1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73:
Junto a minha primeira história. Para ser corrigida, cortada, ou publicada se virem interesse nisso.
Com um abraço do tamanho da tabanca,
José Câmara
Memórias e histórias minhas…
Ao serviço da Pátria: a CCAÇ 3327 e PEL CAÇ NAT 56
O início do Serviço Militar
Era então o dia 29 de Novembro de 1969. A manhã acordara calma, cheia de sol, linda como a cidade da Horta, da não menos bonita ilha do Faial, Açores. Porém, uma tristeza enorme pesava em cima dos meus jovens ombros, e o coração começava a sangrar com a invasão de uma tremenda saudade: acabara de me despedir dos meus pais e irmãos que, nessa manhã, embarcaram rumo aos Estados Unidos da América.
Naquele tempo, os jovens, a partir dos 16 anos de idade, não podíam, por lei, sair do país. O auge do esforço da Guerra no Ultramar assim o exigia. Por esse motivo, naquela manhã, não pude seguir os meus familiares na rota da emigração. O meu sonho americano, como o de muitos açorianos, teria que esperar. Assim, pela primeira vez na minha curta vida, sentia-me sozinho. O serviço militar esperava por mim.
Em de Janeiro de 1970, cruzei os portões do Centro de Instrução Militar de Tavira. Nos sete meses seguintes, o Centro foi a minha casa. Lá conheci outras formas de estar na vida, criei algumas amizades. E lá senti o grande estigma da descriminação.
Findo o curso de Sargentos Milicianos, os meus camaradas continentais foram de férias, com transportes pagos pelo governo. Eu, tal como os outros açorianos e madeirenses, não tive esse direito. Fiquei por Tavira à espera de colocação.
Recruta: José Câmara, primeira linha, segundo da esquerda
Especialidade: José Câmara, segunda linha, primeiro da esquerda
Com as divisas de Cabo Miliciano, Atirador de Infantaria, fui colocado no BII19, então sediado na cidade do Funchal, Ilha da Madeira. Foi ali que, dois dias depois de lá ter chegado, recebi a notícia da minha mobilização para a Guiné. Iria juntar-me, já em rendição individual, à CCAÇ 3327, que estava em formação no BII17, Angra do Heroísmo, Terceira. Voltava, assim, aos meus amados Açores.
Quando cheguei ao BII17, a CCAÇ 3327 estava práticamente formada, e a meio da especialidade. Apenas tive que me integrar no grupo de trabalho. Finda a especialização, fui gozar as minhas férias de mobilização à ilha das Flores, freguesia da Fazenda das Lajes, terra onde nasci, e que já não visitava desde os 12 anos de idade. Tinha deixado a ilha para poder estudar no Liceu Nacional da Horta, Ilha do Faial. Os meus dez dias de férias transformaram-se, por falta de transportes marítimos, em vinte e nove dias de lazer. Mas essas férias foram muito mais que isso…Marcaram o resto da minha vida!…
Férias de Mobilização (Fazenda, Flores): Com o meus tio J. António Silveira e esposa Mariazinha
Durante as férias da mobilização conheci uma jovem de 16 anos. Falamos algumas vezes. Convidei-a para Madrinha de Guerra. Ela aceitou! Essa jovem foi o ombro onde, em sonhos, encostei muitas vezes a cabeça, e deixei escapar, em confissão, as minhas aspirações de jovem. Nesse ombro deixei rolar a maldita lágrima da saudade, ou o desespero de um dia menos bom. Nesse ombro senti o calor e o palpitar de um coração de ouro, e ouvi a voz de uma palavra amiga e de esperança. Mais tarde, nos Estados Unidos da América, voltei a encontrar a minha Madrinha de Guerra, que também emigrara para aquele país. Hoje, como nos sonhos de então, continuo a encostar a minha cabeça naquele ombro. Relembro a lágrima que lhe rolou na face, quando nos despedimos. Relembro a realidade, nua e cruel, ali no meio do mar: o barco que me levaria de volta ao continente português, e a terras de Santa Margarida para o IAO.
A Guiné esperaria um pouco mais!
José Câmara
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4350: Tabanca Grande (141): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
Camarada José da Câmara, andamos pelos mesmos caminhos e talvez nos tivessemos cruzado algumas vezes.
Também fiz recruta no CISMI em Tavira, de 06/04/1970 a 28/09/70. Depois fui para Estremoz e embarquei para a Guiné a 03/04/71.
