Guiné-Bissau > Bijagós > 2007 > Poderá um país soberano viver (quase só) da caridade internacional ? Um pergunta (incómoda e dolorosa) de muitos dos amigos e camaradas da Guiné que fazem parte deste blogue e que não são propriamente um clube de saudosistas, antes pelo contrário gostariam de poder encontrar formas de serem activamenhte solidários para com um povo (irmão) que neste momento sofre, e sofre profundamente.
Fotos: © Jorge Rosmaninho (2007). (Com a devida vénia...). Extraído do seu blogue Africanidades (Vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África vista pelos olhos de um branco que, por sinal, é também um portuga do pós-império)
Fotos: © Jorge Rosmaninho (2007). (Com a devida vénia...). Extraído do seu blogue Africanidades (Vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África vista pelos olhos de um branco que, por sinal, é também um portuga do pós-império)
Mensagem de 11 de Janeiro de 2007, enviada pelo nosso camarada Beja Santos:
Caro Luís, caros tertulianos, vou procurar participar na conversação bloguístca face a esta etapa de agressividade e intolerância que se vive de novo na Guiné Bissau. Como somos um fórum, bom seria que apontássemos aonde o blogue pode ir mais longe, contribuindo para a paz e o desenvolvimento do país onde mudámos de mentalidade e aderimos aos ideais de Abril. Estou convencido que virá o dia em que podemos cooperar para a formação de quadros guineenses, ajudando-os nas suas competências e qualificações. Por ora, creio que será um esforço sério aprofundarmos entre todos nós os porquês de uma vida irreconciliável que pode augurar uma tragédia inominável : uma Guiné Bissau inviável, que só resiste ao sabor da caridade internacional. Vosso, Mário Beja Santos
O sofrimento profundo da Guiné-Bissaupor Beja Santos
Trabalhei na Guiné Bissau nos últimos cinco meses de 1991. Portugal subescrevera um protocolo na área do Ambiente e da Defesa do Consumidor, já numa perspectiva de um trabalho conjunto a pensar na Cimeira da Terra, que se realizou no Rio, em 1992. A missão que eu recebi, em Lisboa, era a de apoiar as autoridades guineenses a promover a criação de uma legislação básica e de um serviço público orientado para o fomento de políticas do Estado e do associativismo livre e independente.
Tal missão , e na especificidade da Guiné, obrigou-me a contactar os departamentos governamentais da área económica, agricultura, pescas, saúde, educação e ambiente, pelo menos. Procurei igualmente conhecer os programas das agências das Nações Unidas, das fundações, decorrentes de tratados inter-estados conducentes à melhoria das condições de vida, bem como apurar o que faziam as Organizações Não Governamentais e grupos de interesse público.
Bastou-me um mês para constatar que a Administração Pública estava completamente paralisada, que as autarquias não funcionavam ou eram irrelevantes no que cabe à qualidade de vida, que não havia legislação nem vontade de a preparar, que nos mais altos cargos da Administração não se pretendia beliscar os interesses económicos instalados, claros ou obscuros.
A Bissau onde eu trabalhei desmoronava-se na coesão, na economia clandestina, na divisão entre os ricos do aparelho político e a multidão de sobreviventes. O que procurei fazer foi ouvir a opinião de quem representava o FMI, o Banco Mundial, o PNUD, a FAO, a OMS, os múltiplos programas no terreno, abarcando o saneamento básico, a criação de economia formal, os cuidados de saúde, a formação contínua, por exemplo.
De quase todos os que consultei e auscultei ouvi a mesma opinião: é um partido sem modelo económico, entregue aos altos e baixos do ajustamento estrutural proposto pelo FMI; os programas por mais generosos que sejam, nunca têm continuidade ou qualquer espécie de retorno. Prevalecem os expedientes, decididos e apoiados pela clique presidencial. Não há classe política, não há sentido dos interesses do Estado, os funcionários públicos e os professores não são pagos, enfim, nem na esfera produtiva nem na dos serviços nada funciona.
Este terrível diagnóstico levou-me a propor a criação de um serviço interministerial de defesa do consumidor com um corrdenador permanente, com reuniões mensais de todos os representantes, públicos e privados, com senhas de presença, e com a obrigatoriedade de apresentar um programa bianual de acção a favor de uma melhor cidadania no consumo e responder faseadamente pela sua execução. As autoridades portuguesas comprometiam-se a pagar inteiramente os custos deste funcionamento.
Estes documentos foram assinados pelas autoridades guineense e portuguesa e nunca levados à prática. A única experiência ditosa que trouxe foi na área da comunicação social onde a TV guineense produziu seis programas sobre a problemática do consumo numa óptica de satisfação das necessidades básicas. Depois disso nada mais aconteceu nos domínios do Ambiente e Defesa do Consumidor, continua-se sem leis nem vontade de as executar, os guineenses vivem muito pior depois da guerra e das peripécias político-militares subsequentes.
