domingo, 20 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10970: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (23): 24.º episódio: Memórias avulsas (5): "Salazar é qui na manda"

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (24)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (5)

"SALAZAR É QUI NA MANDA!"


Guiné > Bissau > s/d > Desfile na Praça do Império 
Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 104". 
Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal.

Foi este o grito que ouvi naquele primeiro Domingo após a minha chegada e durante o desfile, com que cada etnia guineense e nos seus folclóricos fatos tradicionais mostrava a sua fidelidade, dançando e cantando, entre a Praça do Império, lá em cima e o cais do Pidjiguiti, cá em baixo, obviamente.

Tal festarola semanal, apanhou-me de surpresa e em princípio pensei que tivesse sido preparada em minha honra e até agradeci de braços no ar e dedos colados, como se a continência fizesse.

Aterrado fiquei porém, pois que como é que "Salazar é qui na manda?" se ele é o chefe do País Portugal... dos Ultramares... dos Alentejos e tudo?

Perguntei a uma Senhora Professora do Liceu de lá, que me explicou o porquê, e afinal até eu compreendi.

Então é assim:
Em tempos idos, a colónia recebia de quando em vez, uns pretensos inspectores cuja função era a de verificarem como eram tratados os autóctones, pelos mandantes brancos.

As perguntas eram previamente seleccionadas, não fosse a coisa falhar e as respostas dos inquiridos também, só que, tadinhos, nem percebiam como eram enganados sendo sinceros.

1ª questão:
- Que tal a comida?
A resposta honesta era:
- Manga de bianda

A troca do nome do arroz, levava a que fosse interpretado como se enchessem a barriga com carne, dado que nos países ali à volta, franceses como sabemos, era mais ou menos essa a forma de se lhe chamar, "viande" mais concretamente.

2ª questão:
- Como é que vos tratam?
- Ca trata bem, mesmo

E perante isto, a coisa soava bem e sem querer este pobre povo ia, ingenuamente ao que encontro do que se pretendia, daí que para o SIM, lhes ensinaram a dizer "NA" e para o NÃO, "CA".

Por isso aquele desabafo que dá título a esta excelente crónica dum não menos excelente escrevinhador, Senhor de Veríssimo, queria mesmo dizer o contrário do que eu pensei estupidamente.

Grandes e engenhosas mánicas estes Portugueses, sim senhor.

************

Cá o nôsso Furié viera em missão militar altamente confidencial, passar uns dias a Bissau e houvera convidado um amigo de infância, fuzileiro especial agora e já antes e como tal, combatente em Angola e medalhado com a mais alta distinção possível.

Estávamos em Julho de 1966 e serenamente, (mas sem ter nada que ver com esse facto de ser Julho de 66) íamos saboreando o almoço e já três dúzias de ostras haviam sido devoradas, ao mesmo tempo que tomávamos umas bebidas consentâneas com o pitéu, para além das que antes deglutíramos para criar lastro.

Na precisa altura em que ele foi lá dentro ao WC escorrer o caldo às couves, aparecem-me à frente dois garotos bem parecidos, matulões, melhor fardados, engravatados apesar do insuportável calor, com capacete pintado de branco e com as letras maiúsculas PM, lá escarrapachadas.

Tentaram-me sarrazinar o juízo; pedem-me a identificação; implicam com os meus chinelos macaístas de enfiar entre os dedos grande e o do lado; que o bivaque em cima da mesa não estava conforme o regulamento; que os botões da camisa são para estar abotoados; enfim toda uma série de tonterias que lhes mandavam fazer ao pobre soldado que vinha do mato, mato esse que passara ao lado a estes filhos da mãe, e que portanto não conheciam, mas de que já tinham ouvido falar.

Um, o que nada dizia, (se calhar era mudo) tirara o bastão e acariciava-o gulosamente ao mesmo tempo que me olhava com um ar de cão assassino.

