Guiné > O sargento paraquedista Manuel Rebocho (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Paraquedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975").
Fotos: © Manuel Rebocho (2006)
Texto do Manuel Rebocho, Sargento-Mor Pára-Quedista, na Reserva, que foi operacional na Guiné (Maio de 1972/Julho de 1974, hoje doutor por extenso, pela Universidade de Évora, e um dos mais recentes membros da nossa tertúlia. O apelo do Manuel Rebocho merece, desde já, o meu apoio, extensivo - julgo eu - ao resto dos camaradas e amigos da Guiné. Eu ignorava completamente esta situação de abandono, puro e simples, de camaradas mortos em combate!... Só o desnorte do regime político de então e dos responsáveis das suas Forças Armadas é que pode explicar esta situação infamante... Mas para já temos de saber quantos são, quem eram, a que unidade pertenciam, donde eram naturais... É uma boa ocasião para sensibilizar a opinião pública portuguesa para o drama de toda uma geração que fez a guerra colonial e que recusa ser uma geração envergonhada, culpabilizada, esquecida, e menos ainda uma geração de coitadinhos... Reivindicamos o direito à memória e à dignidade (LG)
Meu caro Luís Graça
Embora um pouco demorado e contra o meu habitual, junto te envio as duas fotografias que me solicitaste.
Quanto à tua pergunta, se sou doutorado ou doutorando, digo-te que sou doutorado em Sociologia da Paz e dos Conflitos. A tese que defendi subordinei-a ao tema “A FORMAÇÃO DAS ELITES MILITARES PORTUGUESAS ENTRE 1900 E 1975”.
Aproveito para te agradecer, bem como ao Humberto Reis, a vossa disponibilidade para colocarem, no blogue, a carta militar de Guidage (2). Iguais agradecimentos dirijo ao Albano Costa por me ter enviado a fotografia de Guidage, tirada de satélite.
O meu interesse por Guidage tem fundamentos científicos, na medida em que concluí que as consequências negativas para as nossas tropas, durante os combates que tiveram lugar naquela zona, durante o mês de Maio de 1973, se ficaram a dever a erros grosseiros de planeamento e execução das operações militares.
Objectivamente, a morte dos quatro Soldados Paraquedistas, no dia 23 de Maio, durante a execução da Operação Mamute Doido, junto à tabanca de Cufeu, deveram-se, segundo a minha investigação, a erros que eu não admitia a qualquer dos três cabos da minha Secção. E o pior, e de todo injustificável, é que três destes Soldados forem enterrados, tal como um elevado número de Soldados do Exército, junto ao arame farpado, do lado de fora, do Destacamento de Guidage.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Novembro de 2000 > A bolanha de Cufeu.
Foto e legenda: © Albano M. Costa (2005)
Tenho procurado apoios para a transladação dos restos mortais destes camaradas (Páras e do Exército), para os cemitérios das suas terras Natal, por considerar inconcebível este abandono, dos corpos de jovens que morreram no cumprimento de obrigações que a Pátria lhe impôs. Apoios que ainda não consegui. Mas também te digo, que não conheço a palavra desistência.
É que, para além de tudo o que se tem dito, sobre as motivações que conduziram ao Golpe Militar de 25 de Abril de 1974, uma coisa ninguém refere, mas eu sei: enquanto decorriam os combates em Guileje/Gadamael e Guidage, (lembro que o abandono de Guileje se verificou no dia 22 de Maio e estes combates em torno de Guidage, de que te estou a falar, decorreram no dia seguinte), Spínola dirigiu uma carta ao Ministro do Ultramar dizendo-lhe que não tinha meios para continuar a Guerra.
Ressalta daqui, e o Investigador não o pode ignorar ou esconder, que os combates de Guileje/Gadamael e Guidage constituíram formas de pressão de Spínola sobre o poder central para negociar a Guerra.