Cheguei a S. Domingos em 13/05/71, integrando a C.C. 3365, B.Cav. 3846como Furriel Mil.
Também estive no Bachile, de Jun/72até Fevereiro/73, altura em que regressei a S. Domingos e me reintegrei na minha companhia de origem.
Regressamos ao Continente em 17/03/1973.
Um abraço do tamanho do mar que nos separa.
B. Parreira - Faro
José da Camara
Sê benvindo a esta cada vez maior Tertúlia.
Pelo que li,parece-me que vamos ter homem e "suspense"
Começa a atravessar o Atlantico com as tuas estórias,de que fico à espera.
Um abraço
Luis Faria
José:
Renovo o abraço de boas vindas já enviados anteriormente.
Como diz o Luis Faria, atravessa o Atlântico, por Email.O blogue espera por ti.
Um abraço
Jorge Fontinha.
Caro José Câmara
Depois da nossa troca de mails, vejo que já fazes parte da nossa tabanca o que é muito bom.
Como bem sabes, não somos propriamente conterrâneos, tu és das Flores e eu de S. Jorge, mas ambos somos ilhéus. Isto para dizer que também senti a mesma discriminação quando fiz a recruta e especialidade no continente (como se diz nos Açores) e via os meus camaradas juntarem-se à familia com frequência e nós tinhamos de ficar fechados no quartel. Provavelmente já nos cruzamos no Faial onde também estudei, embora eu seja um bocado mais velho. Também passei pelo BII17. Parabéns pela tua história de amor, que achei belíssima.
Grande abraço Henrique Matos
Para todos vós os meus agradecimentos pelas palavras de encorajamento para com o meu projecto. Para o Luis e Jorge, que vivemos, directamente, o inferno da Mata dos Madeiros, a minha história é a vossa: os protagonistas têm outros nomes, é certo, mas os "exteriores" são os mesmos.
Parreira....é um nome extremamente popular na ilha Terceira. Alguma afinidade? Pelas datas a que te referes podemos ter tido contacto em Tavira, pois eu só saí de lá em Agosto de 1970. A outra possibilidade pode ter acontecido no Destacamento de São João. Como fostes para o Bachile, presumo que para a CCaç 16, deves ter tirado o EUA (Estágio de Unidades Africanas). Esse estágio era feito em Bissau, Bolama e São João. Em Junho de 72 estava eu naquele destacamento. No Bachile, deves ter passado pelo que restava dos acampamentos a que me tenho referido: parte da companhia do Jorge e Luís esteve nos acampamentos da direita. A minha companhia esteve mais acima, nos acampamentos da esquerda.. Manda notícias.
Ao Matos digo: somos ilhéus e frequentamos os estudos na mesma cidade da Horta. Naquele tempo não era fácil ser-se ilhéu, e estudante nas ilhas chamadas mais pequenas. Mas tenho a certeza que, para além de sermos portugueses, e dos bons, assumimos, orgulhosamente, a nossa açorienidade. A mais não somos obrigados. A minha história de amor é, como dizes, bonita. E acrescento: esse amor foi a minha grande vitótia da guerra, a minha única glória. Não poderia ter recebido melhor condecoração.
Do outro lado do Atlântico, um abraço do tamanho do mar,
Joé Câmara
Camarada José da Câmara
Informo que não tenho raízes nos Açores, mas gosto muito do povo açoriano. Sou algarvio, de Faro, e toda a minha família é do Algarve.
Em 1970, quando fiz a recruta e especialidade em Tavira, como já havia dito, convivi muito com a malta das ilhas, talvez tu fosses um desses camaradas.
Antes de ir para o Bachile em Junho de 1972, fiz Estágio Unidades Africanas em Bolama.
"A Guerra", de que fui obrigado a fazer parte, foi feita em S.Domingos, fronteira com o Senegal 1º. ano, e 2º. ano em Bachile.
Confesso que em S. Domingos a situação era muito mais perigosa e tivemos muito mais mortos e feridos.
Apesar de tudo, por todo o lado que andei deixei amigos, quer na população africana quer nos camaradas militares. Tenho a minha consciência muito tranquila.
Só tenho pena dos camaradas militares africanos que foram obrigados, tal como nós, a fazer a guerra e depois foram abandonados à sua sorte. Muitos foram fuzilados após a independência do seu país, e isso devia ter sido acautelado por Portugal.
Um abraço e até um dia destes.
B. Parreira
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