitávamos tudo. Os sentimentos em relação ao 25 de Abril foram um misto de euforia contida, com alguma ansiedade à mistura.

Uma delegação do MFA veio à sede do Batalhão em Aldeia Formosa, no dia 16 de Maio segundo diz o camarada Carvalho (poste P3771**), que nos procurou explicar o novo rumo para o país e, aquilo porque todos suspirávamos, a comunicação do fim das hostilidades com o PAIGC.

Passada esta data, recebemos indicação para levantamento dos nossos campos de minas e, operacionalmente, a nossa actividade ficou reduzida a alguns patrulhamentos sempre nas redondezas do aquartelamento. Nesta actividade, se por acaso fossem detectados elementos do PAIG, a indicação era para não hostilizar.

No início de Junho de 1974, a povoação de Mampatá foi visitada por um Comissário Político do PAIGC que contactou com a população e militares africanos. Não me lembro se, oficialmente, a tropa foi informada desta visita.


Nos fins do mesmo mês uma força militar do PAIGC, penso que dois bi-grupos, vindo pela estrada/picada da Chamarra, chegaram próximo da povoação de Mampatá. Todos nós, militares, acorremos alvoroçados ao encontro dos nossos ex-inimigos com alguma curiosidade mas, sem receio.

Não alimentamos revanchismos ou qualquer tipo de vingança sem sentido porque, tanto nós como os militares do PAIGC, passámos por momentos maus, perdemos camaradas e vimos outros sofrer. Do que se tratava agora, era sarar as feridas abertas por anos de lutas entre os dois povos e encetar um novo relacionamento ajudando a construir um novo país emergente.


Já não me lembro como foi o primeiro contacto, sei que não houve gelo ou hesitações e se procurou comunicar. Pessoalmente, lembro-me que o militar com quem mais falei se chamava Fuam, acho que era este o seu nome, não sei se é assim que se escreve, identificou-se como comandante de bi-grupo (identificado na imagem). Lembro-me, ainda, que uma das conversas que tivemos foi saber se dos contactos que tínhamos tido na estrada Mampatá / Nhacobá, em quais é que tinha participado.


Como este encontro se realizava às portas da aldeia de Mampatá, convidámos os militares do PAIGC a entrar na povoação/quartel onde continuou a confraternização, nomeadamente com a população e militares africanos.
Além das bebidas oferecidas por nós directamente, foi dado arroz à população que o cozinhou e o distribuiu aos militares do PAIGC.

Houve troca de presentes e lembro-me, ainda, que o meu presente para o Fuam foi o meu isqueiro, naquela época ainda fumava, que me ofereceu um par de meias.

Já não me lembro de mais, vou ficar por aqui mas, se algum camarada que ler este texto tiver algo a acrescentar acho que o deve fazer. Desculpem as fotografias que não têm muita qualidade mas, mesmo assim, junto mais uma ou duas.


O comandante da força do PAIGC assinalado na imagem

A força do PAIGC em progressão

A entrada dos militares do PAIGC em Mampatá.

Fotos e legendas: © Carlos Farinha (2009). Direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4745: Tabanca Grande (166): Carlos Farinha, ex-Alf Mil da CART 6250, Mampatá e Aldeia Formosa, 1972/74

(**) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3771: Blogoterapia (86): Recordações da Guiné, nem sempre as melhores (António Carvalho)

Guiné 63/74 - P4845: Bibliografia de uma guerra (53): Dois livros: “Memórias de um guerreiro colonial” e "Trauma" (Belarmino Sardinha)





1. O nosso Camarada Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa,Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, enviou-nos a seguinte mensagem:





Com data de 11 de Agosto de 2009,
Subject: Livros
To: Luís Graça

Aos meus Estimados Camaradas e Amigos Editores,

Não sei quem está de serviço de dia, por isso não endereço a nenhum em especial.

Se entenderem que tem interesse divulguem.

Confesso não me encontrar motivado para escrever no ou para o blogue, embora considere este de leitura diária, obrigatória e uma força viva necessária e extremamente importante para nós e para o próximo.

Entendi, por isso, não dever ficar só para mim e decidi-me a alinhar estas palavras com a informação recolhida recentemente, dois títulos que encontrei publicados pela Âncora Editora, na sua colecção Guerra Colonial e na colecção Holograma, histórias relatadas na primeira pessoa, ou seja, por quem viveu os acontecimentos. É como uma continuação do blogue ou Tabanca Grande mas já em livro.

“Memórias de um guerreiro colonial” de José Talhadas, Sargento-Mor Fuzileiro Especial reformado, começa por nos dizer qual era a sua vida enquanto miúdo, os seus problemas sociais e a sua vivência no mundo do trabalho, a razão da sua ida voluntária para a marinha passando depois a descrever-nos as comissões de serviço que fez na Guiné e Angola.

Não me compete nem pretendo fazer aqui qualquer apreciação literária ou estabelecer comparação entre o autor e outros com igual fortuna, apenas e só dar-vos a conhecer a obra e deixar ao vosso critério a sua leitura. Trata-se de um camarada que partilhou o mesmo espaço, a Guiné, num corpo de elite cujas intervenções no blogue são escassas e por isso pouco conhecida a actuação desta tropa de elite na guerra.

Quem sabe se este e outros camaradas não se apresentam um dia destes na porta d’armas da Tabanca Grande. Já estaremos melhor documentados sobre eles para os recebermos.

Quanto ao livro intitulado "Trauma" de H. Bastos Machado, médico reformado, inserido na colecção Holograma, conta-nos, de forma romanceada, uma experiência, embora sem o referir, não deixe de ser na primeira pessoa.

Este livro trata de um problema comum nas três frentes da Guerra, o trauma ou stress, embora a experiência deste militar médico se tenha desenrolado em Moçambique com uma curta passagem por Angola.

Para aqueles que procuram conhecer melhor como se desenrolava o teatro de operações nas três frentes da Guerra, ou como foi/era a vida de outras forças armadas e as suas actividades militares, aqui fica este modesto contributo.

Com um abraço para todos,
BSardinha
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Nota de M.R.:


Guiné 63/74 - P4844: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (19): Dias em Binar - 4

1. Mensagem Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 15 de Agosto de 2009:

Caro Vinhal

Para ti, Luís , Briote e M. Ribeiro um grande abraço.

Mando mais um capítulo de Viagem … à consideração e na esperança de não maçar muito os eventuais Camaradas leitores. Se acontecer… paciência... avisem!!

Trata-se da ligeira abordagem de uma das verdades da guerra, muito comum mas ao que sei, relativamente pouco falado e muito menos aprofundado.

Outro abraço, para os que ficaram de fora no primeiro !!

Até breve
Luís Faria


Dias de Binar - 4

Voluntários da noite

Se muitos dos dias em Binar ao que recordo, eram cinzentos e convidavam à sorna e à ociosidade, às peguilhices desportivas entre ditos e bocas sibilinas e às conversas da treta, para não falar em divertimentos mais ou menos atentatórios da sanidade mental dos intervenientes, já as noites, a partir de certa altura e quando não havia trabalho pré-programado, por norma passaram a não o ser.

