sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12033: Notas de leitura (519): "País Sem Rumo", por António de Spínola (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
O intuito é compendiar a documentação que contribua para entender a guerra e o processo de paz, neste caso o Acordo de Argel e o reconhecimento da Guiné-Bissau por Portugal.
O que Spínola escreve neste seu livro é hoje matéria que se dissemina por muitas obras, mesmo que não se formule o contraditório. Em termos militares, Spínola é a favor do recuo do dispositivo da manobra; como o governador, é manifestamente hostil. Sabe que “Portugal e o Futuro” já vem tarde mas é imperativo da sua consciência.
Na sua explanação, é tudo luminoso quanto às suas intenções, nunca se toma o pulso da impetuosidade que foi o 25 de Abril nem se busca o entendimento porque logo, em 26 de Abril, se começaram a tomar medidas para a liquidação da guerra.
É por estas e por outras que todo este estudo é poliédrico e não pode argamassar-se em palpites ou paixões.

Um abraço do
Mário


“País sem rumo”: A Guiné, por António de Spínola

Beja Santos

É certo que as justificações apresentadas pelo primeiro presidente da República do pós-25 de Abril sobre as questões mais prementes da Guiné e da respetiva descolonização têm aparecido publicadas por diferentes autores, mas aqui a intenção é de deixar compilados os argumentos que ele utilizou, alguns dos quais já não é possível o contraditório, mas a História não pode prescindir das suas tomadas de posição, mesmo aquelas que decorrem de suposições ou conjeturas. A obra intitula-se “País sem Rumo, Contributo para a história de uma revolução”, por António de Spínola, Editorial SCIRE, 1978.

Primeiro, passou a entrevista com Salazar, tendo como ponto de partida a sua posição crítica face ao desenvolvimento da guerra e à tese da defesa do Ultramar pela força das armas, Spínola diz que se pronunciou junto de Salazar de que o conceito de unidade estava ultrapassado, que o fundamental na Guiné era a batalha do desenvolvimento, mediante uma “dinâmica revolucionária”, única hipótese de sustar o processo subversivo. Qual não foi a sua surpresa quando Salazar respondeu, sem quaisquer comentários ao que proferira: “É urgente que embarque para a Guiné”.

Segundo, dedica um capítulo aos seus esforços de estabelecer contactos com chefes de guerrilha do PAIGC, relata o seu encontro secreto com o presidente de Senghor e qual a reação de Marcelo Caetano. Na ótica de Spínola, era a derradeira oportunidade, já tinham sido pedidos novos meios ofensivos à URSS, naquele preciso momento, em 1972, havia notícia de um sério desgaste, ou era naquela ocasião ou nunca. Assim se queimou a última oportunidade, suspenderam-se os contactos com Senghor, Amílcar Cabral teria proposto, em Outubro de 1972 encontrar-se com Spínola em território português, eventualmente em Bissau. É nestas conversações que surge a expressão “derrota militar” se necessário, acordo político nunca.

Terceiro, desaparecido Cabral, a guerra recrudesceu a partir de Março de 1973, em Maio Spínola dirige-se a Costa Gomes dando-lhe conhecimento da gravidade da situação e da necessidade inadiável de mais meios de toda a ordem e é nesse contexto que escreve ao ministro do Ultramar e usa a expressão “aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar”. Costa Gomes visita a Guiné em Junho e delibera a redução do número de guarnições do dispositivo. Spínola volta a escrever ao ministro do Ultramar: “Esta alteração da manobra obriga, porém, necessariamente, a abandonar áreas geográficas e, o que é bem pior, a entregar à sua sorte populações a que não podemos fornecer meios adequados de defesa, populações que confiaram em nós e haviam aderido a uma política que visa a realização das suas legítimas aspirações”. E conclui: “Não poderei ser eu a abandonar áreas e as correspondentes populações em cuja proteção, justa administração e desenvolvimento socioeconómico me empenhei pessoalmente. A aceitação de tal manobra – que como Comandante-Chefe considero absolutamente necessária – lançaria o rótulo amargo de demagogia sobre a autenticidade do ideário nacional que prossegui, até agora, com isenção e fé”. Em Setembro, tomou posse o novo governador. Spínola irá escrever “Portugal e o Futuro”, com base no documento que enviara a Marcelo Caetano, anos antes, quando fora convidado a pronunciar-se sobre a revisão constitucional. Spínola atribui a Costa Gomes razões perversas sobre a “manobra em retirada” dizendo que se integravam numa maquiavélica manobra política mais tarde claramente revelada, não diz qual nem apresenta documentação plausível. Sobre o seu ideário recomenda um extrato da ata da sessão do Conselho Legislativo da Guiné, de 16 de Outubro de 1972, que vem em anexo, aí se refere a ampla autonomia, a institucionalização de Congressos, seria estas as formas renovadas para uma duradoura unidade nacional.

