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terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 – P26146: (Ex)citações (430): Habitações palacianas de Gabu (José Saúde)

 


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

Tenho lido textos no nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné - de camaradas que visam literalmente a antiga Nova Lamego, atual Gabu. Digo-o, sem o mínimo de uma dúvida que porventura me suscitava hesitações, pois eles são tão claros que não retiro uma vírgula aos escritos aqui lançados pelos seus signatários, que Gabu tem, naturalmente, a sua própria história existencial.

Quando lancei o livro – “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ-BISSAU 2973/1974 – MEMÓRIAS DE GABU” – ocorreu-me em procurar a razão de como tudo terá acontecido. Ou seja, a razão da sua existência e de que como tudo terá evoluído até ao presente.

É óbvio que pelo meio ficou a nossa presença aquando da guerra colonial, mas ficarão também imagens que jamais esqueceremos. Por isso, aqui vos deixo a história de Gabu e dos então peiriquitos que ousaram explorar os recantos da então Nova Lamego.

Habitações palacianas de Gabu

Denominada como Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a norte com o Senegal, a Leste e a Sul com as regiões de Tombali e a Oeste com Bafatá.

Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, tinha sido uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs a sua supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu.

Gabu é, igualmente, a pátria do chão fula (79,6%), existindo ainda a etnia mandiga (14,2%) que se espalha por toda a zona, mas numa menor escala. Foi-me dado a oportunidade em conhecer alguns dos princípios éticos de uma população que prima pela honra de uma herança que assumem como um indeclinável direito.

No plano territorial Gabu possui uma área de 9.150 kms2 e tinha no ano de 2004 uma população que se estimava em 178.318 almas, sendo, por isso, considerada uma das maiores, senão a maior, das regiões do país.

Introduzo como credível uma nota de rodapé que após a independência do país Gabu recuperou o seu nome tradicional existindo, atualmente, um pequeno núcleo urbano de inspiração colonial.

Detentora de clima tropical, quente e húmido, a região de Gabu é composta por uma população em que a doutrina praticada aponta como alvo principal a religião muçulmana (77,1%).

As temperaturas rondam, normalmente, os 30/33 graus durante o dia e os 18/23 à noite. As estações anuais definem-se como as das chuvas que vai de maio a novembro e a de seca de dezembro a abril. Dezembro e janeiro são considerados os mais frescos. Por outro lado, a economia assenta no comércio, agricultura e pecuária.

Os usos e costumes das gentes de Gabu derrapam para primórdios éticos onde é visível uma hierarquia humana que não abdica do erário tribal transmitido de gerações para gerações.

Redijo este tema sobre um “estágio” obrigatório nessa zona e na qual me foi proporcionado observar algo mais ao longo da minha comissão em solo guineense, embora encurtada devido à Revolução de Abril de 1974, uma vez que fui um dos cerca de 45 mil militares dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – quando por lá prestava serviço. Conheci, portanto, a guerra e a paz e um pouco das vivências tradicionais das suas gentes. 

Uma rua

Aliás, num trivial conhecimento com os nativos que muito me estimulou, pessoas simples que viviam no interior de um adensado mato e entre as duas frentes da guerra, usufrui da possibilidade em conhecer alguns dos seus expeditos hábitos, assim como as memórias que nós combatentes incessantemente recordaremos.

Vamos, pois, ao encontro de conteúdos passados em pleno palco da guerrilha. 

A população em movimento 

    
Periquitos exploram o centro de Nova Lamego 

Passeio na “5.ª Avenida”

Suavizavam o ar com o odor de uma “penugem” que os então pe9riquitos, nome usado pela tropa mais velha para identificar os recém-chegados a solo guineense, lançavam para o infinito de um horizonte inimaginável e onde surgiam quadros pesarosos pintados pelo negro de uma incerteza. Porém, a incubação nos ovos chegava ao fim. Tínhamos avezinhas. Um esticão de asas, um apalpar no escuro, uma vertigem dos mais fracos, o vociferar dos conteúdos da guerra, o trocar opiniões sobre os estratagemas do inimigo, as emboscadas, as minas, os ataques noturnos aos quartéis, entre tantos outros motes aflorados, davam azo a uma conversa sempre indeterminada entre o grupo acabado de chegar ao Leste da Guiné.

Cenário: a “5.ª Avenida” de Nova Lamego, quais turistas a passearem-se pelas ruas chiques das grandes metrópoles americanas! Ao fundo da dita cuja (“5ª Avenida”), eis o grupo a abancar no bar da Pensão Mar e a refrescar-se com as aprazíveis sagres. Era o princípio de uma jornada por terras de além-mar. Outras fainas se seguiriam!

 A Guiné parecia apenas um sonho. Aliás, jamais me tinha ocorrido à ideia de que o meu futuro militar me reservasse, como virtual conjetura, conhecer um dia a realidade da guerrilha no terreno guineense e as suas famosas bolanhas.

Falava-se da Guiné como o diabo foge da cruz. A guerra naquela província do Ultramar era terrível. Traçavam-se cenários mórbidos. A rapaziada comentava e a mensagem passava de boca em boca. Mas o destino contemplou-me e eu, tal como grande parte dos rapazes desses tempos, não fugi a esse fim. Fui e voltei tal como parti, restando resquícios de histórias que contemporizam o meu calendário de vida.

Camaradas houve, e foram muitos, que já não usufruem, infelizmente, do prazer de partilhar momentos de convívio e narrar as suas histórias de vida. Uns, morreram em combate na densidade de um mato cerrado; outros, faleceram numa emboscada; outros, encontraram a morte em ataques aos quartéis; outros, fecharam definitivamente os olhos em famigerados rebentamentos de minas anticarro e antipessoal e, ainda, há aqueles que morreram em momentos de pura infelicidade. Desastres com viaturas militares ou armas de fogo, carimbaram o seu derradeiro fim.