Formámos um pequeno grupo de voluntários da noite, tendo grande parte delas passado a ser, como se diz agora stressantes e interactivas emocionalmente condicionadas e participativas, em que a acção era assumida por este pequeno núcleo duro voluntário - Cap. Mamede, Cap. da 17, Urbano e eu – reforçado de quando em vez com os Furs. Mealha (MECAuto) ou o Metralhinha (TRMS) ou o Madaleno (Atirador) o que por vezes causou problemas de adaptação a mim e julgo que ao Urbano também.

Por norma este grupo reunia-se para a acção após um lauto jantar melhorado, de bianda com salsicha ou com atum(?!). Meia de converseta com o café e uns uísquitos ou similar à mistura, para ajudar à digestão do banquete e à boa disposição.

De seguida e já cientes de quem iria tomar parte, havia uns momentos de relaxe e de concentração de espírito nas tácticas a utilizar na acção que se avizinhava e que por vezes durava até ao nascer do sol ou até à cerimónia do içar da Bandeira, altura em que por norma e querer nos obrigávamos a estar presentes, salvo qualquer contratempo de maior.

Neste tipo de acções não podia haver, nem havia hierarquia, só respeito mútuo e autoconfiança.

A calma não podia ser simples figura de retórica e os nervos tinham que ser de aço! A dissimulação e a camuflagem deviam andar de mãos dadas com a observação arguta e atenta do terreno que se pisava; o engodo e agressividade tinham que estar presentes e usados na dose e altura certas, sob pena de passarmos a ser presa em vez de predadores.

Nos momentos em que essas condições estavam reunidas, era altura de desferir o golpe, sem misericórdia, não olhando a quem, esperando causar o maior estrago possível aos adversários ou até, se eventualmente possível, aniquila-los!

Éramos um grupo voluntário de companheiros amigos e nessas acções, todos sabíamos e tínhamos consciência de que, cada um tinha que olhar por si e não devia contar com ajuda dos outros!

Se sofrêssemos estragos causados pelo adversário, a culpa era unicamente individual e não do grupo, pelo que não podíamos nem devíamos responsabilizar outrem, senão a nós próprios!

Assim, a amizade e companheirismo nunca foram postos em causa e quando apanhávamos no pelo acabávamos por ganhar força e engenho para o próximo confronto, tentando aprender com os erros cometidos e aprimorando as nossas técnicas.

O importante era não ser aniquilado extemporaneamente. Devíamos tentar continuar e aguentar! Perder uma ou outra batalha não é perder a guerra!

A hora do arranque chegava. Olhava-mo-nos e cada olhar diz-nos que quer vencer. Todos o queremos, é certo!

Umas últimas chalaças para descomprimir e momentos depois ouvia-se um vamos a isto!?...

Dirigíamo-nos para os nossos lugares. Se tudo corresse à maneira, a noite iria ser longa!

O objectivo de todos era arrasar o adversário!

O baralho era posto na mesa. As cartas eram baralhadas e dadas!

A jogatina de Póker aberto começava!

Um abraço a todos e… desculpem
Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4823: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (18): Dias em Binar - 3

Guiné 63/74 - P4843: Gavetas da Memória (Carlos Adrião Geraldes) (3): Os Cipaios



1. Terceira história tirada das "Gavetas da Memória" de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66





Os cipaios

Daí em diante, sempre que surgiam problemas das mais diferentes espécies, entre os habitantes da tabanca, vinham ter com o alfero esperando por uma solução, qual decisão milagrosa que só ele poderia encontrar.

De uma vez era um jovem soldado da milícia nativa que, aflito com as pretensões do futuro sogro, que exigia um número exagerado de vacas pela mão da filha, vinha pedir socorro ao seu chefe militar, pois em desespero de causa estava até decidido a fugir com a noiva, pondo em perigo o futuro tranquilo que gostaria de vir a ter na companhia do seu amor. Enquanto o alvoroçado sogro apelava para que eu fizesse cumprir a tradição e a lei dos antepassados, o jovem argumentava que os tempos agora eram outros. Que o amor nestes novos tempos era diferente e em tudo mandava, muito acima dos interesses materialistas. Que os casamentos combinados foram sempre um tormento para a verdadeira felicidade dos jovens casais que se queriam casar por amor.

A noiva, muito envergonhada, assistia a tudo de longe, nitidamente com medo que o pai a viesse arrebanhar dos braços do seu amado, revoltada também por se sentir tratada como uma mercadoria.
Eram os sinais da modernidade que também por ali, estavam chegando, em parte devido também ao nosso aparecimento por estas terras, abalando as ancestrais tradições, rasgando horizontes até agora nunca descortinados.

E o nosso alfero, arvorado em Salomão das tabancas, tinha que os aturar com toda a calma, tentando com uma escassa sabedoria não os desapontar, ditando leis que nem ele sabia se teriam qualquer veracidade ou validade. Mas quando notava que a incredulidade e a inquietação lhes assaltavam as feições, duas ou três palavras bem-soantes num tom o mais inapelável possível, punha uma pedra sobre o assunto. O sogro ficava com a promessa mais ou menos certa que o genro lhe pagaria o melhor que pudesse pela princesa que levava para o leito e, o nosso noivo aliviado por o fardo pré-nupcial não lhe vir a ficar muito pesado, sorria mais satisfeito.

Pirada > Binta Sulé > Não será a noiva desta história, mas podia ser

Mas por vezes surgiam também questões mais complicadas, resultantes certamente de um passado vivido na incompreensão e na crueldade colonialista.

No centro da aldeia, junto das casas comerciais, construídas de pedra e cal com telhados de telha importada da metrópole, existiam também as acomodações de um posto de polícia civil, constituída por dois cipaios.
Estes foram sempre a presença odiada da autoridade civil que, agora, com a chegada da tropa originava que a autoridade exercida sobre as populações nativas se fosse esbatendo. Por isso os cipaios, de vez em quando tinham acessos de brutalidade gratuita, só para fazer lembrar que era eles a que deviam obediência.

Numa dessas ocasiões deram-se mal, pois os habitantes da aldeia, sentindo que o alfero não deixaria de lhes dar razão, correram ao aquartelamento a denunciar mais uma brutalidade cometida por eles que, pelos vistos mais de uma vez, e num acto de pura arbitrariedade e estupidez, teriam espancado um jovem.

No meio da noite, já tinha passado a hora do jantar, Iaia o jovem mais culto da aldeia, acompanhado por mais dois velhotes, chegou-se à porta do aquartelamento e pediu à sentinela para falar com o alfero.

Como eram pessoas bem conhecidas, foram logo levados à minha presença.

Com alguma emoção explicaram-me que os cipaios, indivíduos odiados por todos (até porque pertenciam a uma outra etnia, eram balantas), andavam a conspirar na sombra contra mim, tentando tudo por tudo para me desacreditar, falando mal de mim e ameaçando tudo e todos, afirmando que só a eles é que deveriam continuar obedecer como sempre o tinham feito até ali. Como que a fazer prova disso tinham ido à tabanca prender um pobre diabo e levaram-no para o posto onde lhe aplicaram umas palmatoadas valentes, por um motivo fútil qualquer que, eu na ocasião já a ferver na ânsia de fazer justiça, nem ouvi bem qual tinha sido.

