sexta-feira, 7 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...


Joana Graça (2014): Africa > Homenagem ao Pepito 1 > Acrílico com digital,  40 x 30 cm.



Joana Graça (2014): Tabanca Grande: caixa de histórias > Homenagem ao Pepito 2 > Técnica mista, colagens e digital,  30 x 20 x 15.

Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.



1. Conheci, pessoalmente, o Carlos Schwarz da Silva, Pepito (1949-20014),  em 16/2/2006...

Ele costumava, por essa altura do ano, vir a Lisboa, para passar os anos da sua mãe, Clara Schwarz, hoje uma veneranda senhora, de 99 anos, de origem judia, de pai polaco e mãe russa, mas portuguesa de gema, nascida em Lisboa, a 14 de fevereiro de 1915, casada com o caboverdiano Artur Augusto Silva (1912-1983).

Já nos conhecíamos do blogue, por intermédio do saudoso Zé Neto (1929-2007). Foi ele que me falou do Pepito e do seu projeto museológico de Guileje.

Como prometido, o Pepito esteve  connosco, nesse dia já longínquo de 16/2/2006:  com o Zé Neto (de manhã, na Fundação Marquês de Valle For) e comigo (à tarde, no meu local de trabalho, na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de  Lisboa).

Foi muita gentileza, da parte dele, ter-se deslocado só para me conhecer pessoalmente, dar-me notícias da sua terra (que ele amava com um coração muito grande), e falar-me, com entusiasmo contagiante, da menina dos seus olhos - que era então o Projecto Guiledje (com dj, como ele gostava de grafar Guileje).

Capa do livro de contos de Artur
Augusto Silva (1912-1983)
 (Bissau, edção de autor, 2006)
Na altura fez questão de presentear-me com o livro de contos do seu pai, Artur Augusto Silva (Ilha Brava, Cabo Verde, 1912- Bissau, 1983), um homem de leis e de cultura, amante da justiça e da liberdade: O Cativeiro dos Bichos era o título de uma colectânea de 25 contos, selecionados pelos seus filhos, Henrique, João e Carlos Schwarz, alguns dos quais tinha sido escritos na prisão de Caxias, em 1966. O  livro tinha acabado de ser editado em Bissau (Fevereiro de 2006, edição de autor).

A conversa, de cerca de 1 hora, que tive com o Pepito (ninguém o conhecia, em Lisboa ou em Bissau, por Carlos Schwarz da Silva, nem quando fora ministro dos transportes num governo de transição antes do golpe de Estado de 1998) só pecou por ser curta... Mas deu para, de imediato, eu fazer mais um amigo guineense...

Bem razão tinha o capitão Zé Neto quando um mês antes tinha escrito sobre o Pepito o seguinte:

" (...) Eu conheço pessoalmente o engº Carlos Schwarz da Silva, o nosso Pepito. Passei uma tarde a conversar com ele em casa do nosso amigo comum, engº António Estácio. Eles foram colegas de infância e condiscípulos, pois o Estácio também é guineense.

"Tenho a pretensão de conhecer o carácter dos homens ao fim de dois dedos de conversa. Não tão cientificamente como tu, profissional do ramo, mas, como dizia o outro, raramente me engano.

"E asseguro-te que o Pepito é do melhor que há. Talvez um pouco sonhador, porque abdica duma vida confortável que poderia gozar cá em Portugal, em troca das mil e uma tarefas que desenvolve na sua querida Guiné em prol do seu povo. É fácil entender que o seu espírito superior choca com certo primitivismo que grassa naquela região, mas não desiste e essa é a qualidade que faz dele um amigo que muito admiro e a quem dispenso a minha modestíssima colaboração sem reticências.

"Quando ele vier, para o mês que vem, vais confirmar o quer te digo" (...).

De imediato comfirmei a opinião do Zé Neto, que era de facto um grande conhecedor da natureza humana. Para mim,foi um privilégio conhecer, ao vivo, uma pessoa com a qualidade humana do Pepito.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > 

Antigos combatentes do Exército Português em Guileje, e que viviam no quartel.  O seu conhecimento do terreno permitiu mais facilmente a localização de cada um dos edifícios do quartel.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


2. No seguimento da nossa conversa, no meu gabinete, na Escola Nacional de Saúde Pública, o Pepito, jà quase à despedida, veio-me fazer um pedido algo insólito: ele precisava de um obus 14...

