quinta-feira, 10 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7919: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (80): Na Kontra Ka Kontra: 44.º episódio




1. Quadragésimo quarto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 9 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


44º EPISÓDIO

Neste espectacular NA KONTRA o Dionildo conta a sua história:

Depois de o Alferes ter ido embora de Madina Xaquili e devido à pressão do PAIGC, passou a andar aterrorizado. Logo no primeiro ataque à tabanca, conhecendo o caminho para Bambadinca, resolve desertar. Contorna Galomaro de forma a não ser visto e em Bambadinca, apanha boleia de uma coluna que vai para o Xime com pessoal e material para embarcar numa LDG, com destino a Bissau. Numa situação como esta não era costume os próprios camaradas perguntarem pelas Guias de Marcha. Chegado a Bissau, junto do Cais da Amura onde as lanchas costumavam atracar, logo verificou que na Ponte Cais estava também o navio Uíge, de transporte de tropas. Soube que o barco ia partir à noite e pensou embarcar. Se bem o pensou melhor o fez. Apesar de ser o único militar a bordo vestido de camuflado, ninguém lhe perguntou o que quer que fosse, também pelo facto de irem no barco muitos militares de rendição individual. Ele seria mais um. Passada uma semana, desembarcava em Lisboa. Veste-se à civil com roupa que levava num pequeno saco e ruma ao Porto apresentando-se ao trabalho na empresa onde tinha trabalhado antes de ir para a tropa, a empresa do agora sogro do nosso Magalhães Faria. Passados precisamente quarenta dias aparece-lhe na empresa a Polícia Militar que rapidamente o mete num avião rumo a Bissau, agora com Guias de Marcha para a sua antiga Companhia, sediada em Madina Xaquili. Como perspectiva tinha outra comissão, a começar agora. Com o contínuo agravar da situação, passados poucos dias é planeada uma operação de alto risco, com a intervenção de um Pelotão de Comandos helitransportados e, para a qual, se pediram voluntários. O Dionildo viu ali uma possibilidade de limpar a sua “folha militar” e ofereceu-se. Tudo correu muito melhor do que esperava e até veio a ter um louvor. Retiraram-lhe o castigo e regressou à Metrópole com a sua Companhia. E o Dionildo termina dizendo:

- E aqui estou na empresa onde sempre trabalhei Senhor Faria.

– Magalhães Faria, Faria há muitos.

1990. Passaram 20 anos. Tinha havido a revolução de Abril. Deu-se a descolonização. Houve algumas convulsões na sociedade portuguesa. Embora readquiridas as liberdades a vida das pessoas não melhora substancialmente.

Quanto a Magalhães Faria as coisas não correm pelo melhor com a sua mulher. Não entrando em pormenores considerados íntimos nem considerando que tinham vinte anos de vida em comum ele, não suportando mais a situação artificial em que vive, escolhe o melhor momento e resolve divorciar-se. Os dois filhos do casamento, como já são crescidos compreendem perfeitamente o acto do pai.

Pouco tempo depois, por não querer estar dependente do pai da sua ex-mulher, começa a pensar em mudar a sua situação profissional. Para ganhar tempo e pensar bem na decisão a tomar, resolve fazer umas férias.

Na agora Guiné-Bissau não deixou de haver também convulsões políticas, inclusive com derramamento de sangue, muito sangue se pensarmos nos guineenses que serviram as tropas portuguesas. Em 14 de Novembro de 1980 e na sequência da política dos “burmedjus” de Luís Cabral, Nino Vieira, um papel, assume o poder. Em 1985 num considerado pseudo golpe, são fuzilados vários elementos ligados ao poder, entre eles Paulo Correia e Viriato Pã, conceituados balantas. Em 1990 são depurados mais balantas na continuação da mesma política de agradar às outras etnias. É neste ano que por causa da pressão internacional, o Presidente Nino anuncia a abertura democrática que se concretizará em 1991 com a revisão da Constituição.

É a pensar numa certa estabilização existente na Guiné, face à anunciada democratização, que Magalhães Faria, como que inoculado por um vírus, sente o chamamento de África. Pensa então numa ida a Bissau ver “in loco” como estão as coisas e se haveria alguma hipótese de montar lá um negócio. O recente divórcio muito contribui para isso. Combina ir com seu filho mais velho, proporcionando-lhe assim umas férias, e leva consigo o seu amigo de longa data, Dionildo.

Bissau, época seca. Chegados a Bissau são estabelecidos vários contactos. Magalhães Faria costuma reunir-se com os seus conhecidos no Café Restaurante da “D. Berta”, único local onde se sente à vontade, para além do Hotel. O Dionildo, pelo seu carácter mais extrovertido, já tinha estabelecido imensos contactos com vista ao que lhe pareceu, quer a ele quer a Magalhães Faria, ser uma boa oportunidade: Verificam que todos os transportes de pessoas e mercadorias eram feitos à custa de carrinhas de 8/9 lugares, conhecidas por toca-toca, transformadas para levarem o dobro de passageiros. Também de imediato verificam que essas carrinhas têm muita procura. Daí a congeminar um plano de trazerem viaturas usadas de Portugal e ganhar de sobra para viver, foi um passo.

Um dia, encontrando-se Magalhães Faria a almoçar com o filho na “D. Berta”, chega o Dionildo e de chofre diz-lhe:

- C… sabe quem está ali em baixo à porta? A sua primeira mulher.

O filho do Magalhães Faria arregalou os olhos e este ficou lívido.

- E sabe quem está com ela? Aquela bajudinha muçulmana que nasceu em Madina Xaquili, quando lá estávamos e a quem puseram o nome de Sextafeira. Agora está uma mulheraça.

Um NA KONTRA inusitado.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7915: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (79): Na Kontra Ka Kontra: 43.º episódio

5 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Conforme referido no 1º comentário do 1º Episódio:

Glossário do 44º episódio:

BURBEDJUS: Mestiços, cabo-verdianos.


Já agora aproveito para referir, insistindo, que o que se passa neste episódio com o Alferes Magalhães, se passou realmente com o verdadeiro Aferes.

Um abraço a todos e até ao próximo.
Fernando Gouveia.

Fernando Gouveia disse...

(Resposta ao comentário do Luís Graça do episódio anterior)

Caro Luís:

Quando o verdadeiro Dionildo me contou a sua estória, perguntei-lhe logo se costumava consultar o Blogue. Respondeu-me que não, pois não mexia em PCs nem tinha ninguém que o ajudasse.

Tendo-me dito que pertenceu ao pelotão do verdadeiro Alferes, eu quis logo saber o verdadeiro nome da bajuda Asmau para o incluir na estória. Disse-me que não se lembrava mas que tinha um camarada amigo que talvez soubesse. Dei-lhe o meu endereço mas ele nunca mais me disse nada. Também não tornei a ir aos almoços à Tabanca dos Melros.

Um abraço.
Fernando Gouveia

Manuel Joaquim disse...

Caro Fernando Gouveia

Tenho seguido com muito gosto este "script" e venho aqui fazer uma correção a este último texto: Nino Vieira não era balanta, pertencia à etnia Papel.

Um grande abraço

Fernando Gouveia disse...

Caro Manuel Joaquim:

Agradeço-te muito o reparo. Já tratei corrigir o erro.

Um grande abraço.
Fernando Gouveia

Luís Graça disse...

Fernando, queres dizer "BURMEDJUS" (mestiços, mulatos, caboverdianos)... e não "BURBEDJUS"...

O Rosinha confirma...