sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12594: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (1): Espinho, Porto, Tavira e Torres Novas (José Martins)

1. O nosso Editor lançou o repto à tertúlia dos ex-combatentes para falarem das cidades por onde passaram antes da mobilização para a Guiné, cidades estas onde tirámos as nossas Recrutas e jurámos Bandeira, onde nos especializámos nas mais variadas artes de guerrear, onde fizemos os "mestrados" e "pós-graduações", onde conhecemos gente com outros usos e costumes, mas tão portugueses como cada um de nós os forasteiros temporários nessas terras.

Aproveitando um comentário do nosso camarada José Martins, damos o pontapé de saída à série, esperando que correspondam ao desafio e desatem a escrever.

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2. Comentário do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), deixado no poste 12542 em 5 de Janeiro de 2014:


As localidades por onde passei

Olhando para trás, que ficou das localidades por onde penei/passei, os tempos da tropa?
Saudades? Só da juventude.
Raiva? Só da Guerra.


Paramos, Espinho - Recruta, primeiro contacto com a tropa, primeiros contactos com armas, primeiro contacto com milicianos e militaristas, primeiras ilusão e desilusões.

Tive sorte. Consegui desarranchar-me e dispensa de pernoita. Ia e vinha, a partir de Gaia, todos os dias, com a marmita do almoço às costas. Contribuía para a “gasosa” do Mini em que nos transportávamos.

O primeiro amigo militar: O Aspirante Roldão, de Coimbra.
Que será feito dele? Já o tentei encontrar, mas nada consegui.

Da terra nada conheci além do quartel e do caminho que ligava a estação da CP ao quartel.


Porto, Arca de Água - Primeira Especialidade: Teleimpressor.

Pode dizer-se que estava em casa. Utilizava os transportes públicos, desarranchado e com dispensa de pernoita, lá andava com a marmita atrás de mim.

Recordações? Só o cuidado dispensado pelos “prontos” na semana de campo, em que foram incansáveis na procura do meu conforto, quando fiquei com uma gripe dos diabos. Houve quem fizesse a guarda por mim.

A terra já a conhecia mais ou menos, já que estava a trabalhar há uns anos.


Tavira - Segunda especialidade, já no CSM e Transmissões.
Só pedi dispensa de pernoita. Depois da instrução no campo da Atalaia, saía ao toque de ordem direito à casa onde tinha quarto alugado à D. Rosa, uma “mãe” sempre atenta à nossa chegada em dias de instrução nocturna. De vez em quando ainda ouço a sua voz: “Meninos, há leite, café e pão na sala. Comam antes de ir dormir”.
Estes mimos não estavam incluídos na mensalidade, nem nunca foram cobrados.
Havia também a D. Cesaltina, que era uma “irmã mais velha”, sempre a perguntar se necessitávamos alguma coisa que fosse necessário tratar durante o dia, que ela tratava.

Como não tinham água quente em casa, arranjou-nos um local para um banho quente, a dez tostões por banho.
Ao fim de semana íamos ao mercado, os camaradas de quarto, fazer compras para as refeições do fim-de-semana. Claro que convidávamos a comer connosco, já que as refeições eram confeccionadas por elas com os meios de que dispunham.

Da terra, além dos cafés e de um ou outro restaurante, pouco conheci. O afecto pela terra está materializado na memória da D. Rosa e da filha D. Cesaltina.


Torres Novas - Concluída a especialidade a unidade de colocação.
Um serviço de reforço e uma Ronda da Policia da Unidade.

A única visita à cidade, terminando com a “tentativa de aprisionamento” de um refractário a um embarque para o ultramar.
Do período em que lá passei, estive mais tempo em casa do que no quartel: férias da Páscoa e licença de mobilização.
Da terra não me lembro, mas tenho pena. Era a terra dos meus tios paternos, que foram lá professores.



Guiné - Desta terra veio o ódio e depois a saudade.
Mais palavras para quê? É a nossa “Segunda Pátria”.

E siga a “infantaria”.
José Martins

7 comentários:

Luís Graça disse...

E as nossas palmas vão para o Zé Martins, que "abriu as hostilidades"!...

Vamos a ver como estão estão estes nossos "neurónios" a funcionar... Passei por Caldas da Rainha, Tavira, Castelo Branco e Santa Margarida... Nada de heróico nem de exaltante...

Vou/vamos ter que reconstituir as peças (desirmanadas) do "puzzle"...

Anónimo disse...

Máfrica, Vendas Novas, Figueira da Foz, DGA, Bissau (GAC7), Bachile (?) (instalar PEL ART),Gadamael,Ingoré, DGA!!!

forte abraço a todos
Vasco Pires

manuel amaro disse...

Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau.

Começando pelo Sul, estive em Tavira, cidade que já conhecia desde que nasci e gosto o normal que qualquer cidadão gosta da sua terra.

Em Beja quase não tive tempo para conhecer a cidade, pelo que não desenvolvi qualquer relação especial de "amor" pela Pax Júlia.

