1. Quadragésimo sétimo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 22 de Janeiro de 2013:
DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (47)
O Iafane era um africano com uma certa estatura física,
era de etnia “Balanta”, jogava futebol, vivia na tal aldeia com
casas cobertas de colmo, próximo do aquartelamento, fumava
cigarros como fosse um
europeu, não falava muito
bem português, mas
compreendia-se, tinha a
sua “morança”, e algumas
mulheres. A sua
profissão era barqueiro. Sim barqueiro,
compreenderam bem, era
barqueiro.
Tinha umas tantas
canoas, ancoradas, às
vezes na lama, junto à
ponte do rio Mansoa,
outras em terra, onde as
construía, pois estava sempre na construção duma, e fazia
viagens pelas aldeias ribeirinhas, trazendo o pessoal que queria
vender os seus produtos no mercado da vila ou na sucursal da
Casa Ultramarina. Na altura da maré cheia, lá ia com uma ou duas
canoas, rebocadas pela sua, onde a poder de um enorme remo, a
fazia mover na direcção que entendesse.
Transportava pessoas e bens, cobrava o que entendia,
consoante o transporte, e esses mesmos passageiros o auxiliavam,
remando, no regresso à ponte,
junto da vila. Tinha uma
pequena barraca, coberta de
colmo junto à ponte, foto em
cima, onde guardava os remos e
demais utensílios, onde o
Cifra passava horas,
abrigando-se do sol e ouvindo
as suas histórias de mulheres
novas que trazia das aldeias
ribeirinhas que visitava, umas
para serem suas esposas, outras
para outros “homens grandes”,
e onde apreciava as possíveis
raparigas que tivessem algum
poder de se tornarem em
esposas, algumas fugiam depois, pois não queriam viver com ele
na vila. Também contava histórias de pescarias depois de
intensos tornados, em que o peixe andava ”maluco” e saltava
para dentro da canoa, ou até das vezes em que tinha sido contactado
por um emissário dos guerrilheiros para parar com o seu
negócio, pois os produtos e as raparigas que trazia para a vila,
eram propriedade do
movimento de libertação.
Já o tinham avisado e
mostrava um certo receio
ao dizer isto. Ele
contava tudo isto porque confiava no Cifra
e o tratava por irmão, e
sabia do envolvimento
que o Cifra teve com as
raparigas, que afinal
eram guerrilheiras e
que às vezes o ouvia por
horas, enquanto com um
pequeno machado nas
mãos, construía uma nova canoa.
Tinha os seus truques na condução da canoa, colocava um saco
de terra na ré onde se sentava e dizia que deste
modo a proa levantava e dava mais velocidade, com menos
esforço.
Pois não é que uns tempos depois o Cifra, deixando de o
ver, assim como às suas canoas, soube que “foi no mato”, que na
linguagem de guerra era transferir-se para os guerrilheiros,
fazendo parte do movimento de libertação, e que estava
estudando num País estrangeiro. Talvez até já fosse
guerrilheiro na altura em que era barqueiro, e do modo como a
guerra se estava intensificando, o Iafane, sabendo os hábitos
do pessoal na vila, concerteza que ia dar que falar no futuro.
Entretanto o Cifra veio embora, com a sua comissão cumprida.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10984: Do Ninho D'Águia até África (46): A menina Teresa não sai de cima de mim (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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