1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2010:
Luís,
Deixei ai na Escola um saco com livros e uma lembrança insignificante para ti. Espero ter sido útil. Já falei com a Dr.ª Joana dos Livros Horizonte, aquele livro só fala de Angola e Goa, como sabes não me posso dispersar, o nosso blogue é da Guiné, só falo de livros da Guiné.
Faltam-me ainda vários dias da Operação Tangomau, espero concluir tudo até ao fim do mês. Como te disse, haverá uma grande surpresa para ti e para a malta da CCaç 12.
Desejo-te do coração, para ti, para a Alice e petizes, mil alegrias natalícias.
Recebe a profunda estima do
Mário
Salgueiro Maia na Guiné
Beja Santos
A biografia “Salgueiro Maia, um Homem da Liberdade” dedica obrigatoriamente um capítulo à CCav 3240 que o prestigioso militar de Abril comandou (“Salgueiro Maia, um Homem da Liberdade”, por António Sousa Duarte, Âncora Editora,11ª edição, 2000). Embarcaram em 4 de Julho de 1971 no Angra de Heroísmo, chegaram à Guiné no dia 9. Esta CCav é uma unidade independente. Chegados à Guiné, vão para o Cumeré, onde ficam até 6 de Agosto, a receber a instrução de aperfeiçoamento operacional. A Companhia passa para a intervenção, tem por limites os rios Mansoa e Armada, a norte; Inhamate, a leste; o rio Mansoa também a sul e Có, a oeste. Nesta área os aglomerados mais importantes são Bula, Binar, Bissum, Ponta Consolação, João Landim. Há estradas alcatroadas entre João Landim – Bula – São Vicente, entre Bula e Teixeira Pinto e inicia-se o alcatroamento no troço Bula – Binar. Em Ponta Matar, em 19 de Setembro, é ferido sem gravidade. A CCav é integrada no BCaç 2928, o epicentro da sua acção é Bula: patrulhamentos, operações, envolvimento em obras diversas de vias de comunicação e estruturas militares, desmatação, escoltas e emboscadas. Assim se passaram os primeiros doze meses. O segundo ano não será muito diferente. Salgueiro Maia, segundo os testemunhos obtidos, é solícito, metódico, vive obcecado por não ter baixas e neste capítulo irá ter resultados excepcionais. No último período da sua comissão, competiu-lhe assegurar o serviço normal de segurança em torno de Bissau, zelando por Safim, Impernal, João Landim e Quinhamel. Em Maio de 1973, é convocado para apoiar as tropas que estão cercadas em Guidage, isto quando as armas e os equipamentos já tinham sido entregues e todos se preparavam para regressar a casa. Era uma operação de picagem da estrada Binta – Guidage que se supunha durar vários dias e acabou por se arrastar vários meses. Durante a operação começaram a rebentar sucessivos engenhos e minas antipessoais, Salgueiro Maia decidiu abandonar a estrada, rompeu pela floresta com uma máquina de engenharia, só mais adiante é que regressaram à estrada e assim atingiram sãos e salvos Guidage. Ele escreverá mais tarde um episódio indispensável para compreender a dureza dos acontecimentos e de que já aqui se fez menção no blogue: “Crónica dos feitos de Guidage” que vem incluído no livro que vários amigos lhe dedicaram e que foi publicado na Editorial Notícias.
A Companhia de Salgueiro Maia conseguiu não ter nenhuma baixa mortal, só um dos soldados perdeu o olho direito. O fim da comissão foi passado em colunas entre Farim, Mansoa e Bissau. A 2 de Outubro a Companhia regressa a Lisboa. Anos mais tarde, ele confessará a sua profunda decepção com o evoluir da guerra e a insensibilidade dos altos comandos na metrópole, atribui-lhes a responsabilidade por serem capazes de fornecer a tempo material de guerra, isto quando as arrecadações de Legião Portuguesa estavam a abarrotar; a imprensa ignorava a natureza da guerra que se travava na Guiné, a linguagem usada, a de que se cumpria operações de segurança e de policiamento, era totalmente desajustada à realidade. Dirá numa entrevista, escassos dias após a revolução; “Foram todos estes contra-sensos que me fizeram revoltar contra a situação vigente para já não falar daquele caso perfeitamente disparatado da minha Companhia ter dado o máximo de esforço e sacrifício durante dois anos, para o fim desse tempo ter que aguentar mais alguns meses de comissão”. Dirá também que o Movimento dos Capitães assentava na convicção de que o poder político se revelara incapaz de solucionar o problema da guerra colonial e ele, Salgueiro Maia, não queria ser mais cúmplice com a degradação inexorável a que chegara a guerra.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete
Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7525: Notas de leitura (181): Tempestade em Bissau, Ano 1970, de Mário Gonçalves Ferreira (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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