Fotos apresentadas no almoço de convívio anual da CART 2339, que este ano se realizou em 20 de Maio de 2006. (Fotos do arquivo pessoal do ex-Alf Mil Cardoso; texto do ex-Alf Mil Torcato Mendonça; cópia enviada pelo ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos; )
FOTO 1: Évora - RAL 3
Esta foto é de uma das primeiras reuniões de graduados das CART 2338 e 2339. Na 1ª fila estão o Capitão Miliciano e o Alf Mil Diniz, da CART 2338. Este nosso camarada coordenava a travessia do Corubal, no Cheche, quando houve aquele trágico acidente. Texto ou textos já publicados no Blogue (1).
Não sei do Diniz. Mas mando-lhe um forte abraço.
Na foto éramos uns jovens… não sabíamos o que iríamos enfrentar, nem onde. Curioso seria ter tirado, no regresso, outra foto no mesmo local e com as mesmas personagens. Ver-se-iam as diferenças…
Malhas que o império teceu!
FOTO 2: Turra Mané
Interrogatório a um prisioneiro.
Pela disposição dos presentes é fácil imaginar a brutalidade do interrogatório. O militar das patilhas sou eu, na escrita. O sorriso é o mesmo nas duas fotos. O prisioneiro era o Malan Mané.
Só um apontamento sobre o Malan.
Em Agosto de 1969, o meu Grupo de Combate reforçado com Milícias, estava no COP 7 ou melhor, a trabalhar para a Companhia do Cap Mil Jerónimo, em Galomaro [CCAÇ 2405]. Como as Tabancas, em autodefesa, de Candamã e Afiá voltaram a ser atacadas, fomos chamados com urgência a Bambadinca. Houve uma reunião com o Comandante do Agrupamento – Coronel ou Brigadeiro Hélio Felgas -, o Tenente Coronel Pimentel Bastos, Comandante do BCAÇ 2852 e outros oficiais cujo nome já não recordo.
Recebemos a missão. Partir de imediato para Candamã/Afiá com mais um Grupo da minha Companhia. Recolhemos mais informações, com o Comandante da CART 2339, Capitão do Quadro Permanente Laranjeira Henriques, e, em coluna auto, deslocámo-nos para lá.
Na passagem por Afiá consegui convencer o Lhavo, caçador e guia em várias operações, para nos voltar a orientar. Mostrou-se relutante. Tinha as suas razões e, se bem me lembro, estavam correctas.
No dia seguinte lá partimos com o Lhavo e encontrámos a pista do IN. Seguimo-la, em progressão balanta. Vimos um local de pernoita, calculámos quantos seriam e, no fim do dia, descobrimos o possível local do acampamento. Som de pilão e outros indícios. Além disso, o local era óptimo para um acampamento.
Dois dias depois, salvo erro, forças das CCAÇ 2590 [CCAÇ 12], CART 2339 e o Pel Caç Nat 53 montaram emboscadas em possíveis locais de fuga do IN. Paraquedistas do Cop 7 assaltaram e destruíram o acampamento. Capturaram o Malan Mané. Na fuga o IN, junto á estrada Mansambo/Xitole, caiu numa emboscada da CART 2339. Sofreram baixas e foi ferido com gravidade o Comandante do PAIGC, Mamadu Indjai (2).
A nossa tropa regressou a quartéis e eu voltei a Mansambo. Uns dias depois entregaram-nos o Malan Mané. Íamos fazer uma operação – Pato Rufia – na zona do Xime e o Malan era o guia (3). Ele já tinha sido interrogado, creio que em Bambadinca. Não sei como decorreu mas imagino. Pelo breve relatório que nos entregaram disse pouco.
Em Mansambo o Malan foi para um dos dois abrigos do meu Grupo. Estes abrigos tinham uma sala que servia como refeitório, local de convívio, escrita e leitura e outros fins. Ficava na parte do abrigo virada para a parada, rodeada por duas fiadas de bidões com terra e tecto de zinco e colmo.
