19-01-2013 16:52
Guiné-Bissau/Cabo Verde
Guiné-Bissau/Cabo Verde
Morte de Cabral interessava a todos - secretário executivo de Comissão da ONU
Cidade da Praia - A morte de Amílcar Cabral, há 40 anos, interessava a todas as partes envolvidas nas independências das então províncias portuguesas da Guiné e Cabo Verde, disse hoje à agência Lusa um dirigente guineense das Nações Unidas.
O secretário-geral adjunto das Nações Unidas e secretário executivo da Comissão Económica para África (CEA) da ONU, Carlos Lopes, lembrou que são conhecidos os autores materiais do assassínio de Cabral - Inocêncio Kani e outros guerrilheiros do PAIGC -, não interessando analisar pormenorizadamente a sua morte.
"Os autores físicos do assassínio são conhecidos e as várias justificações que podem estar por trás dos autores físicos têm a sua validade. Não vale a pena estarmos a fazer uma análise mais detalhada para saber a quem interessava a morte de Cabral. "Interessava a todas as conglomerações de interesses que estão por trás da sua morte", sustentou.
Segundo Carlos Lopes [, foto à direita, arquivo das Nações Unidas, Cabo Verde ], após o assassínio de Cabral, abatido a tiro em Conacri a 20 de Janeiro de 1973 e cujos contornos nunca foram devidamente apurados, todos os dirigentes do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) pensavam que tinha morrido apenas "a personagem" e que muitos outros poderiam continuar o trabalho.
"Isso foi, de certa forma, verdade, porque conseguiu-se atingir as independências. Mas já não é verdade porque a profundidade do pensamento de Cabral não foi substituída até hoje. Não se deve deixar que se responsabilize Cabral pelo que se passou (na Guiné-Bissau e em Cabo Verde) após a sua morte", frisou. "São as pessoas que utilizam o seu pensamento da forma que mais lhes interessa: uns para dizer algo negativo e outros para dizer algo positivo. Todas as grandes personagens são sujeitas a um escrutínio muito mais apurado", sustentou.
Questionado pela Lusa sobre se Cabral foi "ingénuo" ao acreditar ser possível a unidade entre Cabo Verde e Guiné-Bissau, Carlos Lopes lembrou o então muito em voga pan-africanismo, cujo conceito foi expressado de várias formas pelo líder do PAIGC. "No fundo, se acreditarmos no pan-africanismo como utopia mobilizadora, pode-se concluir que valeu a pena, pois levou os dois países à independência. Mas tudo o que se passou após a sua morte é da responsabilidade dos protagonistas pós-Cabral", frisou, aludindo ao corte de relações entre os dois países após o golpe de Estado guineense de 14 de Novembro de 1980.
No entanto, para Carlos Lopes, há o facto de Cabral ter sido capaz de vislumbrar que a luta de interesses e entre elites dentro do próprio PAIGC ia ser o grande problema depois das independências. "Era preciso construir o Estado e os princípios da igualdade como os principais motores que poderiam evitar certas contradições. E Cabral, na forma como analisou os factores, previu que seria uma luta muito difícil ou mesmo inglória", concluiu.
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Nota do editor;
Último poste da série > 12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)
5 comentários:
"Interessava a todas as conglomerações de interesses que estão por trás da sua morte"
Independente do valor da frase, que para mim tem muita lógica, já é tempo de uma certa política e imprensa lusa ter vergonha na cara e não chamar suspeito assassino ao ex-presidente da República Marechal Spínola.
Todos sabemos e os guineenses e caboverdeanos também, que a psico-social e a simpatia com os mais velhos régulos da parte de Spínola, espicaçava o "saco de gatos" que era o PAIGC.
Mas quando Amílcar morre, fica a ideia que aconteceu como quando o irmão foi derrubado em 1980.
O PAIGC continuou a receber os mesmos apoios e envergonhadamente aplausos (?),de Russos, Cubanos, Suecos, Jugoslavos, igrejas e mesquitas e todos os colaboradores tradicionais que continuavam em Bissau aos magotes.
