1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2013:
Queridos amigos,
Basil Davidson foi alguém no jornalismo internacional, nunca escondeu a sua rasgada admiração por Amílcar Cabral que ele qualifica como o mais importante dos líderes revolucionários africanos.
O que ele descreve neste livro é uma história de Cabo Verde, nalguns pontos polémica, e o trabalho clandestino que foi desenvolvido pelos jovens cabo-verdianos que se entusiasmaram com o PAIGC.
Sempre crítico, Davidson revela-se omisso quanto às teses da unidade Guiné-Cabo Verde, aparecem como uma necessidade vital, um indesvendável tabu. E dá aos leitores a possibilidade de verificarem o que esses jovens cabo-verdianos fizeram durante a luta armada, tanto na Guiné como em Cabo Verde.
Um abraço do
Mário
As ilhas afortunadas: O PAIGC, Amílcar Cabral e Cabo Verde
Beja Santos
Em 1960, Amílcar Cabral chega a Londres disfarçado de Abel Djassi. Vem para entabular relações com partidos políticos britânicos, expor os pontos de vista do PAIGC sobre a descolonização na Guiné e em Cabo Verde. Elabora um documento onde analisa os factos dessa colonização e onde revela a fragilidade do processo civilizacional português. Quem traduz esse documento do francês para o inglês é Basil Davidson, nasceu aí uma amizade que não terminou com o assassinato de Amílcar Cabral. “As Ilhas Afortunadas, um estudo sobre a África em transformação” de Basil Davidson, Editorial Caminho, 1988, é sobretudo um livro que reflete sobre a história de Cabo Verde, o pensamento de Cabral e que culmina com a análise das transformações operadas no arquipélago sob a liderança do PAICV.
Davidson começa a sua viagem a partir do povoamento do arquipélago, descreve as misturas de sangue graças às injeções maciças de nativos da extensa área da Senegâmbia; um povoamento de brancos, mestiços e pretos onde se desenhou uma cultura própria que se exprime pelo crioulo, pela música, pela literatura e pela gastronomia; um povo permanentemente em diáspora devido às fomes e à aridez dos solos; e com momentos em que a região é uma verdadeira encruzilhada, como foi exemplo o início do século XIX em que os cabo-verdianos eram muito úteis aos baleiros norte-americanos, tempo em que firmas da Escócia e da Inglaterra, ligadas ao negócio do carvão, enviaram representantes de Cardiff e Newcastle para assegurar que no porto de Mindelo houvesse carvão armazenado para alimentar as caldeiras da navegação a vapor. No passado, há o registo do comércio negreiro praticado por várias potências, bem como a presença de donatários que se lançaram na plantação de açúcar, milhos e outros cereais. Cultos, empreendedores e resistentes às secas, os cabo-verdianos lançaram-se desde cedo no comércio e na administração. O problema racial em Cabo Verde é distinto do que veio a acontecer no continente africano. São variadas as diferentes colorações de pele, o que não obstou a permanência de uma divisão em função da cor, mas sentindo-se portugueses, era assim que se exprimia a sua cultura onde abundavam os crioulos mestiços, com orgulho na sua sociedade homogénea, uma sociedade cujos membros não eram europeus nem totalmente africanos, mas sentindo-se como civilizados úteis a mandar nos trópicos. Davidson descreve a emigração e modo como os cabo-verdianos alfabetizados deram diligentes funcionários, por vezes administradores coloniais; e depois passa em revista as velhas aspirações do tipo nacionalista, referindo um dado histórico raramente invocado, a propósito da II Guerra Mundial, e que tem a ver com o plano aprovado por Churchill da ocupação de Cabo Verde caso a Alemanha se tivesse aliado a Espanha, com a consequente perda de Gibraltar.
Amílcar Cabral entra em cena, adolescente, estudante e poeta, partindo para Lisboa onde se licenciou no Instituto Superior de Agronomia. Trata-se de uma narrativa para a qual já existe muita prosa consolidada. O que importa é a teia de relações que se estabeleceram nessa juventude e depois em Bissau, são referidos nomes como Abílio Duarte, Fernando Fortes, Inácio Soares, Honório Chantre, entre outros. E a narrativa passa para os jovens estudantes cabo-verdianos que irão aderir ao PAIGC, destinados a ter papéis importantes em toda a guerra de libertação. Davidson vai colhendo depoimentos como o de Silvino da Luz que se mostram coincidentes quanto à motivação dos seus ideais: era importante uma vitória colonial para se alcançarem outras independências, a Guiné era o ponto de partida. E demora-se sobre a conceção estratégica de Cabral: empurrar os portugueses para aquartelamentos, retirando-lhes a mobilidade, intimidando-os com flagelações e itinerários minados; a par disso, criar em território sob controlo experiências de poder popular e de democracia de base; vender na cena internacional a ideia de que a unidade Guiné-Cabo Verde era um dos motores da luta.
