Caríssimo Carlos Vinhal
Aí vai o Contraponto (20) - a história de uma "partida" de uma granada ou de uma granada que não (se) partiu.
Com um abraço do
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (20)
A GRANADA DE MORTEIRO QUE VEIO JANTAR
Aconteceu na nova Messe de oficiais do Batalhão, de construção recente. Era coberta de chapas de zinco, assentes numa estrutura de barras de ferro que faziam as quatro águas. No interior tinha um tecto falso em contraplacado de madeira.
O jantar estava a ser iniciado. O capelão já tinha feito a oração prévia (ritual que tinha introduzido logo no dia da sua chegada). Os que não o acompanhavam aguardavam, de pé, que terminasse.
Sentados já, começaram as conversas habituais.
O soldado que servia à mesa já circulava com a grande terrina metálica da sopa, segurando-a com a mão esquerda por uma das asas e encostando-a ao tronco, no lado esquerdo. Com a robusta concha militar colocava no prato de cada um a dose desejada, respeitando posições e galões.
Num repente pararam as conversas.
- POOU!! POOU!! POOU!!
Três “saídas”!!! Sabe-se lá se de canhão, se de morteiro pesado.
Voou a terrina da sopa, mais a concha, mais a sopa, ao mesmo tempo que todos corriam para os seus postos e responsabilidades, tentando alcançá-los antes de as granadas rebentarem, que sabe o diabo onde seria.
As “saídas” continuavam em bom ritmo: - POOU!! POOU!! POOU!! POOU!!.....
Uns, sem missão especial, correram directamente para as valas e abrigos, outros iriam, antes disso, buscar as G3 e carregadores, outro para os morteiros, um para os canhões, posto de rádio e… os mais “afortunados” tinham que se armar, esperar o ajuntamento dos seus pelotões atrás de uma parede que estivesse em oposição ao fogo e, depois, sair a correr, debaixo do fogo, pela porta de armas, para ir ”cortar” itinerários no exterior, que davam acesso às tabancas próximas.
Entretanto, começavam a rebentar as primeiras granadas (umas perto, outras longe e, talvez, uma ou duas dentro do quartel) e instalava-se um pandemónio de correrias e gritos por todo o lado.
Depois de o ataque acabar e serenado o ambiente, inspeccionadas valas e abrigos, de lanternas na mão, feita inspecção ao terreno, visitado o posto socorros, feito o “inventário e balanço”, o pessoal, em geral, quase retomava a normalidade.
Os que estavam fora, depois de fazerem reconhecimento das tabancas e reportarem através do “rádio-banana”, recebiam ordem para recolher.
Os oficiais começaram a regressar à Messe para “comer qualquer coisa”. Notaram uma forma escura no chão, a cerca de metro e meio da cadeira do Comandante do Batalhão.
Aproximaram-se. Era uma granada de morteiro, que, caindo de lado, se anichara no cimento, com a empenagem bem cravada no chão. Olhando o tecto de madeira prensada, lá estava o buraco que tinha feito. Teria, também, furado (sem rebentar) a chapa de zinco da cobertura.
O alferes sapador olhou-a cuidadosamente, andando à volta dela e desarmou-a.
Chegado o Comandante, mandou colocar a granada no local.
Foi feita uma caixa de madeira com tampo de vidro, que ficou a tapá-la.
Foi em Catió.
Lá ficou. O pessoal dos Batalhões seguintes tê-la-ão visto.
Felizmente não (se) partiu e… ficou para jantar.
Alberto Branquinho
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7361: Contraponto (Alberto Branquinho) (19): Já que se falou de heróis
8 comentários:
Caro Branquinho
Veio para jantar mas por sorte não levou o jantar com ela.
Sempre ouvi dizer que a sorte de um homem é escapar e foi em dia de sorte.
Um abraço
Juvenal Amado
Alberto Branquinho
Não vou brincar.
