domingo, 25 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)



Fotos apresentadas no almoço de convívio anual da CART 2339, que este ano se realizou em 20 de Maio de 2006. (Fotos do arquivo pessoal do ex-Alf Mil Cardoso; texto do ex-Alf Mil Torcato Mendonça; cópia enviada pelo ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos; )

FOTO 1: Évora - RAL 3

Esta foto é de uma das primeiras reuniões de graduados das CART 2338 e 2339. Na 1ª fila estão o Capitão Miliciano e o Alf Mil Diniz, da CART 2338. Este nosso camarada coordenava a travessia do Corubal, no Cheche, quando houve aquele trágico acidente. Texto ou textos já publicados no Blogue (1).

Não sei do Diniz. Mas mando-lhe um forte abraço.

Na foto éramos uns jovens… não sabíamos o que iríamos enfrentar, nem onde. Curioso seria ter tirado, no regresso, outra foto no mesmo local e com as mesmas personagens. Ver-se-iam as diferenças…

Malhas que o império teceu!

FOTO 2: Turra Mané

Interrogatório a um prisioneiro.
Pela disposição dos presentes é fácil imaginar a brutalidade do interrogatório. O militar das patilhas sou eu, na escrita. O sorriso é o mesmo nas duas fotos. O prisioneiro era o Malan Mané.

Só um apontamento sobre o Malan.

Em Agosto de 1969, o meu Grupo de Combate reforçado com Milícias, estava no COP 7 ou melhor, a trabalhar para a Companhia do Cap Mil Jerónimo, em Galomaro [CCAÇ 2405]. Como as Tabancas, em autodefesa, de Candamã e Afiá voltaram a ser atacadas, fomos chamados com urgência a Bambadinca. Houve uma reunião com o Comandante do Agrupamento – Coronel ou Brigadeiro Hélio Felgas -, o Tenente Coronel Pimentel Bastos, Comandante do BCAÇ 2852 e outros oficiais cujo nome já não recordo.

Recebemos a missão. Partir de imediato para Candamã/Afiá com mais um Grupo da minha Companhia. Recolhemos mais informações, com o Comandante da CART 2339, Capitão do Quadro Permanente Laranjeira Henriques, e, em coluna auto, deslocámo-nos para lá.

Na passagem por Afiá consegui convencer o Lhavo, caçador e guia em várias operações, para nos voltar a orientar. Mostrou-se relutante. Tinha as suas razões e, se bem me lembro, estavam correctas.

No dia seguinte lá partimos com o Lhavo e encontrámos a pista do IN. Seguimo-la, em progressão balanta. Vimos um local de pernoita, calculámos quantos seriam e, no fim do dia, descobrimos o possível local do acampamento. Som de pilão e outros indícios. Além disso, o local era óptimo para um acampamento.

Dois dias depois, salvo erro, forças das CCAÇ 2590 [CCAÇ 12], CART 2339 e o Pel Caç Nat 53 montaram emboscadas em possíveis locais de fuga do IN. Paraquedistas do Cop 7 assaltaram e destruíram o acampamento. Capturaram o Malan Mané. Na fuga o IN, junto á estrada Mansambo/Xitole, caiu numa emboscada da CART 2339. Sofreram baixas e foi ferido com gravidade o Comandante do PAIGC, Mamadu Indjai (2).

A nossa tropa regressou a quartéis e eu voltei a Mansambo. Uns dias depois entregaram-nos o Malan Mané. Íamos fazer uma operação – Pato Rufia – na zona do Xime e o Malan era o guia (3). Ele já tinha sido interrogado, creio que em Bambadinca. Não sei como decorreu mas imagino. Pelo breve relatório que nos entregaram disse pouco.

Em Mansambo o Malan foi para um dos dois abrigos do meu Grupo. Estes abrigos tinham uma sala que servia como refeitório, local de convívio, escrita e leitura e outros fins. Ficava na parte do abrigo virada para a parada, rodeada por duas fiadas de bidões com terra e tecto de zinco e colmo.