Eu veterano, do Vietname viera, não gostei da cena e já me preparava para lhes mostrar a Parabellum 9mm que levava no sovaquinho ensopado de suor, quando eis que surge regressado da mijinha, despenteadíssimo como sempre, com a barba por fazer desde há três anos, camisa para fora do calção e com falta dos dois botões cimeiros, eis que aparece dizia eu, o meu amigo "Cruz de Guerra de 1ª classe" e... ah putos do caraças, empalideceram, ruboresceram e só porque ele lhes disse:
- Paneleiros.... dispersem e já.

Ao que soube mais tarde, que nada lhe perguntei, estes PM's tinham ordens no sentido de não se meterem com a Marinha e particularmente com os fuzos, mas que e se o fizessem teriam de conseguir bater-lhes, ou um castigo severo os esperava.

Partiram em continência e com o jeep a mais de cento e oitenta e três à hora, não sem que antes o meu amigalhaço os tenha mandado para qualquer sítio que não percebi bem mas que estava relacionado com a tia dum deles e não me perguntem se com o gajo do cassetete se com o que me fazia perguntas, pois que foi tudo tão rápido, que nem deu para o identificar.

(continua)

OBS: - A devida vénia ao site dos Especialistas da Base Aérea 12 de onde foi retirada a foto das ostras
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10933: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (22): 23.º episódio: Memórias avulsas (4): "O nosso Furié"

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Veríssimo

Esta tua contribuição apresenta-se em duas (serão talvez três) partes:

A primeira é uma interessante especulação sobre a 'linguagem' que levaria a fazer crer no contrário do que se pretendia dizer. Muito bem 'bolado', gostei dessa especulação e penso que será um contributo valioso para se poder apreciar algumas coisas que se passaram;

A outra, que divido em duas porque como diz ... continua... é de esperar que haja mais sobre o mesmo em próximo contributo, tem a ver com a 'cena das ostras'.
Ora bem, já um 'militar do mato' não podia estar na cidade em gozo de descanso? Claro que não, pois a disciplina deveria estar sempre presente. Chinelinhos 'macaenses', 'romanas', 'brasileiros', etc., embora fossem muito usados, não eram parte integrante do atavio militar... daí que os zelosos PM,s procurassem colocar as coisas de acordo com o RDM...

Entretanto, a 'entente cordiale' que parece se fazia sentir nesses tempos relativamente aos 'fuzos' lá fez com que continuassem 'na paz do Senhor'.

Só uma observação mais: ainda te lembras como as ostras eram saborosas? e como 'dava luta' o trabalho com aquela ferramenta para sacar o bichinho dos vários sítios onde se escondia num simples pedaço de 'pedra'? E como o molho de limão e picante ajudava fortemente a continuar, de modo quase viciante, aquela 'trabalhêra'? Eu lembro-me e disso tenho saudades.

Abraço
Hélder S.

JD disse...

Caro Veríssimo,
A mim o que me impressionou quando cheguei à Guiné foi ver aquela rapaziada de mão-dada. Que raio? As ostras já as tinha experimentado, e... não gostava, imagine-se. Comia quase por frete.
Mas há cerca de 3 anos, passei pelo aquartelamento do Saltinho, agora adaptado a campo de turismo.
Almocei lá, e pedi ostras para abrir, já com uma desvirtuada saudade. Éramos dois e veio um balde cheio daqueles calhaus recheados. Tinham sido grelhadas na lenha, e acompanhava o tal molho de lima e piri.piri. Uma delícia, de tal modo, que ao fim de muito esgravatar, comecei a sentir uma crise de ácido úrico potenciado pelas cervejolas, que me tolhia os dedos. Parei de urgência, mas deixei lá muita gula.
Há poucos dias telefonou-me a minha filha num domingo soalheiro a perguntar se conhecia algum restaurante ali para a costa alentejana. Palavra puxa palavra, vê se adivinhas onde é que foram comer migas. E da pinga continua a haver boas referências.
Um abraço
JD

Anónimo disse...

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