Convivi com situações que me deixavam apreensivo quando em causa esteve a razão do último adeus. Momentos fatídicos, mórbidos, de camaradas que ousaram abusar do facilitismo e se deixaram cair, inadvertidamente, em fatídicos fins proibidos. Exemplifico o infeliz que encontrou a morte a limpar a arma esquecendo, entretanto, que tinha deixado uma bala na câmara e outros em estúpidos acidentes com viaturas militares, todos, ou quase todos, temos histórias desta estirpe para contar.

Olho, atentamente, para duas fotos do meu álbum – Guiné - e revejo um passeio pela “avenida” principal de Nova Lamego, nos primeiros dias em que ali “ancorámos”. O clique foi justamente dado em frente a uma casa onde residiam duas irmãs cabo-verdianas que eram professoras primárias na escola local.

Vivendo momentos de uma juventude no seu auge, alguns furriéis e alferes, andavam doidos com as meninas que, por sinal, eram boas como o milho. Recordo que a malta andava mesmo vidrada com aquele duo de airosas donzelas mestiças. Parceiros? Não lhes conheci. Passemos à frente…

O grupo de turistas, todos janotas, embevecidos com a beleza natural que os rodeava e o cheiro a África a inalar as nossas narinas, eis o grupo de periquitos, à civil, sentados a uma mesa do bar da Pensão Mar. Um nome que nada tinha a ver com a realidade deparada. O mais indicado, na nossa conceção, seria substituir Mar por Bolanha. O mar, lá longe, nem vê-lo. A bolanha era, isso sim, o afrodisíaco mosaico constatado em terrenos circundantes, bem como em quase todo o território guineense. Mas aceitava-se a decisão do seu mentor.

África é sumptuosa no consumo de bebidas, principalmente cerveja. O calor afirma-se como um aditivo determinante pelo prazer de consulares gargantas ressarcidas. Num convívio saudável ficou uma tarde de passeio na apelidada “5ª Avenida”, o alforge recheado de cervejas bebidas e um conhecimento mais profícuo de uma urbe onde as bajudas passeavam os seus corpos embrulhados em pedaços de panos garridos que torneavam a preceito os seus joviais e esbeltos físicos. O militar – periquito – apreciava e… imaginava cenários quiçá inexequíveis de alcançar. Coisas de uma juventude irreverente.

Refastelados à volta de uma mesa o grupo de furriéis ressarciam-se com as cervejolas fresquinhas

Periquitos desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o Cardoso, Operações Especiais/Ranger, Eu, o Santos, Minas e Armadilhas, Freitas e o Rui, Operações Especiais/Ranger

Abraços camaradas e um até breve.
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________

Nota de M.R.:

Vd. últimos postes desta série em:

20 de abril de 2024 > Guiné 61/74 – P25415: Os 50 anos do 25 de Abril (10): Até sempre, Nova Lamego! (José Saúde, ex-fur mil op esp/ranger, CCS / BART 6523, 1973/74)

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25927: (Ex)citações (429): Ainda a situação do nosso camarada guineense Seco Mané. Sei que há boa vontade a rodos mas quanto a resolver mesmo o problema, tudo com dantes (Morais da Silva, Coronel Art Ref)

1. Mensagem do nosso camarada Coronel Morais da Silva (ex-Cap Art, CMDT da CCAÇ 2796, Gadamael; instrutor da 1.ª CCmds Africanos, Fá Mandinga; Adjunto do COP 6, Mansabá, 1970/72), com data de 8 de Setembro de 2024:

Meus caros camaradas

A propósito da deplorável atitude do HFAR e do CEMGFA, logo que soube da situação do combatente Seco Mané difundi, em 2 de Agosto, o texto que anexo e enviei não só aos meus camaradas como à PR, Min. Defesa, CEMGFA e CEME. Como nada mais soube, julguei o assunto encaminhado. Infelizmente, na passada 6ª feira, o Presidente do Núcleo de Lisboa da ADFA, senhor Janeiro, informou-me que a papelada já estará pronta mas o nó continua.

Não consigo entender porquê o CEMGFA não ordenou imediatamente ao HFAR para tratar o ex-militar Seco Mané ultrapassando a burocracia que tudo asfixia. Caramba, comandar é incompatível com lassidão e muito menos com inacção.

O cor. Armando Ramos acaba de me fazer o ponto de situação da iniciativa que desenvolveu há alguns dias acompanhado do Fernando. Sei pois que há boa vontade a rodos mas quanto a resolver mesmo o problema, tudo com dantes. Mais um exemplo do que somos como equipa eficiente, porque joga bonito, mas INEFICAZ porque não mete golos!

Abraço
Morais da Silva


********************

2. Transcrição do texto que o Coronel Morais da Silva enviou à PR, Ministério da Defesa, CEMGFA e CEME:

Caros camaradas
Há dias horríveis e hoje foi um deles.
Visitei a ADFA onde, pela voz do presidente da delegação de Lisboa, Sr. Janeiro, soube das situações aflitivas e de miséria em que vivem, alquebrados e velhos, ex-combatentes da guerra do Ultramar.

Eis alguns exemplos pungentes:
- pensões da ordem de 300€, doentes e deficientes, sem eira nem beira
- amputados, aguardando ANOS para substituição/manutenção de próteses que lhes garantam alguma mobilidade
- nativos militares na guerra, que vêm a Portugal (de que já foram nacionais!) na esperança de ser tratados das mazelas que os afligem e que esbarram nas barreiras da indiferença.

A última vítima da indiferença dos actuais mandantes é Seco Mané que já foi militar português enquanto a guerra precisou dele durante 11 anos e 195 dias sendo agora um guineense com 75 anos. Ferido gravemente na Guiné (Bedanda) foi tratado no HMP em 1974 após o que regressou à Guiné.

Velho e alquebrado conseguiu vir a Lisboa à procura de tratamento para as mazelas da perna ferida e o inaudito aconteceu. O HFAR recusa-se a tratá-lo porque não é nacional e, portanto não pode ser considerado Deficiente das Forças Armadas. Onde já chegamos!
Temos agora gente boa, liderante na ADFA, a tentar remover a muralha burocrática que nos asfixia, com um Ministério da Defesa inoperante e nominal e um CEMGFA incapaz de ordenar o tratamento imediato do militar ferido ao serviço de Portugal.

