quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10335: Notas de leitura (397): A Viagem do Tangomau - Memórias da Guerra Colonial Que Não Se Apagam, de Mário Beja Santos (1) (Carlos Vinhal)

Apresentação do livro "A Viagem do Tangomau", de Mário Beja Santos, no dia 19 de Junho de 2012, no Auditório da Associação Nacional das Farmácias


A VIAGEM DO TANGOMAU – 1

Carlos Vinhal

A Viagem do Tangomau - Memórias da Guerra Colonial Que Não Se Apagam (Temas e Debates/Círculo de Leitores, Junho de 2012) é o último livro de Mário Beja Santos que relata a sua viagem iniciada em Abril de 1967, quando é incorporado, como Cadete de Infantaria, na EPI de Mafra, culminando com a recente visita de saudade à Guiné-Bissau, em Novembro de 2010, com o propósito de revisitar locais, jamais esquecidos, e rever camaradas e irmãos de armas.

O livro começa com os preparativos para a entrada no Serviço Militar, acontecimento que vem alterar profundamente a vida de um jovem funcionário público. Ficamos a saber como foi o seu último dia como civil, as despedidas dos amigos mais próximos, as últimas recomendações das senhoras da família e o arrumo das malas onde não podiam faltar os livros. Chegado o grande dia, foi a viagem de comboio até Malveira e depois de camioneta até Mafra. Somos depois impressionados pela descrição pormenorizada do Convento de Mafra, onde está instalada a EPI, dos seus corredores e salas, respectivos nomes, cores e até cheiros. A recepção aos Cadetes na Escola, a adaptação sempre difícil à nova situação de militar, os camaradas que se conhecem e os amigos que se criam para sempre. A nova vida começa ali mesmo quando se experimentam as peças de fardamento que durante alguns anos irão fazer parte da indumentária. Ouvem-se os primeiro mimos: - A menina vem com uns caracóis muito grandes…, ou: - Vá já ali ao barbeiro, à tosquia.

O início da instrução, a confusão das formaturas, das palavras de ordem, dos toques de clarim para tudo e mais alguma coisa, a ginástica, a aplicação militar, os crosses, a instrução nocturna, a táctica e o armamento. A alegria das idas para o fim de semana, a ocupação dos tempos livres na indispensável leitura e a exploração da Vila da Mafra.

O tempo passa e a Recruta acaba. Começa então a Especialidade de Atirador de Infantaria para este Cadete que entretanto tinha adquirido, apesar de alguns desalentos momentâneos, um traquejo que lhe permitia ver de outro modo o seu futuro como Oficial Miliciano. Sabia que iria comandar um grupo de homens em situação de guerra, pela vida dos quais se sentia já responsável. Com a semana de campo chega ao fim a Instrução, é promovido a Aspirante a Oficial Miliciano, dão-lhe uma Guia de Marcha e uma passagem para o navio Carvalho Araújo que o levará até Ponta Delgada, Açores. Tinha sido colocado no BII 18.

O Tangomau relata-nos com pormenor a chegada, o desembarque e as primeiras impressões que teve da bonita capital da Ilha de S. Miguel. Na apresentação é incumbido pelo Segundo Comandante de gerir a Messe dos Oficiais: - Nosso aspirante, chamo-lhe a atenção que o seu antecessor foi severamente punido, continua devedor de centenas de contos, desmandou-se na contabilidade, dava bifes e boa carne assada praticamente todos os dias, é um bom ensinamento para si, acautele-se, estude as ementas, aprenda a fazer as contas, faça frente ao sargento vagomestre, perca o tempo que for preciso para não ter amargos de boca. O certo é que em pouco tempo acabará “despedido” face à má qualidade das ementas.

Ficaremos a conhecer as deambulações do viajante, o seu modo de disfarçar as saudades da família, onde pontua a senhora sua mãe sempre preocupada com a saúde do filho, os locais de cultura e os livros que devora. A vida no quartel corre sem sobressaltos, marcando-o especialmente o acto da distribuição das sobras do Rancho pelos miúdos que afloravam a Porta de Armas do BII 18 e o fervor religioso daquele povo. Chegado o Natal de 1967, aos recrutas de Santa Maria impossibilitados de irem a suas casas, é-lhes dedicada, por iniciativa do Tangomau, a feitura de um presépio no quartel, o fornecimento das iguarias próprias da Ceia e até distribuição de prendas, dando assim algum alento àqueles homens que passavam o seu primeiro Natal longe da família.

A determinada altura da sua estadia nos Açores, Tangomau é convidado a substituir um conferencista do Continente que não iria comparecer no Ateneu Comercial local para dissertar sobre literatura. Quase irresponsavelmente aceitou, não por não se sentir à vontade a falar sobre o tema, mas por dispor de pouco tempo para se preparar, uma vez que andava em marchas finais das recrutas. Era acima de tudo, no momento, um militar.

O tempo decorre, acaba mais uma recruta, e em Março de 1968, embarcando, outra vez, no Cais de Ponta Delgada no velhinho Carvalho Araújo, regressa ao Continente. O então RI 1 da Amadora espera-o. Será na carpintaria daquele quartel que o Soldado Macieira fará dois caixotes de tamanho generoso para albergar os livros, os discos e a respectiva aparelhagem de som, material este levado para a Guiné pelo Tangomau, que irá ser destruído por um incêndio aquando do ataque a Missirá em 19 de Março de 1969, como adiante no livro será lembrado.

Mais recrutas e semanas de campo, desentendimentos com superiores hierárquicos, inquéritos, ameaças de punição e entram em cena personagens que virão a ter papel activo na vida política portuguesa do pós 25 de Abril de 1974. É também nesta altura (1968) que o Tangomau conhece a Besuga que virá a ser sua esposa e, que após casamento por procuração, irá para Bissau ao encontro do marido onde casarão pela Igreja em Abril de 1970.

Entretanto o dia 24 de Julho de 1968 aproximava-se,  e o navio Uíge esperava o Tangomau para a sua primeira viagem a caminho da Guiné.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10319: Notas de leitura (396): "Guiné-Bissau, 3 Anos de Independência" (Mário Beja Santos)

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