1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), dirigida ao nosso Blogue em 16 de Agosto de 2010:
Camaradas
Cito: "Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?" (Do poema em Linha Recta de Álvaro de Campos).
Imagino que uma boa parte do pessoal já atingiu a idade do condor (do sexo com dor), mas a razão ainda nos vai escapando. Somos uns emotivos, por isso, reagimos emotivamente, dando pouca, muito pouca atenção aos conteúdos. Neste caso, posso dizer, o bombo saiu à rua. Mas a malhar nele não se faz música. O bombo também obedece a regras musicais, ou abafa os restantes instrumentos e fere-nos o ouvido.
Vamos a detalhes:
1 - Logo no começo refere-se: "E nem se lembram de que tudo foi uma mentira, com mais de quinhentos anos". Penso eu, que se refere a eventual manipulação de factos históricos, filtrando os motivos de vergonha, para exaltar e despertar qualidades do génio lusitano, pois acrescenta a seguir: "Desde tempos imemoriais... quem tinha a força tinha o direito". Assim, à moda do Bush quando mandou invadir o Iraque.
Posso concordar. De facto, todos sabemos que a nossa instrução primária, e os subsequentes estudos secundários, obedeciam a programas aprovados pelo regime, logo, em consonância com o discurso oficial, frequentemente capcioso. E essa foi a nossa cartilha. Foi nesse tempo que aprendemos a odiar os espanhóis. Foi nesse tempo que nos fizeram aceitar as ideias de unidade territorial e de Pátria. Ideias, que, ainda hoje, são determinantes ou condicionantes para os nossos comportamentos. Estranhamente, quando foi a nossa geração a apadrinhar a democracia (às vezes bárbara democracia) que resultou do 25 de Abril.
Quantos daqueles milhares do 1.º de Maio estavam politicamente esclarecidos? Quantos saneamentos levados a cabo por trabalhadores, não lhes serviram de trampolim para benefícios próprios? Refiro-me a contradições da nossa geração, a experiências que denotam insuficiência cívica. Será que hoje já estamos convenientemente formados, com maturidade, sentido do rigor, da ordem, da justiça e não pactuamos com aventureirismos?
2 - Segue-se o 2.º parágrafo que parece suscitar a grande confusão: "quando lá chegavam com as G3 em riste..."
Bem, não se pode tomar a nuvem por Juno, mas lá que houve excessos... houve. E o governo cristão, e a civilização cristã, chegaram a homenagear e condecorar alguns "heroísmos revanchistas". Até hoje parece que os aceitamos como bons, pois a Pátria, no conjunto do seu Povo, ou representada pelos eleitos do Povo, ainda não veio dizer que exagerámos, e que o antigo regime, por isso, deu cobertura a injustiças. Garanto-vos que na África sob jurisdição portuguesa, até aos anos cinquenta do século passado, praticou-se o esclavagismo (vide Norton de Matos - Biografia, Bertrand Editora).
Argumenta-se com o terrorismo, como se os portugueses, em 1640, tivessem tido um comportamento de protecção a acto terrorista. Mas, mais grave ainda, o estado português em 1961 estava informado sobre o que iria acontecer, e continuou a caminhar contra as instâncias internacionais sob o comando do velho néscio.
Em que é que exagerámos?
Na maneira descriminatória relativamente a muitos daqueles povos, pois a par de uma missão religiosa, existia um crápula que negociava mão de obra sem direitos, quer para o estado, quer para as grandes companhias; exagerámos, não dando atenção à Carta da ONU, anterior à nossa adesão, que ficou a dever-se a um truque com a transformação de colónias em províncias, criando expectativas sobre a sua regulação e governo; exagerámos no estúpido orgulhosamente sós, que durou de 1958 a 1974, enquanto, se tivéssemos seguido o caminho da Carta, teríamos 30 anos para construir sociedades modernas e submeter o modelo a referendo; exagerámos, condenando e não convidando os emancipalistas a colaborar na construção das novas sociedades; exagerámos, ao admitir que a nossa capacidade para prosseguir a guerra seria inesgotável, com grandes argumentos em S. Bento e no Terreiro do Paço.
3 - Segue-se uma alusão ao romance do Zé Brás, Vindimas no Capim, que, no entanto, me parece despropositada, na medida em que interpreto o romance como um retrato da vivência de uma geração subjugada ao trabalho duro e mal pago, por vezes em condições de indignidade, desinstruída, que era mobilizada para a guerra de África a dar o corpo ao manifesto, onde apenas tinha como prémio, a sorte de se salvar, ou os namoros de ocasião com as meninas do Jorge.