Até quem ficou mais indeciso no apoio ao golpe sobre o irmão Luís, foi a diplomacia portuguesa.
Gostava de saber quais as cerimónias em memória de Amílcar da parte do MPLA, FRELIMO, MLSTP e PAICV, esses sim que devem muito a Amílcar.
Talvez devam mais que os Guineenses
Da leitura do livro da autoria de José Pedro Castanheiro,1ª parte, distribuído gratuitamente com a edição do "Expresso" desta semana no âmbito da comemoração dos 40 anos do jornal, e que tem por título "O que a censura cortou", fiquei a saber que a manchete da edição do semanário, de 27/1/1973, foi justamente o assassínio do Amílcar Cabral. Seguramente que li essa edição na altura, mas não me lembro obviamente do conteúdo da notícia. O título de caixa alta era: "A quem aproveita a morte de Amílcar Cabral ?"... O jornal mandou a Bissau um repórter, o Augusto Carvalho, que reuniu uma série de depoimentos sobre o líder do PAIGC que acabava de desaparecer (, incluindo gente do PAIGC)...
A biografia então escrita foi toda cortada pela censura. Depois de protestos e pressões (porventura de cima), foi publicada com cortes... O que incomodava na época a elite do regime (e os seus esbirros, censores, etc.) era a demasiada proximidade de Amílcar Cabral com Portugal e os portugueses...
Caros camaradas
Não tenho nenhum problema em considerar que a 'morte matada' de Amílcar Cabral foi uma tragédia.
Certamente para ele, que foi então miseravelmente traído e assassinado mas também para Portugal, porque perdeu um amigo, com as suas particularidades, é certo, mas um amigo, para África, que perdeu uma personalidade respeitada e com uma visão (utópica?) universalista e também para os guineenses que ficaram sem o 'cimento aglutinador' que, nunca chegaremos a saber, poderia ter feito a diferença entre a 'grande bandalheira' que conduziu até à intrincada teia de complots dos tempos actuais.
No entanto arrisco a dizer "Que viva Cabral!"
Abraço
Hélder S.
Acabei de ler uma entrevista do Pedro Castanheira, feita ao Expresso das Ilhas, em que já não descarrega as suspeitas sobre Spínola nem PIDE, nem Portugal no assassinato de Amílcar.
Vá lá que ao fim de 40 anos já temos gente a falar como o povo da Guiné e de Caboverde sobre o assunto. (digo, o povo)
Pelo menos os inúmeros assassinatos que o MPLA praticou nunca os atribuiu nem à PIDE nem ao Governador de Angola.
Ora se em Portugal mesmo com a censura sempre se soube tudo, e mesmo muitas vezes por excesso devido ao boato, casos de Delgado, Henrique Galvão, fuga de Cunhal;
Se se sabia quem eram os bufos no mundo rural e nas pequenas cidades,massacres como Viriamu, porque é que é que se há-de manter este tabú de Amílcar/Spínola, só porque interessa a certos "refractários" ou "desertores" e a certos fazedores de histórias de guerras a gosto, na RTP?
Habituei-me a admirar os portugueses tipo Amílcar Cabral, e acho muito mau as ideias deles não terem evitado certos males.
Aliás era previsível.
Mas há outra mentira que certos antigos dirigentes dos movimentos, e os nossos "especiais" historiadores alimentam, é que esses dirigentes escreveram às autoridades coloniais a exigir (?)ou propôr(?) negociar (?) a independência das colónias.
É caso para lhes perguntar: Mas porque tu? e não o teu irmão?
Olá Rosinha,
Deixa-me dar-te os parabéns por manteres a pontaria afinada. Sobretudo, no que se refere aos tiros dados sobre os ingratos chefes das oligarquias das ex-colónias. Trato-os por oligarcas, porque se identificam em famílias políticas que travam combates de morte pelo poder.
Um pouco além do que aqui se passa, pois ainda não passámos pela guerra civil, e o governo tem sido partilhado.
Um abraço
JD
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