Para quê ? Para pôr no seu Núcleo Museológico Memória de Guileje, a criar a partir da reconstrução do nosso antigo aquartelamento, abandonado em 22/5/1973... E eu repliquei, no blogue, esse pedido:
- Camaradas, algum de vocês sabe de um velho obus 14, para aí abandonado num qualquer ferro-velho da tropa ? Se souberem, digam-nos... Levá-lo até Guileje será outra carga de trabalhos, mas até lá folgam as costas...



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > Agosto de 1972 > O temível obus 14 [140 mm] em ação... à noite.

(...) "O Obus 14 cm (...), de origem inglesa, foi  recebido em Portugal, em 1943, para equipar as Unidades de Artilharia pesada, substituindo os  Obuses 15 cm T.R. m/918 e 15 cm / 30 m/41. O Obus foi concebido para tracção auto exercida  pelo camião tractor de 8 ton A.E.C. (Matador)  4x4 MA/46 e pelo camião tractor de 8 ton Magirus  – Deutz 4x4 MA78. Serviu operacionalmente nos teatros de guerra da Guiné, Angola e Moçambique,  entre 1961 e 1974, tendo sido substituído, em 1987, pelo Obus M114 155mm/23"... O obus 14 pesava mais de 6 toneladas... Cada granada pesava c. 45 kg...  Tunha um alcance de c. 15 km... e uma cadência de tiro de 2 granadas por minuto... Tinha uma guarnição de 10 militares... (Fonte: sítio do  Exercito Português).

Foto: © Vasco Santos (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Ele falou-me com entusiasmo do progresso das escavações efetuadas pelo pessoal da AD e população local no antigo aquarteklamento de Guileje. Nas limpezas e escavações até então feitas feitas,tinham já sido encontros e recuoperados objectos do quotidiano dos militares portugueses,  alguns curiosos como garrafas de cerveja com o rótulo de papel intacto ou garrafas de sumo de laranja - de um conhecido fabricante de refrigerantes de então, com sede em Venda do Pinheiro, Mafra...

Divertidas, para o Pepito, eram as manifestações de humor (e de carinho) dos fulas para com os seus antigos camaradas de guerra, metropolitanos: ele  referiu-se às gravações audio que estavam a fazer e em que os antigas combatentes fulas, que estiveram do lado das NT, imitavam descaradamente os tugas, quando estes estavam debaixo de pressão (na época ainda não se usava o termo stresse...):
- Seus c...lhos...! Seus ca...ões! Seus s... nas! Seus filhos... da p...!

O Pepito prometeu-me depois mandar alguns excertos dessas gravações áudio, reveladoras do superior sentido de humor fula... E comentei-lhe:
- Ora quem diria! ... Eu, pessoalmente, sempre os achei inteligentes e com grande capacidade para negociar e estabelecer alianças estratégicas.

O Pepito também corroborou este ponto de vista: os fulas eram um povo  orientado para o poder, aliaram-se ao Spínola contra o Amílcar Cabral; e depois ao Luís Cabral, a seguir à independência, contra os balantas...

Lisboa, ENSP/UNL, 13 de julho de 2007 >
 Pepito no meu gabinete. Foto  de L.G.
Como diria o Príncipe de Salinas, protagonista do filme O Leopardo (Visconti, 1963), eles eram os leopardos, os leões, enquanto os novos vencedores - que se aliaram ao PAIGC - não passavam de chacais e de hienas... Mesmo assim, eles tinham a consciência de que, presas e predadoras, têm de coexistir (mais ou menos pacificamente) naquela terra, que é a sua terra...

O Pepito mostrou-se, por outro lado, deveras impressionado com o que estava a acontecer com o nosso blogue e o ritmo de produção das nossas memórias... E eu, na altura, avancei com uma explicação de vulgata sociológica:

 (i) a nossa geração, os machos, tinham  mais ou menos à sua frente quinze anos a vinte de 
esperança média de vida;

(ii) para muitos de nós, a experiência da guerra colonial terá sido porventura o acontecimento maior, talvez o mais  emociante, das nossas vidas cinzentas;

(iii) tivemos a sorte de sobreviver e, ao fim de cinco anos, retomar a marcha do comboio, não contando com os que ficaram precocemente pelo caminho: os mortos, os traumatizados, os inadaptados, os desadaptados, os cacimbados;

(iv) muitos de nós já tinham deixado (ou estavam em vias de deixar) a vida activa e sentiam o vazio do presente: os filhos que partiram, os netos que só se veem nos dias festivos, as companheiras que sempre se recusaram a partilhar essa experiência, a guerra, que é uma actividade de machos;

(v) enfim, a memória seletiva do passado, a disponibilidade de tempo, a redescoberta da camaradagem, o apelo dos verdes anos..



