1. Luís Graça, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71, deixou este comentário no poste 5105, no dia 14 de Outubro de 2009:
Binta, meu caro JERO, foi também uma escola de virtudes... Na tua boca, poderia ser um auto-elogio, escrito por um dos fiéis leitores, deve aproximar-se da verdade...
Parece ser uma lugar-comum, e até uma afirmação temerária dizer que situações-limites como a guerra e a preparação para a guerra podem ser reveladoras...
Reveladoras do que há de melhor e pior nos seres humanos... Em grupo, como primatas sociais que somos, para mais territoriais, predadores, armados de massa cinzenta q.b. e de tecnologias de morte q.b., somos capazes de tudo, incluindo matar e ter compaixão pelas nossas vítimas, e até matarmos-nos por altruísmo... (quantos heróis não terão sido suicidas altruístas ?).
A morte dos nossos camaradas, ao longe ou ao nosso lado, deixou marcas... Éramos uns putos e não estávamos preparados nem para matar nem para morrer nem para ver morrer (independentemente da causa, da bandeira...).
A tropa, a IAO e as todas palhaçadas que andámos a fazer, uns por Santa Margarida, outros por Bolama, outros por Contuboel, tudo isso não passava de um prolongamento das nossas brincadeiras de adolescentes... Uns levavam-nas a sério, até a sério demais... Mas ainda estávamos na guerra do faz-de-conta...(de tal maneira que houve Companhias, tal como a minha, a CCAÇ 12, que teve o seu baptismo de fogo, com mortos e feridos graves, ainda em fato-macaco, em frada n.º 3, logo a seguir ao fim da IAO)...
A guerra, logo a seguir à IAO, essa, era mesmo a sério... Sobretudo as minas, as emboscadas, as colunas logísticas, os golpes de mão, os patrulhamentos ofensivos, a espera (à noite) do ataque, da flagelação... Os dias, as noites, o inferno verde, os mortos, os feridos, a sede, a desidratação, as abelhas, os mosquitos... Enfim, e sobretudo, o INIMIGO sem rosto... Quase como Deus, ubíquo, invisível, imprevisível, insondável...
A guerra marcou-nos com um ferro em brasa... por muito que a gente negue, denegue, racionalize, faça humor, ironize, verbalize, tente esquecer, escamotear, branquear, efabular, infantilizar...
Gestos como o do Belmiro Tavares da tua história também nos sensiblizam e enobrecem (não já como portugueses, simplesmente como homens)... E as cartas que o Belmiro e tantos outros graduados, anónimos, mandaram aos pais dos nossos camaradas mortos (em combate, mas também por acidente e doença) deviam poder chegar ao nosso conhecimento, deviam ser ser conhecidas e preservadas, deviam figurar no futuro museu da guerra colonial...
São documentos muitos íntimos guardados ainda pelas famílias (?)... Quantas cartas dessas terão sido escritas? Quantas poderão ainda chegar até nós, digitalizadas ou transcritas para suporte digital? Ou ao Arquivo Histórico-Militar, os originais?
Cartas (como a do Belmiro Tavares escrita aos pais do malogrado Nascimento) ajudaram, seguramente, a fazer o luto, a humanizar a morte, a suportar a perda irreparável que era a morte de um filho na flor da vida, e para mais a milhares de quilómetros de distância, numa terra estranha...
Estas cartas, de consolo, de solidariedade, de compaixão, escritas por camaradas nossos às famílias em luto, constrastavam com o seco, brutal, frio, impessoal, telegrama, remetido pelos competentes serviços do Exército... (Mas era assim, julgo que era assim, que se comunicava, naquele tempo, a funesta notícia às famílias... Poderia ter sido de outra maneira? Sem dúvida, deveria ter sido de outra maneira...).
Luís Graça
2. Mensagem de José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/65, dirigida a Luís Graça no dia 15 de Outubro de 2009:
Caro Luís
Tens-me honrado com a tua prosa já por diversas vezes.
O teu comentário de ontem foi para mim e para os meus pares da 675, com o Belmiro Tavares na fila de frente, equivalente a uma condecoração.
O texto é notável e atrevo-me a pedir-te que que faças dele uma postagem pois como comentário poderá passar despercebido a muitos dos nossos camaradas. Já me conheces o suficiente para saber que não há cagança neste requerimento mas o que escreveste é tão importante que deveria passar para um jornal nacional ou para um televisão. E todos nós ex-combatentes andamos precisados de apoio depois de algumas malfeitorias dos nossos governantes!
Aliás em relação à nossa pensão dos 150 euros, que recentemente passou a 3 escalões (75,00 até 11 meses, 100,00 até 23 e 150 para mais de 23 meses) tenho uma ideia que vou lançar no dia do Veterano de Guerra, que vai ter lugar em Aljubarrota/Alcobaça no próximo 20 de Outubro.
Conforme a reacção que obtiver depois te direi mais alguma coisa sobre
o assunto.
Em relação ao nosso longo e agradável almoço de ontem só te posso dizer que foi manga de ronco. Já hoje falei com o Belmiro Tavares, que ficou encantado por te conhecer, assim como o Virgínio. É uma pessoa de uma extraordinária generosidade. Vou mandar-te, em correio à parte, um texto sobre ele, que consta do meu livro.
Tenho também fotografias para te enviar que, infelizmente, não ficaram grande coisa, mas o senhor Pereira é melhor recepcionista que fotógrafo...
Renovados agradecimentos pelas tuas palavras.
Vou imprimí-las e pô-las em moldura dourada no escritório da minha residência em Alcobaça.
Um grande abraço.
JERO
Nota adicional:
O nosso editor Luís Graça almoçou, a convite dos mesmos, com José Eduardo Oliveira e Belmiro Tavares, empresário do sector hoteleiro, dono entre outros do Hotel Dom Carlos Parque, em Lisboa.
Belmiro Tavares que foi Alf Mil da CCAÇ 675, ganhou o Prémio Governador da Guiné em 1966.
No almoço esteve ainda presente o nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando.
A conversa, como não podia deixar de ser, foi um desfilar de recordações dos tempos de Guiné, e de locais como Binta, Farim e Bissau, pois então.
CV
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5105: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (18): Mina antipessoal
Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4971: Comentários que merecem ser postes (8): O que fazer com este Blogue? (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Caros Camaradas Luis e JERO
Permitam-me um pequeno comentário.
O Luis já nos habituou às suas prosas magnificas, importantes e sempre marcadoras de mensagens que levam a reflectir no passado de todos os combatentes.
JERO, li o teu livro que tão bem relata toda uma comissão de uma CCaç naquele longínquo tempo da Guiné, para mim nunca sonhado conhecer.
Só um pequeno pormenor quanto ao que o Luis diz.
Muitos houve que já não eram jovens com o sangue na guelra e "até foram largados no meio do mato", sem qualquer preparação especial, leia-se IAO ou quejandos.
Caíram lá sem saber o que fazer, como fazer e o que era a guerra, assim da noite para o dia.
Calculam como ficaram marcados?
Abraços
Jorge Picado
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