Entrei nessa zona e o Malan levantou-se, olhando para mim com um olhar inquieto, no mínimo. Fiquei, eu e os outros militares surpreendidos com aquela reacção. Como ele não falava mandinga e o meu crioulo era fraco, mandei chamar o Lali.É o guineense que se vê a sorrir na foto. Quando sentimos que o Malan estava mais calmo, conversámos com ele durante o tempo necessário para obter muitas informações. Foram passadas, as mais importante, a muitas folhas de papel.
O Malan sabia quem eu e outros camaradas éramos porque vinham, ele e outros militares do PAIGC, espiar-nos aquando da construção de Mansambo; tinha estado na fatídica emboscada da fonte, cerca de um ano antes. Viram-me passar mas não abriram fogo pois o objectivo era a fonte. Nesse dia fui com o meu Grupo á Moricanhe onde estava o Pelotão de Milícias 145. Disse-nos que o Cmdt do PAIGC para aquela zona era o Mamadu Indjai, recentemente reforçado e tendo 120/150 combatentes, com armas pesadas etc, etc. Não sabia o que entretanto sucedera ao seu ex-comandante.
Parece um relato de um santo. Claro que não o éramos. Aplicávamos a dureza julgada necessária, a disciplina, estávamos certos que o suor poupava sangue. Além disso sobre a Convenção de Genebra… só de nome… um conjunto de Leis, será?... Genebra, a cidade Suiça e a detestável bebida!... Mantínhamos era a nossa dignidade e o respeito por quem contra nós lutava. E não só.
Voltando ao Malan Mané. No dia seguinte fomos para o Xime. Correu mal a operação. O Malan enganou-se demasiadas vezes e, além de não atingirmos o objectivo, viemos de mãos a abanar.
Essa operação foi repetida, segundo me parece e o Malan foi ferido…Encontrei-o, em Novembro de 1969 no Hospital Militar em Bissau. Ver nota anterior no Blogue (4).
Em nota de rodapé: gostava de saber onde estará o Malan, o Braimadicô – ex-comandante do PAIGC, que nos guiou na operação Lança Afiada... Ainda vou escrever sobre ele e essa operação. Mas principalmente o que terá acontecido ao Lali, Lamine, Sargento Madia Baldé e a outros militares do Pelotão de Milícia 145 ou ao Régulo António Bonco Balde. Eram outras estórias!
África, principalmente a Guiné, é uma saudade. Mas... e mais não digo por agora.
Torcato Mendonça,
ex-operacional, Cart 2339 (Mansambo, 1968/69)
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd., entre outros, os seguintes posts em que é referido o nome do Alferes Miliciano Diniz, da CART 2338:
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLIII: A verdade sobre o desastre do Cheche (Rui Felício)
2 de Agosto de 20054 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
(2) Vd post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) ...
(...) "Op Nada Consta > Desenrolar da acção:
"Enquanto as forças do Sector L1 ficavam emboscadas nas proximidades da bolanha do Rio Biesse (a leste, a CCAÇ 12 com 3 Gr Comb dispostos em semicírculo; a norte, o Pel Caç Nat 53; e a oeste, forças da CART 2339), veio a primeira vaga de paraquedistas que foram colocados na ponta oeste da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se estende para sul.
"Cinco minutos depois, é capturado um elemento IN armado de RPG-2 (9). Sucederam-se mais duas vagas de helicópteros, transportando outros tantos Gr Comb dos paras e a mata passou a ser percorrida de norte para sul.
"0 prisioneiro [Malan Mané, de seu nome, de etnia mandinga], entretanto, não dera nenhuma informação que permitisse levar à localização de qualquer arrecadação [de material] ou acampamento importante. Confessou apenas que no local se encontravam 80 homens (10), sob o comando de Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata, e com quem os paras estabeleceriam depois contacto, fazendo 2 mortos e capturando 3 armas automáticas" (...).
(3) Vd. posts de:
8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12
9 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga
(4) Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça)
(5) Informação preciosa do Torcato: n relatório da Op Lança Afiada, publicada em quatro partes no nosso blogue não é referido o nome do prisioneiro, Braimadicô, que serviu de guia às NT:
Vd. posts de:
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
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