segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5463: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (24): De volta à guerra, triste realidade

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 13 de Dezembro de 2009:

Amigo Vinhal
Mais uma passagem de “Viagem…” a entremear um ciclo mais aceso de opiniões - expressas a meu ver com todo o direito, desde que com respeito por todos e pelos princípios do Blogue– com votos de que os Camaradas mais aguerridos se recordem daquelas férias que gozaram naqueles tempos conturbados, ficando um nada mais serenos.

Um grande abraço a todos vós para quem renovo VOTOS de UM BOM NATAL e um 2010 PLENO NO QUE DESEJEM
Luís Faria


De volta à guerra

As luzes cintilantes de uma Lisboa meio adormecida são testemunhas do meu trajecto e chegada ao aeroporto da Portela. Trinta e tal dias se tinham passado num ápice.

Pelas duas da madrugada de 13 de Julho de 1971, o Boeing da TAP percorre a pista e levanta voo levando-me nele. Nas suas asas está escrito o meu Destino : Guiné… de novo!

Comodamente instalado, tento e consigo avistar com intermitências o tremelicar das luzes terrenas e estelares.

O pensamento divaga entre a adivinhação de um futuro difuso e o passado próximo com a lembrança fresca de bons e belos momentos vividos durante trinta e tal dias (não recordo porque gozei tantos).

Para trás ficam Lisboa, Porto, Guimarães, Vizela, Vila Real, Felgueiras e outras cidades, vilas e aldeias.

Na memória ficam a paciência e os miminhos dos Pais e Irmãos . A disponibilidade e ternura cúmplices da Noiva. A alegria da Flecha, cachorra pastor alemão nos momentos de brincadeira.

Ficam também belas recordações de convívios com Amigos, piqueniques, viagens, passeios. As corridas de Vila Real onde quase fomos abalroados por um Lolla (creio) em vôo de despiste na passagem de nível, que nos polvilhou de óleo !! As viagens no Austin Sprite em que mosquitos (não os famigerados) às carradas entravam pelas juntas da capota de lona e caíam mortos no tablier e nas pernas, cobrindo-mas e às da namorada como se de uma manta se tratasse??!!! Das cachopetas (mergulhos) no rio Vizela para mostrar à plateia do parque das termas a antítese do mergulhador!! Enfim…

Tinham sido na verdade tempos de férias bem passados e em que pouco ou nada se aflorou sobre a Guiné e a guerra, o que me permitiu de certo modo esquecê-la, digamos assim.

Agora… bom, agora que ela está de novo a perfilar-se no horizonte próximo e ainda para mais em locais de experiências de certo modo desconhecidas, a mente conjectura possibilidades de adiar o reencontro com essa realidade, de modo a conseguir mais uns dias de adaptação e mentalização. Dou comigo a pensar que vou ficar em Bissau mais uma semanita ou assim, por causa de transportes e tal e tal!!

Com este pensamento sinto-me um pouco mais reconfortado e confiante e o sono passa por mim.

O Boeing faz-se à pista e aterra. Está a amanhecer e a porta abre-se.

Malas… só uma pequenita de lona vermelha aos quadrados e com zipper, daquelas que vazias se dobravam.

Aquele cheiro característico (a que chamo cheiro a formigas mortas) e aquele bafo quente e húmido, envolvem-me por inteiro logo que chego à escada.

Não havia dúvida, o Piloto não se tinha enganado. Estava noutro mundo, em que os Adidos eram a próxima paragem. Um servicito e uns diazitos mais em Bissau para a conhecer e me mentalizar de que já não estava no Puto é o que me espera, penso!

Mas o Destino é mesmo assim e no dia seguinte estávamos a embrulhar na zona do Balanguerês!!

Bissau onde me iria mentalizar, tinha ficado para as calendas!!!!
Luís Faria


Leça da Palmeira, 1971 > Luís Faria junto ao Sport Clube do Porto. Ao fundo o edifício do Instituto de Socorros a Náufragos.

Luís Faria e o Flecha

Vila Real, 1971 > Dia de corridas
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5236: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (23): Um Aspirante Xico-esperto e um grande berro

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Luis Faria
O que era bom: os ares; a comida; a boa vida e o desconhecimento da guerra no "puto", acabava-se ao fim de 36 dias...

Quando regressáste à Guiné, estava no meu 3.º dia de férias quase com toda a certeza na Barra, onde tinhamos uma casinha pequenina no fundo do pátio da casa dos meus sogros.
Assim não assisti ao ataque ou simples flagelação que fizeram a Teixeira Pinto e ao Pelundo no dia 03AGO71, em que um Capitão (não sei qual deles) parece que fracturou uma perna quando se atirou para uma vala. Teria sido assim?
Por este motivo sempre pensei na sorte que me acompanhou e, quando finalmente escrevi qualquer coisa e passei a falar sobre aqueles tempos, vinco bem essa ideia da sorte que foi preciso ter para voltar incólume dessas paragens. De MAI71 até começos FEV72 a única vez que enviaram algum "fogo de artifício" para TPinto foi num dia em que me encontrava no "puto"?!

Dizes que não saberes a razão de tantos dias de férias.
Eu também não sei, mas das duas vezes que as gozei (1970 e 1971), entre o dia do embarque em Bissau e o dia da chegada foram 36 dias.
E o regresso fazia-se sempre durante a noite, para desembarcarmos logo pela manhã e apanharmos com aquele bafo quente e humido que logo nos deixava com a roupa colada ao corpo.

Quanto a teres seguido no próprio dia da chegada para a sede, deve ter sido por teres desembarcado em Bissau a uma terça-feira, que tenho uma ideia que era o dia da semana em que faziam coluna a Bissau e volta.

Continuo a aguardar as tuas histórias.
Abraço
Jorge Picado

MANUEL MAIA disse...

CARO LUIS,

BELOS TEMPOS ESSES...

SOBRE A TUA DÚVIDA DEVO DIZER QUE ERAM TRINTA E CINCO DIAS.
NO SEGUNDO ANO DE FÉRIAS,DIVIDI-AS EM DUAS PARCELAS,UMA DE 18 E OUTRA DE 17... SEMPRE DAVAM MAIS UMA SEMANITA DE CADA VEZ,LONGE DO INFERNO DO CANTANHEZ...

ESTOU AGORA A OLHAR PARA AQUILO QUE O PICADO ESCREVEU E ELE FALA EM 36.
SE ASSIM FOR,VOU RECLAMAR UM DIA AO BETTENCOURT RODRIGUES POIS O HOMEM DO MONÓCULO JÁ CÁ NÃO ESTÁ.

AO VER AS TUAS FOTOGRAFIAS DE ENTÃO,LEMBRO-ME QUE TAMBÉM NÃO TINHA NADA A VER COM ESTE "CABEDAL"
A NÍVEL DE BARRIGA QUE HOJE OSTENTO...

UM GRANDE ABRAÇO

MANUEL MAIA

Jorge Fontinha disse...

Já que retornaste de férias, começa a desbobinar os nossos piqueniques no Balangarez e as corridas na Ponte Alferes Nunes e os banhos na bolanha...A Passagem de nível de Abambres, já não faz mossa.O comboio já não vai da Régua, para Vila Real.Cai na real!Essas férias foram grandes já cá fazias falta.No Blogue claro!
Aquele abraço.

Jorge Fontinha