Já a relação com Évora foi diferente. E foi boa... muito boa. Apesar ter estado duas vezes em Évora, ambas mobilizado para a "guerra". Na primeira vez, era para Angola, mas não se concretizou, Passado pouco tempo nova mobilização, agora para a Guiné, levada até ao fim.
Em Évora aproveitei algum tempo para visitar a cidade e a nossa relação permanece tão intensa, que periodicamente faço uma visita com ou sem pernoita.
Gostei e gosto muito de Évora.

Lisboa. Quem não gosta de Lisboa? Lisboa, eu também já conhecia desde o Grande Encontro Nacional da Juventude. E a "tropa" levou-me à Estrela. Ao Hospital Militar da Estrela. Ao Jardim da Estrela. Aos Fados. Aos castelos e aos bairros típicos, às tascas, à verdadeira Lisboa. Logo que terminei o Serviço Militar voltei à Grande Lisboa, em janeiro de 1972, até hoje. Mesmo que uma parte do tempo seja passada no Algarve, Lisboa faz parte de mim.

E Coimbra? De uma forma diferente de Évora e de Lisboa, mas Coimbra foi tão ou mais importante para mim. E nós, para não sermos ingratos, temos que amar as "coisas" importantes. Assim que cheguei a Coimbra, em junho de 1967, fui visitar o Penedo da Saudade. Não vi tudo e voltei no dia seguinte. No regresso passei à porta do Liceu D. João III. Lembrei-me que tinha um exame "pendente" e os livros na mala. Talvez já com o espírito da cidade, prometi ali mesmo, a mim mesmo, que em Setembro, ao abrigo da lei militar, iria fazer aquele exame e iria ficar aprovado.
E assim foi.
Sempre que vou a Coimbra, assim que deixo a autoestrada, mas principalmente depois de atravessar a ponte, sinto uma mudança de espírito.
Isto, penso eu, é amor. Eu fiquei a amar Coimbra. Até hoje.

Guiné Bissau.
Eu gostei da Guiné Bissau. Nhacra, a D. Carlota e os seus bifes de macaco. O "Branco" do Cumeré e o seu camarão, mais barato que os tremoços nas cervejarias de Lisboa.
Eu gostei de Aldeia Formosa (Quebo). Tudo aquilo era novo. A minha Escola, os meus alunos. A assistência sanitária em Pate Embaló.
E aquele "fim de mundo" que dá pelo nome da Nhala. Um ano completo, sem médico, mas com uma equipa formidável de enfermeiros, que me deixavam tempo para acumular com a Escola, foi difícil.
Mas eu gostei de estar em Nhala.

Resumindo, eu fiz 54 meses de Serviço Militar Obrigatório, em oito "pontos" diferentes.

Nuns casos com amor, noutros com uma grande amizade. Eu gostei dos sítios por onde passei.

E volto a alguns, sempre que posso.

Um Abraço

Manuel Amaro

Juvenal Amado disse...

Eu passei por Coimbra CICA4, Porto RI6, Abrantes RI2, Santa Margarida CIME, regressei a Abrantes onde fiu mobilizado.
Depois o roteiro do costume Cumeré, Centro de instrução que ficava ao Pé do QG e por fim Galomaro e arredores.

Talvez o pior sítio onde estive cá e que não via jeito de me ir embora, foi Santa Margarida. Detestei.
Na Guiné por várias razões Cancolim só não foi detestável pelos amigos que lá tinha e relembro sempre.

Tony Borie disse...

Olá José Martins.
Foste um "privilegiado", dentro da tropa… no continente!
Olha, as recordações das pessoas boas com quem convivemos naquela idade, até lhe recordamos o nome com uma certa simpatia, das outras, onde algumas nos faziam a "vida negra", com aquelas "arrogâncias balofas", essas só nos lembramos da sua "alcunha", que em geral não era lá muito prestigiante!.
Tony Borie.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas
Caro Zé Martins

Acho interessante este tema sobre os locais por onde passámos e até, caso possível, compará-los com a actualidade para tentar perceber a sua evolução.

Do teu relato ressalto o "Porto, Arca d'Água", pois por lá também estive, mas verifico agora que as nossas circunstâncias foram diferentes. A seu tempo darei conta das minhas, mas posso dizer que também 'utilizava transportes públicos, não estava desarranchado, e não me lembro de ter dispensa de pernoita', embora também participasse numa espécie de renda para utilização de um quarto ali perto do Quartel, sendo que, na realidade, só o tentei utilizar para me deitar uma vez, mas.... não correu bem!

Abraço
Hélder S.

José Marcelino Martins disse...

Como diz o Tony, realmente fui um "priviligiado".

Na altura vivia em Gaia, a 500 metros das Devesas.
Passei uma semana em Espinho, em regime de internato com mais 400 recrutas, e passei a desarranchado com dispensa de pernoita.

Levava a marmita, fazia a viagem num Austin e regressava à tarde, para dormir em casa.

Quando passei ao Regimento de Transmissões (RTm) ficou tudo igual, com a diferença de que utilizava um transporte de Gaia até ao Porto (S. Bento) e daí perto até ao quartel.

Almoçava sentado na caixa/armário horizontal, mas sempre comia os miminhos da mamã.

Tavira foi diferente, ou não fosse o contacto com a "distância" de tudo.