Então, os homens que morreram nestes combates e, sobretudo, os que ali foram enterrados, constituem-se, quanto a mim, como os grandes mártires “por Abril”. Os outros, bem os outros... Esses trataram da vidinha.
Neste sentido, continuarei a trabalhar para que os nossos camaradas tenham uma sepultura condigna. É o mínimo que eu me sinto na obrigação de fazer.
Já agora, se encontrares o Albano Costa, não te esqueças de lhe dizer que no blogue nos tratamos todos por tu.
Um grande abraço do
Manuel Rebocho
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)
Meus caros tertulianos
(2) Em 22 de Junho últim, o Manuel Rebocho escreveu a seguinte mensagem para o Humberto Reis:
Meu caro amigo Humberto Reis:
Cumpri uma comissão de serviço como pára-quedista, na Guiné, entre 1972 e 1974. Venho investigando aquela guerra que, se por uma lado foi igual a muitas outras, também é certo que apresenta algumas espeficidades muito particulares e até atípicas.
Venho agora investigando os combates em torno de Guidage, no mês de Maio de 1973. Para este estudo estou a servir-me das cartas militares que estão no nosso blogue, porém, falta uma que é muito importante: a carta que contém a povoação de Guidage,que fica por cima da carta de Binta.
Como me parece que é o meu amigo quem coloca as cartas no blogue, venho pedir-lhe que faça mais um esforço e cologue lá também a já referida carta de Guidage.
Com o abraço bloguistaManuel Rebocho
O Humberto respondeu no dia seguinte (e deu-me conhecimento do teor da resposta):
Amigo Manuel Rebocho:
Aqui no blogue funciona apenas o tu, sem postos nem títulos. Sobre o teu pedido informo-te que não sou eu que insiro o material no blogue, mas sim o Luís Graça, pois eu em termos informáticos sou um aprendiz de principiante. Julgo que num CD que já dei ao Luís, lá está a carta de Guidaje para inserir no blogue, logo que ele tenha disponibilidade para tal. Portanto, em breve o teu pedido vai ser satisfeito. Faz-me lembrar os programas da rádio dos discos pedidos. Qualquer coisa que precises é só pedir, depois logo se vê se pode ser satisfeito, ou não.
Um abraço,
Humberto Reis
Eu, por meu turno prontifiquei-me a arranjar-lhe o mapa de Guidage, com a seguinte nota (27 de Junho de 2006):
(i) Gostava de ter duas fotos tuas: uma dos bons velhos tempos e outra mais recente, para pôr na nossa fotogaleria…
(ii) Depois arranjo-te o mapa de Guidage… O Humberto Reis é que é o patrão… Entrego-mos digitalizados, eu reduzo-lhes a dimensão e ponho-os em linha (‘on line’) nas nossas páginas na Net… É uma tarefa que requer tempo e paciência…
(iii) Há dias escrevi-te o seguinte (no nosso blogue), espero que tenhas lido, já que não me respondeste: “Meu caro Manuel Rebocho: O José Casimiro Carvalho já me tinha falado em ti. Ex-combatente da Guiné e doutorado (ou ainda doutorando ?) em sociologia, estás duplamente em casa, que é como quem diz: deves sentir-te confortável na nossa tertúlia virtual. Como já cá estás dentro, faz o favor de cumprir a praxe: 2 fotos, uma estória... ou as estórias que quiseres, porque o nosso hobby era a blogoterapia... Escrevemos, contamos estórias, mostramos as nossas fotografias, investigamos, apontamos o dedo à muralha de silêncio que se faz à nossa volta, a geração que fez a guerra colonial e que a perdeu (ou talvez não, por que como diz o Leopoldo Amado, a guerra colonial é apenas uma das faces da moeda; poderemos ter perdido a guerra, mas ganhámos a paz, ou pelo menos estamos a tentar conquistá-la)...
Boa saúde, bom trabalho!
Luís Graça
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