Naquela altura, como era já tacitamente aceite que o nosso domínio territorial tanto a nível administrativo como a todos os outros níveis deveria ser incontestável, não seriam uns simples cipaios que o iriam beliscar. Portanto teria mesmo que tomar medidas e ao mesmo tempo aproveitar para fazer justiça pelas minhas próprias mãos, para fortalecer a minha imagem, impor a minha autoridade, dar realidade a um mito de justiça que finalmente estava chegando por aquelas bandas.

Mandei chamar o Antunes, o meu furriel mais enérgico, e com ele e alguns dos seus homens, armados até aos dentes, marchámos para o centro do povoado, rodeados por uma verdadeira multidão de nativos ansiosos por saber qual seria a minha atitude. A notícia de que algo insólito estava para acontecer espalhou-se rapidamente.

Chegados diante da casa dos cipaios, chamei por eles com altos berros bem autoritários. Lentamente os facínoras foram aparecendo um a um diante de toda aquela gente como se os tivesse arrancado da cama, ainda estremunhados.

Rapidamente e com um tom de voz o mais assustador possível, adverti-os que dali em diante não lhes seria reconhecida qualquer autoridade sobre a população civil. Ai deles se me chegasse aos ouvidos qualquer desobediência nesse sentido. Que ficasse bem claro que a partir do dia em que a tropa tinha ali chegado, só ela ditaria as leis sobre toda a aldeia. Eles passaram a não ter qualquer poder ou autoridade sobre a população.

- Agora só tropa é qui na manda! – sentenciei eu bem alto em dialecto crioulo, para que todos me pudessem entender.

No meio de uma algazarra tremenda pouco faltou para que toda aquela gente que os rodeava, não os linchasse logo, fazendo-se vingar por décadas e décadas de humilhação e crueldade gratuita.

De cabeça baixa aqueles dois membros da polícia civil, tão odiada e temida, não eram mais que duas feras acossadas e mortalmente assustadas perante um perigo que nunca suspeitaram poder vir a enfrentar algum dia. Como dois verdadeiros brutamontes nem souberam sequer responder, e mirando-me com uns olhos cheios de ódio, fecharam-se cautelosamente no tugúrio que lhes servia de abrigo.

Soube no dia seguinte que tinham abalado bem cedo. Nunca mais os tornei a ver. Só alguns meses depois é que o Comandante da Companhia me perguntou se alguma vez eu tivera tido problemas com os cipaios, por causa de uma conversa que ouvira em Bafatá.

Parece que os poderes estavam definitivamente a tombar para uma predominância clara e absoluta do poder militar sobre o poder civil, tal o grau de empenhamento a que esta guerra estava a conduzir a força militar presente na região.

Quanto a problemas domésticos do foro administrativo civil nunca me constou que tivessem havido, pelo menos durante o meu reinado. Mas o mais natural é que os nativos os tenham sabido resolver, como sempre o fizeram ao longo de tantas e tantas gerações de gente livre, sem precisarem do homem branco para nada.
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Nota de CV:

Vd. Último poste da série de 16 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4827: Gavetas da Memória (Carlos Adrião Geraldes) (2): A jibóia

Guiné 63/74 - P4842: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (12): "Quem vai à guerra dá mas também... leva"

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos mais uma das suas habituais mensagens:

Camaradas,

Esta é mais uma estória do meu arquivo pessoal à muito “adormecido”, que esteve em risco de ir parar à "CESTA REPARTIÇÃO", citando um camarada nosso bem conhecido de todos.


"QUEM VAI À GUERRA DÁ MAS TAMBÉM... LEVA"


Na nossa básica instrução militar entre 1961 e 1974, que nos era incutida nos quartéis, os nossos instrutores tiveram sempre o cuidado de nos ensinar teorias e práticas, aplicando apenas o verbo dar, esquecendo-se de nos ensinar a conjugar, também, o verbo levar (ou outro verbo similar – por exemplo: EMBRULHAR).

Era por isso que a grande maioria das nossas mal preparadas classes graduadas, desapropriada e imprudentemente, mostravam vaidade e até sinais de arrogância, quando debitavam sobre os ombros as frescas Divisas e Galões douradas, nos seus camuflados polidos e novinhos de “Piras”.

“Piriquitos” estes que, na generalidade, não dispunham de qualquer aptidão e, ou, qualidades de comando dos “seus” homens mas, mesmo assim, também próprio de uma boa percentagem de ingenuidade de rapaziada com vinte e poucos anos, apresentavam-se desassombrados e, bem pior que isso, sem terem a noção precisa da sua inexperiência, para enfrentar os primeiros contactos com os inúmeros “sarilhos” africanos.

Os rostos ainda imberbes, deixavam adivinhar o que iriam sofrer na pele, quando pela primeira vez enfrentassem as agruras de uma guerra, que era diferente daquilo para que tinham sido treinado e instruído, durante uns escassos 6 meses.

Aquelas “guerrinhas” artificiais, usando balas de pólvora seca, golpes de mão fictícios, patrulhamentos a brincar, utilizando armamento antiquado e muitas vezes envelhecido, etc. que nos tinham ministrado, iriam demonstrar a sua inadequação ás realidades cruéis e irracionais do fogo real e de uma lógica de sobrevivência, sacrifício e morte.

Os baptismos de fogo a que cada um, mais tarde ou mais cedo, fomos sujeitos, teve o condão de nos acordar, para a cruel e fria realidade de que afinal o verbo dar, ali na prática, se transformava em embrulhar.

O IN, com mais experiência que nós sabia-o, por isso logo que os “piras” aterravam nos quartéis eram, invariavelmente, postos á prova. O IN que vigiava todos os nosso movimentos, quando sabia que haviam “piras” na zona, lá vinha testar a capacidade de reacção e agressividade dos mesmos, pondo à mostra as “mais valias” de quais eram as diferenças entre os verbos dar e levar.

As primeiras “baixas”, iam implacavelmente causando sofrimento, dor, raiva e amargura.

Sentimentos estes que só a fraterna camaradagem adquirida e o “abrir dos olhos”, com o passar do tempo, amortecia e calejava até os menos “duros”.

Depois o discurso institucionalizado era sempre o mesmo: quando eram as nossas tropas a dar “porrada” era “grande ronco”, quando tocava a levarmos do IN a coisa rotulava-se de “uma cambada de assassinos e criminosos”.

Com o decorrer do tempo verificávamos que a fraquíssima instrução que nos tinham administrado, para pouco ou nada servia, e não passávamos, no contexto mais elementar de “carne para canhão”. Isto é, fazíamos de peões num tabuleiro de xadrez, que alguém, bem instalado no ar condicionado e de copo de Whisky na mão, movia no tabuleiro (terreno) a seu belo prazer.

