terça-feira, 16 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11847: Bom ou mau tempo na bolanha (19): O 1.º Cabo Fialho da CCAÇ 616 (Tony Borié)

Décimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Mais um companheiro combatente, incorporado no exército de Portugal, no ano de 1963, que andou por lá, nas bolanhas e savanas da Guiné, diz ele que aquilo, era só rios e pântanos!

Aquela cara não me era estranha, sempre que com ele me cruzava, via nele algo de combatente. Notava aqueles sintomas que não enganam, alguma alegria, sofrimento, um certo controle nas palavras e, quando por acaso lhe disse que havia passado pela Guiné, ele explica com um certo entusiasmo, todas aquelas coisas que nós combatentes dizemos quando recordamos a nossa passagem por lá, e o nosso envolvimento naquele horroroso conflito.

Depois de regressar da Guiné, esteve 7 anos em Inglaterra, trocou este país pelos USA, onde esteve nos estados da Califórnia, Nova Iorque, Nova Jersey e finalmente, fugindo à neve e ao frio, já aposentado, veio viver no sol da Florida.

O seu nome é Amílcar Vitorino Branco Fialho, diz que é o “1.º Cabo Fialho” da Companhia de Caçadores 616, e até gostava de saber se alguém que pertenceu à sua Companhia ainda se lembra dele, e se for vivo e ler este texto, que diga alô.
Nasceu em Rio Maior, onde cresceu, depois de incorporado no exército, tirou a recruta no RI 5 nas Caldas da Rainha, a especialidade no RI 1, na Amadora, e tal como todos nós, depois de mobilizado para defender Portugal, embarcou em Lisboa, no porão do navio “Quanza”, no Cais de Alcântara, e uma semana depois já pisava terra vermelha da Guiné.

Conta com um certo orgulho nas palavras, que esteve estacionado em Bissau por um período de três meses, fazendo patrulhas e segurança à “Jangada”, que circulava no rio Mansoa, levando material de guerra e militares, que entretanto se iam instalando no norte da província.

Passado este período de ambientação, viajou em lanchas LDM para a povoação de Empada, cujas instalações na altura já se encontravam completas, estando estrategicamente localizadas no meio da população, portanto com aldeias de casas cobertas de colmo, tanto de um lado como do outro. Aqui encontrou outra companhia de naturais, a que chamavam “milícias”, e que sempre operaram em colaboração, onde as patrulhas de reconhecimento eram o seu dia a dia, sofrendo emboscadas, com alguns feridos, que eram evacuados de helicóptero para o hospital de Bissau. Foram progredindo e conseguiram construir um “posto avançado”, a alguns quilómetros de distância, era na margem de um rio, não se recorda do nome, ficou lá um pelotão da sua companhia, juntamente com um pelotão de “milícias”, que eram abastecidos por uma coluna auto, que os visitava frequentemente, mas ficavam lá estacionados por um período de um mês, altura em que outro pelotão os ia substituir.



Lembra-se que do lado de lá do rio, eram as “casas mato” dos guerrilheiros, e que quando havia tiroteio, pelo menos à noite, era como se fosse “fogo de artifício”.

Diz também que a comida era do melhor, além das rolas, pombos verdes e galinhas, que caçava, havia muitas vacas abandonadas nas pastagens, pois os seus donos fugiam a refugiar-se, não sabiam onde, e eles nas patrulhas, traziam as que precisavam. Além de tudo isto, os naturais colaboravam e os militares compravam-lhes: peixe, carne, vegetais e alguma fruta.

Também esteve por um pequeno período de tempo na povoação de Catió, onde encontrou pessoal de Rio Maior, lembra-se do seu grande amigo, o Zé de Alfruzemel, pois juntos cozinhavam grandes “patuscadas” para todo o pessoal. Nunca mais lhe saíram do seu pensamento os chuveiros do aquartelamento em Empada, que traziam água quente a cheirar a enxofre, e “encarnada”!.

De uma vez andaram trinta quilómetros de noite, carregados, chegando pela manhã, em auxílio de um batalhão que estava em dificuldades. Os guerrilheiros quando souberam que estavam a chegar os militares da companhia de Empada, fugiram, pois os caçadores da Companhia 616, já eram famosos.

Se lhe dessem oportunidade, o “1.º cabo Fialho” nunca terminava de lembrar a Guiné. Disse que sofreu a valer com um ataque de abelhas que os “fdp”, dos guerrilheiros lhes prepararam uma vez numa emboscada, e de outra vez, aproximando-se de uma aldeia com “casas mato”, um guerrilheiro que estava de vigia em cima de uma árvore, vendo os militares da companhia de caçadores 616, a tal que era famosa, desceu da árvore e atrapalhado, mandou uma granada que bateu numa árvore, fez ricochete, matando-o assim como mais uns tantos.
E termina dizendo:
- Porra, que sorte!

Regressou a Portugal, à mãe Pátria, em Fevereiro de 1966.

Tony Borie,
Julho de 2013


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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11819: Bom ou mau tempo na bolanha (18): Aqueles olhos azuis! (Toni Borié)

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Tony

Está visto que pode sempre haver 'um português desconhecido que esteve na Guiné'....

E já reparaste como as conversas acabam sempre por 'bater certas' salvaguardando um outro pormenor, uma ou outra imprecisão, um ou outro exagero?

Mas acho que estes encontros fazem bem!

Abraço
Hélder S.

Arménio Estorninho disse...

Caro Camarada Fialho, Saudações Empadenses.

Se a memória não me falha quanto à foto (1) "O Fialho em Empada," a mesma foi tirada na Bolanha da Ualada-Empada.

Relativamente à comida, comungo inteiramente com o que mencionas, porque era como no meu tempo e onde dificilmente se encontraria melhor.

Com um Abraço
Arménio Estorninho
Ccaç.2381 - Empada 1969/70