1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Setembro de 2010:
Queridos amigos,
Li Juvenal Cabral com imensa surpresa. As autoridades de Cabo Verde dizem estar a prestar homenagem ao pai daquele que foi o fundador de duas nacionalidades.
Lendo esta colectânea de memórias, ficamos com o quadro do intelectual cabo-verdiano do seu tempo, um “civilizado” que se orgulhava de Cabo Verde e Portugal.
Um abraço do
Mário
Juvenal Cabral, o pai de Amílcar Cabral
Beja Santos
O escritor Juvenal Cabral nasceu em Cabo Verde, foi ainda criança para Portugal, regressou depois à sua terra natal, onde frequentou o Seminário-Liceu de S. Nicolau e aos 22 anos embarcou para a Guiné, onde fez um périplo entre Bolama e Bafatá. Mais tarde, regressou a Cabo Verde onde se revelou muito activo na defesa dos interesses cabo-verdianos. O Instituto da Biblioteca Nacional, de Cabo Verde, editou em 2002 as suas impressivas “Memórias e Reflexões”, inicialmente publicado em 1947, na Cidade da Praia. Falando da Guiné, Juvenal Cabral mostra como procurou servir a nação portuguesa e, diz ele, “transformar em cidadãos prestáveis puros gentios da tribo” e mostrar a sua admiração pelos encantos naturais deste coração da Senegâmbia, recordando até a peregrina formosura de uma adolescente fula. Apresenta-se como um simples recruta entre os escritores que, garbosamente, enfileiram na ala dos profissionais da pena.
São memórias e reflexões onde ele nos fala de Rufina Lopes Cabral, que pertencia a uma família de lavradores da Ribeira do Engenho, na ilha de Santiago. Uma senhora rica e sua madrinha, D. Simoa dos Reis Borges Correia, mandou-a estudar em S. Tiago de Cassurães, perto de Mangualde, tinha ele oito anos. Recorda mestres e amizades feitas no seminário de Viseu. Nostálgico, diz que passou aqui os melhores anos da sua vida. Descreve Viseu como a rainha da Beira. De regresso à ilha de Santiago, vai para o Seminário de S. Nicolau, a experiência corre mal. Em Abril de 1911, segue para a Guiné, com destino a Bolama. Transforma-se num funcionário público, amanuense da Câmara com um ordenado de 15 000 Reis. Aqui esteve 45 dias e depois passou para a Fazenda, colocado como aspirante provisório. Outra experiência que não correu lá muito bem. Seguiu para alfândega. É então que Juvenal Cabral se tornou professor primário. Foi nomeado professor da Escola de Cacine em 1913. Ele escreve: “Cacine, a circunscrição civil ao tempo menos movimentada, não tinha, como nunca teve, fauna escolar apreciável. Dedicando-me, pois, ao ensino da meia dúzia de alunos que compunham a frequência, não deixava de ocupar-me no cultivo de um quintal, cuja produção – mandioca e batata-doce – constituía precioso reforço à minguada verba do meu vencimento oficial. Monótona, aborrecida por vezes, era a vida em Cacine. Se contássemos – administrador, amanuense, telegrafista, chefe do posto aduaneiro, professor, enfermeiro e um comerciante – teríamos concluído o recenseamento da população que, com a reduzida família, habitava as cinco existentes na sede da circunscrição. A presença do Capitão Teixeira Pinto, que ali fora, a fim de meter na ordem uns chefes desobedientes, foi o acontecimento mais notável que se verificou em Cacine, durante a minha permanência ali como funcionário”. Foi depois transferido para Buba, antigo presídio, que ele descreve assim: “O que resta da sua antiga magnificência não é hoje mais do que a carcaça de um velho gigante que, nos primeiros séculos da colonização portuguesa, proporcionou riqueza e renome a todos os obreiros do seu desenvolvimento e grandeza. A nova escola que eu ia dirigir não tinha, mau grado, frequência superior à da que eu acabava de deixar. À excepção de quatro ou cinco civilizados, apenas dois gentios, filhos de régulos, se matricularam. Do facto, nasceu, arreigando-se, a minha convicção de que uma escola entre gentios – excepção feita de Missões devidamente organizadas – somente poderia produzir frutos apreciáveis, se a obrigatoriedade de ensino, assegurada por um meio de severas sanções, fosse uma realidade da Guiné”. Descreve alguns episódios picarescos de dois alunos filhos dos régulos de Forreá e do Corubal. A seguir é colocado na escola de Bambadinca e mais tarde em Bafatá, onde vai nascer Amílcar Cabral. É um capítulo riquíssimo, vale a pena desenvolvê-lo no post seguinte.
Juvenal Cabral, depois desta experiência como professor na Guiné, como se disse, regressa a Cabo Verde. É uma experiência de grande importância, mas o que escreveu e como participou na vida cívica e literária não cabe neste blogue. Leopoldo Amado já tinha chamado a atenção para o vulto cultural que foi Juvenal Cabral, cabo-verdiano fervoroso, que deixou este testemunho, como ele escreveu, a enaltecer a pátria portuguesa.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7058: (De) Caras (3): A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa, na noite de 3 de Agosto de 1969: Branco assassino, mataste uma mulher (Beja Santos)
Vd. último poste da série de 27 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7045: Notas de leitura (151): Manual Político do PAIGC (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Esta geração de Caboverdeanos e de Angolanos letrados como Juvenal Cabral, e seus filhos que nos anos 50 e 60 do outro século, eram em Angola que eu conheci em 1957, os chefes de posto, funcionários dos correios, da Fazenda, dos Portos e Caminhos de Ferro e aviação (o director da DTA, chamava-se Medina Carreira) com a mesma origem desse mesmo que todos conhecemos da TV.
Tive alguns como hierarquicamente meus superiores por onde andei em jovem.
Pois como se fala no post do portuguesismo de Juvenal Cabral, posso afirmar que me intrigava um pouco o apreço que demonstravam pela figura de Salazar.
Eles, com mais clareza e distanciamento que nós, olhavam com muita prespicácia para o nosso retângulo, como eles diziam.
E todos queriam ver-se livres de nós, mas não queriam com toda a certeza o processo das Unitas, Upas, e Mpla e suas facções, embora fosse neste último que se reviam melhor.
A seguir ao 25 de Abril, vieram para o Rossio, Faro e Rio de Janeiro.
Temos os netos da maioria dessa boa gente a circular na linha de Sintra.
Tive o prazer de conviver 18 anos com os filhos e netos da geração de Juvenal Cabral.
Eram portugueses muito especiais, que ainda não foram analizados nem compreendidos pelos portugueses, mesmo pela maioria que passou pela guerra.
Os caboverdeanos já teem uma bandeira que não lhe foi imposta!
Antº Rosinha
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