Serve este preâmbulo para vos dizer que antes de falarmos no posicionamento da Guiné-Bissau no actual espaço da CEDEAO e do franco CFA como nova moeda, e porque é totalmente inútil questionar se os povos da Guiné estão identificados com o Estado ou pôr novamente em tribunal todas as irresponsabilidades praticadas depois da independência, estou em crer que a Guiné tem severas limitações económicas, se deve reflectir como é que o quadro político, social, económico e cultural se devem reconciliar com o país.
A Guiné dos últimos 30 anos procurou desenvolver-se culpando o colonianismo, lançando-se em programas desmesurados e incompatíveis com o seu grau de riqueza, habituou-se à ajuda externa, trocou o modelo proteccionista rígido por uma liberalização que só satisfez alguns grupos de interesses, continua sem infraestruturas, sem sistema educativo, sem classe de funcionários comprometidos com o interesse público, sem saúde, sem potenciar as suas riquezas agrícolas e piscatórias.
Arrancar um país do marasmo não se faz por golpes de mágica. Tem que haver crença nas instituições, seriedade no seu funcionamento, respeito mútuo nos órgãos de soberania, sentir-se a autoridade responsável no saneamento básico, na protecção do ambiente, na desconcentração dos poderes junto de quem aceita o desafio da desconcentração e ousadia nas mudanças socioculturais travando o tribalismo e fomentando a identidade nacional. A Guiné-Bissau mostrará a confiança interna quando aderir a um Orçamento de Estado.
Arrancar um país do marasmo não se pode confinar à permanente negociação da dívida externa e dos auxílios dos doadores. Um programa de Governo (chame-se de unidade nacional ou não) tem que apostar em receber apoios para melhorar a sua produção nos bens onde está apto, desde o amendoim, passando pelo coconote, a extracção sustentável e exportação de madeiras e, sobretudo a colheita e a exportação do cajú. Os tratados económicos nas pescas deviam prever benefícios na formação dos pescadores e melhoria nos equipamentos da frota pesqueira nacional. Uma boa parte da ajuda externa devia estar afectada a planos de formação conjungando os departamentos da educação e formação profissional. A negociação da estabilização económica devia fazer-se à luz deste quadro de desenvolvimento e obter o consenso de credores e doadores.
Aliás, devia ser aq esta luz que Portugal devia restabelecer a sua cooperação, aprovado o modelo de desenvolvimento suportado pela generalidade dos partidos. Só invertendo o definhamento do Estado, só gerando a participação dos operadores económicos e dos agentes sociais, só negociando com garantias e probidade é que a comunidade internacional pode sentir que não se depende da arbitrariedade da fulanização política e vale a pena apostar numa ajuda e cooperação que esteja para lá da pressão a curto prazo e que perspective no longo prazo a coesão do Estado.
Ao nível da nossa modesta intervenção e pensando em tertulianos como o Paulo Salgado (1), devíamos reflectir para onde deve ir a cooperação portuguesa para além da língua e da formação universitária: a criar verdadeiros empresários e industriais, quadros públicos, pessoal de saúde, agricultores e pescadores. E enquanto blogue podíamos dar o exemplo: criando uma bolsa de estudo para alguém que possa contribuir para trazer mais paz à Guiné.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de
11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani
13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?
Caro Luís, caros tertulianos, vou procurar participar na conversação bloguístca face a esta etapa de agressividade e intolerância que se vive de novo na Guiné Bissau. Como somos um fórum, bom seria que apontássemos aonde o blogue pode ir mais longe, contribuindo para a paz e o desenvolvimento do país onde mudámos de mentalidade e aderimos aos ideais de Abril. Estou convencido que virá o dia em que podemos cooperar para a formação de quadros guineenses, ajudando-os nas suas competências e qualificações. Por ora, creio que será um esforço sério aprofundarmos entre todos nós os porquês de uma vida irreconciliável que pode augurar uma tragédia inominável : uma Guiné Bissau inviável, que só resiste ao sabor da caridade internacional. Vosso, Mário Beja Santos
O sofrimento profundo da Guiné-Bissaupor Beja Santos
Trabalhei na Guiné Bissau nos últimos cinco meses de 1991. Portugal subescrevera um protocolo na área do Ambiente e da Defesa do Consumidor, já numa perspectiva de um trabalho conjunto a pensar na Cimeira da Terra, que se realizou no Rio, em 1992. A missão que eu recebi, em Lisboa, era a de apoiar as autoridades guineenses a promover a criação de uma legislação básica e de um serviço público orientado para o fomento de políticas do Estado e do associativismo livre e independente.
Tal missão , e na especificidade da Guiné, obrigou-me a contactar os departamentos governamentais da área económica, agricultura, pescas, saúde, educação e ambiente, pelo menos. Procurei igualmente conhecer os programas das agências das Nações Unidas, das fundações, decorrentes de tratados inter-estados conducentes à melhoria das condições de vida, bem como apurar o que faziam as Organizações Não Governamentais e grupos de interesse público.
Bastou-me um mês para constatar que a Administração Pública estava completamente paralisada, que as autarquias não funcionavam ou eram irrelevantes no que cabe à qualidade de vida, que não havia legislação nem vontade de a preparar, que nos mais altos cargos da Administração não se pretendia beliscar os interesses económicos instalados, claros ou obscuros.