Entrei nessa zona e o Malan levantou-se, olhando para mim com um olhar inquieto, no mínimo. Fiquei, eu e os outros militares surpreendidos com aquela reacção. Como ele não falava mandinga e o meu crioulo era fraco, mandei chamar o Lali.É o guineense que se vê a sorrir na foto. Quando sentimos que o Malan estava mais calmo, conversámos com ele durante o tempo necessário para obter muitas informações. Foram passadas, as mais importante, a muitas folhas de papel.

O Malan sabia quem eu e outros camaradas éramos porque vinham, ele e outros militares do PAIGC, espiar-nos aquando da construção de Mansambo; tinha estado na fatídica emboscada da fonte, cerca de um ano antes. Viram-me passar mas não abriram fogo pois o objectivo era a fonte. Nesse dia fui com o meu Grupo á Moricanhe onde estava o Pelotão de Milícias 145. Disse-nos que o Cmdt do PAIGC para aquela zona era o Mamadu Indjai, recentemente reforçado e tendo 120/150 combatentes, com armas pesadas etc, etc. Não sabia o que entretanto sucedera ao seu ex-comandante.

Parece um relato de um santo. Claro que não o éramos. Aplicávamos a dureza julgada necessária, a disciplina, estávamos certos que o suor poupava sangue. Além disso sobre a Convenção de Genebra… só de nome… um conjunto de Leis, será?... Genebra, a cidade Suiça e a detestável bebida!... Mantínhamos era a nossa dignidade e o respeito por quem contra nós lutava. E não só.
Voltando ao Malan Mané. No dia seguinte fomos para o Xime. Correu mal a operação. O Malan enganou-se demasiadas vezes e, além de não atingirmos o objectivo, viemos de mãos a abanar.

Essa operação foi repetida, segundo me parece e o Malan foi ferido…Encontrei-o, em Novembro de 1969 no Hospital Militar em Bissau. Ver nota anterior no Blogue (4).

Em nota de rodapé: gostava de saber onde estará o Malan, o Braimadicô – ex-comandante do PAIGC, que nos guiou na operação Lança Afiada... Ainda vou escrever sobre ele e essa operação. Mas principalmente o que terá acontecido ao Lali, Lamine, Sargento Madia Baldé e a outros militares do Pelotão de Milícia 145 ou ao Régulo António Bonco Balde. Eram outras estórias!

África, principalmente a Guiné, é uma saudade. Mas... e mais não digo por agora.


Torcato Mendonça,

ex-operacional, Cart 2339 (Mansambo, 1968/69)

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd., entre outros, os seguintes posts em que é referido o nome do Alferes Miliciano Diniz, da CART 2338:

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLIII: A verdade sobre o desastre do Cheche (Rui Felício)

2 de Agosto de 20054 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

(2) Vd post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) ...

(...) "Op Nada Consta > Desenrolar da acção:

"Enquanto as forças do Sector L1 ficavam emboscadas nas proximidades da bolanha do Rio Biesse (a leste, a CCAÇ 12 com 3 Gr Comb dispostos em semicírculo; a norte, o Pel Caç Nat 53; e a oeste, forças da CART 2339), veio a primeira vaga de paraquedistas que foram colocados na ponta oeste da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se estende para sul.

"Cinco minutos depois, é capturado um elemento IN armado de RPG-2 (9). Sucederam-se mais duas vagas de helicópteros, transportando outros tantos Gr Comb dos paras e a mata passou a ser percorrida de norte para sul.

"0 prisioneiro [Malan Mané, de seu nome, de etnia mandinga], entretanto, não dera nenhuma informação que permitisse levar à localização de qualquer arrecadação [de material] ou acampamento importante. Confessou apenas que no local se encontravam 80 homens (10), sob o comando de Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata, e com quem os paras estabeleceriam depois contacto, fazendo 2 mortos e capturando 3 armas automáticas" (...).

(3) Vd. posts de:

8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12

9 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga

(4) Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça)

(5) Informação preciosa do Torcato: n relatório da Op Lança Afiada, publicada em quatro partes no nosso blogue não é referido o nome do prisioneiro, Braimadicô, que serviu de guia às NT:

Vd. posts de:

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

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