terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11022: Do Ninho D'Águia até África (48): Guiné... Minho e... Algarve (Tony Borié)

1. Quadragésimo oitavo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (48)


No Arizona, Novo México, Colorado e em outros estados dos Estados Unidos, houve aldeias de naturais, foto recente do Tony, em baixo, a que chamavam “Indios”, e nas histórias dos livros de quadradinhos, que o Cifra lia, quando criança e nessa altura se chamava To d’Agar, e que o Carlos, filho do Santos dos correios, que tinha vindo dos lados de Leiria, lhe trazia, e aí, até “Peles Vermelhas” lhe chamavam, eram os “Cheyennes”, “Apaches”, “Comanches”, “Navajos”, “Seminoles” e outras tribos, que viviam de produtos que a natureza lhes oferecia.


Todos eram guerreiros, embora uns fossem caçadores, outros pescadores, outros agricultores, outros feiticeiros, e alguns até eram única e simplesmente chefes, com uma grande coroa de penas na cabeça, e um grande pau na mão representando a cabeça de uma águia, ou qualquer outro animal, com que indicavam o norte ou o sul, onde iriam caçar os búfalos, com um arco e uma flecha, e com uma pontaria que fazia inveja a qualquer campeão olímpico de tiro.

Quando o Cifra esteve na nossa então província da Guiné Portuguesa, também havia exactamente o mesmo, embora em menos área de terreno, e com muito mais etnias, ou seja, havia “Papeis”, “Balantas”, “Fulas”, “Bijagós”, “Mandingas”, “Felupes”, “Manjacos”, “Biafadas” “Nalus”, diziam na altura que havia quase vinte e quatro diferente etnias. Embora houvesse mais percentagem de uma etnia do que outra em algumas áreas, se verificarmos bem era quase uma etnia por vila ou aldeia, desculpem o exagero. Todas tinham, ou o Cifra pensava que tinham, o seu chefe, a sua língua, para se expressarem, e se deviam reger pelas suas leis, pelo menos era o que o Cifra pensava.


Onde o Cifra esteve estacionado por dois anos, foto em baixo, havia os “Balantas”, que eram guerreiros, caçadores, pescadores, pastores e agricultores, e normalmente viviam em agregado familiar. Tinham uma cultura muito própria, só deles, que o Cifra tentou aprender, e seguir com todo o respeito, a princípio foi difícil aceitarem-no, mas com o tempo, foram vendo as suas intenções e começaram a acreditar, e como eram um povo que vivia com muito pouco contacto com europeus, e como o Cifra já explicou de outras vezes, era preciso primeiro, cheirar o corpo, sentir o sabor da pele e então sim, se acreditassem, dedicavam-se, e consideravam essa pessoa como família, o Cifra, sempre admirou este povo e esta cultura, mas era muito diferente daquela a que estava acostumado, a ver no seu Portugal, que era um país europeu.


Um homem tinha três, quatro e cinco mulheres, que viviam todas em comunidade, debaixo do mesmo tecto, tratavam dos filhos umas das outras, ajudando-se, o homem exercia uma espécie de “escravatura”, nas suas mulheres, pois elas é que trabalhavam nos serviços mais duros na cultura do arroz, muitas com os filhos pendurados nas costas, e baixadas na bolanha, tratando da planta do arroz, por vezes enterradas até aos joelhos, creio que todas essas bolanhas eram propriedade do homem, que o Cifra nunca soube se era o seu marido, ou simplesmente “dono”, pois por mais perguntas que fizesse, a resposta não tinha tradução, ou ele não compreendia, que consoante a sua riqueza, mais mulheres podia adquirir, iam apanhar lenha na floresta, cozinhavam, algumas até subiam às palmeiras, para irem apanhar o fruto e fazer aguardente, que os homens bebiam, enfim eram uma espécie de “escravas”, desses mesmos homens, que a maior parte do tempo, ficavam deitados na rede, mascando cola, e com uma espécie de bengalim nas mãos, com que afugentavam algumas moscas do seu corpo, por vezes batiam nas nádegas, dessas mesmas mulheres, para que se movimentassem um pouco com mais rapidez.