Tutelas e Chefias destas, que não respeitam o passado dos que combateram em África, não merecem ser respeitadas e envergonham os velhos profissionais que combateram e bem conhecem as trágicas consequências da guerra.

Nada mais acrescento que não seja dar-vos conta da minha indignação e revolta.

Abraço e muita saúde
Morais Silva
02Ago24

_____________

Notas do editor

Vd. post de 8 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25923: Ser solidário (272): Actualização da situação do processo do nosso camarada guineense Seco Mané, que em Portugal procura resolver a sua precária situação de saúde resultante de ferimentos contraídos em combate ao serviço do Exército Português (Fernando de Jesus Sousa)

Último post da série de 22 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25197: (Ex)citações (428): O sistema AAA, do final da II Guerra Mundial, que "defendia" o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau no meu tempo (António J. Pereira da Costa, cmdt da Btr 3434, mai 71/ mar 73)

sábado, 20 de abril de 2024

Guiné 61/74 – P25415: Os 50 anos do 25 de Abril (10): Até sempre, Nova Lamego! (José Saúde, ex-fur mil op esp/ranger, CCS / BART 6523, 1973/74)


Guiné  > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/ BCAÇ 6523 (1973/74) > 
Na porta de armas,  o pessoal civil  por lá se aglomerava pós 25 de Abril



Guiné  > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/ BCAÇ 6523 (1973/74) > O José Súde (à direita) com o furriel Santos, minas e armadilhas, no dia da nossa despedida do quartel

Fotos (e legendas): © José Saúde (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Abril em Nova Lamego

por José Saúde


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

O 25 de Abril de 1974, dia em que se proclamou a Liberdade, permitiu o regresso dos camaradas, instalados em territórios africanos – Angola, Moçambique e Guiné - onde a guerrilha predominava, à Pátria mãe. Sentiu-se, então, que o fim do martírio de “miúdos” enviados para os palanques da guerra, havia terminado. Era um Abril a rejuvenescer à “sonância” de um cravo vermelho e a rapaziada, eufórica, a preparar-se para um retorno, a casa, antecipado.

Abril, e o seu cravo vermelho!

Somos filhos de longas madrugadas que se imortalizaram no tempo, mas onde a esperança da liberdade residiu permanentemente em nós. Somos também filhos de pessoas humildes, “que comeram o pão que o diabo amassou”, mas que nos educou, o quanto lhes foi possível, uma vez que os tempos da obscuridão ter-lhe-ão coartado a ânsia de mandar os seus descendentes para estudos médios ou superiores, visto que as possibilidades financeiras do clã familiar eram demasiado escassas, ou ainda filhos de um regime totalitário, Estado Novo, onde o poder sobre o mais incauto cidadão impunha ordens absolutas aquando o pessoal reclamava, apenas, um compreensível dia de trabalho que, nesses idos, eram tão-só sazonais.

Os tempos eram outros! Tempos em que a liberdade, melhor, a falta dela em expressar sensibilidades pessoais tinham o condão de enviar os mais destemidos para “campos de férias”, mas onde as grades de uma prisão se apresentavam como inequívocas realidades. Pessoas sérias, honestas, uns “letrados” com então a 4ª classe, já era bom, outros analfabetos, mas cuja altivez dalguns passou pela prisão política. Seres humanos que se entregavam de alma e coração a uma profícua convicção que entendiam como justa e, sobretudo, para o bem do seu povo. Mas, do outro lado, lá estavam sempre atentos os fiéis agentes de um regime que não dava tréguas ao mais honesto plebeu.

Fomos crianças alegres, brincámos na rua, jogámos ao berlinde, à bola, algumas de trapos outras com bexigas de porco cujo enchimento era feito através do ar que vinha dos nossos pulmões, à pata, ao eixo, ao pau da lua, e de tantas outras brincadeiras que ainda hoje recordamos, crescemos a ouvir as barbaridades omnipotentes vindas de um Estado Novo, de agentes de uma PIDE que tudo ou quase tudo dominavam, conhecemos inegáveis sofrimentos de famílias marcados pelos constrangimentos das austeras estratégias de pessoas que envergavam fatos à príncipes de Gales com gravatas de seda pura, mas vimos um dia o desamarrar das âncoras do medo que nos prendiam a uma governação que fora substancialmente impiedosa. 

Porém, o 25 de Abril de 1974, a glorificada Revolução dos Cravos, abriu-nos as portas para a Liberdade e, fundamentalmente, para o conhecer novos mundos e novas realidades.

Perfilho, com toda a legitimidade, que essas lealdades de outrora nos trouxeram novéis conhecimentos, novas vidas, novos universos que harmonizaram em indesmentíveis empatias sociais. Aliás, somos de uma geração que teve a oportunidade em conhecer as remodelações dos lugares, ou, em síntese, reestruturações humanas, créditos estes que paulatinamente se transformariam ao cimo desta imensa esfera chamada Terra.

Assistimos à guerra colonial da qual fomos mais um dos muitos milhares de camaradas que por lá andaram, no nosso caso em solo guineense, sendo que a peleja começou em Angola, 1961, estendendo-se a Moçambique e Guiné, terminando o conflito em terras de além-mar com a queda do poder até então instalado sob o camando dos Capitães de Abril.~

Nós, jovens militares, fomos enviados para o palco de uma guerra na qual os camaradas no momento em que se deparavam com os conteúdos reais da guerrilha, lançavam exclamações de raiva, de revoltas incontidas e de impropérios “berros” que os transportavam para um tabuleiro, que não sendo o de xadrez, mas um outro em que se esculpia a simples frase: “matar para não morrer”!

