sexta-feira, 16 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9616: Os nossos seres, saberes e lazeres (43): João Crisóstomo, um português das Américas..., mas também de Torres Vedras, de Porto Gole e do Enxalé... (Eurico Mendes, Portuguese Times, 9 de fevereiro de 2011)



The Portuguese Times: Semanário, publicado em New Bedford, Mass, USA.  Edição nº 2068, de 9 de fevereiro de 2011.


(Artigo sobre o nosso camarada João Crisóstomo, reproduzido com a devida e a indicação da fonte: Copyright © 1997/2001 The Portuguese Times. Autorizada a reprodução de artigos publicados nesta página desde que mencionada a origem)

As cruzadas de João Crisóstomo, o mordomo ativista de New York
por Eurico Mendes



Nos romances policiais de antigamente, o mordomo era sempre o principal suspeito e a regra confirma-se na exposição These are my People! The Story of Aristides de Sousa Mendes patente até finais de março no Holocaust Memorial and Tolerance Center de Nassau County, em Long Island, NY.


O suspeito da iniciativa é João Crisóstomo [ foto à direita,], português residente em New York há 35 anos, mordomo de profissão e, nas horas vagas, militante de causas nobres: as gravuras rupestres de Foz Coa, a independência de Timor Leste, a memória de Aristides Sousa Mendes e, presentemente, a independência do Sahara Ocidental, a antiga colónia da Espanha na África Ocidental que Marrocos e Mauritânia resolveram repartir.


Nasceu em Torres Vedras, numa família católica que lhe deu nome de santo. São João Crisóstomo, esclareça-se, foi bispo de Constantinopola e ergueu a voz contra os flagelos sociais ficando conhecido como João Boca-de-Ouro. 

Chegou a andar no seminário decidido a tornar-se mordomo de Deus, mas acabou por servir outros amos, a começar pelo Estado português. Fez a guerra colonial na Guiné Bissau, alferes da CCaç 1439, que esteve no Enxalé, na confluência do rio Corubal com o Geba.


Resolveu depois conhecer mundo trabalhando na hotelaria. Andou por Inglaterra, França e Alemanha, melhorava os conhecimentos de inglês e francês e cogitava voltar a Portugal e tornar-se rececionista num hotel, o que viria a acontecer na década de 70, mas no Rio de Janeiro, onde tirou um curso de hotelaria na Pontifícia Universidade Católica e trabalhou na receção de um hotel.

Por sugestão de um professor, chegou um dia a New York e matriculou-se na Cornell University. Tencionava regressar ao Rio de Janeiro, onde já tinha a sua base, mas em 1975 soube que Jacqueline Kennedy Onassis procurava mordomo, ofereceu os seus serviços e ficou. A única exigência de Jackie foi, uma vez que Francisco é outro dos nomes de Crisóstomo, chamar-lhe Frank em vez de John, uma vez que já chamava John ao filho.


João Crisóstomo talvez não fizesse ideia disso, mas quando o contratou a ex-primeira-dama já estava familiarizada com as qualidades de trabalho dos portugueses. Foi criada na vitoriana Hammersmith Farm, em Newport, RI, onde a maioria dos pescadores, agricultores e empregados domésticos eram portugueses. O primeiro marido, John Fitzgerald Kennedy, também cresceu com portugueses.

Diz-se que o famoso capitão Manuel Zorra, algarvio de Olhão que ficou na história de Provincetown, no Cape Cod, ensinou John Kennedy a velejar a pedido do pai dele, Joe Kennedy. Por outro lado, ainda como senador, John Kennedy foi decisivo no destino de
milhares de portugueses ao conseguir fazer aprovar o Azorean Refugee Act, que permitiu a imigração de milhares de açorianos desalojados pela crise vulcânica dos Capelinhos, na ilha do Faial, em 1957.

Crisóstomo considera uma experiência extraordinária ter trabalhado para Jackie e reconhece que aprendeu com ela a lutar pelas causas em que acredita. "A determinação de Jacqueline influenciou-me muito, contudo ela nunca teve influência nos movimentos que lancei, mas o filho, John-John, teve".

Jacqueline sempre foi denodada. Nos anos 60, em Washington, conseguiu evitar o desaparecimento da histórica Lafayette Square, parque que fez inicialmente parte da Casa Branca. Nos anos 70, em New York, empenhou-se contra a demolição do Grand Central Terminal, a estação de comboios na Rua 42 com a Park Avenue e contra alterações urbanísticas no Colombus Circle.