E nós “os peões das nicas” continuávamos como melhor nos sabíamos “desenrascar” a DAR, quando podíamos, e quando não podíamos nem sabíamos a EMBRULHAR, muitas vezes “brincando” às escondidas com o IN, mais parecendo, esta última, uma das nossas brincadeiras de criança - o “TOCA E FOGE”.

Só que a Guerra não era uma brincadeira de crianças, ela era dura, implacável e para muitos foi mortífera. Para esses, infelizmente, só existiu o verbo LEVAR, deixando aos restantes - mais afortunados -, o verbo DAR.

Deveriam ter-nos ensinado a triste e cruel filosofia da Guerra.

Mas quem tinha interesse nisso?

Hoje, creio bem que o que era necessário, era arranjar efectivos para alimentar aquela triste contenda e, assim, para lá foram estes filhos da Nação, além-mar… umas vezes… DAR e outras… LEVAR.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Imagens: © José Félix (2009). Direitos reservados
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P4841: (Ex)citações (41): Contra-resposta ao Cor A.J. Pereira da Costa (Mário Fitas)

1. Contra-resposta de Mário Fitas (ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Cufar, 1965/66), a A.J. Pereira da Costa (*), enviado em mensagem do dia 18 de Agosto de 2009:

Caro Pereira da Costa

Analisei e reflecti não só sobre o meu comentário, mas também sobre a tua resposta.

Não tive professor de filosofia pelo que me fico por Pitágoras lendo algumas coisas de Sto. Agostinho.

Brincávamos nós na antiga TAP:

Um país para o ser tinha de ter três coisas, uma bandeira, um hino e uma companhia de aviação. Só que havia um parceiro que sempre retorquia:

E terra!... para poderes por as rodas no chão. Clarividente!

Desculpa camarada, mas plagiando:

“É um modo de dizer ou, dizendo, nada acrescentar”

“Ponhamos então as rodas no chão”.

É verdade!

Temos a União Europeia “A Velha Europa das Nações” o berço da “Igualdade, Fraternidade e Liberdade”.

Temos então a velha Europa representada por uma Bandeira, sem complexos de Credo, Cor ou Raça.

Tudo isso desmistifica a tua dissertação sobre este assunto, a não ser o ponto em que estou completamente de acordo quanto à confusão, em que acrescento problemas como os nossos irmãos Galegos e o pior a questão do Povo Basco no Reino de Castela que também é Europeu.

Sem parecer, um simples furriel miliciano de 1963 no CISMI, ainda sabe algumas coisas. Sabe tanto, que te posso afirmar caro camarada, que África não foi nenhum CALDO mas a vergonha do Povo Português.

Poderia ser de outra maneira? Pois podia!

A conjuntura era pressionante? Pois era! Porquê? Porque abandonámos os que ainda acreditavam em nós. E porque não somos como os outros que roubaram e encheram os cofres, enquanto nós ainda nos preocupamos com eles e os recebemos de braços abertos, tentando criar laços que muitos julgam incompreensíveis.

Responde-me camarada Coronel, por que foi o Norton de Matos foi apodado de comunista?

Diz-me!

Falei nos anos 60 e na Africanidade para não usar Negritude que não é ofensivo, mas uma realidade escrita.

Não há racismos! Negros, brancos ou mestiços nascidos na Guiné, são Guineenses. Todos desde a formação do Futa Jalon, têm direito à sua Terra ao seu Chão, uma bandeira é mais complicado.

Sobre a independência, desculpa, mas temos conceitos completamente diferentes, pois ela foi feita de forma vergonhosa. Assumo o que escrevo! Há muito escrito sobre isso.

Tenho aqui a meu lado entre muitos:

ARISTIDES PEREIRA - “O meu testemunho

Uma luta
Um partido
Dois Países

É digno de se ler e analisar!

“A História é feita por vencedores: O PAIGC neste caso!”

Pobre povo da minha querida Guiné!

E agora neste preciso momento, meu amigo Coronel do Exército Português, desculpa, não fujas e diz-me: Se não tivessem desarmado, aldrabando, aqueles que com certeza muitas vezes te safaram? Como seria?

A resposta de não ter estado no palco não me convence! Retornados e Abandonados, acredito que não estejas dentro da nossa História! O problema é teu!

Envio um abraço do tamanho do maravilhoso rio Cumbijã que infelizmente só conheces como regato,

Mário Fitas
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Notas de CV:

- Para não esgotarmos este assunto em respostas sucessivas, entre os dois, peço aos meus camaradas e amigos Mário Fitas e Pereira da Costa que continuem esta troca de impressões por mail ou então na forma pública de comentário no respectivo poste.

(*) Vd. poste de 18 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4831: (Ex)citações (40): Resposta a um comentário de Mário Fitas (A.J. Pereira da Costa)

Guiné 63/74 - P4840: Parabéns a você (20): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 (Os Editores)

Hoje dia 20 de Agosto de 2009, completa mais um ano de vida, de muitos que ainda tem para viver, o nosso camarada Manuel Amaro.

Manuel Amaro (*) foi Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 que esteve em Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala nos anos de 1969 a 1971


Recordemos Manuel Amaro no dia 27 de Maio de 2008, quando se apresentou à tertúlia:

Caro Carlos Vinhal,
Tentando cumprir a praxe da Tabanca Grande, aqui vai o meu pedido de adesão a este grande clube de ex-combatentes.

Manuel Amaro, 62 anos, casado, Técnico Superior de Comunicação e Relações Públicas, aposentado, residente em Alfragide, Amadora.
Ex-Fur. Mil. Enfermeiro na CCAÇ 2615/BCAÇ 2892.
Nhacra-Aldeia Formosa-Nhala.

Cheguei à Guiné em 28 de Outubro de 1969 e a minha Companhia ficou uns tempos em Nhacra, enquanto a CCS foi de avião para Aldeia Formosa e as CCAÇ 2614 e 2616 foram de LDG para Buba. A 2614 fixou-se em Nhala.

No início de Dezembro, logo que a auto-estrada Buba-Aldeia, ficou transitável(?), (a velha, porque a nova nunca foi utilizada, como já foi aqui explicado por vários camaradas), fizemos a viagem Bissau-Bolama-Buba-Aldeia.

Maravilha... Assim que me instalei em Aldeia Formosa, abriu concurso para Professor do Posto Escolar Militar. Concorri e ganhei.

Professor, a tempo inteiro. Mas com o meu espírito de escuteiro, logo inventei forma de praticar a enfermagem, auxiliando a população das pequenas tabancas e praticando a minha boa acção, quase diária. Para isso contei com a colaboração do Cabo Enfermeiro Torres, da CART 2521 e do Furriel da Psico, (hoje Deputado, na AR), que me emprestava a viatura e o motorista.

Desde meados de 1969 até 20 da Março de 1970, Aldeia Formosa era assim como um campo de férias. Mas como não há bem que sempre dure, começou a porrada, a sério.

Mudança de Comandante. Nova política. Um enfermeiro como professor? Nem pensar. A partir de 6 de Maio vai para o mato.
E o Enfermeiro, este mesmo, foi.