Lisboa > Universidade Nova de Lisboa > Escola Nacional de Saúde Pública > 13 de Julho de 2006 > Três homens de Guileje!... Visita de cortesia e reunião de trabalho do Pepito (AD - Acção para o Desenvolvimento) - na foto, ao centro - e dois dos amigos que o apoiam no seu Projecto Guiledje: O capitão Zé Neto (à esquerda) e o coronel Nuno Rubim, especialista em história da artilharia (à direita). Os membros eram então membros, da primeira hora, da  nossa Tabanca Grande. O anfitrião fui eu.

Almoçámos juntos (tivémos a agradável surpresa da visita, embora rápida, do José Martins, que trabalhava, na épcoa, no MARN e que passou pela Av Padre Cruz a caminho do médico para uma consulta de rotina). Fizemos o ponto da situação do Projecto Guiledje, contámos histórias, conhecemo-nos pessoalmente (do grupo, eu só conhecia o Pepito, embora já tivesse falado ao telefone com o Zé Neto e o Nuno Rubim).

Tal como Pepito, o Zé Neto, infelizmente, já não está entre nós. O nosso querido Zé Neto (ex-2º sargento da CART 1613, Guileje, 1967/68, e na altura capitão reformado, com 10 anos de Macau), era o veterano da nossa tertúlia, na altura. Era um pessoa dotada  de uma invejável energia e de uma memória fabulosa.  Foi o primeiro "tertuliano" a falecer, em 2007.

 Quanto ao Nuno Rubim, ex-capitão da CCAÇ 726, Guileje, 1964/74, é bom que se recorde que foi um dos oficiais mais condecorados da Guiné (onde fez duas comissões). É hoje coronel na reforma e historiador militar. Teve a gentileza de me oferecer um das suas publicações, além de um CD-ROm com os seus trabalhos.... Por razões de saúde, também está retirado doas nossas lides bloguísticas. Falei-lhe, ainda há relativamente pouco tempo, pelo telefone.

Foto: © Luís Graça (2006). Todo os direitos reservados.


3. Sabendo das suas suas obrigações como diretor executuivo da AD e das dificuldades de comunicações da Guiné-Bissau com o mundo exterior, o Pepito surpreendeu-me, na altura,  ao dizer-me que não dispensava a visualização diária do nosso blogue. Achava que este fenómeno (a vontade de abrir o livro, o baú da memória...) também estava a acontecer na Guiné: os antigos combatentes, de um lado e do outro,  sentiam necessidade de falar do passado e passar a escrito (ou ao videogravador) as suas memórias... A necessidade de falar da luta, na cidade ou nas matas, com alguém...

Grande parte da memória (escrita) de guerra de libertação, na posse do PAIGC, dos seus militantes e ex-militantes, desapareceu, foi destruída, extraviou-se ou ficou reduzida ao Arquivo Amílcar Cabral, em boa hora tratado e preservado pela Fundação Mário Soares.

Há um sério risco da geração pós-independência ver amputada uma grande parte da memória do seu povo, a luta pela independência, a difícil construção da Guiné-Bissau, a revolução que devorou os seus filhos, a fabricação dos novos mitos, os ajustes de contas, o cinismo pós-revolucionário, a subversão de valores...

Daí que o Pepito e os seus colaboradores da AD - Acção para o Desenvolvimento estivessem  afanosamente a gravar depoimentos dos antigos combatentes e habitantes de Guileje... Começaram pelas bases, mais acessíveis e espontâneas... Numa segunda fase, esperavam poder entrevistar os dirigentes, os comandantes operacionais, os comissários políticos, quando as defesas psicológicas e as pressões dos pares se começassem a quebrar ou a esbater...