Ao lado do seu amo, como Alfred Pennyworth, o mordomo do Batman ou Hobson, mordomo dos filmes Arthur, magistralmente interpretado por John Gielgud, Crisóstomo esteve ao lado de Jackie na campanha pelo Grand Central Terminal, tomou-lhe o gosto, passando a dedicar os tempos livres a lutar por causas em que acredita e a primeira foram as gravuras rupestres de paleolíticas de Foz Côa.


Há 20 mil anos, o homem gravara milhares de desenhos representando cavalos e bovídeos nas rochas xistosas do vale do Côa, afluente do rio Douro, no nordeste de Portugal e o governo, chefiado pelo atual presidente, Cavaco Silva, propunha-se construir uma barragem e submergir as gravuras. Crisóstomo ficou indignado e enviou cartas ao New York Times e ao secretário-geral da ONU, Butros Ghali, a explicar o que se passava em Portugal, mas decisiva terá sido a carta entregue a Rupert Murdoch, o empresário australiano (naturalizado americano) com jornais e redes de televisão nos EUA, Reino Unidos e Austrália. Com uma fortuna de 6,3 biliões de dólares, Murdoch pode ter muitos mordomos e os de New York são portugueses e amigos de Crisóstomo.


"Foi simples, entreguei a carta aos meus amigos e pedi-lhes que entregassem ao patrão. Nos EUA, Murdoch é dono do Wall Street Journal, New York Post e Boston Herald, mas, uma vez que se tratava de um caso num país da Europa, preferiu utilizar o seu principal jornal europeu, o Times londrino, que publicou um artigo intitulado Portugal tem que parar com o vandalismo do século XX".


Denunciado na imprensa internacional, o escândalo das gravuras tornou-se um dos assuntos mais mediáticos desse final de ano de 1994. O Comité de Arte Rupestre na UNESCO considerou que Foz Côa a "maior estação paleolítica ao ar livre da Europa, senão do mundo", o governo de Cavaco Silva acabou por não tomar nenhuma decisão antes das eleições de 1995 e o novo primeiro-ministro, o socialista António Guterres, suspendeu a construção da barragem.


Se Foz Côa é hoje a maior mostra de arte rupestre paleolítica ao ar livre, deve-se em parte a João Crisóstomo.

A cruzada seguinte foi a autodeterminação de Timor Leste. Crisóstomo criou o LAMETA (Movimento Luso-americano para a Autodeterminação de Timor-Leste), do qual era presidente e que publicava um boletim fotocopiado. Promovia manifestações frente às Nações Unidas, em New York, em que participavam imigrantes portugueses e Constantino Pinto, o atual embaixador timorense em Washington e que era ao tempo estudante na Brown University, em Providence, RI.

A LAMETA deu uma ajuda à diplomacia portuguesa na campanha para convencer o presidente Bill Clinton a pressionar a Indonésia para aceitar a realização de um referendo organizado pelas Nações Unidas, que teria lugar em 1999 e no qual 80% da população votou pela indepêndencia.

Durante essa luta Crisóstomo conheceu Anne Treseder, advogada de San Francisco que integrava o ETAN (East Timor and Indonesia Action Network) e que lhe falou pela primeira vez de Aristides de Sousa Mendes. Treseder, que tem escrito em várias publicações sobre Portugal e Cabo Verde, passou a interessar-se pelos judeus em Portugal quando conheceu Carlos de Sousa Mendes, neto de Aristides Sousa Mendes.

"Para ajudar Timor-Leste, impunha-se conseguir o apoio da imprensa. Ora, grande parte da imprensa dos EUA está nas mãos de judeus e, para conseguir o apoio deles, Anne Treseder sugeriu-me que lhes falasse de Aristides de Sousa Mendes e o cônsul acabou por se tornar uma causa apaixonante para mim", esclarece João Crisóstomo.


No começo da II Guerra Mundial, Aristides era cônsul de Portugal na cidade francesa de Bordéus e, de 16 a 23 de junho de 1939, contrariando instruções do governo português, concedeu vistos a 30 mil refugiados, dos quais 12 mil judeus, possibilitando-lhes chegar a Portugal e escapar aos horrores dos campos de concentração nazis.


Sousa Mendes foi demitido e morreu na penúria em 1954, em Lisboa e os seus 12 filhos, que tinham imigrado para os EUA e Canadá, iniciaram um movimento internacional pela reabilitação da memória do pai. Em 1961, Sousa Mendes foi homenageado em Israel com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: foram plantadas 20 árvores em seu nome no Jardim dos Justos entre as Nações, que recorda não só as vítimas do holocausto, mas também aqueles que ajudaram os judeus durante esse horrorosa perseguição.