 Sim, como sabeis camaradas, porque é inevitavelmente verídico, muitos companheiros perderam as vidas nas frentes de combate, outros nas "picadas", ou em emboscadas, outros no interior dos seus quartéis resultantes de ataques noturnos levados a cabo pelo IN, mas quando descansavam num sono, que não sendo profundo, o seu descansar permite-me, agora e sempre, parafrasear uma metáfora que se traduzia, naqueles tempos, num "descansar de armas". E tantos foram os camaradas mutilados e de muitos outros cuja patologia os remete para inesperadas circunstâncias de vidas de todo inesperadas.

Quando a revolução de Abril “rebentou” e se ouviu o som do clarinete a emanar a sonoridade do toque a reunir, este vosso camarada cumpria a missão militar na Guiné, precisamente em Nova Lamego, Gabu. Claro que todos rejubilámos com tamanha aventura. Seguiram-se momentos de intercambio com elementos do PAIGC, o conhecer de rostos com os quais antes havíamos combatido, trocaram-se “galhardetes” e eles, por fim, assenhorearam-se das nossas instalações.

Naturalmente que pelo meio de tanto alvoroço, a população, sempre expectante, não dava tréguas aos camaradas que assumiam o serviço da porta de armas. Reuniam-se em grupo e vá de reclamar quiçá benesses. Os seus semblantes indicavam acumuladas incertezas.

 Compreendia-se. A nossa missão chegara ao fim. Brevemente voltaríamos a casa. Ficava o nosso repto: “até sempre,  Nova Lamego”!

E eis-me, finalmente, no dia 4 de setembro de 1974 com o camarada Santos à porta das nossas instalações de malas feitas e prontos para o embarque num avião Noratlas que nos conduziria ao aeroporto de Bissalanca, seguindo-se uma viagem para o quartel do Cumeré, local onde permanecemos até ao regresso a Lisboa, Figo Maduro.

Momentos inesquecíveis que levarei comigo para a eternidade, tendo em linha de conta aquele Abril, e o seu cravo vermelho!

Abraço, camaradas

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

__________ 


Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

19 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25410: Os 50 anos do 25 de Abril (9): "Factum": c. 170 das melhores fotografias do Eduardo Gageiro, no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, até ao próximo dia 5 de maio

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25197: (Ex)citações (428): O sistema AAA, do final da II Guerra Mundial, que "defendia" o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau no meu tempo (António J. Pereira da Costa, cmdt da Btr 3434, mai 71/ mar 73)


António José Pereira da Costa 

Nosso grão-tabanqueiro desde 12/12/2007, coronel art ref, ex-alf art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art, cmdt da Btr AAA 3434, Bissau; CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo; e CART 3567, Mansabá, 1971/74; autor da série e do livro com o mesmo n0me, "A Minha Guerra a Petróleo";  um dos mais ativos membros do nosso blogue, onde tem 195 de referências.


1. Dois comentários do cor art ref António J. Pereira da Costa ao poste P25192 (*)

(...) Fui comandante da BAA 3434 e fico mais que surpreendido que só (!) em 23fev74 o material de "detecção" tivesse sido considerado inoperacional. 

A BA 12 tinha um radar AN/TPS 1-D que não funcionava há anos e não tinha reparação. Estava montado numa torre metálica e fazia vista. Tive instrução num único radar desses existente no CIAAC que tinha sido desenvolvido no final de II Guerra Mundial  e que já não tinha qualquer utilidade

. A BAA 3434 "fazia (?) a defesa da BA 12 com peças AA 4cm e Met AA 12,7 quádruplas. Faziam-se "estudos" sabendo-se de antemão que o radar AA MK VI (táctico) não conseguia fazer detecção em altitude. 

Com apenas dois radares o que se fazia era pô-los a funcionar ao alvorecer e ao anoitecer. As ligações rádio entre as outras estações radar da PU e a da Base eram do tempo do "diga se me ouve! Escuto" (lembram-se?), ou seja,  se houvesse uma detecção, o alarme à base seria dado tarde e a más horas. Transmitir coordenadas à inglesa no sistema Georef era mais que cómico considerando a velocidade que os "aviões do IN", se existissem, eram muito mais rápidos. 

O dispositivo defensivo tinha uma Met AA quádrupla junto à Porta de Armas/Enfermaria guarnecida 24/24 horas com o pessoal instalado num atrelado de tonelada e, durante a noite, uma das GMC patrulhava o caminho de ronda da base com outra Met AA montada na caixa. Entrou em acção numa flagelação.

Por agora fico-me por aqui, lembrando que havia uma igreja na Base que permitia pedir a Deus Nosso Senhor que não deixasse vir um ataque aéreo do Insidioso e Maldoso IN...

21 de fevereiro de 2024 às 10:38 (**)


(...) Das 3 baterias eram duas ligeiras e uma pesada: a BAA 3381 que acabou por ficar num quartel novo em Bor, construído de raíz. Tinha 4 peças de calibre 9,4 cm, (como as que defendiam Londres durante a II Guerra Mundial ) um radar de tiro MK VII que dava (daria) pontaria às peças através de um preditor (computador, diríamos hoje) mas que tinha como velocidade de cálculo máxima 10 seg. 

Estas peças podiam fazer fogo terrestre (bater a zona). Recordo-me de ter participado numa regulação de tiro com observação aérea.

Tenho uma espécie de história da unidade desta bateria.

Como complemento recordo-me de ter conversado com o falecido ten cor pilav Almeida e Brito que tinha uma opinião pior do que a minha. Para mim,  teríamos um "ataque à PAIGC",  levado a efeito com um excedente de uma guerra como a da Coreia,  feita com aviões que até voavam (MiG 15) e pilotados por um internacionalista qualquer. Para o ten cor  poderia ser algo de mais evoluído e com resultados.  (***)

PS - Vou voltar a este tema


______________

Notas do editor:

(*) Vd. 21 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25192: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Inf Bettencourt Rodrigues, Governador-geral e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: E se o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau fossem alvo de um ataque aéreo ? Em 23 de fevereiro de 1974 foi considerado inoperacional o material de deteção de alvos e de tiro...