Não sei se quer referir-se ao heroísmo desses desgraçados, levados das suas famílias e das esperanças que alimentavam, para em condições infra-humanas obedecerem cegamente à cadeia de comando, a ponto de darem tudo pela Pátria. Esta dádiva máxima não era percepcionada, nem nas causas, nem nos efeitos, mas, naquele momento, causava grande perturbação aos sobrevivos.
4 - Pátria. Peço-vos para reflectirem no lugar onde nascemos, no que queremos e fazemos dele, na capacidade do colectivo em intervir no destino da nação. Peço-vos para reflectiram sobre o que pensamos de relações sociais no lugar da Pátria, como aceitamos, ou reagimos, à impunidade dos gestores bancários, dos sectores privado e público, mediante actos de fácil reprovação; peço-vos para reflectirem sobre PIN - Projectos de Interesse Nacional, que delapidam o público em favor do privado; peço-vos para reflectirem sobre tantas manigâncias neste país, e para pensarem porque é que isso acontece.
5 - O que vos pedi em 4) tem a ver com o último parágrafo do Geraldes, que critica os encontros onde se apresentam alguns, com laivos de heróis, boinas e medalhas, em manifestações marciais que, em vez de celebrarem a camaradagem solidária, cimentada nas dificuldades, antes exaltam qualidades guerreiras ou brutais, por vezes sem correspondência com os sentimentos perante o perigo.
Talvez concorde, se o Geraldes pensa na solidariedade que devia resultar do sofrimento colectivo durante a guerra, para, agora, (digo eu) guiar-nos para acções colectivas, de regeneração moral, de orientação para o interesse público, de repúdio pelos oportunistas que, de lés-a-lés, desprestigiam instituições, comprometem equilíbrios da natureza, hipotecam o futuro, acções que dariam de nós, antigos combatentes, a imagem de esforço, seriedade e vontade de actualizar e incrementar o progresso colectivo. Nunca em Portugal um governo se lembrou de mobilizar o Povo para o progresso. Afinal, andámos lá fora a malhar os costados, e aqui cruzamos os braços perante tanta leviandade.
6 - Da generalidade dos comentários, que evocaram Camões, mas esqueceram-se de Fernão Mendes Pinto, retenho uma liminar condenação ao Geraldes. Afinal o texto fez-me reflectir, sobretudo nesta belíssima vida moderna, adornada de Mercedes e Audis, com casas a espelhar sucessos pessoais, ainda que, algumas, sem mão de arquitecto, nem licenças camarárias, mas uma "boa vida", ou a fingir uma boa vida, em hossana ao individualismo. Para mim o poste valeu como exercício de introspecção.
Abraços fraternos
JD
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6855: Controvérsias (102): Polémica M.Rebocho / V.Lourenço, resposta a António Graça de Abreu (José Manuel M. Dinis)
Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6860: (Ex)citações (90): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (Manuel Maia)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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8 comentários:
Caros camarigos
Não pensei voltar ao texto do Carlos Geraldes, que considero um texto indigno e que apenas me merece repúdio.
Mas agora vem o José Dinis, fazer um exercício, não percebo francamente se de apoio, se de critica, dizendo que afinal, ou talvez, o texto seja uma boa reflexão.
Há por aqui nesta Tabanca Grande camarigos licenciados em História e outros, com certeza, com pergaminhos nessa área.
Então, e na minha ignorância, permito-me dizer o seguinte:
Pega-se na História de um país, velho de 900 anos, e começa-se a “interpretar” essa mesma História segundo os padrões de vida dos nossos tempos!
Assim chega-se à conclusão que os Portugueses, (não serão os europeus, e por aí fora), são todos uns assassinos, uns negreiros, uma cambada de aldrabões, uma gente sem dignidade, honestidade ou honra!
E vai daí evoca-se a forma como a História foi dada em determinados tempos para enaltecer os feitos Portugueses, como se isso não fosse uma constante ao longo dos tempos, dos regimes, em todos os países.
Curioso que eu, que fui educado pela mesma cartilha, não tenho nenhum ódio aos Espanhóis, considero-os um povo irmão, orgulho-me dos seus feitos e até fiquei muito contente, (porque Portugal baqueou), que tivessem ganho o campeonato mundial de futebol!
