quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12436: Boas Festas (2013/14) (3): Sublime ternura de avô ( Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 7 de Dezembro de 2013:

Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Há quarenta anos atrás, nós, os ex-combatentes, na altura com cerca de vinte e dois anos de idade, em campanha na guerra colonial, éramos a preocupação dos nossos familiares. Entre eles, de uma maneira especial, na maior parte dos casos, destaco os nossos avós, cujas orações dirigiam aos céus para que voltássemos sãos e salvos daquele cativeiro de guerra.
Os anos passaram-se num ápice, os nossos avós, entretanto, já partiram, e hoje, quase todos nós, os ex-combatentes, com a idade que temos, já assumimos esse estatuto especial de avós.
Assim, para o publicares no nosso blogue, se o entenderes, envio-te em anexo um texto da minha autoria, como mensagem de Natal, em homenagem a todos os avós e em especial àqueles que, como nós, foram combatentes na guerra colonial que gozam já desse mesmo estatuto.

Festas felizes para todos, e para os vossos netinhos, são os votos desse vosso amigo e companheiro
Manuel Sousa


Sublime ternura de avô

Um “shopping” a abarrotar de gente, num corrupio frenético das últimas compras de Natal.

Um homem idoso, quase a ser “atropelado” pela multidão em movimento, permanecia ali estático, curvado pelo peso dos anos, com um CD na mão.
Perante a indiferença de todos, dispersava o seu olhar em redor, deixando transparecer que se sentia ali perdido, deslocado, naquele turbilhão de gente anónima e que procurava algo, eventualmente relacionado com o objecto que tinha na mão, para o qual também olhava com ar de quem não percebia muito daquilo.

Quando eu passava por ele, timidamente, com o CD nas suas mãos trémulas, com marcas da vida, dos muitos anos que já tinha vivido, interpelou-me de uma forma tão peculiar como simples:
- Por favor, diga-me se esta música é das que faz “bum..., bum..., bum.”

E prosseguiu, com a mesma simplicidade, ao mesmo tempo que afagava aquele CD, qual tesouro que detinha nas suas mãos:
- Sabe, agora no Natal, quero oferecer uma música ao meu neto, mas tem de ser uma dessas que faz “bum... bum... bum” que é das que ele mais gosta.

Resistindo um pouco à tentação de me rir, pela graça que achei à forma original como o ancião identificou a música que desejava, dei-lhe a minha opinião, ao que ele agradeceu, e prossegui nas minhas compras embrenhado na corrente da multidão.

Pouco depois dou comigo a pensar naquele quadro de afectividade e ternura que o velhinho me suscitou e, sobretudo, na forma como ele me abordou, a braços com a difícil escolha do tipo de música que pretendia, tão diferente das modinhas da “tirana” e do “malhão” do seu tempo de juventude, que, seguramente, nessa época, não vinham empacotadas em CDs.

Que privilégio o meu, pensava eu, ter sido abordado por este homem simples, que, pelo que vi, com o coração a palpitar, quiçá com mais vigor do que a batida da música que procurava, me revelou o quanto idolatrava o netinho!

Porém, entregue a esta meditação, uma forte nostalgia me assaltou a alma ao projectar nele a imagem dos meus avós, já falecidos, que, também, tanto me protegeram e mimaram com a generosidade dos seus desvelos.

Nesta quadra festiva que se aproxima, não quis deixar de partilhar convosco esta singela mensagem de Natal, com base numa história verídica em que fui interveniente, por forma a contagiar-vos pelo simples mas sublime gesto deste, também, anónimo avô.

Provavelmente despertará em vós, os que ainda têm o conforto da sua companhia, a consciência de que, um dia, eles irão partir, e, mais tarde, tal como eu, e tantos outros que já os perderam, em qualquer “shopping” ou ao virar de qualquer esquina, algo encontrareis que vos trará à mente a memória desses vossos entes queridos.
Nessa altura, só já restará essa mesma memória e, consequentemente, a saudade.
Assim, enquanto é tempo, desfrutai ao máximo da sua companhia.
Enquanto tiverdes a ventura da sua presença nas vossas vidas, escutai com enlevo a brandura das suas palavras, tantas vezes de alento e de conforto, acompanhadas de um afago, de uma carícia.

É consensual que eles são uns “corações de manteiga” que se derretem pelos netos, em que estes, por sua vez, se “lambuzam”.
É flagrante, também, que entre as duas gerações se estabelece uma relação de cumplicidade, como que um insondável pacto secreto ou “cambalacho” que os liga numa simbiose perfeita.
Se dúvidas houvessem sobre isso, com a ternura do nobre gesto daquele desconhecido avô no “shopping”, a que não resisti descrever, elas seriam dissipadas.
Só eles, de facto, os avós, têm o condão especial de, desta forma, afectuosamente se darem.

Manuel Sousa
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Notas do editor

Imagem das mãos retirada da página Sexo Forte.net, com a devida vénia

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12427: Boas Festas (2013/14) (2): Álvaro Vasconcelos, Amaral Bernardo, Eduardo Estrela, J. C. Lucas, J. Mexia Alves, João Lourenço, José Colaço, Tony Levezinho

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