Respondi-lhe que nós também cá tínhamos esse problema: como dissera uma vez  o Jorge Cabral, ainda havia, na época, muito boa gente (militar) com culpa e vergonha de ter feito a guerra da Guiné, a começar pelos nossos oficiais superiores... A hierarquia militar não nos  parecia ainda disposta a dar a senha e a contra-senha de acesso aos arquivos militares da guerra colonial...

O que o Pepito e a sua ONG estavam então  a fazer era, na  minha opinião,  um trabalho meritório e sobretudo patriótico, com dividendos para o futuro... Foi o que transmiti ao Pepito; não há futuro para um povo que tenha perdido a memória, a historicidade e a identidade.  E o tempo urgia, porquanto a geração que fez a guerra colonial (ou a guerra de libertação, conforme os lados da barricada), estava a desaparecer... Mais rapidamente na Guiné, devido à menor esperança média de vida à nascença dos homens guineenses da geração da guerra...

Também falámos da  situação económica, social e política da Guiné-Bissau, nessa épcoca (2006).  Dos medos e das esperanças que os guineenses sentiam em relação ao futuro. Do retorno à pertença e à identidade étnicas, na ausência de um Estado de direito que garantisse a proteção e o respeito do indivíduo e da sua família... Dos terríveis acontecimentos de 1998, que levaram o Pepito e a família a refugiar-se em Cabo Verde, terra de seu pai... E do doloroso regresso a Bissau, um ano e tal depois, o retorno à casa, no bairro do Quelelé,  completamente pilhada, violada, destruída... Os livros, as fotografias, as memórias de uma vida...

O que foi espantoso, para mim,  foi  ouvir este homem, que era um profissional do optimismo, contar isto sem ódio, sem ressentimento, sem rancor, qause sem mágoa... Tinha vindo a recuperar algumas coisas, com emoção: uns negativos, umas cartas, uns livros... E isso era suficiente para lhe dar alento e força para retormar a picada de uma vida, fértil de acontecimentos, sonhos, emoções, projetos, realizações...



Seta de sinalização de um dos antigos espaldões da artilharia.
Foto: © Carlos Afeitos (2013).  Todo os direitos reservados.

Para além das suas obrigações como deputado (por Contuboel, e independente, se bem recordo), o que mais lhe dava gozo era viajar de jipe - apesar dos problemas de coluna de que já sofria, em consequência dos milhares de quilómetros feitos através das picadas da Guiné... E estar no sul, em Iemberém ou em Guileje, com os seus amigos e vizinhos... A Mata do Cantanhez, o futuro Parque Transfronteiriço do Cantanhez, era um espanto, com riquíssima fora e fauna - onde se incluíam elefantes e chimpanzés ! - e, felizmente, ainda então ao abrigo, devido ao seu isolamento, dos apetites vorazes da clique político-militar no poder em Bissau e em Conacri...

Last but not the least, o Pepito também gostaria de ter contactos com todas as companhias que passaram por Guileje e, se possível, ter acesso a uma resumo da sua actividade operacional na região. Disse-lhe que esse pedido não seria  difícil de conseguir... Mais difícil seria desencantar, adquirir, encaixotar e transportar o raio do obus 14!... E a verdade é que o tempo passou e a gente esqueceu-se mesmo do obus!... Mas seguramente não vamos esquecer-nos do nosso querido amigo Pepito!...Dele e do Zé Neto, o primeiro a falar-me do Pepito.

Até sempre, amigos Pepito e Zé Neto! Um alfabravo para o Nuno Rubim a quem desejo saúde e longa vida.
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4 comentários:

Luís Graça disse...

Lamentavelmente, por obrigações profissionais, não pude estar presente na cerimónia de homenagem que foi feita, hoje, na Fundação Mário Soares (FMS), ao nosso querido amigo e grã-tabanqueiro Pepito, que nos deixou no passado mês de fevereiro.

A FMS estava (e continua a estar) a colaborar com a AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONGD de que o Pepito foi cofundador e diretor executivo, no projeto Memorial da Escravatura do Cacheu, tal como foi parceiro da AD na construção do Núcleo Museológico Memória da Guiné...