Depois, claro, lá vêm as considerações sobre o 25 de Abril, como se isso tivesse alguma coisa a ver com a “interpretação” feita sobre os Portugueses e a sua História.
Depois pegam-se nalguns casos que com certeza existiram, em África e em todo o mundo e em todos os povos e civilizações e pretende-se que isso justifica a incrível e indigna caracterização feita dos Portugueses.
Depois, não sei porque almoços de confraternização andaram, mas naqueles em que tenho estado, não vejo essas exaltações de “heróis”, de “indignos militares”, etc., etc.
E depois ainda fala-se da vida deste país, nestes momentos que atravessamos, com todos os “horrores” de uma sociedade desagregada e corrupta, como se de alguma forma isso fosse a realidade do Povo Português na sua História ou de algum modo justificasse as palavras usadas no texto do Carlos Geraldes.
E depois, depois, posso não ter entendido nada porque sou “burro como uma porta”, mas continuo a dizer que o texto que li do Carlos Geraldes é indigno e apenas me merece desprezo.
O texto, não o autor, claro, porque cada um tem direito a ter os seus dias maus e a livre expressão existe.
E não dou mais para este assunto!
Um abraço camarigo a todos, mesmo todos.
Caro Zé Dinis,
Gostei do teu texto, pois escreves bem. Só que tem muito molho e sobre o artigo do Geraldes fim principal do teu Post, zero.
É costume dizer-se lá na Planície Alentejana:
«CANTAS BEM MAS NA M´ALEGRAS»
O velho abraço,
Mário Fitas
Quanto às supra palavras do Mexia Alves,
Afirmativo, Positivo... AMEN!
Magalhães Ribeiro
Estou a tentar ter uma pança para
me apresentar no próximo Encontro.
Cabelos brancos já possuo..Quanto
ao diálogo será o habitual-Porra
só chacinaste três velhos,duas
mulheres e quatro crianças? Por
mim foi tudo a eito,até cabras,
galinhas,vacas,baga-bagas...ah!
e mosquitos,milhares..
Jorge Cabral
Jorge,
Serás perdoado. Ao chegares a casa darás um beijo a tua mulher, em vez de porrada!
Carlos Cordeiro
Caro Joaquim,
Quanto a não perceberes se o texto é a favor ou contra a explanação do C.Geraldes, é porque não prestaste atenção. Está lá: se ele quiz dizer umas coisas, concordo; se quiz dizer outras, discordo.
Quanto ao resto, contestas os contextos, paciência! Mas nunca se chega à redundância de eu, tu, ele, sermos assassinos, negreiros, etc. A tua velocidade de escrita terá ultrapassado o raciocínio.
Quanto ao 25 de Abril, foi o corolário de um período colonial,por um lado, e marca uma geração, a nossa, por outro. Tentei estabelecer relações e desafios, no que não terei sido entendido. E, no meu texto, também não se vislumbra qualquer pretensão que justifique "a incrivel e indigna caracterização feita dos portugueses".
Se a sociedade desagregada e corrupta não corresponde à realidade dos portugueses, é porque não a sei apreciar e vivo no equívoco, mas admito, sim, que corresponda à angustia manifestada pelo Geraldes. Talvez, também, por alguma parte dos 11% de desempregados.
Agradeço, no entanto, o teu comentário.
Agora, meu Caro Mário,
Dizes que sobre o post do Geraldes, disse nicles. Já agora, tu que desafiaste o pessoal ao "debate", farto de recensões, o que é que comentaste no texto dele?
Apoucaste-o, o que não é bonito. Mas a oportunidade para debate... foi-se.
Para ambos, abraços fraternos
JD
Caro camarigo José Dinis
Desculpa mas não te respondo.
Está lá tudo escrito.
Tu lês de uma maneira, eu leio de outra.
Talvez desta vez, ou se calhar não, o meu raciocinio acompanhe a velocidade da minha escrita!
Um abraço camarigo para ti
Caro Zé Dinis,
Não mistures coisas totalmente antagónicas.
Quanto ao Geraldes, eu não utilizo o espelho dele. Quem quiser que o faça.
Nas recensões tema totalmente diferente. Há um comentário interessante ao referir que estou só, será verdade? Infelizmente devo ser só na coragem de o dizer.
O velho abraço e vamos activar a Magnifica, já são férias demais.
Mário Fitas
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