Presentemente maitre (responsável pelo serviço de refeições) de um banco novaiorquino, Crisóstomo é tão bem sucedido na vida profissional como tem sido como ativista. Aliás, os contatos que a profissão proporciona, com altas personalidades da finança, da politica e do jornalismo, têm facilitado a outra atividade como defensor de causas.


O quartel-general é a sua própria casa, o equipamento resume-se ao telemóvel, fax e computador e o resto é questão de empenho em persuadir todos os que possam ajudar. É um dos vice-presidentes da Fundação Internacional Raul Wallenberg, um diplomata sueco que, durante a II Guerra Mundial, com a colaboração do cônsul suiço Carl Lutz, conseguiu mandar 55.000 judeus húngaros para a Suiça e poupá-los ao holocausto.


Depois da libertação de Budapeste, as tropas soviéticas prenderam-no e Wallerbeng morreu na prisão. Fascinado pela figura de Aristides Sousa Mendes, Crisóstomo promove anualmente uma iniciativa para "mostrar o herói português aos americanos". Há dois anos, promoveu a exposição Visas for Life, evocando Aristides de Sousa Mendes e outros diplomatas cuja ação permitiu salvar também milhares de judeus do holocausto: os portugueses Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho e os brasileiros Luis Sousa Dantas e João Guimarães Rosa, o autor do romance Grande Sertão: Veredas. Além de médico e um dos maiores autores brasileiros de todos os tempos, Guimarães Rosa foi também diplomata, iniciando esta carreira como cônsul-adjunto em Hamburgo, Alemanha (1938-1942), onde ele com ajuda da esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, emitiu mais vistos do que as cotas


legalmente estipuladas e possibilitou que muitos judeus fugissem para o Brasil. Depois da guerra, o escritor e a esposa mereceram o reconhecimento do estado de Israel. Aracy é mesmo a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto em Israel.


O ano passado, assinalando a passagem dos 70 anos da emissão de vistos, Crisóstomo organizou a exposição do livro de registos do consulado de Bordéus no Museu da Herança Judaica de New York. Este ano é a exposição no Holocaust Memorial and Tolerance Center de Nassau County inaugurada no passado domingo com a presença de António Rodrigues, que veio expressamente de Portugal. Trata-se de um colega e amigo de Crisóstomo, colaborador habitual das suas cruzadas.

Rodrigues era mordomo do filho de Jackie, John F. Kennedy Jr. morto a 16 de julho de 1999 quando o seu pequeno avião de recreio se despenhou no Atlântico, num acidente em que perderam também a vida a sua mulher, Carolyn Bessette Kennedy e a cunhada, Lauren Bessette. O jovem casal tinha dois animais de estimação, o gato Ruby e o cão Friday que foram separados depois da trágica morte dos donos. O gato foi adotado por um amigo em New York e o cão foi levado por António Rodrigues para Portugal, onde morreu há anos.


As cruzadas tornaram-no conhecido e Crisóstomo foi um dos participantes da série Portugueses no Mundo dedicada a New York e que passou recentemente na RTP. Falou do Grande Central Terminal, onde iniciou a carreira de ativista e do Strawberry Fields, praceta entre o Central Park e a Rua 72 Oeste, frente ao Dakota Apartments, onde o cantor e compositor John Lennon foi assassinado no dia 8 de dezembro de 1980. A praceta, a reproduzir em calçada um mosaico da cidade italiana de Pompeia, foi desenhada por Bruce Kelly, arquiteto chefe do Central Park, mas a execução foi de calceteiros cedidos pela câmara municipal de Lisboa.

E é este o retrato à la minuta de João Crisóstomo, um português na América e que gosta de mostrar aos americanos a cultura e a história do seu povo. Se, por exemplo, Crisóstomo for apresentado a alguém e disser que a sua língua materna é o português, acrescentará de
imediato: "É o quinto idioma mais falado do mundo".
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9599: Os nossos seres, saberes e lazeres (42): Saltar de pára-quedas, um sonho realizado depois dos sessenta(Paulo Santiago)

6 comentários:

Antº Rosinha disse...

Cada pessoa vive a sua própria vida.

Mas há gente que parece que vive mais vidas alem da própria vida.

É o caso de João Crisóstomo.

Será que a passagem pela Guiné o ajudou a inspirar-se para tanto dinamismo e tanta vivência?

Mas de todas as agitações promovidas pelo João Crisóstomo,aquela que fez com que a "maior estação paleolítica ao ar livre da Europa, senão do mundo", deixa-me na dúvida se não haverá outras bem maiores que a do Côa, mas submersas, mas nem por isso menos visitadas e estudadas.