(**) Último poste da série > 11 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 – P25159: (Ex)citações (427): Pequeno texto referenciado no meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ/BISSAU 1973/1974" (José Saúde)

(***) Vd. postes de

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II

8 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15085: FAP (86): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte III 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 – P25159: (Ex)citações (427): Pequeno texto referenciado no meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ/BISSAU 1973/1974" (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

Pequeno texto referenciado no meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ/BISSAU 1973/1974"

Os tempos de vida, os nossos, lá vão caminhando por uma estrada cada vez mais apertada. Ambicionamos, e sempre, um presente ajustado às nossas capacidades físicas e intelectuais, assim como um amanhã onde suplicamos um bem-estar para a nossa presença neste planeta chamado Terra.

A idade não perdoa. Sim, é verdade que tempo voa. Ainda assim, lá vamos remexendo em histórias que nos enviam, em particular, para a nossa estadia forçada na guerra colonial da Guiné, ou aquando um dia partimos de Lisboa rumo ao conflito guineense, mas com a curiosidade a suscitar dúvidas em relação à futurologia que nos esperaria. Neste contexto, deixo-vos camaradas imagens por todos certamente relembradas. 

      Angola, Moçambique e Guiné, hoje países independentes, foram outrora palcos de guerrilha que marcaram uma juventude que vivia em plenos anos de autêntica exaltação. Nesses tempos, os clamores evocados pelos jovens desembocavam numa encruzilhada de cavaqueiras cujo destino se fixava amiudadamente com a guerra do Ultramar.

      A tropa assumia-se, para todos nós, como um beco sem saída. A necessidade premente ao recurso de seres humanos que engrossavam as fileiras do exército, impunham colaterais apuramentos dos mancebos. Não olhassem ao aspeto físico da criatura e nem tão-pouco a pequenos defeitos congénitos que o rapaz, com 20 anos, apresentava. O apuramento da rapaziada era transversal. Os livres foram chãos que já tinham dado uvas.

      Aportei em solo guineense cerca das 14 horas locais no dia 2 de agosto de 1973.  Ao descer do avião deparei-me, de imediato, com um bafo deveras incomodativo. Faltava-me o ar e o suor escorria-me pelo rosto abaixo. A minha respiração parecia ávida dos ares lusitanos. O cheiro a África era-me uma realidade completamente desconhecida. O clima parecia de todo adverso. Confesso que o calor sempre me fascinou, todavia, este apresentava-se com contornos adversos e literalmente sufocante, assim sendo o meu ego de pronto interiorizou o que lhe ia na alma: “eis-me num território agreste onde a guerra se apresentava como uma irreversível realidade”.

      Os primeiros contactos com os nativos transmitiam odores natos de gentes que se predispunham a contemplar aqueles tímidos jovens que chegavam. Na pista do aeroporto de Bissalanca, e com o Boeing 727 que nos transportara a preparar-se para efetuar a viagem de regresso a Lisboa, deparei-me com uma verdade diametralmente diferente daquela que dantes havia idealizado.

Lembro de sobrevoar o deserto do Saara e olhar as dunas lá do alto, os oásis e as pequenas aldeias isoladas num extenso areal. Tudo observado a uma distância que minusculamente não contemporizava uma visão autêntica com o espaço visualizado. Ficava a imaginação de um jovem que cruzava fronteiras aéreas a caminho da guerra.

      Todas as histórias têm um vínculo que nos transporta a vidas dispersas ao cimo deste imenso globo universal chamado Terra. Nesta obra relato factos verídicos por mim vividos enquanto prestei serviço militar obrigatório, sendo o fim uma comissão numa fase em que a luta atormentava o mais incauto comum dos mortais. Felizmente tive, aliás, tivemos a sorte que nos instantes finais do conflito nos deparássemos com dois tempos diametralmente oposto: a guerra e a paz.

      A guerrilha na Guiné tinha contornos buliçosos. As condições do terreno, o clima e a forma como o PAIGC atuava, formava um tridente que não dava tréguas ao mais astuto militar da metrópole. É verdade que o exército português jamais se apresentou como uma arma maleável para o IN (inimigo). Comprovámos, sempre, que as nossas capacidades de reação foram evidentes nos campos de batalhas.

      Do conflito da Guiné há retratos que ao longo dos anos têm chegado ao nosso conhecimento, com testemunhos verídicos, que relatam de como foi dura a peleja guerrilheira. Sabendo nós, principalmente aqueles que conviveram o dia-a-dia com os problemas da escaramuça, que o contingente luso na Guiné registava cerca de 45 mil efetivos nos três ramos das Forças Armadas – Marinha, Força Aérea e Exército -, enquanto o PAIGC dispunha, nos tempos finais, perto de 10 mil, logo, numa análise feita à pressuposta quantidade de operacionais que cada exército dispunha, o cenário parecia favorável às forças lusitanas.

      Teoricamente seria essa a intenção dos homens de Comando, indivíduos que instalados nos seus gabinetes estudavam o conflito, mas… ao longe. Examinavam os mapas de cada região ao pormenor e idealizavam ações no palanque operacional, mas no interior de quatro paredes. Era, quiçá, a guerra operacional dos galões amarelos.

      Porém, a prática dizia-nos uma verdade oposta. As condições deparadas na frente de batalha, essencialmente a forma como a guerrilha atuava a que acresce a maneira como o IN conhecia o palco real e a forma como os seus movimentos no mato se desenhavam, deixavam a nossa tropa perplexa diante a imprevisibilidade de um eventual contacto direto.

      Hoje, e com a distância do tempo a prevalecer, faço uma visita aos corredores da minha já apertada memória e vergo-me perante a coragem de antigos companheiros que, de uma ou de outra forma, conseguiram dissuadir as intenções do IN no momento em que o ziguezague das balas se cruzavam no infinito do horizonte. Neste contexto, é justo enaltecer o valor individual de cada combatente no instante em que o confronto se pautava pela dureza.

      Sabe-se que foram muitos os que morreram no palco da peleja, outros que ficaram estropiados e outros que regressaram, felizmente, sem nenhuma beliscadura. Há, igualmente, aqueles que ainda hoje padecem de distúrbios mentais que o conflito lhes proporcionou.

