Fotos: © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem, enviada em 20 de Dezembro último, por António Graça de Abreu , ex-Alf Mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74):
Luís Graça, caríssimo.
Muito obrigado pelo meu texto no blogue sobre o Natal em Cufar, 1973 (*).
Para todos os camaradas e amigos do nosso blogue, junto duas fotografias, bilhetes de identidade históricos da nossa vida de miltares no sufoco da guerra, no florir ardente dos nossos vinte anos.
Mais suave, vão os meus votos de Feliz Natal e Bom Ano 2009, para todos vós, neste poema colorido para o meu Menino Jesus chinês.
Podia ter sido escrito para o meu Menino Jesus balanta, fula, papel, manjaco, mandinga, para todos os meninos jesus do nosso mundo.
Um forte abraço,
António Graça de Abreu
2. Resposta de L.G.:
António: És um grande ser humano, um cidadão do mundo, um português dos quatros costados, um talentoso escritor... Fico muito sensibilizado com a tua belíssima prenda... Vou dar-lhe o devido destaque no nosso presépio.. Vou a caminho do Norte onde costumo passar o Natal, mas prometo publicar o teu menino Jesus chinès ainda antes do dia 25...
Coincidência ou não, andava a pensar em 'roubar-te' um dos poemas dos teus quatro livros, que fosse mais apropriado a esta quadra festiva... Nem de propósito!!!... Tem-me faltado o tempo para fazer uma pequena recensão ao teu último livro de poesia... Como deves imaginar, luto desesperadamente contra o relógio...Isto de ser prior de várias freguesias...Mas a recensão está na agenda... Não posso estragar-te a surpresa... Boas festas para ti, a tua mulher, o teu filho... Boas festas, quentes e boas como as castanhas... Um abração. Luís
PS - Desculpa ir ao teu diário roubar-te aqueles dois dias... Foi também uma pequena homenagam ao 'alfero' do CAOP1...
3. Poema de Natal > O meu Menino Jesus chinês (**)
por António Graça de Abreu
Foi num início de Outono,
ao caminhar solitário pelo Vale das Cerejeiras,
com os montes do Oeste serenando as almas,
acenando para a velha Pequim,
a cidade lá longe envolta em espirais de névoa.
Havia colinas perfumadas
e folhas do ácer enrubescendo devagar.
Havia esquilos, o coração chilreante dos pássaros,
borboletas penduradas nas asas do dia,
águas de um ribeiro saltitando sobre as pedras,
o cântico da tarde levantando-se da terra.
A brisa, leve como gaze transparente,
acariciava os corpos e as entranhas da floresta,
subia por veredas reclinadas no vazio
em busca da nascente do humilde arroio serpenteante.
De súbito, frente ao sol tépido do entardecer,
descendo num raio faiscante,
um Menino caminhava ao meu encontro.
Vestia uma túnica escarlate de seda bordada,
os olhos amendoados, os cabelos negros,
o rosto iluminado de divindade e sabedoria.
“Quem és tu?”
O menino respondeu num límpido chinês
de grande mandarim do século XVIII:
“Sou Jesus, filho de Maria e de José, o carpinteiro.
Deus Pai me deu o ser
e o sortilégio de caminhar entre os homens.”
O Menino tomou-me pela mão e disse:
“Hoje, quinto dia do nono mês,
para tua surpresa é dia de Natal.
Quando quero e é do meu agrado,
estou sempre a renascer,
Sou a palavra de Deus,
o Verbo Divino feito criança,
Vim para salvar o mundo.
Na China, em toda a parte,
sou filho do Senhor do Céu, irmão do povo.
Diluo-me pelo velho império de poetas, monges e ascetas,
entro por lagos e rios, por brumas ao alvorecer,
adoro conversar com um velho imortal chamado Lao Zi,
discutimos o Caminho e a Virtude,
encontro-me com um erudito de nome Confúcio,
tão ocupado em impor a Rectidão e a Benevolência,
passeio com o velho Buda
na quietação, nas cores do arco-íris.
Gosto de descansar entre nuvens e montanhas,
unindo terra e céu,
desço à Terra quase todos os dias,
em Dezembro, no Natal frio,
por campos aldeias e cidades,
em Agosto no Estio humedecido e quente,
por bosques, bambuais, a orla do mar,
em Março, venho respirar a canção da Primavera
quando há pétalas de flores de ameixieira
salpicando os pomares e os restos de neve.
Sei dos desvairos dos homens,
da desordem das gentes debaixo do céu,
mas em mim a Paz, a Luz e a Alegria".
O Sol escondia-se por detrás das colinas,
acendiam-se luzes pálidas no horizonte baixo de Pequim.
