quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5767: Contraponto (Alberto Branquinho) (5): Nojo, ou um alferes descomposto

Mais um texto para a série Contraponto, enviado pelo nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), ao Blogue no dia 1 de Fevereiro de 2010:


CONTRAPONTO (5)

NOJO

Era a segunda vez que o alferes ia almoçar àquela tabanca fula, a convite do Bacar e do Jau, soldados do seu pelotão.

Feitos os cumprimentos às várias mulheres e depois de umas brincadeiras com a garotada, estava o alferes a passear pela morança com os dois soldados, quando as mulheres começaram a chamar para o almoço.

Balaios e alguidares esmaltados estavam já colocados no interior de um círculo de esteiras, colocadas no chão batido. Arroz, muito arroz, peixe miúdo da bolanha em molho de palma, galinha em pequenos pedaços e condimentos.

As mulheres ficaram do lado da casa, com as crianças. No lado oposto o alferes, no meio dos dois soldados nativos. Todos sentados no chão, com as pernas cruzadas, em cima das esteiras e por baixo do telheiro, também feito de esteira.

Começou o almoço e a conversa. As mulheres deram indicações sobre comida e temperos e os homens passaram-nas, em crioulo, ao alferes.

Falaram sobre a última operação, sobre os outros militares, sobre os vizinhos, enquanto as mulheres algaraviavam entre elas, no meio gargalhadas.

Comiam fazendo as habituais bolas de arroz com a mão direita ou esquerda (ao jeito de cada um), que, depois, uma a uma, eram molhadas nos condimentos dos alguidares mais pequenos, acrescentadas do conduto, depois mordidas, mastigadas, engolidas. Toda a gente conversava em fula, excepto quando os soldados falavam com o alferes em crioulo.

As mulheres tinham que se levantar continuamente para obrigar as crianças mais pequenas e fugidias a dar as suas dentadas na bola de arroz ou a petiscar pequenas doses, agarradas entre o polegar e o indicador.

A meio do almoço o alferes notou uns risos abafados e brejeiros de duas ou três mulheres à sua frente. Logo a seguir um dos rapazes, com cinco ou seis anos, levantou-se e colocou-se atrás delas. Com ar enojado e mantendo sempre a sua bola de arroz na mão, começou a olhar o alferes no rosto e, alternadamente, para as pernas. Depois começou a cuspir, cuspir, cuspir para o chão, ao mesmo tempo que limpava, com os pés, as cuspidelas do chão.

O alferes olhou para as suas pernas e viu que o testículo esquerdo se tinha libertado do controle das cuecas e assomava, curioso, espreitando para fora dos calções. Discretamente levantou-se, arrumou o indiscreto como pôde e… tudo voltou ao seu lugar.

O almoço decorreu sem mais incidentes.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5573: Contraponto (Alberto Branquinho) (4): Desenraizado

4 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Caro Branquinho: Era uma vez um alferes que foi com o seu grupo para uma tabanca.
Coisa de quatro a cinco dias e, devido a isso, foram "aviados" com ração de combate de cinco. Chegaram, abancaram, montaram defesas e eteceteras. Chegou a hora da refeição e como comer a ração? O alferes lembrou-se de uma lata. O chefe tabanqueiro de pronto lhe trouxe um alguidar de esmalte. Coisa bonita dizem. Assim, e durante três dias, as feijoadas e similares foram saborosamente deglutidas. Nesse dia, o terceiro, o chefe esperou o final do almoço e disse:
- alfero posso levar bacia? Podes diz o alferes.
O chefe olha para ele e diz: eu trago outra vez alfero, só que há três dias que eu não lavo os tomates ( leia-se testículos)... Dizem que o alferes ficou amarelo e, acrescento eu, ajeitou os óculos que era tique dele...bom rapaz esse alferes e certamente de bom estômago.
Abraços do Torcato

Hélder Valério disse...

Caro Alberto Branquinho

Em tempos tinhas prometido 'não falar de mim nem do meu umbigo'.
E cumpriste!
E continuas a cumprir, pois não prometeste não falar de outros 'pormenores'....

Um abraço
Hélder S.

alma disse...

Por essas e por outras é que eu

não usava cuecas...Na Tabanca-

Quartel onde vivia,bastava-me

uma toalha atada na cintura...

Assim pelos menos aqueles dois

gozavam de ampla liberdade...

Abraço Jorge Cabral

manuel amaro disse...

Curioso.
O rapaz de cinco ou seis anos, sentiu-se enojado.
Mas as duas ou três mulheres reagiram com ditos e sorrisos brejeiros.
Era assim.
As mulheres, desde que soubessem que não eram observadas pelos "seus homens", adoravam contemplar a fruta caucasiana...
Creio que, até nisso, ou especialmente com isso, fomos solidários com elas.

Um Abraço

Manuel Amaro