Sei que alguns dos nossos grã-tabanqueiros associaram-se à cerimónia: caso do Eduardo Costa Dias (orador), do Hélder Sousa, do Manuel Joaquim, do António Estácio, alguns dos nomes que me foram referenciados pela Alice e pela João Graça que me foram representar e que levaram consigo o meu vizinho (e nosso grã-tabanqueiro também) o António Baldé, natural de Contuboel, ex-1º cabo da CART 11 (1970/71), e pai da Alicinha do Cantanhez, colaborador do Pepito nos serviços agrícolas da GB, e seu grande amigo e admirador...

Espero que alguém tenha feito fotos e tomado notas das várias intervenções. Sei que esteve presente o Henrique Schwarz (orador), um dos irmãos do Pepito, além da Isabel Levy e os filhos, Cristina, Ivan e Catarina.

A Joana aproveitou a ocasião para oferecer à Isabel o acrílico que reproduzimos aqui neste posta ("Africa, homenagem ao Pepito")...

A família, com exceção do Ivan (que vive e trabalha em Portugal) deve voltar para a Guiné-Bissau no próximo dia 17. Vamos, desde já desejar-lhes, uma bom regresso à casa da família, no bairro do Quelelé, em Bissau... LG

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

O "Pepito" é realmente um caso de determinação, de empenho, de capacidade de 'renascer' dos murros no estômago que a vida (principalmente a maldade dos homens menores) lhe foram pregando.

O mais importante, agora que a sua presença física de desvaneceu, é que o seu legado possa ser continuado. A Guiné e o seu Povo, merecem.

Na homenagem que hoje lhe fizeram, perante um auditório, relativamente pequeno, com cerca de 95 lugares sentados e onde estavam cerca de 130 pessoas, ficando muitas no átrio, alguns dos nossos "Tabanqueiros" também marcaram presença, lembro assim de repente, com o risco de cometer injustiça para algum que não tenha visto ou reconhecido, o Estácio, o Manuel Joaquim e esposa, para além de mim e de Eduardo Costa Dias que foi um dos intervenientes, e também vi a Joana Graça e a Alice Carneiro.

Foi, como não podia deixar de ser, um sessão carregada de emotividade, nos oradores e no público, entrecortada por deliciosos apontamentos de humor com citações e leitura de passagens escritas que o Pepito foi deixando.

Hélder Sousa

Bispo1419 disse...

Cheguei com algum atraso à sessão de homenagem ao Pepito. Eis o porquê:
Ia eu a caminho com a minha companheira Deonilde quando, ali ao Camões, nos "salta" à frente uma senhora a dirigir-me a palavra com certo entusiasmo. Pensei logo naqueles encontros imediatos com propagandistas da sorte ou de promessas salvíficas que por vezes nos atacam na rua. Tentei esquivar-me mas, de repente, percebi uma frase que me atingiu em cheio:
- Vão para a sessão do Pepito?
Que estranha pergunta vinda de alguém que não conheço, e não tendo eu dito nada a ninguém sobre o assunto. E não é que adivinhou mesmo? Que coisa! Quem será?
- Vamos sim! - respondi.
- Eu também gostava muito de ir mas não posso, tenho que ir ter com ...
- A senhora é ...
- Estou na Liga dos Combatentes e ... ah as vossas cartas de amor no blogue do Luí...
- Espere aí, já sei, chama-se Julieta...
- Teresa, Teresa Almeida!
- Ah pois é, desculpe, desculpe, já me lembro, a senhora até nos mandou uns mails quando as cart...
- Ah - interrompeu ela - as vossas cartas de amor no blogue do Luís Graça! Tão lindas!
E dirigindo-se à minha esposa:
- Aquela sua fotografia com uma frase ...
- "Hás-de voltar", mandei-lha pelo Natal.
- Pois é, "hás-de voltar"! Que amor tão lindo! Adorei as vossas cartas, fiquei tão emocionada ... até as mostrei ao senhor general ... O que vocês sofreram!...
E a conversa lá continuou, numa atmosfera de simpatia e carinho mútuos, com alguma emoção de permeio. Quem conhece a D. Teresa Almeida e a sua relação afetiva com os antigos combatentes, sabe bem do que falo.

Estou a falar de Maria Teresa Almeida, funcionária da Liga dos Combatentes e membro(?) associado deste blogue. Impressionante o facto de nos reconhecer assim, num fortuito encontro de rua sem nunca nos ter visto "ao vivo", só através das nossas fotos aqui publicadas! A maneira como nos tratou foi como se nos conhecesse pessoalmente há muito tempo e nos dedicasse grande amizade.
Enfim, um agradável e estimulante encontro que nos tornou o dia um bocadinho mais belo.