Não recordo em que ano. Mas uma granada,certamente de sessenta, num qualquer ataque a um aquartelamento, penetrou e ficou alojada na nádega de uma senhora africana.Não explodiu e veio a ser retirada no Hospital Militar de Bissau. Certamente a anca e envolventes da senhora eram anafados e a sorte e os irãs estiveram com ela.
Como estiveram com os comensais que te acompanhavam e, certamente nenhum mesmo de largos galões teria tão anafada cobertura de anca.
Alguém se deve recordar.
AB do T.
Torcato, buenas!
Isso terá acontecido em Canquelifá.
Eu explico: durante o primeiro semestre de 1970 estive nesse aquartelamento, por duas ou três vezes, a fazer actividade operacional. Foi lá que me contaram essa estória fantástica, e que reproduzes como a ouvi.
Assim como outra bastante infeliz:
era costume, quando saíamos em patrulha nas linhas fronteiriças, a deslocação de dois T-6 para eventual apoio.
Os aviões deslocavam-se de Bissau, e o carburante ficava com uma pequena folga. Aconteceu, por vezes, o pessoal ter uma lista de compras que os pilotos traziam de N.Lamego, parece-me. Dessa solidariedade, desenvolveu-se uma boa camaradagem entre voadores e terrestres. Um dia, calhou a um jovem piloto celebrar o aniversário, e a malta que permaneceu em casa brindou-o com uma grande festa. Jovens, fogosos, e num dia de alegria e generosidades, o aniversariante terá excedido a quantidade razoável de bebidas alcoólicas. Na despedida, mereceu uma vibrante e alegre guarda-de-honra até fazer rolar o monomotor na pista. Depois, feliz e agradecido, quiz retribuir as atenções com um looping, mas a manobra saíu mal calculada e o avião enfaixou-se numa grande árvore no centro da aldeia, desintegrando-se e espalhando material sobre o tabancal.
Lembro-me de ter visto os sinais do impacto na árvore, em conformidade com o que me contaram.
Abraços fraternos
JD
Torcato e José Diniz
Essa história da granada de morteiro 60 alojada na nádega de uma mulher, é verdadeira.
Tive oportunidade de conhecer, nos tempos do PREC, o cirurgião que a desalojou ("assessorado" por um sapador). Foi o Dr. Manuel DIAZ.
Assim me foi confirmado por um outro cirurgião, também do Hosp. de Sta. Maria, que também esteve (mais tarde) na Guiné.
Anda agora pelos 70 e poucos.
Mais pormenores não sei.
Alberto Branquinho
Meus Caros
Isto é um grande Blogue.
A noticia, veio publicada no jornal? de 26 de Junho de 69. O ataque foi efectivamente a Canquelifá e a mulher, de etnia mandinga,deu entrada no Hospital dia 17 de Junho.(ANI).
O recorte é mais extenso e não refere o nome do médico. Curiosamente dizem-me haver um recorte, sem data, inicio de 1970, com os nomes do novo Governo do Prof. Marcello...
Há uma, há cada uma...
Abraço para vós do T.
Caros amigos
Não tenho a certeza que seja o mesmo caso, que o Torcato refere sobre o acidente da granada de morteiro que se alojou na coxa dum ser humano sem explodir!
Eu, durante um internamento que tive no Hospital de Bissau, foi-me permitido, por pessoa conhecida, atendendo ao inédito acontecimento, tirar umas fotos que guardo da coxa dum adulto, com os ferimentos provocados por uma granada que não deflagrou. Segundo me disseram, na altura, a pessoa em questão estava na sua tabanca deitada, quando foi surpreendida com a granada que se alojou na coxa.
Um abraço
José Corceiro
Uma fotografia da "sortuda" mulher com a granada enfiada no bucho, veio na Revista do Exército no principio do ano de 1970. Guardei-a, mas já não sei onde está por causa do pó que cobre o sotão da memória.
A granada que caiu no refeitório (messe) dos senhores oficiais em Catió foi no dia 6 ou 9 de Junho de 1968.
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