terça-feira, 5 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9999: (In)citações (40): Deixem-me aliviar a angústia das notícias vindas da minha terra (Braima Djaura, ex-sold cond auto, CCaç 19, Gudiaje, 1972/74)

Citação: "Temos orgulho em ti, Pepito!... E parafraseando Italo Calvino, lembraremos aqui aos ditadores e aprendizes de ditadores no mundo que 'não é a voz que a dirige a história, mas sim o ouvido'... Não é a voz dos que gritam mais alto, porque têm momentaneamente o poder de comando, mas sim o ouvido daqueles que tendem a ser tratados como a maioria silenciosa... E já lá vai o tempo em que os ditadores morriam tranquilamente na cama e iam para o céu... LG



1. Mensagem, enviada ontem para o correio interno da Tabanca Grande,  pelo nosso camarada Braima Djaló, ex-sold cond da valorosa CCaç 19 (Guidaje,  1972/74) (*):

Caro Amigos e Camaradas de Tabanca Grande, nomeadamente o nosso amigo Pepito:

Tenho estado permanentemente a ler o Blog Ditadura do Consenso. Na qualidade de guineense,ou natural daquela terra, envergonha-me, por vezes, saber de tantas barbaridades que muitos não percebem.

Recentemente li comentários de ex-embaxadores de Portugal, na Guiné-Bissau, comentários muito interessantes para perceber a realidade que vem de séculos.

A Guiné [sempre foi palco de ] interesses de domínio dos que vivem no Nomadismo, como designou o nosso amigo Pepito, “cafres”, a maioria se não todos vindos de Traves, outrora obrigados a vestirem-se decentemente de acorddo com as etnias onde queriam ser acolhidos… A prova claro disso são os cabecilhas do golpe [de 12 de abril de 2012] ... Injai, Sanha, Sambu, e tantos outros que infelizmente são ignorantes que nem mesmo a
linguagem mais vulgar da Guiné entendem.

Hoje querem ser influentes para ter melhor domínio do tráfico de droga, pelo que só podia ser em Jugudul [o local para] a improvisação de um aeroporto para o efeito.

Bom, meus amigos, sinto-me envergonhado pois a Guiné-Bissau tem 42 etnias, embora alguns comentadores falem em 30 ou 32 (vd. Boletim Oficial da Guiné, 1956 a 1961). Entendo por outro lado que a diminuição de número deve-se à Guerra de Ultramar. E, exactamente devido ao acolhimento acima referido, Injai não é sobrenome da etnia que ele representa, maioritária, com 30% da população, mas cuja condição era bem escondida na Guiné ao longo de anos, nas vestes e noutros costumes tipo 
Chalim-Minde Bissorã (**).

Pois bem, baseando na escrita do nosso camarada e grande amigo, LG, temos orgulho dos que hoje sofrem humilhações pelo amor da nossa Terra, em silêncio, mas por vezes o silêncio é o grito mais alto de uma dor injustificável, que o tempo justificará.

Desejo expressar a todos os amigos da Guiné-Bissau, e aos Bissau Guineenses,  os meus agradecimentos, porque muitas vezes ao ler e conviver com e-mails de tantos amigos, isso faz me aliviar a angústia das notícias vindas da minha Terra.

Bem-haja a todos.

Ibrahim  Djaura

[Lisboa]
_____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9922: (In)citações (39): Integrar o Suleimane na Tabanca Grande foi de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os guineenes que serviram na guerra da Guiné (Cherno Baldé)




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
 
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.



(**) A frase tem um sentido obscuro, pedimos ao autor para nos explicar a referência a Chalim-Minde Bissorã... É um topónimo, uma povoação na região de Bissorã ? Se sim, não  conseguimos indentificá-lo, nas nossas velhas cartas... Presumo antes que seja uma expressão idiomática, intraduzível em português...


Explicação posterior dada pelo Braima Djaura, em mail enviado hoje às 13h13:


Caro amigo, LG, realmente é uma linguagem pouco conhecida, mesmo na Guiné, pois é... Antigamente os balantas de Encheia e dos arredores de Bissorã vinham para a cidade de Bissorã seminus, ou seja,  muito mal vestidos, sem pudor. Um Administrador de Circunscrição em Bissorã deu ordem para prender todos os que aparecessem na cidade dessa forma, ou seja, tapando apenas os orgãos genitais. E advertia-os para verem o exemplo dos Mandingas, com vestes razoáveis tipo batinas, de 4 a 5 metros de tecidos.

Foi nesta altura que os gajos começaram a recorrer aos 3 metros de tecido, para os costureiros da cidade, pedindo que as vestes fossem  feitas iguais às dos Mandigas de Bissorã e dos Fulas, pelo que tinham que dizer "Tchalim-Minde-Bissorã"...  Foi nesta altura que os balantas começaram adotar nomes dos mandingas e fulas: por ex., Injai, Cumba, Sanha, e tantos outros sobrenomes, vindos daquelas etnias.