De 6 de Maio a 23 de Junho, foram 11 seguidas, entre colunas a Buba, operações, saídas de rotina, essas tretas da guerra.

Mas o destino, a estrelinha estava comigo e não com o Comandante. Aldeia Formosa continuou e eu fui para Buba, substituir o médico, que partiu para férias. Outra Maravilha... Só voltei a Aldeia Formosa em trânsito pois após as minhas férias a CCAÇ 2615 trocou com a 2614 e fomos fazer o segundo ano da comissão em Nhala.

Nhala, que creio que já não existe, (segundo o Daniel Reis do Expresso), era mesmo um fim de mundo. Uma Companhia mais um Pelotão e cerca de 200 civis. Tirando a passagem das colunas Aldeia-Buba-Aldeia, ali nada mais acontecia. Nem amigos, nem inimigos. Mais uma vez a Escola e a Enfermaria.

Muitas horas de trabalho, mas também a possibilidade de sentir o prazer de trabalhar. O prazer de me sentir útil, solidário. E chegamos a Agosto de 1971.

Metade da Companhia segue para Bissau. Aguardar embarque. Eu fico com o último grupo. Quase sem dar por isso, um dia ao jantar digo para os camaradas de mesa: amanhã faço 26 anos. A reacção foi em coro. Temos que fazer uma festa. Fizemos. Dois leitões, uma grade de Casal Garcia, um frigorífico de cerveja, não sei quantas garrafas de scotch. Bebedeiras? Claro. E a meia-companhia de piriquitos que já lá estava, reagiu mal.

Mas tudo acabou bem. Foi quase uma directa, Nhala-Bissau-Uige-Lisboa.

Além dos quase dois anos de Guiné, o Glorioso Exército Português levou-me tanto tempo... que passados todos estes anos ainda não sei o porquê de tudo o que aconteceu desde a minha primeira entrada na porta de armas, em 17 de Abril de 1967. Foram 54 meses. Fardado... Só fiz uma vez Sargento de Dia, mas ainda hoje, quando vejo um refeitório grande, apetece-me gritar... Vossa Senhoria meu Capitão, dá-me licença... A Companhia da Formação está pronta... E só não grito, porque sei que não está lá alguém para... bater os calcanhares, responder à continência e dizer... Pode mandar entrar...

Um dia destes, qualquer dia, podemos falar mais sobre tudo isto...

Um Abraço
Manuel Amaro



Caro Manuel Amaro

Os editores e a tertúlia toda desejam-te um bonito dia de aniversário, com muita alegria, junto dos teus familiares e amigos, marcando desde já encontro para daqui a um ano.
__________

Notas de CV:

(*) Sobre Manuel Amaro vd. postes de:

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2895: Tabanca Grande (72): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3223: Convívios (85): Pessoal da CCAÇ 2615, no dia 18 de Setembro de 2008 em Benavente (Manuel Amaro)

18 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3331: O meu baptismo de fogo (12): Aldeia Formosa, 23 de Abril de 1970: realiza-se a premonição de um furriel enfermeiro (Manuel Amaro)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

9 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3427: Em bom português nos entendemos (5): Estórias com história... ou deixem-se de estórias / histórias...

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4094: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (5): Não esperava ouvir tal coisa (Manuel Amaro)

Vd. último poste da série de > 19 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4834: Parabéns a você (19): Mário Vicente Fitas Ralheta, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Os Editores)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4839: O Nosso Livro de Visitas (67): Lídia Gonçalves, filha do nosso camarada José Manuel Costa Gonçalves

1. Mensagem de Lídia Mateus, filha de um nosso camarada falecido recentemente, com data de 12 de Agosto de 2009:

O meu nome é Lídia Gonçalves, sou filha de um camarada vosso, que esteve na Guiné-Bissau nos anos de 1967/69.

O seu nome era José Manuel Costa Gonçalves. Era cabo mecânico auto rodas (acho que era assim a denominação). Fazia parte da CCaç 1685 (Os insaciáveis).

Gostaria que, a título póstumo, (o mesmo faleceu no passado dia 25/07/2009), publicassem as fotografias que irei enviar mais tarde. O meu pai sempre que falava da Guiné e do tempo que lá passou, ficava com um brilhozinho nos olhos.

Gostava de contar como tinha recebido um louvor do seu comandante por ter conseguido fazer omeletes sem ovos, tendo a frota de carros sempre pronta a funcionar, e orgulhava-se em exibir a sua caderneta militar. Também gostava de contar como dava de comer a tanta gente que não tinha o que comer! (Sempre foi amigo do conhecido e do desconhecido!).

Lembro-me que cresci a ouvir contar histórias de África, de tal modo minucioso, que me via a mim, naqueles locais que o meu pai contava e descrevia.
Só lamento não ter descoberto a Tabanca mais cedo, para que ele também pudesse partilhar convosco desta tertúlia.

Obrigado por ajudarem a manter viva a história de Portugal, sem preconceitos de qualquer tipo!

Um grande bem haja a todos!


2. Comentário de CV:

Cara amiga Lídia
Muito obrigado por se ter dirigido a nós e pelas palavras enviadas que adivinhamos serem sentidas.

Lamentamos profundamente a morte recente do senhor seu pai e mais ainda por ser nosso camarada. Mais um pedaço de nós que a inexorável lei da morte não poupou. Aceite os nossos mais sentidos pêsames, extensívos a toda a família.

Com respeito às fotos e estórias de seu pai, estamos abertos a recebê-las e publicá-las. Temos pena que não possamos considerar o seu pai como nosso tertuliano, mas se quiser, pode a Lídia ficar a pertencer ao grupo dos nossos amigos já que é filha de um dos nossos camaradas. Como diz o nosso tertuliano José Martins, os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são.

Fica então combinado que mandará as fotos de seu pai quando entender para nós darmos notícia no nosso Blogue.

Em nome dos tertulianos, ex-combatentes da Guiné, envio-lhe um beijinho.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4695: O Nosso Livro de Visitas (66): Manuel Seixas da CCAÇ 1422/BCAÇ 1858 (K3/Saliquinhedim, 1965/67)

Guiné 63/74 - P4838: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (VI): Estadia em Contuboel e férias na Metrópole (27MAI65 a 29SET65)

Continuação do Diário de Guerra, de Cristovão de Aguiar (VI)


Contuboel, 27 de Maio de 1965


Demorámos dois dias e duas noites para atra­ves­sar o rio Geba com todo o nosso material de campanha. Não tivemos outro re­médio senão comer rações de combate e beber água meio choca e bi­chen­ta. Dor­mi­mos, isto é, atravessámos as duas longas noites com muita mos­quitada a atazanar os miolos e a pele. E não houve repelente que a afastasse. Chegámos ao que vai ser a sede da nossa companhia anteon­tem ao princípio da noite. Estavam aqui apenas nove homens e um furriel miliciano, que comandava a re­s­pectiva secção de armas pesadas. Com a guerri­lha a apertar cada vez mais, os chefes desta guerra estão a guarnecer melhor certas posições-chaves. Fui cum­primentar as forças vivas da terra: o chefe de posto, um branco, ex-furriel e ex-semi­narista, e dois comerciantes − um português, oriundo do concelho de Góis, ainda novo, e res­pectiva consorte; e um li­banês, tam­bém casado, cujo esta­be­lecimento fica em frente da messe. Ambos os tra­ficantes não se podem ver um ao outro, como mandam as re­gras da boa vizi­nhan­ça. Não lhes dei grandes con­fianças, sobretudo ao chefe de posto, que, para se mostrar valente diante de mim, es­bo­feteou um cipaio que se não levantou à minha passagem na varanda do posto. Cha­mei-lhe a atenção para o facto e ele pare­ceu-me que não ficou nada satis­feito, pelo menos senti-o pelo olhar, que agarrei pelo cabo e devolvi ao seu dono.