Quarto, no capítulo sobre a descolonização, Spínola tece críticas amargas aos condutores pela descolonização da Guiné embora confesse que “Quando escrevi Portugal e o Futuro tinha verdadeiramente a noção de que já era tarde. Mas o grito de alerta era exigido pela minha consciência, pois, apesar de tudo, sonhava ainda na edificação de um Mundo de raízes portuguesas”. Spínola confiara em Carlos Fabião, dera-lhe diretivas claras e concisas para a Guiné: pôr termo aos desmandos que ali se estavam a praticar; negociar com o PAIGC, mas continuara o esforço defensivo de guerra até à assinatura do acordo de cessar-fogo; dar continuidade ao processo político de autodeterminação iniciado por Spínola e que apontava para uma consulta popular; e preparar a visita de Spínola à província com vista a assegurar o respeito total por decisões tomadas em congresso do povo. Na conceção de Spínola, eram objetivos praticáveis, o único perigo militar que ele considerava no imediato era o agravamento das fronteiras, devido ao apoio que o PAIGC recebia dos países vizinhos. Não há uma palavra à doutrina das Nações Unidas quanto ao reconhecimento do PAIGC como único interlocutor dentro da Guiné-Bissau.

Responsabiliza a Comissão Coordenadora do MFA como responsável pela campanha de anarquização e o descalabre das forças armadas e insinua que Costa Gomes lhe dava beneplácito. E escreve: “A situação interna da província agravara-se sensivelmente. O brigadeiro Fabião não só se revelara incapaz de dominar a situação como se havia transformado, praticamente, num mero agente do PAIGC. A própria rádio oficial difundia mensagens do PAIGC apelando para a expulsão dos portugueses, incitando os africanos a fazer correr o sangue dos “colonialistas portugueses” e a “violarem as mulheres brancas”. Considera ter havido um clima de generalizada cobardia moral e traição. Acrescia, dentro desta atmosfera de gravidade, que o Conselho de Segurança se iria em breve pronunciar sobre a admissão da Guiné-Bissau. Assim se chegou aos acordos de Argel, o Estado português viu-se obrigado a reconhecer de jure a Guiné-Bissau.

Spínola refere o anexo do acordo onde se diz taxativamente quais as medidas prescritas para salvaguardar o que ainda regressava da honra e dignidade da Pátria, haveria a reintegração na vida civil de todos aqueles que tinham prestado serviço nas Forças Armadas Portuguesas, "em especial os graduados das Companhias e Comandos Africanos". Carlos Fabião, neste texto de Spínola, é considerado o mau da peça, tudo ali foi possível pela despersonalização de Fabião que chegou a envergar uma farda semelhante à do PAIGC e escreve que esta atitude “foi objeto da mais veemente reprovação por parte da população civil que assistiu a tão indecorosa afronta”.

Esta descolonização, escreve, foi planeada pela fação “progressista” do MFA e localmente conduzida por um grupo de militares marxista sobre a responsabilidade direta de Carlos Fabião. Conclui dizendo que a descolonização da Guiné terminou num quadro de traição, de ignomínia e de indignidade, a cujo julgamento da história os seus responsáveis não poderão furtar-se.
Em anexo, junta a síntese do trabalho programático “A Descolonização e as Nações Unidas” e o teor do Acordo de Argel.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12019: Notas de leitura (518): "Crónica dos Novos Feitos da Guiné", por António Ferra (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Antº Rosinha disse...

