1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau,
1972/74), com data de 31 de Julho de 2012:
Amigo Carlos Vinhal
Aqui me encontro de novo e, como todos os dias, acabo de ler o blogue que para mim já faz parte do meu dia a dia. Repassando algumas coisas de que foi publicado, vou comentar a avaliação que o sr. René Pélissier fez ao nosso blogue, porque já afirmei que estava em total desacordo com ele, mas quero-me alongar um pouco mais.
O sr. René é francês e como francês que é não cumpriu o serviço militar como nós portugueses, que entre os anos sessenta e setenta e quatro, do século passado, na sua esmagadora maioria, tiveram que ir para África ou para Ásia e cito, Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Angola, Moçambique, Índia (Goa, Damão e Diu), Macau e Timor. E é isso que nos diferencia do tal senhor que com demagogia faz uma ideia errada do nosso modo de pensar e das nossas recordações que só se apagarão quando fecharmos os olhos e pare para sempre o bater do coração, aquele que levamos dentro de nós, aquele que nos doeu e sangrou, aquele que se sentia apertado quando algum dos nossos camaradas caía morto ou ferido. Camaradas que tínhamos como família porque aqueles que estão a nosso lado dia e noite, que vestiam como nós, que comiam o que nós comíamos, que percorriam as mesmas picadas e que afinal eram a nossa sombra, aqueles que durante o tempo em que estávamos nessa frente de guerra, sorriam
connosco e choravam quando nós chorávamos, aqueles com quem desabafávamos quando nos sentíamos impotentes para fazer alguma coisa para que esses camaradas não morressem ou ficassem sem uma perna, um braço, uma vista ou qualquer outra coisa, aqueles sim eram a nossa família.
Era bom saber escutar o amigo, saber estar calado quando a situação assim o requeria, ou então seguires a sua conversa e responder moderadamente sem o ferir mais do que já estava nesse momento, ser o seu conselheiro o vice-versa porque por vezes éramos nós que precisávamos de ajuda.
Eu tive momentos em que me afastei para um sitio onde ninguém me ouvisse gritar ao vento com todas as forças que tinha dentro de mim, depois voltava mais aliviado de toda a tensão acumulada.
Fomos para lá jovens inocentes e voltamos homens feitos e curtidos pelo sol abrasador, pelos sustos de varias índole, pelas noites dormidas em qualquer lado menos numa cama, pela fome e sede que passamos, mas aqui estamos, uns lendo, outros escrevendo, eu por mim falo, grande liçao de vida e dor apaziguada pelos anos dos que não voltarão.
Tu que hoje és pai e avô fecha os olhos e pensa um pouco, pensa nesses pais que viram partir os seus filhos e que ainda hoje os estão esperando.
Por tudo isto digo que o tal senhor René Pélissier não sabe do que fala, porque se passasse lá dois anos como nós passámos, teria seguramente outra opinião.
Também fala de como aqueles povos eram por nós subjugados e que o que a historia conta não é verdadeiro, que aquelas terras nunca nos pertenceu de pleno direito. Que sabe esse senhor? Só nos criticam aqueles que querem ser como nós.
Será que não devia ler mais um pouco sobre as invasões francesas? Ficaria a saber como nós sofremos, assim como os espanhóis, para evitar sermos dominados.
E agora resumindo dou a minha humilde opinião, que sendo eu um nada pois não sou escritor, politico ou qualquer outra coisa com significado, sou e com orgulho um simples operário da construção civil, mas com direito a ter minha opinião e estar de acordo ou em desacordo com o que oiço, vejo e leio.
Que houve excessos da parte de alguns dos portugueses que lá estavam não duvido, mas quem não tem telhados de vidro?
Saíram os portugueses e entraram Cubanos, Chineses e demais nacionalidades da nova geração, como pude verificar localmente em 2009. Fica a pergunta se agora esses países estão a fazer mais e melhor que os portugueses. Não foi o que vi.
Caros tertulianos, esta é a minha opinião com que podem estar ou não de acordo. Eu penso assim, mas como cada cabeça sua sentença, quem não estiver de acordo comigo que me respeite porque eu respeitarei a dos outros. Perdoem o meu desabafo.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10251: (Ex)citações (191): Ainda guerra perdida e a guerra ganha (Juvenal Amado)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Plissiers e companhia havê-los-á sempre.
Porque é que não entendem e acusam sempre os "colonialistas portugueses" e o "exército colonial fascista" dos cem mil crimes que nunca cometemos?
Escreve o jornalista Pedro Correia, no jornal Hoje Macau, exactamente hoje, dia 14 de Agosto de 2012;
"Nada há de tão perverso na política como
esta novilíngua destinada a iludir as mais
legítimas aspirações dos povos. Danton,
um dos próceres da Revolução Francesa,
chegou a enaltecer a guilhotina como conquista
civilizacional e símbolo de um futuro
radioso. “O verbo ‘guilhotinar’, notai, não
se pode conjugar no passado. Não se diz:
‘Fui guilhotinado’.”
Palavras proferidas na véspera da sua
morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da
guilhotina, na sequência de uma conspiração.
Substituir um ditador por estruturas políticas resultantes do voto popular
não é mera “mudança de turno”. Esse raciocínio levar-nos-ia a concluir
que entre Marcelo Caetano e o actual regime português houve apenas uma
“mudança de turno”, o que não corresponde de todo à verdade.
Saint-Just, costumava
proclamar: “ninguém pode governar inocentemente”.
Provavelmente tinha razão:
o próprio Saint-Just viria a ser executado a
28 de Julho, com apenas 26 anos, acusado
de ser “inimigo do povo”. De nada lhe valera
o brilhantismo das suas intervenções
enquanto mais jovem deputado eleito para
a Convenção Nacional.
A Revolução Francesa foi a primeira revolução de grande envergadura
a devorar os seus filhos – e esteve
muito longe de ser a última. Porque nenhum
discurso inflamado por cartilhas partidárias
é capaz de alterar a natureza humana".
O que é que tudo isto tem a ver com a Guiné e com as nossas vidas?
Pensem, meus amigos, sobretudo sobre a imutável natureza humana, capaz de toda a criatividade, maravilha e genialidade, de todas as preversões e ultrajes à essência de nós.
Abraço,
António Graça de Abreu
Camaradas,
Lembro-me do tema do sr Pelissier que se referiu ao blogue quase depreciativamente,como um sítio de antigos combatentes nostálgicos.
O António Melo dá uma resposta adequada, que assenta na camaradagem que o ambiente desenvolvia, apesar de, em certos escritos e diários do tempo da guerra não encontrar relações continuadas de camaradagem.
Em França não há blogues de antigos combatentes da Indochina e da Argélia? Não faço ideia, nem isso me impressionaria, pois os franceses, como nós, também têm sentimentos, e passaram por experiências similares.
Eu diria que o sr. Pelissier, numa ocasião, teve que dizer alguma coisa.
Nostalgico, eu? Sim, e não. Tenho tanta coisa para fazer na vida, que não posso ser um nostálgico compulsivo.
Sobre a Revolução Francesa, no meu pensamento singelo, é que a coisa deve ser diferentemente abordada.
A Revolução não foi só a guilhotina (como ia sendo em Abril, pois houve militares destituídos e foragidos da sanha de "camaradas"). A Revolução Francesa deixou-nos um manancial de ideias sobre o ser humano e a vida, sobre a organização social e a justiça equitativa, valores que os nossos revolucionários não conseguiram promover e imortalizar.
Abraços fraternos
JD
Enviar um comentário