As vestes que até hoje usavam, nota-se ainda na Guiné: apesar das suas batinas, não passavam os joelhos abaixo, diferentes das dos mandingas e fulas; Isto é, uma história tribal da Guiné, significa que são tribos que vieram do nada nos Traves, hoje querem ser fluentes e dominadores. Nota-se que a maioria dos militares são desta tribo, parece ridículo, mas é verdade. Por outras razões,  seria longa a explicação. Mas agora podemos perceber porque o Nino  sempre foi duro com esta gente, ele sabia verdadeiramente quem eles são. 

Espero que o meu amigo tenha percebido, Tchalim-Minde Bissoã significa igual à dos Mandingas de Bissoã, em dialecto dos  batantas, ou "manojos", em mandinga. Cá estou eu, para quaisquer dúvidas.

Grande abraço
I. Djaura, ID



9 comentários:

Luís Graça disse...

Ai os malditos demónios étnicos da Guiné-Bissau!... Quando menos se espera, eles entram-nos pela tabanca dentro, invadem as nossas moranças e pervertem-nos o espírito.

E quem somos nós, europeus, para dar lições aos outros povos!...

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

O nosso amigo, Braima Djaura, faria muito bem se nos pudesse explicar melhor o conteudo da sua mensagem.

Pessoalmente, confesso que entendi muito pouco, pois se ele pretende dizer que o apelido Indjai é estrangeiro ou de origem estrangeira, o mesmo se poderia dizer de muitos outros, entre os quais o proprio "Djaura".

Penso que, neste momento, nao é isso (+cafres ou -cafres) que nos interessa e nao sera por ai que vamos encontrar o melhor caminho para remediar os males da Guiné-Bissau. Nao foi isso que Cabral nos tentou ensinar.

Todavia, espero que ele se explique melhor e se calhar, nos diga se, por ventura, havera guinenses de primeira e de segunda categoria, que sejam mais ou menos patriotas.

Sim, meus amigos, mais uma vez, "os malditos demonios étnicos da Guiné" ameacam voltar.

Cherno Baldé
(a partir de Bissau).

Anónimo disse...

A ex-Guiné portuguesa pode não ser um Estado falhado, como às vezes hoje se diz.

Mas é descarada intenção dos vizinhos apoiar todos os golpes de estado até os guineenses mais capazes irem desistindo de lutar e abandonarem a sua terra.

Até serem substituídos por guineenses menos capazes e até por "colimiteiros" 50% de cá e de lá das fronteiras.

Há mil e um (1001) motivos fáceis de explicar para que isso aconteça.

Os guineenses que povoam Lisboa e Paris sabem disso muito bem, mas a demagogia dos vizinhos e das armas, não os deixa falar abertamente.

Mas uma certa ingenuidade, a cobardia e a demagogia de uns abrilísmos, europeísmos e anti-africanismos a que se chamam manhosamente anti-colonialismo, também contribuíram para fragilizar quem pretendesse lutar contra o desfazer deste país.

Espero que os guineenses que vão ficando não lhe falte a força e a inteligência para resistir em torna-se uma simples "casamance".

Se em 1998 correram os invasores talvez agora consigam repetir a dose.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Djaura, meu cmarada guineense da CCAÇ 19:

Como sabes estive numa companhia de futas, maioritariamente (em termos de composição étnica, vinham a seguir os futa-fulas... havia só dois mandingas, e um mancanhe de Bissau).

Isto para te dizer que lidei, privei muito com os fulas, fiquei nas suas tabancas, mas também respeitei a sua privacidade... Com os balantas, infelizmente, não consegui criar qualquer "empatia"... A barreira da língua e da farda verdeoliva, além da pertença a uma companhia "fula", eram obstáculos intransponíveis... Isto não obstante ter convivido com "eles" em Nhabijões... Aos 20 meses, saudaram-me com uma potente mina anticarro... Coisas da guerra...

Havia tensão entre os fulas e os balantas de Badora... Eu diria: entre "chefes" (que eu nunca confundo com os"índios"...).
Sei que "ajustaram contas" depois da nossa saída...

Em suma, os malditos demónios étnicos ficaram na "caixinha de Pandora" que entregámos ao PAIGC... E os tipos tinham uma caixinha destas, com outros muitos outros ingredientes... O resto da história é conhecida: apareceram feiticeiros de todos os lados a agitar e a abrir a "caixinha de Pandora"... Nós, na Europa, levámos milénios a fechá-la... e ainda hoje está entreaberta...

Luís Graça disse...

