domingo, 13 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10933: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (22): 23.º episódio: Memórias avulsas (4): "O nosso Furié"

K3 (Saliquinhedim) > Chegada de uma operação. Em primeiro plano, Veríssimo Ferreira
Foto: Veríssimo Ferreira


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (23)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (4)

O NÔSSO FURIÉ

Chegara o correio e recebi uma desagradável notícia e, mesmo sem querer, deixei transparecer o estado d'alma com que ficara.
Repararam os 3 elementos felupes que agora faziam parte da minha Secção, em substituição de igual número de metropolitanos hospitalizados.

Um deles, o 44, nome pelo qual insistia ser chamado, vivia em Farim, numa morança colada à cidade, mas passava a maior parte do tempo no aquartelamento.
Guia e militar dos bons, tinha seis mulheres e pela última dera duas vacas leiteiras e 1.500 pesos.

Cinco trabalhavam nas hortazinhas improvisadas, ali junto ao aeroporto com quem confinavam, e a mais nova tomava conta da criançada.
A exígua produção, quer de hortaliças quer de tomates bem como de laranjas verdes, estava previamente vendida aos comerciantes libaneses da terra e com os magros pesos conseguidos adquiriam panos e alguns pequenos roncos para as crianças, 10 até então.

Eu, fora apresentado à família toda e com o tempo senti o que era ser estimado o que retribui como sabia.

Fátima se chamava a mais nova esposa e era moçoila bem formosa. Lavava a roupa do "nôsso furié" (assim me tratavam) e também a da prole, mas a confecção era do pai, estilista, que tinha uma "Singer" com a qual cosinhava lá no K3, nos momentos vagos, chegando até a fazer-me uma camisa por medida e bivaques, no que era especialista.

Ofereceu-me também um fato d'Homem Grande que uso ainda duas ou três vezes por ano para mostrar que quem manda cá na minha Tabanca sou eu, o que não seria necessário pois que sou "macho" e nem seria preciso "marcar" o terreno, digo eu mas ninguém me liga.

Visitava-os mais ou menos de 15 em 15 dias, embora com um olho no burro e outro no cigano, não fosse o diabo tecê-las, levava-lhes algumas medicinas, doces e guloseimas e em troca mimavam-me obrigando a que aceitasse laranjas, galinhas, ovos e nozes da cola.

Como descrito portanto, a relação entre aquela família e cá o rapaz era psico-socialmente do melhor e tal modo de vida foi mais tarde implementado por todas as tropas em presença.

Ainda sobre o facto das 6 mulheres, deixem que vos diga que chegado à Metrópole, tentei seguir por esse caminho mas a religião única nessa altura, não o permitia, apesar de eu ter o dinheiro e as vacas para a troca. Todavia e porque as não queria a trabalhar para mim e chulice já era uma profissão muito na moda e hoje mais ainda, acabei por ter 5 e não 6, para não faltar à verdade, e até o meu confessor não achou mal porque as não explorava e dizia-me sempre:
-Vai em paz, ajuda-as e fá-las felizes.

E eu "fízeas".

Como ia a dizer... ao verem-me arruvecido diz o 44:
- Furriel está triste... Furriel vai lá à Maria... vai qu'ela hoje espera pelo "minino".

Convém acrescentar que a Maria era uma sua cunhada, boa com'ó milho daquele com que fazem as pipocas, criada de servir numa casa importante e de quem se sabia ser uma daquelas mulheres, como se diz? - não se m'alembra nem interessa.... menos sérias pronto.

O nôsso furrié conhecia o caso, já a tentara mas ela havia respondido:
- "Só si foras tinente".

Como vêm eu distraído não andava, antes pelo contrario, (o mesmo não se pode dizer agora, que nestas questões estou meio zarolho) mas levara c'os "feet".

O meu agradecimento foi:
- O quê pá? Ah ganda malandro qu'até me fizeste esquecer, porque estava melancólico...

E lá fui com passaporte assinado e tudo, apanhar o cacilheiro.

Travesssia do Rio Cacheu em frente a Farim
Foto ©: Carlos Silva (2008). Direitos Reservados

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10903: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (21): 22.º episódio: Memórias avulsas (3): The Python Sebae

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Veríssimo

Ficámos sem saber porque ficaste melancólico... mas palpita-me que isso irá ser revelado em "cenas dos próximos capítulos"...

Quanto ao fatinho que nos mostras e que dizes que te vês tentado a usar duas ou três vezes por ano 'para se saber quem manda', deixa-me que te diga que é bem 'catita'.
Não é fato que se use correntemente por aqui mas vê-se que é de classe para o seu meio, de bom gosto no jogo das cores e, em verdade, dá alguma imponência quando vestido.

Abraço
Hélder S.

Bispo1419 disse...

Olá, caro Veríssimo! "Continua que vais bem!"

Abraço do
Manuel Joaquim

Anónimo disse...

Obrigado fiéis leitores, MANUEL JOAQUIM E HELDER VALÉRIO. Estava mesmo a ficar triste que na cróniqueta antes desta, nem só um comentáriozito e eu estava mesmo mesmo. Vê-se bem que apreciam o que é bom. E se mais não fosse vou continuar a escrever nem que seja só para nós quatro, ou seja para o distinto editor, Carlos Vinhal (que não tem outro remédio senão ler) para vocês dois AMIGALHAÇOS e para mim que também gosto. ABRAÇOS.
Veríssimo Ferreira

Anónimo disse...

Caro Veríssimo,

Lá por teres atirado a rede não penses que vais apanhar muito peixe.

Continua que estás a trabalhar bem.

Um grande abraço para todos.

Adriano Moreira