Essa foto, carregada de luto, impotência e dramatismo, foi reproduzida no seu livro, página 201, com a seguinte legenda: "Buraco de mina-anticarro, na picada de Cufar para o porto interior"... Foi no dia 2 de Março de 1974, sábado, um "dia do diabo" (sic)...
Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares, os guerrilheiros do PAIGC lembraram-se de lá deixar uma brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat (!) que não tinha explodido... Um jipe do pelotão da Intendência, o PINT 9288, comandado pelo Alf Mil Lourenço, accionou o engenho.
Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (O Fur Mil Pina e o Sold Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte (*)...
Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de bidões de gasolina... Cerca de duas dezenas de estivadores perderam a vida... Um espectáculo dantesco, escreveu o António..."Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver"...
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.
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Meu caro Luís,
"Tropecei" no teu blogue e gostava não só de me encontrar com o pessoal das nossas "férias tropicais" como de pertencer ao grupo e ir ao almoço de dia 20.
Fui o 1º Comandante do PINT 9288, estive lá em Cufar até ao terrível dia da morte do meu Furriel Pita e do Jeová no mesmo Jipe que eu próprio tinha conduzido na estrada para o porto interior nesse dia de manhã cedo, antes de ir em serviço a Bissau chamado pelo Cap Manuel Duran Clemente, meu 2º Comandante.
Estive no Hospital com o Pita o pouco tempo em que o coração dele resistiu ao destino que era inevitável. Hoje resta apenas a memória gravada no monumento em Belém de homenagem a todos os que deram a vida. Tal como a maioria, nunca soube o nome do Jeová, penso que estará homenageado no mesmo monumento.
Convivi com a CCaç 4740, o CAOP 1, ainda me lembro de alguns, poucos, bons momentos, como a célebre recepção aos piras em que lhes demos arroz com marmelada..., antes de vir a nossa janta reforçada, etc.
Lembro-me bem do Baía e de mais alguns, havia o Furriel Cardoso, um moço do Norte que era Bate-chapas... um 1º Cabo que ficou no BINT de Bissau, que era aqui da Figueira onde habito agora e que gostava de voltar a encontrar,etc.
Não percebo muito de informática mas tenho ajuda em casa, contacta-me logo que possível.
Um abraço
Cumprimentos
João Lourenço
(Ex Alferes Miliciano Lourenço)
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2. Comentário de L.G.:
João:
Sê bem vindo. Sabes que a "malta da bianda" nos era muito querida... Além disso vejo que és da Figueira: Temos vários camaradas daí, que já pertencem à nossa Tabanca Grande (António Pimentel, Vasco da Gama, Artur Soares, etc. - cito de cor). Vou tomar boa nota do teu pedido, incluindo a a inscrição no nosso encontro, a 20 de Junho. Vou publicar a tua mensagem, na série Tabanca Grande... Do CAOP 1, do teu tempo de Cufar, tens cá o António Graça de Abreu. E do BINT, o Baía (aqui na foto, à direita) bem como o Franco (que estava em Bissau).
Se tiveres, duas fotos digitalizadas (uma antiga e outra actual), seria óptimo. Se não, mandas mais tarde. Boa saúde para ti.
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3. Eis como o António Graça de Abreu saudou a entrada do novo membro da nossa Tabanca Grande:
Meu caro Luís:
Tu mereces uma estátua! Agora, graças a ti, descubro o Lourenço.
Junto cópia do mail que lhe enviei para teu conhecimento.
Vou para Macau 6º. feira, dia 22 de Maio. Regresso de Macau dia 5 de Junho. Lá vai ser lançado o meu último livro, Poemas de Han Shan. Han Shan é um homem fabuloso, meio budismo zen, meio quase tudo.
Claro que estarei no nosso encontro na Ortigosa, dia 20. Dia 3 de Julho parto para Xangai com os meus filhos (a minha mulher já lá estará) e só regresso de Xangai no dia 3 de Setembro. Não viajo para a China há quatro anos, vou-me reciclar.
Estarei sempre atento ao blogue e tenho quase toda escrita uma longa Carta Aberta a Salazar e a Marcelo Caetano que depois peço para tu publicares.
Obrigado pelo teu infatigável labor por todos nós.
Um abraço,
António Graça de Abreu
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4. Mail enviado pelo Graça de Abreu ao João:
Lourenço, caríssimo:
És um dos que faltava na minha lista de gente importante de Cufar. A companhia 4740 (os açorianos, o cap, Dias da Silva, etc.) já está, fui a dois convívios desses homens que foram nossos companheiros em Cufar.
Sou o alf mil António Abreu do CAOP 1. Vivemos no mesmo quarto durante uns meses, Junho a Novembro de 1973, creio. Fazíamos lá uns jantares meio-escondidos com frangos assados roubados do teu pelotão de intendência. Conto tudo isso no meu Diário da Guiné que quero que leias.