O Menino convidou-me para um banquetee, solitários no aroma dos montes,
na margem do lago da Fonte de Jade,
Iluminados por candelabros de estrelas,
em harmonia com o silêncio cintilante da floresta,
sentados à mesa num pavilhão vermelho,
entre crisântemos e glicínias brancas,
aguardámos manjares saídos das mão de ninfas.
para a ceia de Natal, os anjos trouxeram baixelas de névoa
com arroz perfumado, pato lacado,
legumes com especiarias dos mares do Sul,
pedacinhos de vitela em molho de ostras,
frutas de um recatado Éden,
rabanadas e suspiros, vinho do Porto
e aguardente destilada por nove virgens do Céu.
Comemos como príncipes, bebemos como deuses.
Depois o Menino adormeceu a meu lado,
deitado em folhas de lótus,
a cabeça na prata da lua.
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3654: O meu Natal no mato (17): Cufar, 1973, o Cantanhez a ferro e fogo (António Graça de Abreu)
(**) Vd. último poste desta série > 25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)
Foi num início de Outono,
ao caminhar solitário pelo Vale das Cerejeiras,
com os montes do Oeste serenando as almas,
acenando para a velha Pequim,
a cidade lá longe envolta em espirais de névoa.
Havia colinas perfumadas
e folhas do ácer enrubescendo devagar.
Havia esquilos, o coração chilreante dos pássaros,
borboletas penduradas nas asas do dia,
águas de um ribeiro saltitando sobre as pedras,
o cântico da tarde levantando-se da terra.
A brisa, leve como gaze transparente,
acariciava os corpos e as entranhas da floresta,
subia por veredas reclinadas no vazio
em busca da nascente do humilde arroio serpenteante.
De súbito, frente ao sol tépido do entardecer,
descendo num raio faiscante,
um Menino caminhava ao meu encontro.
Vestia uma túnica escarlate de seda bordada,
os olhos amendoados, os cabelos negros,
o rosto iluminado de divindade e sabedoria.
“Quem és tu?”
O menino respondeu num límpido chinês
de grande mandarim do século XVIII:
“Sou Jesus, filho de Maria e de José, o carpinteiro.
Deus Pai me deu o ser
e o sortilégio de caminhar entre os homens.”
O Menino tomou-me pela mão e disse:
“Hoje, quinto dia do nono mês,
para tua surpresa é dia de Natal.
Quando quero e é do meu agrado,
estou sempre a renascer,
Sou a palavra de Deus,
o Verbo Divino feito criança,
Vim para salvar o mundo.
Na China, em toda a parte,
sou filho do Senhor do Céu, irmão do povo.
Diluo-me pelo velho império de poetas, monges e ascetas,
entro por lagos e rios, por brumas ao alvorecer,
adoro conversar com um velho imortal chamado Lao Zi,
discutimos o Caminho e a Virtude,
encontro-me com um erudito de nome Confúcio,
tão ocupado em impor a Rectidão e a Benevolência,
passeio com o velho Buda
na quietação, nas cores do arco-íris.
Gosto de descansar entre nuvens e montanhas,
unindo terra e céu,
desço à Terra quase todos os dias,
em Dezembro, no Natal frio,
por campos aldeias e cidades,
em Agosto no Estio humedecido e quente,
por bosques, bambuais, a orla do mar,
em Março, venho respirar a canção da Primavera
quando há pétalas de flores de ameixieira
salpicando os pomares e os restos de neve.
Sei dos desvairos dos homens,
da desordem das gentes debaixo do céu,
mas em mim a Paz, a Luz e a Alegria".
O Sol escondia-se por detrás das colinas,
acendiam-se luzes pálidas no horizonte baixo de Pequim.
O Menino convidou-me para um banquetee, solitários no aroma dos montes,
na margem do lago da Fonte de Jade,
Iluminados por candelabros de estrelas,
em harmonia com o silêncio cintilante da floresta,
sentados à mesa num pavilhão vermelho,
entre crisântemos e glicínias brancas,
aguardámos manjares saídos das mão de ninfas.
para a ceia de Natal, os anjos trouxeram baixelas de névoa
com arroz perfumado, pato lacado,
legumes com especiarias dos mares do Sul,
pedacinhos de vitela em molho de ostras,
frutas de um recatado Éden,
rabanadas e suspiros, vinho do Porto
e aguardente destilada por nove virgens do Céu.
Comemos como príncipes, bebemos como deuses.
Depois o Menino adormeceu a meu lado,
deitado em folhas de lótus,
a cabeça na prata da lua.
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3654: O meu Natal no mato (17): Cufar, 1973, o Cantanhez a ferro e fogo (António Graça de Abreu)
(**) Vd. último poste desta série > 25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)
1 comentário:
Cálice de Neblinas e Silêncios!
Caro António Graça Abreu, sou um previligiado pelos Deuses, porque me foi dada a faculdade de penetrar na tua Poesia.
"O sábio tem o sol e a lua a seu lado, e leva o universo debaixo do braço."
"Zhunangzi"
Gostaria de ver Liang Kai a pintar o poeta Li Bai.
Sonhos de mosquito! É tão bom sonhar acordado.
Para ti tua esposa e filhos um ano de 2009 cheio do que desejais.
Do tamanho do nosso Cumbijã, aquele abraço.
Mário Fitas
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