Quanto à sessão de homenagem ao Pepito, o Helder já deu (acima) notícia. "Conheci" o Pepito através das relações institucionais e de amizade entre a sua AD e a "minha" Ajuda Amiga. Pessoalmente, só uma vez nos encontrámos. E foi num almoço/convívio organizado por membros da Ajuda Amiga, em sua homenagem e de sua esposa Isabel. Foram só umas seis ou sete horas mas foram suficientes para eu ficar a perceber o excecional valor cívico de tal casal.

A memória que tenho das qualidades humanas do Pepito e o conhecimento factual da fantástica obra que desenvolveu mostram-me quão grande foi a perda que a Guiné-Bissau sofreu com a sua morte. Mas a sua obra aí está, na agricultura e nos cuidados de saúde, no ensino, na preservação da memória histórica, na "media" comunitária, na formação cívica, na conservação e defesa do meio ambiente, etc. etc.
Nada disto pode parar, seria a "morte" de Pepito. E Pepito não merece, não pode "morrer". Para bem do seu país, da sua querida Guiné-Bissau, há que não desanimar mas, sim, continuar a sua obra com o mesmo entusiasmo, aquele que ele tão claramente mostrava.

O Pepito foi-se embora, forçado pelas circunstâncias da vida. A Guiné-Bissau perdeu um dos seus valorosos filhos. Os seus amigos choram a sua partida. Os amigos do seu país lamentam o sucedido.

As palavras, muitas vezes carregadas de emoção, que a seu respeito alguns dos seus amigos mais próximos deixaram expressas nesta sessão, mais acentuaram essa minha convicção do alto valor de tal perda. Finalizo como o fez um deles, Mário Barbosa:

Hasta siempre, Pepito!


a) Manuel Joaquim

Anabela Pires disse...

Olá Luís, bom dia!
Ando sempre a "navegar" pelos sites e blogs onde posso ler sobre o Pepito. Deve ser uma forma de partilhar a tristeza pela sua tão dolorosa partida. Também não me foi possível ir ontem à homenagem mas uma amiga minha, que só o conhecia por eu tanto lhe falar dele, esteve lá, anónima, por mim.
E hoje vim aqui, ver se havia já notícias da homenagem. Em 1º lugar quero que digas à Joana que adorei os quadros dela. Nada entendo de pintura, de artes plásticas e assim sendo para mim é simples - olho e gosto ou não gosto. E olhei e achei os quadros da Joana fantásticos. Tocaram-me. Os meus parabéns para ela.
Guiledje ... estive lá, tenho até umas fotos na capelinha. Lá pensei em todos aqueles que muito devem ter sofrido naquele sítio. Lá pensei como é grandiosa a aproximação entre todos, fossem militares portugueses, fossem militares do PAiGC. Os Fulas ... foi com quem mais convivi nos 3 meses que estive em Iemberém. E por tudo isto aqui te mando umas palavrinhas que enviei à Isabel há dois dias:
" Para mim isto continua a ser um sonho mau. Nem consigo imaginar a Guiné sem ele e sem o seu sorriso. Por outro lado, há dias, dei comigo a pensar que a vida me deu um presente quando vos conheci e vocês me deram a oportunidade de estar na Guiné como voluntária. Levei anos a ouvir falar em vocês, sabia que o Pepito dirigia uma ONG, mas nada mais sabia. E um dia, por acaso, vi o programa "Eu sou África". Só vi o último episódio, exactamente aquele. E fiquei fascinada pois a minha forma de pensar encaixava-se completamente na maneira de pensar e agir do Pepito. E por coincidência tínhamos amigos do coração em comum e a AD tinha um projecto de Eco-Turismo onde seria fácil eu encaixar-me. Foram só 3 meses mas ainda assim foi um grande presente que a vida me deu. Deu-me a oportunidade de conhecer uma PESSOA fabulosa antes de nos deixar. E por isso, apesar da tristeza e do sentimento de vazio, tenho de estar muito grata."
É isto Luís, quem teve a oportunidade de conhecer o Pepito recebeu um presente da vida.

Um abraço,

Anabela Pires