"Amílcar Cabral teria proposto, em Outubro de 1972 encontrar-se com Spínola".

De Outubro a Janeiro leva 3 meses e 3 tiros.

?Quem sabe vai morrer calado e em
crioulo?.

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Estes textos, a esta distância, podem não 'resolver' nada mas ajudam a perceber melhor alguns acontecimentos, principalmente se os lermos despidos de preconceitos. De qualquer tipo.
Tal como escreve o Beja Santos na 'introdução' "todo este estudo é poliédrico e não pode argamassar-se em palpites ou paixões", pelo que deve ser estudado mas 'enquadrado no seu tempo'.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

TRETAS..SÓ...TRETAS

Cada vez que leio este tipo de argumentos,considero uma ofensa a todos que serviram apenas como "carne para canhão"...

Sexas "adiantados mentais" provavelmente foram os verdadeiros conspiradores..cada vez estou mais convencido disso..

Quando se fala em "colapso militar" uma mentira tanta vez repetida que se torna verdade..

Vamos a factos...todo o planalto do Boé abandonado..o que era compreensível,devido à escassez de população..agora porquê a implementação de Gandembel apenas com uma companhia..que apenas serviu para carne para canhão...porquê o abandono do Mejo..porque é que Guilege tinha tão poucos militares..porque é que Gadamael foi reforçado após o abandono de Guilege quando a sua posição estratégica era nula..porque é que foram sempre negadas ao comandante do cop 5 quaisquer operações ofensivas quando este as pretendia realizar..

Em 74 as guarnições no sul mais próximas da fronteira eram apenas Gadamael, Cameconde, e Cacine.
Entre Gadamael e Aldeia Formosa não existia nada..verdadeiro convite para se infiltrarem à vontade..

Conspiração das altas chefias..provavelmente..e depois falam de traição e cobardia..mandar é fácil e mandar mal ainda o é mais..

O que é que ia na cabeça dos senhores mandantes quando pretenderam reorganizar as guarnições junto à fronteira sul..a única coisa que fizeram foi reforçar Gadamael e os que lá estávamos apenas servimos para carne para canhão..

Lógico foi quando o Paigc entrou em contacto connosco fizemos logo ali o cessar fogo..E NÃO PEDIMOS AUTORIZAÇÃO A NINGUÉM..

Quem tiver a ousadia de me chamar traidor, cara a cara, leva dois murros no focinho..garanto.
A minha dignidade e honra ainda está intacta e é apenas disso que se trata e que pretendo aqui realçar.

Não vou comentar figuras e figurões porque já não pertencem ao mundo dos vivos...

C.Martins

Anónimo disse...

PS

As NT eram 40.000 e o IN entre 7.000 e 10.000 falar em "colapso militar" é um atentado à honra e dignidade de todos nós que lá combatemos...

Será que fomos todos uma cambada de invertebrados e cobardes sem honra nem dignidade ?

É evidente que a guerra já estava perdida politicamente antes de ter começado..aliás a própria guerra colonial..este é o termo que eu gosto de usar..só existiu por causa de Angola..que é actualmente um dos Países mais ricos do mundo e que nessa altura já tinha recursos para vir a ser..
Como era evidente o regime político de então e para ser coerente tinha que conservar todas as colónias..e como era previsível deu no que deu..

Não quero ir pelo caminho das teorias de conspiração...mas que provavelmente e no caso concreto da Guiné terá alguma lógica ..terá.

C.Martins

Anónimo disse...

Joaquim L. Fernandes

A História fará o julgamento da Condução Política e Militar da Nação Portuguesa do último século.
Porém, devemos desde já fazer sínteses históricas dos elementos conhecidos como irrefutáveis que nos ajudem a conhecer e compreender melhor o que foi o "desastre" do fim do "Império Colonial Português".

Para além do que é do conhecimento geral, do que testemunham as vítimas do passado e do que vemos e sentimos hoje, existem zonas de sombra que não explicam o porquê de decisões e indecisões, de tantos meandros da política seguida antes e depois do 25 de abril de 1974. Os investigadores terão árduo trabalho pela frente.Em que medida è que as tensões ideológicas, políticas e militares mundiais condicionaram e determinaram o curso dos acontecimentos?

