sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1485: Bambadinca revisitada... ou os azares de um operador cripto em fim de carreira (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste).

Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3), assinalado também cum círculo a vermelho.

A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento roubado à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole.

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9).

Apesar do apartheid (leia-se: segregação sócio-espacial) que vigorava, não só na sede dos batalhões, como em muitas unidades de quadrícula, uns e outros, oficiais e sargentos, tinham uma cozinha comum (19).

Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bambadinca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção (22), abertas ao longo do perímetro do aquartelamento que era todo, ele, cercado de arame farpado e de holofotes (24). A luz eléctrica era produzida por gerador...

Junto ao arame farpado, ficavam vários abrigos (26), o espaldão de morteiro (23), o abrigo da metralhadora pesada Browning (25). Em 1969/71, na altura em que lá estivemos, ainda não havia artilharia (obuses 14).

A caserna das praças da CCS (11) ficava do lado oeste, junto ao campo de futebol (3). Julgava-se que o pessoal do pelotão de morteiros e/ou do pelotão Daimler ficava instalado no edifício (12), que ficava do outro lado da parada, em frente ao edifício em U. Mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14). Creio que por detrás ficava o refeitório das praças.

Em frente havia um complexo de edifícios de que é possível identificar o depósito de engenharia (15) e as oficinas auto (16); à esquerda da secretaria, eram as oficinas de rádio (17).Do lado leste do aquartelamento, tínhamos o armazém de víveres (20), a parada e os memoriais (18), a escola primária antiga (19) e depósito da água (de que se vê apenas uma nesga).

Ainda mais para esquerda, o edifício dos correios, a casa do administrador de posto, e outras instalações que chegaram a ser utilizadas por camaradas nossos que trouxeram as esposas para Bambadinca (foi o caso, por exemplo, do Alf Mil Carlão, nosso camarada da CCAÇ 12).

Esta reconstituição foi feita pelo Humberto Reis, completada por mim (LG) e, mais recentemente, pelo Gabriel Gonçalves (GG), que identificou novos sítios: cantina (27), posto de rádio (28), refeitório das praças (29) e centro cripto (assinalado com uma seta no topo do edifício 5).


Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):

Caro Henriques:

Junto devolvo a imagem (que me pediste para ver, comentar e corrigir), com a identificação da cantina (27), posto de rádio (28), refeitório das praças (29) e centro cripto (assinadado com uma seta no topo do edifício 5).

Como tu dizes, realmente eu estive trancado no quartel, mas foi durante 22 meses, porque o meu periquito não chegou e, segundo me constou, o rapaz era sobrinho de um tenente-coronel e deu baixa ao hospital. Quando deram nota da ocorrência para a repartição de sargentos e praças, o responsável que recepcionou a nota esqueceu-se de nomear um substituto e lá fiquei eu a ver-vos partir e a gramar mais dois meses daquela merda.

Aqueles dois meses foram os piores da minha vida... de tal maneira que em dada altura resolvi deixar de alinhar na escala de serviço, com a anuência dos meus superiores, passando apenas a dar apoio aos periquitos.

Como tinha mais tempo disponível passei estupidamente a dedicar-me às bazucas [, garrafas de cerveja de 0,6 ], e dessa forma andava anestesiado o que me trouxe alguns dissabores. Um dia, estava eu sentado na cantina a saborear uma bazuca, quando apareceu o cripto do Xime que me convenceu a ir na coluna que ia para o Xime, porque os gajos tinham lá um grande petisco, tratava-se de um belo cabrito assado com batatinhas.

E lá fui eu todo contente, mas como estava anestesiado esqueci-me de avisar a malta de Bambadinca, que andaram toda a noite à minha procura. Ao fim da manhã do dia seguinte, como eu não aparecia, resolveram comunicar o meu desaparecimento aos superiores, pensando que eu tinha sido apanhado à mão. Quando já iam na direcção do edifício do comando, entrou pelo quartel dentro a coluna do Xime, com o belo do GG ainda não refeito da noitada. Quando os gajos me viram, foram direitos a mim, chamaram-me todos os nomes que lhes veio à cabeça (podes imaginar que nomes é que me chamaram) e o Chaves, o cripto do BCAÇ 2917, pregou-me uma pera na tromba que ainda hoje me doi.

Se os gajos tivessem ido comunicar o meu desaparecimento, as consequência para mim teriam sido bastante graves, pois com o meu desaparecimento todos os PSRT (*) de toda a Guiné teriam de ser destruídos e substituídos e eu, no mínimo, ia de cana com uma valente porrada e em vez de 22 meses ficava a apodrecer na prisa.

Um grande abraço
Gabriel

(*) Publicações do Serviço de Reconhecimento das Transmissões.

Comentário: GG: Não te conheci essa faceta...Sempre foste um gajo muito aprumado e disciplinado. Imagino o inferno que terão mais esses dois meses de Guiné - Março e Abril de 1971, não ? ... Olha, já não me lembrava que lá tinhas ficado à espera do desgraçado teu periquito... Obrigado, por esta revisitação de Bambadinca onde, para o bem e para o mal, passámos um grande bocado dos nossos verdes anos... Um abraço, camarada!

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores do GG:

26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1464: Oficiais, sargentos e praças: tropa é tropa, uísque é uísque (Gabriel Gonçalves / Luís Graça)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1377: CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Apresenta-se o 1º Cabo Operador Cripto Gabriel Gonçalves

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