Contuboel, 1 de Junho de 1965

PROMESSA

Trago à cabeça
Um cesto de rimas
Que é uma promessa
De novas vindimas...

Meu Avô era tanoeiro:
Fazia pipas e selhas,
Tonéis, dornas e barris...
Meu Pai é serralheiro:
Forja foices e relhas,
Machados e picare­tas...
Somente eu pouco fiz:
- Apenas versos e tretas!


Camamudo, 12 de Junho de 1965

Vim a este destacamento de Bafatá en­con­trar-me com o meu amigo Viriato Madeira, que está prestes a terminar a sua comis­são. Esteve anteriormente, com a sua companhia, na Ilha do Como, durante cerca de um ano, rodeado de arame farpado e sem poder sair do aquartelamento de cam­panha, im­plan­tado no chamado reino do Nino, onde ninguém se atre­via a entrar ou a sair. Vie­ram de lá todos bem marcados. Foi tal a nossa alegria, que chorámos como duas crianças perdidas que se reencontram e abraçam uma à outra. E, para festejar o nosso encon­tro, preparou-me uma bebida, que ele chama bomba, espécie de cocktail revolu­cio­nário, que me pôs a dormir ou em coma alcoólico quase ins­tan­tanea­mente. Quando des­pertei, já era tarde para seguir para Contuboel. Mandei um rádio a prevenir que passava a noite em Ba­fatá, na sede do batalhão.


Contuboel, 22 de Junho de 1965

Acabei de riscar a sexagésima cruzinha no ca­len­dário. É uma espécie de desobriga que pratico todos os dias, à noite, antes de me dei­tar. Ainda faltam tantas centenas, meu Deus! Será que chego ao fim? Comprei doze livros de Aquilino Ribeiro num estabelecimento de Bafatá. Cada um custou-me qua­renta e cinco escudos. Tenho muito que ler, se para tal tiver cabeça.


Contuboel, 29 de Junho de 1965

Fui com o meu pelotão reforçar a com­pa­nhia de Fajonquito numa operação de dois dias ao mato do Caresse. Chegámos ontem. Ao descalçar as botas de lona e tirar as peúgas grossas, encardidas, vieram-me pe­daços de pele a elas agarrada. Anteontem, a um domingo logo de manhã, ainda an­tes da missa na minha freguesia, na Ilha, onde assisti, durante a emboscada, à en­trada e à saída para lhe receber o sorriso e ficar comungado para o resto do dia, tive então o meu baptismo de fogo. Foi cerca de uma hora e meia (o tempo da missa ar­rastada do senhor padre Joaquim) que estive debaixo de metralha constante. Não vi nenhum ini­migo, mas senti-lhe a presença. Fumei quase um maço de cigarros Sa­gres e bebi toda a água do meu cantil e a do meu guarda-costas. Os velhinhos da companhia a que nos juntámos, a quatro meses apenas do fim da comissão, estão tão tarimbados nisto, que nem fizeram grande caso do tiroteio, nem sequer respon­deram. A dada altura, piraram-se no en­calço do capitão, para uma clareira onde já não havia perigo de maior. E fiquei mais o meu pelotão ainda durante algum tempo na mira dos guerrilheiros, mas não houve nem mortos nem feridos.


Contuboel, 25 de Julho de 1965

O TEU ANIVERSÁRIO

Neste dia dos teus vinte e um anos,
Dependurei uma violeta
No meu lembrar-te.
Queria oferecer-te açafates
De ternura
E beijos buliçosos
Como estes pássaros
Nos fios de alta tensão...

Lembrei-te
Como quem se demora
No beber uma memória antiga
Em fotografias desmaiadas...

O meu recordar-te
Foi um cortejo de martírio
Ao longo de canadas íntimas
Do saber-te cada vez mais longe,
Fictícia,
E no entanto perto,
Tão aconchegada ao meu peito,
Que deixaste de ser fora de mim...


Bissau, 23 de Agosto de 1965

Parto amanhã para Lisboa em gozo de férias. Vou dar um passo importante na vida e se calhar não estou para ele preparado nem ama­du­re­cido. Que se lixe. Preciso urgentemente de um descendente que me pro­longue, no caso de vir a morrer com um tiro na cabeça um dia destes nesta desal­mada guerra de nervos e do resto. O livrinho que publiquei não vai dar boa conta de mim. Precipitei-me. Já tinha plantado uma árvore. Tem apanhado bordoada da críti­ca, que até ar­repia. Vide Pinheiro Torres, no Diário de Lis­boa, e Jaime Gama, no Açores. Quanto ao as­sunto que me leva de viagem, devia es­pe­rar mais algum tempo para depois ler, com outra reflexão e outro descanso, Um Casamento do Pós-guerra, de Carlo Cas­sola.

Pico da Pedra, 19 de Setembro de 1965

Domingo de procissão de Nossa Se­nho­ra dos Prazeres. Durante o almoço familiar, estalejaram alguns foguetes, anun­ciando o le­vantar a Deus da missa da festa. Quando dei por mim, estava deitado no chão, de­baixo da mesa. O que são os reflexos condicionados! Na guerra, temos de actuar o mais rápido possível: mal se ouve um tiro ou qualquer detona­ção, tem uma pessoa de se ati­rar logo para o chão, caso contrário.


Pico da Pedra, 23 de Setembro de 1965

SONS DE DESPEDIDA

No magoado cantar desta chuva,
Es­cuto tristes sons de despedida:
- Amargurados prantos de viúva
Suplicando que o amante torne à vida.

Partir só de braços livres, sem destino,
Como esta chuva caindo sem fim:
- Ter um barco e um sonho de menino,
Que o mar já o trago dentro de mim.

Partir é soltar a tranca da porta
Desta alma que vive quase morta
Na jaula duma luta que se não cansa...

Se o mar que me deixaram em herança,
Me desse uma resposta, uma esperança,
Eu fingiria um tiro na lembrança...


Lisboa, 25 de Setembro de 1965

Acabaram-se as tréguas. Vou de novo de re­gresso a Bissau, sem ânimo de qualidade nenhuma. Quando chegar ao mato, vão de­certo al­guns estranhar que tenha voltado. O sargento Cabaço dizia, em segredo, an­tes de eu vir a férias, que o alferes Aguiar nunca mais poria os pés no teatro de guerra, com certeza iria desertar. E teimava que o sabia de fonte limpa e segura.


Contuboel, 29 de Setembro de 1965

EU E A NOITE

Abro as mãos
E a noite poisa,
A noite pesa-me.

Trago a noite
Vestida
Muito justa
No corpo todo.

Se fecho as mãos,
Não esmago
A noite,
Porque a noite
É tudo
E eu sou
A própria noite.

A noite não se anula
No fogo das estrelas...
Nem a guerra se cala
Na boca das ar­mas.

Nas mãos estendidas,
O peso da noite
E um vendaval de tosse
Na casa­mata do peito...
__________

Notas de CV:

1. Destaques da responsabilidade de CV

2. Vd. último poste do "Diário de Guerra" de 11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4013: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (V): Do Tejo ao Geba (17 de Abril de 1965/25 de Maio de 1965)

Guiné 64/74 - P4837: ”PAIGC – Análise dos tipos de resistência , 2 - Resistência económica” - Páginas 20 a 24 (Magalhães Ribeiro)


1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Mansoa 1974:

Camaradas,
Para os interessados no conhecimento da documentação, hoje histórica, que circulava entre as hostes do PAIGC, nos anos 70, e constituíam peças da sua escassa bibliografia aplicada na filosofia da acção psicológica sobre os seus seguidores, apoiantes e outros interessados nesta matéria dou, nesta mensagem, continuidade à publicação de um caderno prático utilizado nessa finalidade.

A publicação foi iniciada no poste - P4721 (capa e páginas 1 a 4) e continuada nos postes – P4753 (páginas 5 a 9), P4799 (páginas 10 a 14) e P4810 (páginas 15 a 19).

Neste, seguem-se as páginas 20, 21, 22, 23 e 24, dum total de 28 páginas.

A qualidade de uma ou outra página das originais não é das melhores.

O documento tem inscrito na capa (página zero) os seguintes dizeres: ”PAIGC - ANÁLISE DOS TIPOS DE RESISTÊNCIA, 2 - Resistência económica, Aos camaradas participantes no seminário de quadros, realizado de 19 a 24 de Novembro de 1969, (Este texto é escrito a partir de uma gravação das palavras do secretário geral)”.






Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro

Documentos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P4836: Agenda cultural (23): Exposição evocativa da participação dos jovens do Seixal, Lourinhã, na guerra colonial (Luís Graça)



Lourinhã > Seixal > Clube local > 12 de Agosto de 2009 > Aspectos da exposição a decorrer de 8 de Agosto a 5 de Setembro de 2009.



Agenda cultural > Exposição evocativa da participação dos jovens do Seixal, Lourinhã, na guerra colonial

por Luís Graça


De 8 de Agosto a 5 de Setembro de 2009, está aberta ao público, no Seixal, freguesia e concelho de Lourinhã, no clube local, uma exposição documental evocativa da participação dos jovens da terra na guerra colonial – Angola, Guiné e Moçambique (1961-1974).

A ideia original da exposição foi do meu amigo, da adolescência e juventude, Jaime Bonifácio Marques da Silva, natural do Seixal, licenciado em ciências do desporto, professor de educação física reformado, antigo vereador da cultura da Câmara Municipal de Fafe, ex-Alf Mil Pára-quedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), grande dinamizador de iniciativas ligadas à preservação da memória dos antigos combatentes da guerra colonial (nomeadamente, em Fafe e na Lourinhã).

O Jaime, que vive em Fafe onde é casado com a minha amiga Dina, professora do ensino básico reformada, diz-me que a ideia surgiu aquando de um das suas periódicas visitas à sua terra natal, Seixal. Há alguns meses atrás, encontrou casualmente, no clube local, alguns ex-combatentes da guerra colonial, seus conterrâneos. Não se viam há muitos anos, nomeadamente os que saíram para fora da terra, incluindo para o estrangeiro (França, Alemanha, Canadá, etc.).

"Na verdade, cada de um de nós, após o final da comissão de serviço militar em África, ‘fez-se à vida´ " - palavras do Jaime, no folheto explicativo da exposição.

E explicita melhor o seu ponto de vista:

"Uns emigraram para o estrangeiro, outros organizaram as suas vidas aqui na terra ou noutras zonas do país. Agora, por força do efeito inexorável do tempo que nos está a empurrar para o final da vida, aqui estamos de novo a regressar à terra que nos viu nascer e crescer e a relembrar os tempos de escola, do campo, do Largo da Festa onde jogávamos ao pião, ao botão, onde jogávamos à bola com uma bexiga de porco ou ainda onde saltávamos à fogueira na noite de São João, etc., etc.

A comissão organizadora do evento é constituída pelo Jaime e pelo Arménio Pereira (que recolheram os depoimentos orais e seleccionaram o material fotográfico), bem como pelo José Maria Malaquias (responsável pelo apoio logístico).

A exposição é constituída por 33 posters, sendo o primeiro de apresentação e de enquadramento, incluindo o contexto histórico da guerra colonial, e a lista do pessoal.

Cada um dos restantes 32 posters é dedicado a cada um dos 32 seixalenses que combateram na guerra colonial, alguns integrados na Marinha ou na Força Aérea, mas a maioria no Exército. Para pagamento da execução gráfica dos posters cada um dos ‘biografados’ contribuiu com 20 euros. No final da exposição, cada participante ficará com o respectivo poster. A Junta de Freguesia da Lourinhã fez uma pequena doação de 250 euros….

Ao todo foram 39 os ex-combatentes seixalenses, mas há 7 que não foi possível contactar em tempo útil, por viverem no fora da terra ou no estrangeiro. A exposição teve um triplo objectivo, segundo os seus organizadores:

(i) “Lutar contra a cultura do esquecimento que se instalou em Portugal após o final da guerra colonial”… Directa ou indirectamente todas as famílias foram afectadas pela guerra colonial. Ora, segundo a comissão organizadora, se há algo mais condenável do que a guerra, é o silêncio sobre ela, é o fazer de conta que a guerra nunca existiu…

(ii) Relembrar e homenagear aqueles que fizeram a guerra, obrigados ou não, que derem o melhor de si à sua Pátria, independentemente da legitimidade daquela guerra, e do regime político que a promoveu, manteve e conduziu, levando-a a um beco sem saída.

“Para nós, seixalenses, foi assim: Fomos 39 para a África. Um dós, o Arsénio [Marques Bonifácio da Silva, primo do Jaime], deixou lá a vida [, em Angola]. Outro, o Carlos [Alberto Seixas], regressou ferido e ficou incapacitado para realizar uma vida normal. Alguns trouxeram gravada na memória as imagens dos momentos trágicos vividos em combate, nas emboscadas ou em acidentes”…

(iii) Por último, “juntar num salutar convívio e em torno de um programa social e religioso os jovens o Seixal que lutaram em África, desde 4 de Junho de 1961” [data em que partiu o primeiro para Angola, o João Matias] até ao dia 6 de Novembro de 1975, data do regresso do último, o Mário João, também de Angola. (No dia 9 deste mês, houve missa por alma do Arsénio Bonifácio, e deposição de um coroa de flores, na Lourinhã, no monumento aos mortos da guerra do ultramar, seguida de almoço-convívio, no Clube do Seixal).