      O stress de guerra é há muito uma patologia aguda que tem levado muitos dos ex-combatentes a um pasmo de dificuldades que conduzem o potencial portador da doença a situações variadas. Conflitos a nível do emprego e familiares, designadamente, traduzem que os valores herdados da guerra têm transformado intelectos que evidenciam quebras memoriais, resultantes de hostis ensejos deparados perante ocasionais instantes de autêntico desespero.        

Abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 – P24917: (Ex)citações (426): Vidas (José Saúde)

 



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Camaradas,

O texto vidas reflete o que é, quase na sua essência, a nossa existência ao cimo deste globo terrestre como antigos combatentes, como é este o caso, de uma guerra na Guiné que deixou marcas em cada um de nós, sendo o futuro uma eventual incógnita.

Eu, 72 anos na altura, cai ao sair do meu carro desamparado de que resultou uma outra malazenga, para além de um AVC que muito me apoquentou, dado que tive de ser hospitalizado, sucedendo que neste momento encontro-me numa fase de recuperação.

Esta é uma passagem pelo meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ BISSAU 1973/1974”, Edições Colibri, Lisboa, que incide afinal o que é na presença no planeta Terra.

O mundo é pequeno e as nossas recordações gigantescas

Vidas




Não obstante a velocidade estonteante que contempla um desgastar imutável de vidas que paulatinamente vão marcando gerações, eis-nos perante uma realidade que consome nacos de uma existência que marcará eternamente a nossa presença neste cosmos terrestre.      

Assumindo a minha condição de exímio septuagenário, sou, de quando em vez, embalado imaginariamente ao colo da minha saudosa mãe por um sentimento nostálgico onde as luzes da ribalta transcende o hino das emoções e nos conduzem, quiçá inadvertidamente, a vidas sentidas dos tempos de tropa e da guerra.      

Tempos em que nós, miúdos e de caras joviais, dávamos um pontapé nas estrelas, sendo que nesse exorcismo irreal deixávamos um sinal claro que o nosso futuro passava irremediavelmente pelo dia da chamada do futuro mancebo para engrossar as fileiras do exército português.      

Porém, uma certeza não invadia as nossas almas: a guerra no Ultramar. Ou seja, um cenário gigantesco que ditava como encenação provável uma comissão militar em território de além-mar. Mas, existiam também nuances que acarretavam preocupações acrescidas a rapazes que viviam anos de uma efervescente juvenilidade. O futuro, sempre imensurável, sugeria um sonho que nos fazia sorrir. A guerra era coisa distante. Parecia.      

Todavia, escondido no nosso ego lá permanecia uma faixa negra onde se lia: segue em via rápida uma encomenda que transporta a tão conhecida frase “carne para canhão”!... Ainda assim, a utopia transmitia um similar de odores onde esperança falava mais alto. “Vou à guerra, mas regressarei um dia são e salvo ao meu rincão sagrado. Não quero medalhas, mas exijo apenas um simples reconhecimento pelos momentos de padecimento sofrido. Ponto final”.      

E muitos regressaram isentos de malazengas contraídas nos campos de batalha. Outros, infelizmente, chegaram tendo à sua espera uma secção de militares do quartel mais próximo da sua residência que honrava o defunto com uma rajada de G3. Depois seguia-se o discurso que ornamentava o fúnebre momento, frisando o oficial de serviço o heroísmo do camarada agora já cadáver. Bolas, que pudica mensagem de voz!      

A tropa apresentou-se, creio certamente, para todos nós como uma universidade da vida na qual recolhemos informações que nos levaria a efetivos doutores de uma licenciatura concluída num mar de aventuras e que coabitava com o desenrolar das nossas vidas. A tropa foi, e afirmo obstinadamente, uma inquestionável experiência que muito nos ensinou.      

Lembro o dia 10 de outubro de 1972 quando dei entrada como mancebo no CISME, em Tavira. Depois veio Lamego, Operações Especiais/Ranger. O dia 4 de janeiro de 1973 traçou-me um novo destino. Abençoado pela Serra das Meadas, a bíblia dos futuros rangers, tornei-me um exemplar militar e adquiri louros para uma especialidade que me fez crescer na sua plenitude. Seguiu-se a Guiné e Gabu recebeu-me com “pompa e circunstância”.      

Recordo o dia que ousei desafiar calendas escondidas e obrigatoriamente parti para uma comissão militar na Guiné. Num outro lado, África esperava-me e o solo guineense “abençoou” a minha chegada. Constatei de imediato que o bafo causado pela aquela terra vermelha me aconselhava cuidados atempados.       

Cuidados que, posteriormente, disparariam em todas as direções. O dia-a-dia em Gabu evidenciava novas aventuras. Aventuras que coincidiam com patrulhamentos, proteções às colunas, quartel e pista de aviação, com visitas permanentes a tabancas, operações, saídas constantes para o adensado mato, enfim, um rol de procedimentos comuns imputados a um operacional em tempo de guerra.       

Evoco outros momentos em que o clima de África contemplava as nossas vidas. O paludismo, que me visitou por três vezes, derrubou-me, mas levantou-me. Foi uma espécie de ataque de morteiro sem recuo onde a versão primária levou o debilitado combatente a exercitar a sua já usada condição de ranger.      

E é neste permanente propagandear de vidas preenchidas em território guineense, que me ocorrem situações em que o facilitar permitia o desenvolvimento de momentos caóticos. Alguns fatídicos.      

Jovens militares que acreditaram na sorte. Vidas que, inconscientemente, se perderam, tão-só pelo simples facto de não premeditavam o futuro imediato. Facilitavam. Depois vinha a desgraça.      

