sexta-feira, 5 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P725: Sobre a Op Mar Verde e o Comandante Alpoím Galvão (Lema Santos)

Caro Luis Graça,

Não será por acaso que se tem efectuado bastante pesquisa e recolha de documentação e relatos da operação Mar Verde. Mais se seguirão porque o tema encontra-se longe de estar esgotado e, eu próprio, conjuntamente com outro camarada estamos a elaborar um trabalho sobre LFG's que naturalmente aborda o assunto. Abaixo, apenas um considerando pessoal.

Um abraço,
Manuel Lema Santos


ONDE NÃO ESTAVA E O QUE AINDA NÃO ERA

Ao vosso repto opto por responder, desta vez, pela negativa dizendo “onde não estava e o que ainda não era”.

Já não estava na Guiné mas ainda não me sentia totalmente reequilibrado do ponto de vista de cidadania. Tinha consciência de que não tinha ainda vida pessoal e profissional estabilizadas.

Em 27 de Novembro de 1970 estaria, em princípio, no Estado Maior da Armada mas não consigo precisar onde estava nem o que fiz exactamente. Registos precisos nem pensar e, muito provavelmente teria sido um dia rotineiro. Nunca escrevi diário e até os de bordo da “Orion”, obrigatórios, desapareceram sem deixar rasto.

Vêm-me à memória aquelas lenga-lengas das aulas de história do 2º ciclo liceal do compêndio do professor Mattoso que assumiam, no meu futuro cultural, um aspecto definitivo de massa informe de pepino com um toque de nabo. Exactamente dois dos sabores que erradiquei dos meus hábitos alimentares como conquistas irreversíveis da adolescência.

E depois, tudo aquilo começava sempre da mesma maneira: causas políticas, sociais e económicas das guerras púnicas, da guerra dos 100 anos ou outra escaramuça qualquer.

Então, convenhamos que não me perfilei historiador, assumidamente.

Quem afirma ou pensa sê-lo antecipa sempre o encerramento de qualquer coisa, talvez um escrito sobre determinado acontecimento ou facto, com um ar definitivo, sem mais nada haver para escrever ou narrar.

Ora, para mim, a História é exactamente a antítese da atitude. Coerentemente defendo que a operação Mar Verde não esteja narrada e encerrada em capítulos estanques, contados e já com índice.

Ainda menos a História da Marinha que levou a cabo a operação Mar Verde e ainda muito menos a História da guerra na Guiné que foi, de princípio ao fim, um conjunto de pequenas operações Mar Verde, dia a dia, mês a mês, ano a ano, num grotesco e monstruoso crescendo de 13 anos, levadas a cabo pelos três ramos das Forças Armadas.

Mais uma vez, das LFG’s, lá estiveram a Orion, a Hidra, a Dragão e a Cassiopeia e, das LDG’s, a Bombarda e a Montante, além dos DFE’s.

Não venero heróis estereotipados e também não sou um especial admirador da personalidade do comandante Alpoim Calvão.

Conheci-o pessoal embora muito pontualmente, como comandante do DFE8 e, provavelmente conhecendo-me, não se lembrará de mim. Servi na Guiné sob o comando do oficial general (CDMG) que mais impulsionou lá os fuzileiros e, mais tarde, já depois de regressar, continuei como seu ajudante de ordens durante dois anos.

Estou em vantagem mas paro, olho, escuto e fundamentalmente calo, no respeito que alguma ignorância minha me impõe, mas também na dúvida que algum conhecimento adquirido me permite.

Entendo que, no momento certo, teve os apoios necessários para uma operação militar difícil, de elevado risco e de resultados previsivelmente duvidosos.

Julgo que, na génese de um qualquer herói, reside apenas uma pessoa comum que, em circunstâncias extremas, executa as missões necessárias para garantir a sua própria sobrevivência ou do grupo que integra.

Nesse sentido, apenas um ténue risco demarca a fronteira entre coragem e instinto de sobrevivência e, para bem de todos nós, felizmente que assim é.

Na perspectiva oposta, muitos e diria mesmo demasiados, não chegaram a dispor de oportunidade para demonstrar que também seriam capazes. Tombaram antes.

Resta-lhes na História o respeito, o silêncio e a homenagem dos que continuaram.

Muitas vezes com o assumido empenhamento, dignidade e sofrimento das Mães que perderam a sua razão ultima de vida: os Filhos.

Que título ou medalha para Elas?

Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968

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