1. Meu caríssimo amigo e camarada Paulo:
A nossa amiga Nela seguramente não queria afirmar ou insinuar que as minas de hoje na estrada de São Domingos eram as mesmíssimas minas de ontem, de há trinta anos... Seria técnica e materialmente impossível elas resistirem estes anos todos, já que essa via nunca esteve interdita, depois da independência... Além disso, tu passaste por lá, impunemente, há coisa de um mês e tal...
Percebo a tua estupefacção, tu que és (com a tua São) um andarilho e, mais do que isso, um connaisseur e um apaixonado da Guiné... No nosso blogue, temos, de facto, procurado respeitar a verdade (e só verdade) dos factos, mesmo quando eles não são abonatórios para nós... (Nós, tugas; nós, povo; nós, Estado; nós, Nação)... De qualquer modo, devo deixar claro que rejeito, liminarmente, qualquer ideia de responsabiliddae colectiva: é uma monstruosidae jurídica!... Não me venham e muito menos a mim - pedir contas pelos alegados erros e crimes do colonialismo português, que o meu livro de reclamações, uma vez aberto, vai direitinho ao Céu e ao Criador!
Antes de publicar o teu comentário, tinha pedido à Nela que esclarecesse melhor o seu ponto de vista... Coisa que ela fez, de bom grado e de imediato. A questão é simples: tu sabes, meu caro Paulo, como as palavras às vezes nos atraiçoam!...
Eu próprio levei há dias no toutiço por uma frase que revelava, no mínimo, alguma ligeireza, ao insinuar que o grande Amílcar Cabral não teria sido um verdadeiro guerrilheiro, como o Nino, só por não andar de Kaslash na mão, nem as ouvir assobiar, às balas da nossa G-3, por cima dos ouvidos...
Na realidade o que eu queria dizer (e que, de facto, não consegui transmitir) é que o Amílcar foi um grande líder revolucionário, o que não é sinónimo de comandante militar... Enfim, um exemplo do tipo de risco que corremos quando não conseguimos, muitas vezes, ser "claros, concisos e precisos"...
Quanto à Nela, se bem percebeste, estes episódios recentes na zona fronteiriça do noroeste da Guiné fizeram-lhe lembrar outros trágicos acontecimentos, do tempo da guerra colonial, como o da mina que vitimou o seu futuro e actual marido...
Last but not the least, é bom (e reconfortante) sentir a presença e a confiança dos amigos que estão próximos do terreno, como é o teu caso e o da São... Fico feliz por saber notícias vossas. E estou agradecido pelo teu oportuno (e veemente) comentário... Quanto ao esclarecimento que eu pedi à Nela, a nossa nova tertuliana, ele aqui fica, para melhor enquadramento desta questão das minas do nosso descontentamento e da nossa indignação... LG
2. Mensagem da Nela:
Luís: Obrigado pelas fotos e pelo comentário que me enviou, escrito pelo Paulo.
Confesso que, ao ver aquelas fotos, tive saudades do tempo que passámos em Bissau, depois da Independência e como cooperantes ao serviço da Educação.
Quanto ao que o Paulo diz, concordo com ele : é um facto que aquelas minas de agora não podem ser as de há 30 anos atrás. Eu própria recordo o dia em que fomos a Ingoré, e ao irmos pla estrada em direcção à localidade, depois de termos atravessado o rio numa canoa, o comentário do meu marido: "e pensar, que há anos, não podíamos aqui passar sem ir a picar a estrada"...
Talvez este comentário tenha sido o causador da frase que indignou o Paulo. Mas, o que eu quis dizer foi simplesmente... que, como então, com outros protagonistas, é certo, a história repete-se - minas numa estrada que é de vital importância para as populações guineenses.
As minas não são as mesmas, claro, mas os meios de que se servem os senhores da guerra são os mesmos...
É o recurso às minas que me revolta e para o qual não consigo encontrar explicação plausível.
Quero, contudo, recordar, que eu vivi a guerra do lado de cá e estive em Bissau depois da Independência, onde tive oportunidade de contactar e conviver quer com soldados que pertenceram ao Pelotão 60 [Pel Caç Nat 60 ?] , que o meu marido comandava, quer com oficiais do PAIGC de quem nos tornámos amigos. Algumas dessas histórias ficam para outros posts.
Gostaria ainda de reafirmar que, ao escrever - e faço-o directamente no meu blogue - apenas me move o sentido de partilhar sentimentos, histórias e factos. Algumas imprecisões de escrita podem levar a outros entendimentos, mas, em momento algum, pretendo falsear a História ou os factos ocorridos.
Sei, contudo, que também a História de um Povo pode ser narrada em diferentes perspectivas. Da minha parte, apenas pretendo falar de factos que marcaram a nossa vida, aliados a sentimentos que perduram - nomedamente a recusa à guerra e um desejo veemente de que África, um continente fascinante, encontre o desenvolvimento a que tem direito!
Saudações amigas
Nela (Manuela Gonçalves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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