50 anos depois…                 

      


Um infortúnio que 50 anos depois eis que o “rebentamento de uma mina antipessoal” me atirou para o leite do hospital de Beja. Fémur fraturado e que originou uma intervenção cirúrgica urgente, tendo sido necessário levar “material suplementar”, ou seja, um “espigão” que vai do colo do fémur ao joelho pelo interior do referido osso, bem com parafusos para suportar o equilíbrio do membro inferior direito, aquele que ficou meio funcional após o meu AVC, um mal que já leva 17 anos de existência. Abraço camaradas,

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

4 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24723: (Ex)citações (425): Ainda a propósito do Jornal Voz de Bissau, a atividade Política em Bissau no pós 25 de Abril (Victor Costa, ex-Fur Mil)

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24723: (Ex)citações (425): Ainda a propósito do Jornal Voz de Bissau, a atividade Política em Bissau no pós 25 de Abril (Victor Costa, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 27 de Setembro de 2023:

A atividade Política em Bissau no período pós 25 de Abril

Amigos e camaradas da Guiné.

Apesar de minha atividade profissional continuar intensa, acompanho as mensagens que os diversos camaradas vão escrevendo e por isso decidi escrever esta mensagem porque continuo a gostar da verdade, de História, Arquivo e papéis velhos.

Os artigos publicados no Jornal Voz da Guiné são interessantes e os factos e as questões colocadas pelo camarada Abílio Magro, ex Fur Mil Amanuense (CSJD/QJ/CTIG, 1973/74) no dia 16/09/2023 e seguintes, são pertinentes.

Se entenderem que o enquadramento desta mensagem fica mais explícita se for dividida em três, deixo à vossa consideração.

Apesar da esquerda e a direita serem duas maneiras diferentes de ver e viver a vida, há uma coisa comum que as torna iguais, trata-se da corrupção.

Com o passar dos anos verifiquei que a leitura evitou que eu perdesse o Norte depois dos 28 anos, como aconteceu a outros, hoje entendo que olhar para trás para o nosso passado Histórico, ler de tudo e comparar as políticas é o melhor remédio.

Li a "Mãe" de Máximo Gorky, mas também li também "O Sabor do Poder", traduzido Ladislav Mnacko do original Jak CHUTNÁ-MOC-1967, by Verlag Fritz Molden Viena-Munique.

O ano de 1948 anunciava-se particularmente agitado no plano internacional. A tensão crescia entre a URSS e os seus antigos aliados. O Golpe de Praga que expulsara do Poder o Presidente Benés entregava a Tchecoslováquia aos comunistas e não deixava dúvidas nenhumas sobre a vontade soviética de continuar uma política expansionista para Oeste. O chefe do Partido começou como revolucionário, organizou o partido e tomou o Poder à custa de corrupção, esta história acabou na chamada Primavera de Praga.

Os golpes de Estado correm sempre o risco de serem aproveitados por alguns em proveito próprio e por isso é um livro aconselhável.

Após o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, os militares de bom senso tinham poucas possibilidades de vencer a tarimba e a atividade política pró-soviética, cujo objectivo visava minar, o dever e a disciplina, no seio das Forças Armadas, para tomar o Poder.

Consta da 1.ª página do Boletim Informativo n.º 1 de 1 de junho de 1974, publicado no Blogue em 22 de Abril de 2022, que o Sr. Tenente Coronel Almeida Bruno na sua deslocação à Guiné, em representação do MFA, dirigiu uma reunião sobre a reestruturação democrática do MFA e a preservação da disciplina e da hierarquia, que contou com a participação do Sr. Capitão Duran Clemente, nomeado entre outros para a Comissão Coordenadora do MFA na Guiné.

As ordens do MFA que o comandante Almeida Bruno tinha acabado de transmitir em Bissau no dia 7 de Maio de 1974 nunca foram cumpridas.

Tinham passado apenas 9 dias e já "aqueles soldados" da Guiné pediam ao diretor do Jornal Voz da Guiné, o Sr. Capitão Duran Clemente, que mandasse publicar um comunicado sem dizerem, quem eram, quando tinham sido eleitos, nem quem os tinha mandatado para tal.

Muita coisa se disse e diz em nome do Povo e dos soldados e não deixa de ser interessante o facto destes "soldados" escreveram um comunicado utilizando a letra "n" em vez de "m", mas não se esquecendo de terminar a mensagem, a 4.000 Km de distância do Povo com a devida palavra de ordem, "O Povo Unido Jamais Será vencido".

O Comandante Almeida Bruno e outros notáveis das nossas Forças Armadas eram homens de coragem, sabiam lidar bem com armamento e engenhos explosivos, mas infelizmente não conheciam o sistema de comunicações soviético nem o método e a forma de atuação destes engenhos políticos.

A publicação do artigo da LUAR no Jornal a Voz da Guiné merece o seguinte comentário:

O assalto ao Banco de Portugal realizado por Hermínio da Palma Inácio em de Maio de 1967 que contou com a participação de dois naturais da freguesia do Paião, um deles residente em França.

Parte do produto deste assalto, 1.500 contos foram encontrados debaixo da lareira de um deles, depois de serem recolhidos a seguir ao assalto numa das pontes de Maiorca da estrada nacional n.º 111 que liga a Figueira da Foz a Coimbra.

Que Operação cuidada esses "revolucionários" da LUAR fizeram, em vez de assaltarem os bancos capitalistas foram roubar o Banco do Povo, já só falta cruzar os cabos.

Abaixo os capitalistas, os seus Bancos e a democracia burguesa, vivam os Bancos do Povo e viva a União Soviética.

Junto cópia do artigo de António Jorge Lé, do Jornal Diário de Coimbra de 24 de Maio de 2023, sobre esta grande e cuidada "operação popular".

Clicar na imagem para ampliar


Ainda sobre o rebentamento da granada no Café Ronda:

Devido ao bom relacionamento da CCaç 4541/72 com o BCP12 eram frequentes as nossas deslocações conjuntas a Bissau, todos nós vestidos a rigor sem camuflados, que permitissem transportar "embrulhos" pesados e nocivos à vida.

Para evitar problemas em Bissau, a disciplina no BCP 12 em Bissalanca era clara, segundo o meu vizinho e amigo falecido (Sold. Pára) Américo Paiva, com quem me deslocava nestas andanças, não haviam máquinas de escrever nem papel no Quartel e as indisciplinas no BCP 12 eram tratadas no salão de treinos de Boxe, onde o seu comandante tinha fama de ser justo e bom lutador, nós seguíamos as regras.