Mas é fabuloso quando se alcança o objectivo como este de João Crisóstomo.

João Crisóstomo, português das américas, digo isto tudo, mas na realidade queria pedir-te um favor de matar uma curiosidade a quem nunca foi a esse mundo do outro mundo:

Como se chamavam os peles vermelhas que moravam no lugar onde estavam as Torres Gémeas?

E se não houve nenhum arquitecto ou artista que se lembrasse de plantar duas aldeias desses indios naquele lugar como reserva desses mesmos índios, em vez das coisas que andaram a inventar para preencher o vazio.

Também na Guiné, contam os Papeis da Ilha de Bissau, uma história, que já não me lembro, em que também falam nos "peanuts" pelos quais foram enganados pelos portugueses para comprarem aquele pedaço da fortaleza D'Amura.

Só que aqui, os donos do chão ficaram lá.

Um abraço

Anónimo disse...

Que pena e uma oportunidade única,o
Camarada Sr.Crisóstomo,não ter co_
nhecido pessoalmente o sr.JF Kenne_
dy.Podia ser possivel o sr.K,ao
saber da nacionalidade e da ida até
á Guiné,do sr. Crisóstomo,aquilo que ele passou e viu,gostasse de saber o resultado da tramóia que,
ele e os "donos" do mundo armaram
entre os portugueses e africanos,
tudo só pelos bonitos olhos destes
últimos,sem mais algum interesse,
claro.
Carlos Nabeiro.

Luís Graça disse...

Carlos Nabeiro:

Sou capaz de perceber a tua ironia, mas não achas que é um pouco extemporâneo o teu desejo de ver o João Crisóstomo a levar "a carta a Garcia" ?

O nosso camarada, que vive como como muitos outros (milhões!) de portugueses na diáspora, desde 1970, esteve na Guiné em 1965/66... O sr JFK já tinha morrido, de morte matada, há dois anos, em dezembro de 1963... Só em 1975, a viver então em Nova Iorque, é que o João foi trabalhar, como mordomo, na casa de Jacqueline Kennedy Onassis, duas vezes viúva... O armador grego tinha acabado de morrer nesse ano...

Portanto, ele nunca poderia ter conhecido o JFK...

PS - O João é uma camarada da diáspora, que tem orgulho no seu país, na sua língua, volta cá todos os anos... e ficou, como muitos de nós, com uma "relação especial" com a guiné e os guineenses...

Anónimo disse...

Caro João Crisóstomo

Os meus parabéns pelas vivências e pelo carinho que parece teres tido e tens, não só pela Guiné como por este cantinho à beira-mar plantado.
Sobre as pinturas rupestres do Côa,ai se tu soubesses o que foi e o que é feito sobre as ditas.. e a quem servem.
Basta ir lá ver...bem, tentar ver..porque parece que aquilo se transformou num feudo..só para alguns.
Ai..Timor..Timor..estive lá.Até mulheres policias americanas lá vi..Ai..O.N.U..O.N.U...Ai ONGs..ONGs..Tenho tanto para dizer.

Foge à temática deste blog..por isso fico-me por aqui.

Um alfa bravo

C.Martins

Anónimo disse...

Eu sei Estimado Prof. LG.Ironosei
por isso mesmo.O Camarada JC,que
devo todo o respeito,ter estado no
mesmo espaço fisico que o sr JK e
já não ser possível o dialogo en_
tre eles,quem sabe? ouvindo o Ca_
marada JC,JK tivesse outra postura
para com o Portugal daquele tempo,
arbitrando os legitimos direitos dos povos africanos doutra forma,
possivelmente,até a nossa ida des_
necessaria durante treze anos aos
tês TO.O desastre da Baía dos Por_
cos é uma prova da forma do pensar
do sr. Kennedy.O Camarada prof.LG
como pessoa substâncialmente mais
culta que eu, sabe o que sr JK que_
ria de Portugal e da Àfrica.A iro_
nia do outro coment.era exactamente
pela impossibilidade de se terem
conhecido e não para "beliscar"a
dignidade do Estimado Camarada sr.
Crisóstomo.Obrigado pela atenção.
Carlos Nabeiro.

sequer beliscar a dignidade do

Anónimo disse...

Já estava a esquecer.Nós cá em casa
também fomos e somos emigrantes.In_
glaterra;Flórida e agora há quase
vinte anos,com uma filha cidadã
Luso-Canadiana.
Carlos Nabeiro.