Como é evidente, Cabral distinguia os dois processos de independência. Diferenciava na sociedade cabo-verdiana a cidade das zonas rurais, era nestas últimas que havia um número reduzido de grandes proprietários; a propaganda devia chegar aos pequenos proprietários, em muitos casos não tinham mais de três hectares, em meio rural os assalariados agrícolas não constituíam uma força significativa; analisando a sociedade urbana, Cabral apontava para os empregados mal remunerados, uma espécie de pequena burguesia envergonhada. Tudo se revelou na prática de mobilização muito difícil. Os cabo-verdianos foram treinados em Cuba mas nunca foi possível criar condições quer para o desembarque quer para a subversão continuada, de tempos a tempos os elementos subversivos eram denunciados ou descobertos pela polícia política. Cabral será seriamente confrontado pela impaciência destes jovens cabo-verdianos, haverá mesmo polémica entre ele e Abílio Duarte. Todo o trabalho político preparatório era extremamente áspero, chegar-se-á ao 25 de Abril com muito trabalho clandestino mas com uma minoria de população apoiante às teses do PAIGC, Davidson descreve a formação de novos partidos e como estes tiveram curta duração. O PAIGC durante muito tempo será a força política monopolista até aos processos eleitorais pluralistas. Convém não esquecer que os principais militantes do PAIGC, aquando do 25 de Abril ou estavam presos ou em cargos no PAIGC. Voltando um pouco atrás, a 1973 e ao II Congresso do PAIGC, Davidson refere uma proposta apresentada por Abílio Duarte e secundada por Aristides Pereira, ela previa a criação de uma Comissão Nacional de Cabo Verde. Abílio Duarte dirá a Davidson: “A existência de uma Comissão Nacional obrigou todo o PAIGC a continuar a luta pela independência das ilhas. Reforçou a proposta, feita um ano mais tarde, no sentido de obter o acordo dos portugueses para o reconhecimento do nosso direito à independência”. E Davidson conclui: “Em 1973, esta Comissão Nacional era apenas um nome e um compromisso. Alguns dos seus membros encontravam-se em missões diplomáticas ou militares, como Abílio Duarte e Silvino da Luz. Outros, como Júlio de Carvalho e Osvaldo da Silva, destruíram os aquartelamentos de Spínola. Mas em Abril de 1974, depois de derrubada a ditadura portuguesa, começaram a acontecer coisas extraordinárias. Com a trégua na Guiné-Bissau, depois de Junho de 1974, e evacuadas as tropas portuguesas, os membros da Comissão Nacional puderam ser enviados para as ilhas”. Eram novos desafios de militância, Davidson pormenoriza todas estas diligências até à independência de facto. O último capítulo da obra intitula-se “Continuar Cabral”, é a história desses primeiros anos tão difíceis em que a ajuda externa, a cooperação internacional e a ajuda humanitária foram determinantes. E a partir de 1980, Cabo Verde foi confrontada com a secessão da Guiné-Bissau, o país interiorizou a sua identidade.
É de lamentar que por vezes Davidson não consiga controlar os seus pontos de vista fundamentalistas a ponto de maltratar figuras de oposição como Leitão da Graça, que ele seguramente não sabe quem foi.
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11832: Notas de leitura (499): A "Guiné" na literatura portuguesa de viagens (séc. XV-XVII), por Julião Soares Sousa (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Basil Davidson, à la lumiére (fosca) du marxisme.
Tudo velho, ultrapassado, fundamentalista de esquerda. Qual esquerda?
Um abraço,
António Graça de Abreu
Esquerdas que parecem direitas direitas que parecem esquerdas e direitas que não são nem direitas nem esquerdas, direitas que querem passar por esquerdas e vice versa. que dicotomia... Só serve para a dialéctica interminável, passa-tempo de quem não tem nada de valor para realizar em prol da sociedade.
J.S.
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