segunda-feira, 4 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9993: Notas de leitura (366): "Portugal's Guerrilla War - The Campaign For Africa" por Al J. Venter (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 19 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Al Venter é um jornalista que cobriu importantes conflitos africanos desde a década de 1960. É autor de mais de 20 livros, parece que a Guiné o impressionou muitíssimo.
No ano passado escreveu um volume sobre histórias de guerras e mais uma vez exaltou os feitos do capitão João Bacar Djaló, morto em Abril de 1971. Terá ficado muito marcado por este herói com quem fez uma patrulha a leste de Tite.
Al Venter devia fazer parte da bibliografia obrigatória da guerra da Guiné, os números adiantados, sabe-se hoje, andavam próximo da realidade. E terá sido o correspondente de guerra que conversou com Spínola e Amílcar Cabral, sem venerações.

Um abraço do
Mário


Reler um clássico: Portugal´s Guerrilla War, por Al J. Venter

Beja Santos

Em 1973, na Cidade do Cabo, o repórter e correspondente Al Venter publicava uma obra exclusivamente dedicada à Guiné e à sua guerra de guerrilhas. Em seu entender, era a última das grandes guerrilhas clássicas em África, na máxima abrangência da brutalidade e nas melhores tradições dos ensinamentos de Guevara e Vo Nguyen Giap: Portugal´s Guerrilla War. Os acontecimentos posteriores à sua publicação certamente que contribuíram para que o livro não fosse traduzido em português, Al Venter fora convidado pelas autoridades portuguesas, terá havido alguma desconfiança de que se tratava de propaganda requentada.

Por engano. Al Venter, ao tempo, era seguramente um dos nomes mais conceituados nas reportagens sobre eventos político-militares no continente africano. Era correspondente para o Daily Expressa e Sunday Express, cadeia da NBC e a International Defense Review. Usava de uma comunicação precisa, direta e pouco tranquila para os regimes coloniais ou racistas. Neste livro diz sem papas na língua que a guerra da Guiné teria consequências fulcrais para toda a África Austral, a estabilidade desta região estava completamente dependente do desfecho da Guiné. Recorda que o General Yakubu Gowon, da Nigéria, tinha alertado que a independência da Guiné iria acarretar o fim do racismo e do colonialismo em toda a África. Declaração feita em Adis Abeba, em 1971.

É um livro muitíssimo bem escrito. Começa logo com a referência ao assassinato de Amílcar Cabral e não ilude os factos: estalara uma guerra sem quartel entre as duas fações do PAIGC. Refere a ascensão de Vítor Monteiro neste partido, o que não veio a acontecer. Não exclui uma possível ligação entre Sékou Touré e os conspiradores guineenses. Enquanto o Vietnam ia conhecer uma fase de agudização, o mesmo seria passar na Guiné com a chegada dos mísseis terra-ar. Al Venter recorda na introdução que a África do Sul tinha muito a aprender com o conflito guineense sobretudo ao nível dos fatores psicológicos que pautam a condição deste guerrilheiro altamente combativo.

Começa o seu livro para uma homenagem a um homem de quem ele não esconde a admiração, o capitão de 2ª linha, João Bacar Djaló, um verdadeiro herói que acabou vítima de um estúpido acidente com uma granada. Fala da energia deste fula que conhecia a floresta como poucos, a sua capacidade de responder ao inimigo, os seus encontros em Tite e a consternação que a sua morte provocou, por um lado, entre as tropas portuguesas e a alegria entre as hostes do PAIGC que se regozijaram em Conacri, Boké, Koundara e Ziguinchor quando se soube da sua morte. Depois, tece um enquadramento para os acontecimentos precedentes à luta pela independência, dando ênfase aos acontecimentos do Pidjiquiti de 3 de Agosto 1959. Refere os diferentes movimentos de libertação associados à África portuguesa, a existência da FLING e do PAIGC, o tecido económico colonial guineense centrado no Banco Nacional Ultramarino e na CUF. Depois refere os apoios do PAIGC, China, Marrocos, Cuba, Argélia e URSS e seus satélites. Descreve cuidadosamente o armamento de ambas as partes e revela que os MIG 17 estacionados em Conacri eram pilotados por nigerianos, havia a previsão, ainda sem data, de entrarem no conflito. Descreve a evolução da guerrilha e como Schulz foi incapaz de suster o ímpeto do PAIGC e de defender convenientemente as populações martirizadas pela guerrilha. Dá uma bela água-forte da cidade de Bissau dizendo que se assemelha a Bathurst, a capital da antiga colónia britânica da Gâmbia. Capta o pitoresco dos mercados, sente-se impressionado com a fortaleza da Amura, visita detalhadamente o aeroporto de Bissalanca, compara os preços em Bissau com os de Luanda ou Lourenço Marques.

Entrevista longamente o tenente-coronel Lemos Pires, este dá-lhe conta de como Spínola inspira confiança às populações, mostra-lhe no mapa onde estão os apoios do PAIGC tanto no Senegal como na Guiné-Conacri, a natureza dos apoios do PAIGC, onde estão as suas bases no interior, faz estimativas das populações que apoiam os guerrilheiros, das populações que preferiram fugir tanto para o Senegal como para a Guiné-Conacri, deteta durante a conversa que a colónia teve sempre uma escassa presença dos portugueses e considera que historicamente a colónia teve uma ínfima importância na política de Lisboa. Lemos Pires pareceu-lhe altamente informado, capaz de comentar a evolução estratégica de Cabral e como fora obrigado a grandes inflexões face às estratégias de Spínola.

E parte para a região Sul, quer conhecer com os seus próprios olhos a zona de guerrilha mais conflituosa. Refere o uso de garrafas de cerveja vazias como elemento dissuasor dos ataques diretos da guerrilha aos destacamentos, fala na pica e no seu papel de detetor de minas e descreve os aldeamentos. A visita começa em Gadamael. De Gadamael seguem para Cacine, toma nota do que dizem os letreiros, conversa com oficiais, vai ver o armamento e onde ele está implantado; e depois parte para Cameconde em coluna, regista cuidadosamente as conversas. E salta para a africanização da guerra, fala com oficiais dos comandos africanos, compara-os com os de outras regiões de África que ele conhece. Mostra curiosidade em saber os usos e costumes de fulas e balantas, até nota em que consiste o fanado de homens e mulheres. Inteira-se da forma como as tropas ocupam zonas que durante anos tinham estado sob o absoluto controlo do PAIGC, caso de Bissássema. De acordo com a sua descrição, o PAIGC age sem contemplações, intimida e aterroriza as populações, pretende o desmantelamento das vias económicas, como escreve: “The guerrilla offensive is directed not only against the Portuguese forces but also against unarmed civilians, the public services, lines of communication, transport, commerce, industry and agriculture – the warp and the woof of the economic, political and social order. Such operations as the rebels conduct against their enemy are directed to the attainment of greater freedom of action as regards the real objective – the destruction of the fabric of the nation. The guerrilla strategy is neither offensive nor defensive. It is evasive. For example in areas where it was felt government control was relatively weak, it went on the offensive, but that rarely happened. It was mostly a case of seeking out the soft spots and Bissassema, on account of difficult jungle terrain, was one of this, but only while the project was being developed. Once it was finished and had been settle the centre would easily be able to hold its own”. A seguir, descreve os patrulhamentos em torno dos quarteis e depois apresenta os contingentes do PAIGC.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9974: Notas de leitura (365): Guiné e Cabo Verde: elementos para a sua unidade (Mário Beja Santos)

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