Pelo que o Cifra observava, a mulher, só depois de uma certa idade, quando já o marido não a usava mais, passe o termo, é que teria uma vida mais pacata, pois normalmente, iria viver numa morança com outras da sua idade, sempre próximo da morança do seu marido, ou “dono”, pois o Cifra nunca soube qual era o estatuto dessa mulher, e aí tomava conta dos filhos das suas companheiras mais novas, cozinhava a panela do arroz, fumava o seu tabaco, bebia o seu trago de aguardente de palma, que fazia, e que normalmente estava a curtir num balaio, coberto com umas folhas de bananeira, em qualquer lugar da morança, mas à sombra, sem apanhar sol, e descansava, berrando e dando conselhos às suas companheiras mais novas, que nessa altura eram as eleitas, e estavam na companhia do seu antigo marido.


O Cifra sempre acreditou, pelo que via, que os filhos e as filhas, foto em cima, eram propriedade do marido, que normalmente, “vendia”, passe o termo, ou única e simplesmente cedia, as filhas, ao amigo “homem grande”, ou talvez a quem melhores garantias lhe desse. Quando uma rapariga atingia a idade de catorze, quinze, pois desasseis anos já era um pouco tarde, tinha que arranjar marido, ou talvez “dono”, pois se não o fizesse, já não era bem vista, e perguntavam, o que é que estava de mal com ela, que ainda não tinha parido. Isto foi o que o Cifra observou na região onde esteve estacionado por dois anos.

Em Portugal, e na província da Beira Litoral, portanto na Europa, de onde o Cifra era oriundo, isto não era possível, mas sim, na então província da Guiné, que estava situada na África, que tinha os seus usos e costumes não europeus, mas que o Cifra sempre respeitou, e afinal não era, como ele tinha aprendido na escola primária da vila, a que a sua aldeia do vale do Ninho D’Aguia pertencia, onde lhe diziam que a província da Guiné tinha as mesmas leis, tal como a província do Minho, do Alentejo, ou do Algarve, pois tudo eram províncias de uma só nação, que era Portugal.


O Cifra, depois de frequentar outras escolas no estrangeiro, verificou que tanto ele, como a maior parte da sua geração, na escola primária que frequentou em Portugal, de proveito para o seu futuro, única e simplesmente retirou de bom, alguma disciplina forçada, saber ler e escrever em português com algum rigor, fazer algumas operações com algarismos, mas num estilo complicado, como por exemplo contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir, conhecer o mapa de Portugal, onde havia algumas cidades e vilas, alguns rios, estradas e caminhos de ferro, e o orgulho por ter nascido nesse cantinho da Península Ibérica, que é Portugal, com um povo sofredor, sol brilhante, à beira mar plantado, tudo o resto que o professor Silvério lhe explicava por horas, e exigia que a sua mente jovem absorvesse, porque de outro modo lhe batia com uma régua de madeira nas mãos, e com uma cana fina e seca nas orelhas, eram assuntos sem qualquer interesse para o seu futuro, alguns até nem eram verdadeiros, que induziam a sua mente jovem, num tremendo erro, que o futuro veio mostrar, alguns anos depois.

O Cifra, só agora verificou que já está a ir longe de mais, perdoem lá.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 26 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11007: Do Ninho D'Águia até África (47): Iafane, o barqueiro (Tony Borié)

2 comentários:

Rogerio Cardoso disse...

Grande Tony
Não foste nada longe de mais, estes artigos são sempre benvindos, claro que estou a falar por mim e por muitos de nós, tenho a certeza que estão a gostar. A comparação de dois povos tão diferentes, nos seus usos e costumes, no fim têm semelhança em alguns pontos, mesmo havendo muita distância no tempo, a comparação dos quase extintos indios (acho eu), para os actuais balantas (1964-66). Estás mais uma vez de parabens e aqui vai um grande abraço do teu amigo Roger.

Anónimo disse...

Delicioso...
Bernardo