Ao chegar a Bissau verificávamos que era mantido o bom o nível do alcatrão, ao longo da Avenida da República, que fazia soar o forte som das botas do render da guarda da PM desde a Amura até ao Palácio do Governador, mas não posso esquecer aquele furriel da PM que foi "condenado" a passar um mês de férias no mato, apenas para ver a diferença entre entre a vida no mato e o som do bater das botas na calçada da Avenida da República em Bissau. Assim, face ao "risco" que corríamos nas nossas deslocações a Bissau, não posso terminar sem enviar os meus sentimentos às famílias dos "soldados mortos em combate" na arriscada cidade de Bissau, nomeadamente desde o QG, passando pelo Quartel da PM na Amura, Avenida da República, onde se localizava o Café Ronda e o Cinema UDIB, e até ao Palácio do Governador.

Por isso, em nome da preservação da História, deve ser atribuído um louvor ao camarada ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QJ/CTIG,1973/74) Abílio Magro, por ter guardado esses recortes do Jornal "Voz da Guiné" publicados no dia 12 e seguintes do mês de Setembro de 2023.

Felizmente que ainda ficaram alguns "periquitos", que já liam livros de política e outros "velhos" que conheceram os locais, gostam de ler, vasculhar documentos e ainda conseguem manter o bom humor e rir dessas coisas.

Um abraço,
Victor Costa,
Ex-Fur Mil At Inf
CCaç 4541/72

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24662: (Ex)citações (424): Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que nada melhor do que as bolas de cristal (José Belo, Suécia)

sábado, 16 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24662: (Ex)citações (424): Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que nada melhor do que as bolas de cristal (José Belo, Suécia)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Suécia > Lapónia > Breve verão de 2023

Fotos (e legendas): © José Belo  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O luso-sueco José Belo (com mais de  250 referências no nosso blogue, membro da Tabanca Grande desde 8 de março de 2009): foi alf mil inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, é capitão do exército português reformado (poderia ser hoje coronel, se tivesse lutado pelo seu direito à reconstituição da carreira militar); hoje jurista, com família sueca, vive na Suécia há mais de 4 décadas; autor, entre outras, da série "Da Suécia com saudade".

Síntese de mensagens diversas do José Belo, enviadas nesta 1ª quinzena de setembro,em que ele está de partida para a sua casa de Key West, Florida, USA, findo o curto verão lapónico.

(i) "Não é um 'pôr do sol' mas sim a altura máxima do sol no horizonte antes de desaparecer completamente durante os longos meses do inverno Árctico.

Da 'luminosidade' da foto passa-se então à total escuridão... aparentemente infindável apesar da habituação de muitas décadas" (Foto nº 1)

(ii) "A água da foto começou a gelar e ,com o vento, a ténue superfície de gelo parte-se em milhares de partículas que chocando umas com as outras provocam um agradável ,e indiscritível, som de cristais de candelabro de salão." (Foto nº 1)

(iii) Ainda para os saudosos da Guiné:

O heliporto nas traseiras da minha casa; o moderno hospital de Kiruna fica a 55 minutos de voo (Foto nº 2);
As florestas da Lapónia. (Foto nº 6);
Não será bem a praia do Estoril-Tamariz da minha juventude mas é….minha! A água nos inícios de Setembro está a uns convidativos 4 graus positivos (Fotos nº 2, 3 e 5)

(iv) Sobre o mitológico Mampatá ?

 "Don’t let it be forgot,that once there was a spot, for one brief shining moment, that was known as Camelot” (Foto nº 7);

(v) Chamada do recolher:

Herr Professor Luís Graça,

As aves migratórias já partiram em infindáveis bandos rumo ao Sul. É altura deste Lusitano-Lapão (único!) “abalar”, também, rumo ao Sol e à minha casa da Key West (sempre em festa!)

Durante o curtíssimo verão do círculo polar procurei enviar aos Camaradas e Amigos umas 'naïves' fotos locais procurando desmistificar o ideário lusitano quanto a algumas das realidades locais.

Nas nossas já bíblicas idades os planeamentos a longo prazo são sempre eivados de 'relativismo'. Daí que... nada melhor do que as bolas de cristal (Foto nº 8)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 2 de setembro de 2023> Guiné 61/74 - P24610: (Ex)citações (423): Curiosidades lapónicas: As visitas continuam e qualquer dia entram em casa! (José Belo, Suécia)

sábado, 2 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24610: (Ex)citações (423): Curiosidades lapónicas: As visitas continuam e qualquer dia entram em casa! (José Belo, Suécia)

Foto nº 1 > Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 > As visitas continuam e qualquer dia entram em casa


Foto nº 2> Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 >  A altura a que chegou  a neve no último inverno.


Foto nº 3> Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 > As rochas polidas como mármore devido aos 320 dias por ano sob o gelo, durante milénios.


Foto nº 4 > Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 > As matas locais… para saudosos da Guiné.

Fotos (e legendas): © José Belo  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O luso-sueco José Belo (com mais de  250 referências no nosso blogue, membro da Tabanca Grande desde 8 de março de 2009): foi alf mil inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, é capitão do exército português reformado (poderia ser hoje coronel, se tivesse lutado pelo seu direito à reconstituição da carreira militar); hoje jurista, com família sueca, vive na Suécia há mais de 4 décadas; autor, entre outras, da série "Da Suécia com saudade".


1. Mensagens de 25/08/2023, às 20:29, 31 de agosto,. âs 11;17, do José Belo:

Asssunto - Curiosidades lapónicas

1) As visitas continuam e qualquer dia entram em casa!

2) A altura da neve no último inverno.

3) As rochas polidas como mármore devido aos 320 dias por ano sobe o gelo, durante milénios.

4) As matas locais….para saudosos da Guiné.

Vd. fotos acima.
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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24605: (Ex)citações (422): Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné (Manuel Luís Lomba)