sábado, 14 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12036: Bom ou mau tempo na bolanha (31): O computador na guerra (Tony Borié)

Trigésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



O lápis, afiado à mão, que se consumia até se conseguir segurar nos dedos, e a esferográfica “Bic”, eram os utensílios de trabalho mais usados pelo Cifra nas suas tarefas de cifrar e decifrar mensagens. Escrevia, escrevia, apagava, apagava, riscava por cima, rasgava o papel, ia buscar o papel de novo ao caixote do lixo para rectificar determinada palavra que lhe passou, e depois não fazia sentido no texto. Também lá havia uma caneta de madeira com um aparo, e um frasco com tinta, mas todos ignoravam estes objectos, pois às vezes eram páginas e páginas, com resumo de operações, onde era mencionado o nome dos feridos e mortos, e às vezes havia mesmo “desculpas esfarrapadas” para justificar o sucedido, mas algumas mencionavam secamente, morreu em combate, com duas balas, uma na região do coração e outra mais abaixo no estômago, ou, a parte do seu corpo, a partir do peito para cima ficou desfeita, irreconhecível.

O Cifra escrevia isto tudo e rectificava para ver se estava enganado, portanto depois de ler estes textos duas ou três vezes, ficava-lhe na memória por algum tempo, e como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e não tinha lá muita coragem, isto tudo ainda o atormentava mais.

Certa vez acabaram-se os lápis por algum tempo, era tudo feito a esferográfica, era só riscos em cima das palavras, algumas mensagens iam com o teor do assunto trocado, o que em alguns casos era perigoso, pois era a vida dos militares que estava em jogo, se uma ordem fosse compreendida fora do seu verdadeiro contexto podia matar pessoas.

Às vezes o Cifra pensava que estava numa guerra, onde o lápis e a esferográfica eram tão ou mais importantes que a “minha querida G-3”, como dizia o furriel miliciano, que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão.

Mas agora, esqueçamos a guerra e perdoem lá, de vir a foto de uma criança e de um casal de noivos, que não estão de modo nenhum ligados aos acontecimentos que o Cifra e os seus amigos, antigos combatentes viveram em cenário de guerra, e vamos só fazer a comparação, sem o Cifra ser cifra, e ver como devia ser mais fácil todo esse conjunto de processos de cifra e escrita, com os COMPUTADORES, que a nova geração não larga, e já não pode viver sem eles!

Adeus, lápis e esferográfica “Bic”, a continuar assim ninguém mais sabe, desenhar as letras!

Tony Borie, 2011

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12005: Bom ou mau tempo na bolanha (30): O "Zé Quina" que já foi o "Marafado" (Toni Borié)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Então o que é isso, caro "Cifra"?!
Computadores? Não querias mais nada?
Uns lápis e umas "Bic" não eram assim para desprezar... serviam muito bem e adestravam as mãos e as mentes...

Nesse aspecto tive mais sorte que tu. Tinha muitos rádios, muitos gravadores, e até teletipos.... um luxo!

Abraço
Hélder S.