Depois de Cufar, foste para Bambadinca e Bissau.
Na altura eu escrevi um diário de guerra. Foi publicado em 2007, com o título Diário da Guiné. Lama, sangue e água pura [vd. capa, foto à esquerda].
Tu, Lourenço, entras no livro, até transcrevo na íntegra um aerograma que me enviaste de Bambadinca. Há dois anos não te pedi autorização para o publicar porque ignorava por completo o teu paradeiro.
Vou mandar-te o livro pelo correio, dá-me-me a tua morada e, se vais ao encontro do blogue Luís Graça e Amigos na Ortigosa, dia 20 de Junho, encontramo-nos lá. Faremos contas do livro e um esfuziante balanço das nossas vidas. Podes também telefonar-me.
Um abraço e até breve.
António Graça de Abreu
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5. Resposta do L.G. ao António:
António:
A estátua, não, muito obrigado. Mas a tua amizade, sim, acho que a mereço... Ainda bem que o 'puzzle' vai-se completando, ainda bem que tu encontraste mais um camarada de Cufar...Tens alguma foto do Lourenço? Podes mandar-me o aerograma digitalizada, que ele te mandou de Bambadinca?... Vou ver, agora com outros olhos, o teu Diário...
Quanto à viagem à China... Sabes o que se passou em Macau durante a Revolução Cultural? Se souberes algo sobre isso, escreve... Teve, de certo, influência na 'nossa' guerra... Que seja uma bela jornada para todos vós, a viagem à China...
Luís
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6. Segunda mensagem do dia, enviada pelo João Lourenço:
Meu caro Luís,
Vou precisar de mais informações, morada, para ir ter com o pessoal da "bianda" no dia 20 [de Junho, à Ortigosa]. Já entrei em contacto com o Abreu... um espectáculo. Sabes alguma coisa do pessoal dos outros PINT, o 9286, 9287 e 9285?
A única notícia que tive em muitos anos foi o falecimento precoce, por doença, do meu colega do PINT de Farim, que era do Porto, o Alferes Lima. Nada sei do Luís Beiroco, de Buba, nem do Carlos Mota, de Bambadinca.
Tinhamos no Pint 9288 um rapaz aqui da Figueira que era o nosso Cabo cortador/magarefe, ficou em Bissau sempre, talvez o Franco ou o Martins se lembrem e saibam dele. Se souberem avisem.
Um abraço
João Lourenço
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Nota de L.G.:
(*) Sobre a Intendência e sobre este dia negro para o BINT, em Cufar, vd. postes de:
23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3229: História resumida da Companhia de Terminal e do Batalhão de Intendência (José Martins)
12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3196: Em busca de...(39): Companhia Terminal (Bissau, 1973/74) (Daniel Vieira)
20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2462: Convívios (38): Minitertúlia da Intendência / Administração Militar, Belém, Lisboa, 18 de Janeiro de 2008 (Fernando Franco)
16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1195: Ameira: O nosso encontro fez-me bem à alma (Fernando Franco)
2 comentários:
Uma mina anticarro, reforçada com uma bomba de Fiat G-91... Imaginem a violência da explosão! A viatura terá sido projectada a 100/150 metros... A foto é elucidativa: o buracão é medonho...
Quanto ao Soldado morto na mina, é estranho que toda a gente o trate simplesmente por Jeová... Na Liga dos Combatentes, na Lista dos Mortos do Ultramar, o único soldado morto nesse dia, na Guiné, foi o Rodrigo Oliveira Santos.
O Furriel, Carlos Alberto Pita da Silva, morreu 15 dias depois no Hospital, em 17 de Março de 1974...
Os restantes, mortos nesse dia, vinte e tal, são civis... Baixas que nunca contabilizámos... Quantos guineenses, civis, não combatentes, terão morrido, de um lado e do outro ?
Mensagem do Fernando Franco:
Luis: já fiz um comentário sobre a entrada do João Lourenço para o vosso/nosso blog, foi com grande alegria que vi o mail dele.
Lembra-me perfeitamente dele, pois como meu comandante de pelotão, tenho a agradecer o me ter escolhido para ficar em Bissau e não ter ido para Cufar.
Já informei ao pessoal que conheço, inclusive também mandei um mail ao Lourenço a informar dos camaradas com quem mantenho contacto.
Sobre a questão que me pões sobre a alcunha de Jeová e não do Rodrigo, não te sei explicar é uma questão de hábito e alcunha e por uma conversa que tive com ele sobre esse assunto fiquei com a ideia que ele nem sequer pertencia às “Testemunhas de Jeová”, não garanto a 100% esta informação pois já lá vão 35 anos.
Um abraço e até dia 20 no nosso encontro, pois espero levar mais novidades.
Fernando Franco
fasfranco@netcabo.pt
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