Seria errado concentrar nos decisores e executores da descolonização, a principal responsabilidade pelas suas consequências gravíssimas que ocorreram e ainda hoje ocorrem.
Na primeira linha de responsabilização deverão estar as élites políticas e militares que nos levaram à guerra e a conduziram durante uma dúzia de anos, sem capacidade de lhe por termo, antes a deixando agravar até à desmoralização da Nação e das suas Forças Armadas.Daí ao descalabro conhecido foi um passo.

Os responsáveis políticos e militares que protagonizaram o governo da Nação nos últimos cem anos têm nomes e, pese embora alguns terem ficado com as mãos manchadas de sangue inocente, não me move julgar e condenar as pessoas em particular, mas tão só lançar um juízo condenatório sobre os regimes políticos e suas doutrinas erradas, que por cegueira ou ignorância nos levaram à desgraça, legando-nos um "País Sem Rumo". Desejo neste último ponto estar enganado.

Isto opina um leigo na matéria.

Um abraço Camaradas

J.L.F.

Anónimo disse...

" Descolonização foi planeada pela facção "progressista" do famigerado MFA e localmente conduzida por um grupo de militares marxistas sob a responsabilidade directa de Carlos Fabião. A descolonização da Guiné terminou num quadro de traição, de ignomínia, de indignidade e a história julgará todos os seus responsáveis e, seguidores.
Figuras e figurões existem em todo o lado, mas alguns na sua sede de protagonismo, falam do que não sabem.
Enquanto alguns fugiram logo aos primeiros disparos, outros permaneceram nos seus postos.
"Para bom entendedor meia palavra basta".

Cumprimentos,
Constantino Costa

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... mais gasolina para a fogueira:
– Sugiro, a quem se interessar por estas "coisas", o (re)conhecimento da História, ao menos de uma parte daquela feita mas ainda não divulgada.
Comece-se, por exemplo, pelo dia 15Jan70: e assim (de cor e salteado, sem necessidade de ir consultar os m/apontamentos), naquela data o recém-empossado MNE Rui Patrício, regressado do cerimonial em Belém e anteriormente autorizado pelo PM Caetano, com prévio conhecimento do tb novo MDN (Silva Cunha), convoca ao seu gabinete das Necessidades o diplomata Alexandre Ribeiro da Cunha; e...
... foi então iniciada, muito 'hush-hush', a "descolonização" caetanista-spinolista.
Não, não se trata de mais uma teoria da conspiração.
Concluo, pela curiosidade de este "postal" ter sido dado à estampa internáutica, em data próxima à 40ª efeméride do celerado conclave conspirativo, cujo suposto 'leit motiv' teria sido apenas (?!) uma questão síndico-castrense (ai credo! as ultrapassagens no carreirismo... ), e do qual saiu meia-dúzia de valentaços (dias depois escondidos ao mesmo tempo que outros foram ao sentinela da Calçada da Estrela pôr a cabeça no cepo), enquanto outros pos-25A vieram a dar-se como arrependidos, sendo certo que no meio de todo aquele restolho, o verdadeiro 'expert' quinta-colunista e encartado endoutrinador – apesar de não afecto ao cunhalismo –, só veio à tona em outro conclave, seis meses depois...

(à parte, para o meu amigo Constatino da Silva Costa: quanto à saga da Guiné-do-fim, subscrevo integralmentea a sua perspectiva)
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Eduardo J.M. Ribeiro disse...

Amigos e Cmaradas C. Martins, Constantino Costa e JCAS, apoio completamente as vossas palavras. Mas neste país cheio de traição e cobardia, há muito quem está ainda hoje e sempre esteve na formatura dos nossos inimigos, no seu apoio incondicional e cego, e mais grave espetando-nos facas nas costas. Para minha alegria cada vez são mais os que vão abrindo os olhinhos e se vão juntando àqueles que amam a Pátria e acima de tudo OS FACTOS e AS VERDADES! PATRIOTAS OU NACIONALISTAS chamem-lhes o que quiserem... com muita Honra e Orgulho!