O Jaime, ao centro; à esquerda, o Estêbvão Alexandre Henriques, que mora no Seixal, mas é de Fonte de Lima.


A comissão organizadora faz questão de sublinhar que “não nos move nenhuma tentativa de recuperação de saudosismos do passado ou pretensos heroísmos serôdios, descabidos e sem sentido”. Mas não também pode ignorar ou esquecer “os momentos de camaradagem, de convívio, de amizade e de solidariedade vividos com os nossos camaradas de armas”.

No concelho da Lourinhã, a guerra colonial fez 20 baixas mortais, 9 em Angola, 6 na Guiné e 5 em Moçambique.

Tive o privilégio de visitar esta exposição na companhia dos meus amigos Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-Alf Mil Pára-quedista, BCP 21, Angola, 1970/72) e Estêvão Alexandre Henriques (ex-Fur Mil Mecânico Rádio-Montador, CCS/BCAÇ 1858, Bissau, Teixeira Pinto, Catió, 1965/67) (Vd. foto acima) 

Dos camaradas que estiveram na Guiné, tomei nota dos seguintes (mas havia mais nomes):



(i) Joaquim Pereira Marques:

fez parte da CCS/BCAÇ 1888 (Fá Mandinga e Bambadinca, 1966/68). Da sua ficha, consta que durante a sua comissão esteve destacado nos aquartelamentos de Fá e Bambadinca (vd. foto à esquerda, o Joaquim num abrigo em Bambadinca), onde actuou como operacional em inúmeras operações de combate, de reconhecimento e de apoio às operações dos fuzileiros”. Felizmente, a sua companhia não sofreu baixas. Esteve 14 anos emigrado em França. Vive hoje no Seixal.

(ii) José Maria Malaquias

soldado condutor auto, Pel Mort 2174 (Dugal / Nhacra e Bissau, 1969/71). Esteve a maior parte do tempo no Quartel Geral de Adidos, dando apoio a Movimento Nacional Feminino. Emigrou para o Canadá.

(iii) Adão Cipriano Andrade: foi ajudante de cozinha no Quartel Geral Adidos, em Bissau (1965/67). Diz que foi uma “rica vida”, tendo lá passado “o melhor tempo de tropa”. Após a “peluda”, trabalhou na agricultura e na reparação automóvel. Está hoje reformado.

(iv) Alexandre M. Santos: Sol Atirador Inf, fez parte da CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863 (Carenque e Texeira Pinto, 1971/73). Vive no Seixal, segundo creio.

(v) Deixam-me acrescentar que o ex-Fur Mil Estêvão Alexandre Henriques era amigo do Sold José Henriques Mateus, da CCAÇ 1423/BCAÇ 1859 (Bolama, Empada, Cachil, 1965/67), um camarada de que já aqui falámos e que desapareceu misteriosamente, em Outubro de 1966, na travessia de um rio; era natural da Areia Branca, povoação vizinha do Seixal.

Devido à sua especialidade, o Estêvão nunca participou em operações de combate. É hoje empresário rádio técnico em Peniche. E é também um famosíssimo coleccionador de instrumentos de bordo de navios de pesca (bússolas, sonares, rádios, além de miniaturas de barcos).



Lourinhã > Seixal > Clube local > 12 de Agosto de 2009 > O Jaime Bonifácio e o Estêvão Henriques




Lourinhã > Seixal > Clube local > 12 de Agosto de 2009 > Cartaz anunciando a exposição do Estêvão Alexandre Henriques, a decorrer em Peniche até 29 de Novembro de 2009: "Pesca em Peniche,50 anos de rádios, sondas e sonares"...

Fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


Aqui ficam os nomes de todos os 39 seixalenses que fizeram a guerra colonial, entre 1961 e 1974 (os últimos sete da lista não têm posters na exposição):

  • Emídio Francisco Baltazar
  • Carlos Alberto Seixas
  • Jaime Bonifácio Marques da Silva
  • José Marques Bonifácio da Silva
  • Luís Malaquias Marques
  • Adão Cipriano Marques
  • Quereano Ministro Baptista
  • José Maria Malaquias
  • Estêvão Alexandre Henriques
  • Arménio Pereira
  • Arménio Marques Bonifácio da Silva
  • Mário João
  • António José Pereira Calçada
  • Duarte Inácio Cláudio
  • Joaquim Damião da Costa
  • Elíseo Ferreira Henriques
  • Luís Manuel dos Santos Rufino
  • Arménio Rasteiro
  • Joaquim Pereira Marques
  • Inocêncio José Baptista
  • José João Camilo da Costa
  • José António Costa
  • Manuel Mateus Baltazar
  • António Luís da Costa Santos
  • Fernando dos Santos Baltazar
  • Alexandre M. Santos
  • José António Bernardo de Oliveira
  • Luís Abílio dos Santos Baltazar
  • José Luís Marques
  • Joaquim Custódio dos Santos
  • João Matias Antunes
  • António da Silva Inácio
  • Arsénio Bonifácio (filho de Joaquim Bonifácio)
  • José Mateus
  • Carlos Henriques
  • Carlos Alberto
  • Sebastião Marques
  • Luís António
  • Domingos Elias

O Seixal na altura (1961/74) era uma terra que vivia sobretudo da agricultura, da exloração das riquíssimas terras, roubadas ao mar, conhecidas justamente como a Várzea do Seixal. Muitos dos jovens que foram para a guerra colonial eram agricultores ou trabalhadores agrícolas. E nem todos tinham, no mínimo, os quatro anos de escolaridade que eram obrigatórios por lei…

Segundo a análise dos dados biográficos dos 32, cerca de um terço terá frequentado, no Ultramar, as escolas militares…. A malta que esteve na Força Aérea e na Marinha, tem as melhores recordações desse tempo da sua vida (por exemplo, o meu amigo Luís Malaquias Marques, que esteve na Marinha). Há bastantes condutores auto entre a malta do Exército. Há apenas um oficial miliciano e dois furriéis milicianos. Uma boa parte do pessoal emigrou para o estrangeiro, depois da sua passagem à disponibilidade.

Em boa verdade, o Seixal poderia ser tomado como uma amostra do país que de 1961 para cá mudou imenso. Mesmo durante os 13 anos que durou a guerra colonial, houve profundas mudanças (demográficas, económicas, sociais, políticas, culturais…). Os organizadores da exposição fazem questão de mostrar os números do conflito:

(i) Foram mobilizados, para os três teatros de operações, mais de 800 mil jovens;

(ii) Cerca de 120 mil foram feridos ou ficaram doentes;

(iii) Cerca de 4 mil ficaram estropiados;

(iv) E estima-se que cerca de 100 mil ficaram a sofrer de stresse pós-traumático de guerra…

Luís Graça