Djaura, meu valente camarada guineense da CCAÇ 19:

Como sabes estive numa companhia de fulas, maioritariamente de fulas (em termos de composição étnica, vinham a seguir os futa-fulas... havia só dois mandingas, e um mancanhe de Bissau).

Isto para te dizer que lidei, privei muito com os fulas, fiquei nas suas tabancas, mas também respeitei a sua privacidade e procurei compreender a sua idiossincrasia...

Com os balantas, infelizmente, não consegui criar qualquer "empatia"... A barreira da língua e da farda verde-oliva, além da pertença a uma companhia "fula", eram obstáculos intransponíveis... Isto não obstante ter convivido com "eles" em Nhabijões... Aos 20 meses, saudaram-me com uma potente mina anticarro... Coisas da guerra...

Havia tensão entre os fulas e os balantas de Badora... Eu diria: entre "chefes" (que eu nunca confundo com os "índios"...).
Sei que "ajustaram contas" depois da nossa saída...

Em suma, os malditos demónios étnicos ficaram na "caixinha de Pandora" que entregámos ao PAIGC... E os tipos tinham uma caixinha destas, com muitos outros ingredientes maléficos... O resto da história é conhecida: apareceram feiticeiros de todos os lados a agitar e a abrir a "caixinha de Pandora"... Nós, na Europa, levámos milénios a fechá-la... e ainda hoje está entreaberta...

PS - Um dos problemas hoje, na Guiné-Bissau, é provavelmente haver "mais chefes do que índios"... (Enfim, não devo nem posso comentar a atualidade política daquela terra onde passei os meus 23 e os meus 24 anos...

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Rosinha,

Ultimamente, questiona-se muito se a GBissau nao seria um estado falhado. Mas, de que estado estarao a falar?

-Sera que esse estado, de que estao a falar, chegou mesmo a existir?

O que eu sei e posso confirmar é que houve uma ideia de construcao de um estado e, nessa ideia sim, falhamos e, de que maneira...

O Rosinha fala da constante intromissao dos vizinhos no espaco territorial da Guiné mas esqueceu-se de dizer que a pequena GBissau esta permanentemente a meter-se nos problemas dos vizinhos em consequencia dos quais, depois, apanha nos beicos.

A guerra de 1998/99, teve como causa imediata, entre outras possiveis, o negocio de trafico de armas para a regiao da Casamanca.

E, mais recentemente, houve informacoes nao desmentidas, que acusavam as autoridades da GBissau de conceder passaportes (diplomaticos?) a cidadaos da Costa do Marfim, partidarios do entao Presidente, Gbagbo. Seriam so passaportes? Nao se sabe.

E agora, parece que a CEDEAO, resolveu cortar o mal pela raiz e nao vai desperdicar esta magna oportunidade para o fazer.

Parece que o guineense gosta de olhar para os lados (vizinhos) sempre que da um tiro no proprio pé.

Na minha opiniao, o nosso "imbroglio" interno de golpe de estado nao é nada ou dito por outras palavras, pode simplesmente ser uma pequena peca dentro de um amplo e perigoso jogo geo-estratégico de potencias regionais e mesmo por ai além.

Um grande abraco,

Cherno Baldé

Antº Rosinha disse...

Pois é Cherno, o "imbróglio"como tu dizes, é também para mim um jogo estratégico.

Só que a Guiné está a ficar cada vez com menos gente capaz.

Capaz no campo político, no campo económico e no campo diplomático.

Olha se algum militar estrangeiro entra na Gâmbia, como em Bissau?

Aquela tem quem a defenda, a Inglaterra.

Imagina se um dia aparece o petróleo que se imagina, quer no mar quer em terra?

Se fôr do lado de Conakry é mau, se fôr do lado de Casamance ainda é pior.

Só que com a África armadilhada como ficou naqueles anos 50/60 das independências, a Guiné-Bissau e as ex-colónias portuguesas e Belgas eram os países mais vulneráveis.

Mas como se diz no crioulo: "pega tezo".

Boa sorte

Um abraço

Anónimo disse...

EU
tive soldados fulas,mandingas,manjacos, 2 balantas e 1 beafada.
Consegui "espirito de corpo" entre eles.
Aparentemente nunca notei tribalismo.
Mais extrovertidos os fulas,mais introvertidos os balantas, que pouco ou nada falavam crioulo..consegui que se entendessem em português ..assim...assim.
O maior problema que tive foi entre dois fulas que chegaram a vias de facto por discordarem de uma interpretação qualquer do Corão.
Levou cada um uma "cachaporra" perante o aplauso geral..e foram proibidos de discutirem religião.
Tempos depois cada um veio tentar saber qual era a minha opinião..e eu que sei..até era agnóstico e sou "graças a Deus"..e do Corão, então percebia zero.
Qual é moral desta história..não sei bem..olhem... acho que perceberam que a união faz a força.

C.Martins

Anónimo disse...

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