A Bissau onde eu trabalhei desmoronava-se na coesão, na economia clandestina, na divisão entre os ricos do aparelho político e a multidão de sobreviventes. O que procurei fazer foi ouvir a opinião de quem representava o FMI, o Banco Mundial, o PNUD, a FAO, a OMS, os múltiplos programas no terreno, abarcando o saneamento básico, a criação de economia formal, os cuidados de saúde, a formação contínua, por exemplo.
De quase todos os que consultei e auscultei ouvi a mesma opinião: é um partido sem modelo económico, entregue aos altos e baixos do ajustamento estrutural proposto pelo FMI; os programas por mais generosos que sejam, nunca têm continuidade ou qualquer espécie de retorno. Prevalecem os expedientes, decididos e apoiados pela clique presidencial. Não há classe política, não há sentido dos interesses do Estado, os funcionários públicos e os professores não são pagos, enfim, nem na esfera produtiva nem na dos serviços nada funciona.
Este terrível diagnóstico levou-me a propor a criação de um serviço interministerial de defesa do consumidor com um corrdenador permanente, com reuniões mensais de todos os representantes, públicos e privados, com senhas de presença, e com a obrigatoriedade de apresentar um programa bianual de acção a favor de uma melhor cidadania no consumo e responder faseadamente pela sua execução. As autoridades portuguesas comprometiam-se a pagar inteiramente os custos deste funcionamento.
Estes documentos foram assinados pelas autoridades guineense e portuguesa e nunca levados à prática. A única experiência ditosa que trouxe foi na área da comunicação social onde a TV guineense produziu seis programas sobre a problemática do consumo numa óptica de satisfação das necessidades básicas. Depois disso nada mais aconteceu nos domínios do Ambiente e Defesa do Consumidor, continua-se sem leis nem vontade de as executar, os guineenses vivem muito pior depois da guerra e das peripécias político-militares subsequentes.
Serve este preâmbulo para vos dizer que antes de falarmos no posicionamento da Guiné-Bissau no actual espaço da CEDEAO e do franco CFA como nova moeda, e porque é totalmente inútil questionar se os povos da Guiné estão identificados com o Estado ou pôr novamente em tribunal todas as irresponsabilidades praticadas depois da independência, estou em crer que a Guiné tem severas limitações económicas, se deve reflectir como é que o quadro político, social, económico e cultural se devem reconciliar com o país.
A Guiné dos últimos 30 anos procurou desenvolver-se culpando o colonianismo, lançando-se em programas desmesurados e incompatíveis com o seu grau de riqueza, habituou-se à ajuda externa, trocou o modelo proteccionista rígido por uma liberalização que só satisfez alguns grupos de interesses, continua sem infraestruturas, sem sistema educativo, sem classe de funcionários comprometidos com o interesse público, sem saúde, sem potenciar as suas riquezas agrícolas e piscatórias.
Arrancar um país do marasmo não se faz por golpes de mágica. Tem que haver crença nas instituições, seriedade no seu funcionamento, respeito mútuo nos órgãos de soberania, sentir-se a autoridade responsável no saneamento básico, na protecção do ambiente, na desconcentração dos poderes junto de quem aceita o desafio da desconcentração e ousadia nas mudanças socioculturais travando o tribalismo e fomentando a identidade nacional. A Guiné-Bissau mostrará a confiança interna quando aderir a um Orçamento de Estado.
Arrancar um país do marasmo não se pode confinar à permanente negociação da dívida externa e dos auxílios dos doadores. Um programa de Governo (chame-se de unidade nacional ou não) tem que apostar em receber apoios para melhorar a sua produção nos bens onde está apto, desde o amendoim, passando pelo coconote, a extracção sustentável e exportação de madeiras e, sobretudo a colheita e a exportação do cajú. Os tratados económicos nas pescas deviam prever benefícios na formação dos pescadores e melhoria nos equipamentos da frota pesqueira nacional. Uma boa parte da ajuda externa devia estar afectada a planos de formação conjungando os departamentos da educação e formação profissional. A negociação da estabilização económica devia fazer-se à luz deste quadro de desenvolvimento e obter o consenso de credores e doadores.
Aliás, devia ser aq esta luz que Portugal devia restabelecer a sua cooperação, aprovado o modelo de desenvolvimento suportado pela generalidade dos partidos. Só invertendo o definhamento do Estado, só gerando a participação dos operadores económicos e dos agentes sociais, só negociando com garantias e probidade é que a comunidade internacional pode sentir que não se depende da arbitrariedade da fulanização política e vale a pena apostar numa ajuda e cooperação que esteja para lá da pressão a curto prazo e que perspective no longo prazo a coesão do Estado.
Ao nível da nossa modesta intervenção e pensando em tertulianos como o Paulo Salgado (1), devíamos reflectir para onde deve ir a cooperação portuguesa para além da língua e da formação universitária: a criar verdadeiros empresários e industriais, quadros públicos, pessoal de saúde, agricultores e pescadores. E enquanto blogue podíamos dar o exemplo: criando uma bolsa de estudo para alguém que possa contribuir para trazer mais paz à Guiné.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de
11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani
13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?
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