sexta-feira, 30 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Contabane > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10


Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > 1972 > Parada do quartel. O Pel Caç Nat 53, comandado pelo Alf Mil Paulo Santiago, estava aqui em reforço da unidade de quadrícula(originalmente a CCAÇ 2406, 1978/70, que pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > Memorial da CCAÇ 2406 (Os Tigres do Saltinho)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > À noite na Pousada do Saltinho: Abdu, Santiago e Sado.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > "Eu, com a Fatemá e o meu filho João Francisco" (PS)



Fiz uma paragem no meu relato após o meu encontro com o Buba em Bambadinca, no dia 6, ao início da tarde.Vejamos o que se passou no resto do dia.

Saindo em direcção ao Xitole, acompanhamos durante alguns quilómetros, a antiga picada, situada à direita da estrada actual. Durante a minha comissão nunca fui para o Saltinho utilizando aquela picada.

Continuando a viagem,vejo a certa altura uma placa a indicar Mansambo, à direita, 2 Kms. Mais uns quilómetros chegamos ao Xitole, que contornamos sem parar. Estou aos saltos para chegar ao Saltinho.

Passamos Cambessê, segue-se Ura Candi, a pulsação aumenta, repentinamente avisto a Ponte do Saltinho e de seguida está o Pedro a dirigir-se para o estacionamento da Pousada do Saltinho. Penso que saio do jipe com lágrimas nos olhos. Aquele edifício está igual exteriormente, ali era o edifício do comando, tem outras cores, tem umas letras pintadas,mas o formato é mesmo, é aquilo que permanece na minha memória desde a minha primeira chegada em fins de Outubro de 190. Mais um forte murro no peito... está ali à frente dos meus olhos um memorial da CCAÇ 2406. Já o tinha visto no mesmo local quando cheguei em 1970. Faço uns instantes de silêncio.

Sento-me finalmente na esplanada frente ao bar, onde estão de passagem para Bissau três casais de italianos, vindos da zona do Cantanhês, que possivelmente acham estranho o meu comportamento e me interrogam se estou com algum problema. Explico num italianês o que estou a sentir. Bebemos umas cervejas e falamos de Roma que não conheço.

O João está cansado, vai descansar para o quarto que nos fora destinado. O Sado e o Pedro vão ao outro lado do rio a Sincha Sambel, antigo reordenamento de Contabane. Fico sózinho, percorro todo aquele perímetro onde se situava o quartel, tiro fotografias, encontro vestígios de ruínas e imagino o que ali se encontrava há trinta e três anos atrás. Há coisas que não consigo descrever, apenas sentir.

Vem o Rui, encarregado da pousada, chamar-me pois anda o homem grande à minha procura-era o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, negociante de vacas e magarefe de serviço na 2701, e, soubemo-lo mais tarde, homem do PAIGC na zona... Abraçamo-nos fortemente e, penso, que consegue estar mais emocionado que eu própio. Sentamo-nos a lembrar o arroz à Abdu que ele fazia de forma magistral. Pergunta-me por muitos ex-militares da 2701, por alguns dos meus furriéis do 53, falamos de vários assuntos, até sobre canhotos, aqueles cachimbos tradicionais.

A conversa é interrompida pelo Pedro que diz estarem à minha espera em Sincha Sambel. Digo ao Abdu que continuamos a conversa à noite ali na estalagem. Sigo com o Pedro para Sincha Sambel e agora começa a ser difícil descrever o que se passou. Vou tentar.

Vivi durante os meus últimos três meses, opção minha apoiada pelos furriéis,e, melhor dito,vivemos em Contabane, que passou a ter o nome actual após a morte do Régulo Sambel. Sucedeu-lhe o filho Suleimane, 1ºcabo do Pel Caç Nat 53. O Suleimane veio para Portugal em 2004 para ver se conseguia receber qualquer pensão por um ferimento recebido em combate. Juntaram-se algumas vontades, fui duas vezes prestar declarações e a coisa estava encaminhada. Entretanto o Suleimane tem o filho Alfa a trabalhar no Aeroporto de Madrid e foi para Espanha em Novembro de 2004. Soube em Sincha Sambel, através de outro filho, que chegara a Lisboa vindo de Madrid, precisamente a 4 de Fevereiro e estava muito chateado
por não me poder receber aqui na sua morança.

A viúva do Sambel, Fatemá, mãe do Suleimane e também avó do Sado, fez-me uma recepção que ainda hoje me faz vir as lágrimas quando a recordo. Foram umas duas horas de abraços,de coisas que diziam eu ter feito e eu não me lembrava , eram mulheres aí dos seus quarenta anos que me tocavam e diziam Santiago... com um ar incrédulo como perguntando é mesmo ele que está aqui. O João tinha ficado a descansar na Pousada, foram buscá-lo, abraçaram-no, os miúdos não o largavam,chegou uma altura em que pegou numa criança ao colo e já estavam outras
a puxar-lhe pela camisa para ele as agarrar. Tenho um filme que é mais esclarecedor que quaisquer palavras.

Já noite o Sado vem dizer-me: a minha avó tem ali um cabrito para te oferecer. Digo-lhe não poder aceitar, faz-lhe falta a eles. Responde-me que seria uma desonra não aceitar. Acedo, iremos comer cabrito no dia seguinte ao almoço.

Regressamos à Pousada, onde o jantar já está frio e, passados uns instantes, para a recordação ser mais forte avaria o gerador.

Ouvi o nome do Xico Allen, pela 1ª vez, aqui na Pousada do Saltinho.


Continuarei o relato, por hoje estou cansado
Manga di mantenha

Paulo Santiago

Ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53,

SPM 3948

Sem comentários: